Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8021/23.9T8VNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISOLETA DE ALMEIDA COSTA
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
FUNDADO RECEIO DE LESÃO
Nº do Documento: RP202406208021/23.9T8VNG-A.P1
Data do Acordão: 06/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - São requisitos cumulativos do procedimento cautelar comum previsto no artigo 362º do Código de Processo Civil: (i) a existência do direito tutelado ou do interesse juridicamente protegido (ii) fundado receio de que lhe seja causada lesão grave e dificilmente reparável (iii) adequação da providência à situação de lesão iminente (iv)não ser o prejuízo da providência superior ao dano que com ela se pretende evitar (v) não existência de providência específica que acautele a lesão do direito.
II - O fundado receio, do requerente da providência, há-de ser objetivo apoiando-se em factos de que decorra a seriedade da ameaça duma lesão ainda não verificada ou já iniciada mas de continuação ou de repetição iminente.
III - A providência a decretar visa afastar a lesão na demora da ação que não se confunde com a lesão do direito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 8021/23.9T8VNG-A.P1

Sumário (artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil)
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ACORDAM OS JUIZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. Relatório

A..., UNIPESSOAL, LDA. Demandou AA e esposa, BB, e B..., UNIPESSOAL, LDA, no presente procedimento cautelar, não especificado, requerendo:
a)Que lhe seja concedido o direito de aceder ao estabelecimento comercial sito na Avenida ..., ... para, com recurso aos meios adequados à concretização em segurança da operação, recolher os bens identificados no artigo 25º do requerimento inicial;
b)Subsidiariamente, proceder ao arrolamento daqueles bens;
Regularmente citados, os Requeridos não deduziram oposição, nem constituíram mandatário.
Ao abrigo do disposto no art. 567º nº 1, ex vi do art. 366º nº 5, do C.P.C., consideraram-se confessados os factos articulados pela Requerente.

SEGUIDAMENTE FOI PROFERIDA SENTENÇA QUE
A) JULGOU IMPROCEDENTE O PRESENTE PROCEDIMENTO CAUTELAR QUANTO À REQUERIDA BB;
B) DETERMINOU A ENTREGA À REQUERENTE DOS BENS IDENTIFICADOS NO FACTO 23º DA PRESENTE DECISÃO.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO DA SENTENÇA:
1) A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, detentora de 50% do capital social da sociedade comercial denominada C..., Lda;
2) A sociedade C..., Lda era detentora de uma participação social no valor de €2.450,00, correspondente a 49% do capital social da sociedade D..., Lda;
3) A Requerente e as sociedades C..., Lda e D..., Lda tiveram um gerente comum, CC;
4) Que é ainda gerente da aqui Requerente;
5) O referido CC renunciou à gerência da sociedade D..., Lda juntamente com o outro gerente, o primeiro Requerido, em 21 de junho de 2021;
6) A sociedade D..., Lda foi declarada insolvente, por sentença
datada de 1.09.2021;
7) CC (…), descobriu que o Requerido AA possuía, na Avenida ..., ..., Vila Nova de Gaia, um imóvel de três pisos, (…) dos quais o primeiro piso tinha um restaurante que nunca funcionou e o segundo piso se encontrava devoluto.
A segunda Requerida, sociedade unipessoal explorava uma pastelaria no piso 0;
8) (…)CC contactou o primeiro Requerido, propondo-lhe tomar de arrendamento aqueles dois pisos, (1° e 2°), para neles instalar um restaurante e um sushi bar;
9) O primeiro Requerido aceitou a proposta, mas condicionando-a à constituição de uma sociedade em que ele deteria uma participação maioritária;
10)(…)CC aceitou esta condição;
11) Em 17 de outubro de 2019, o primeiro Requerido e CC, através da sociedade C... Lda, constituíram a sociedade D..., Lda, com sede no referido espaço, na Avenida ..., ... ... Vila Nova de Gaia, onde iria ser aberto e explorado o novo restaurante desta;
(…)
(14) Ficou acordado entre os sócios e os gerentes da D..., Lda que o primeiro Requerido apenas cederia em arrendamento os pisos 1 e 2 do seu imóvel;
15) E que tudo o mais que fosse necessário à instalação, conceito, abertura, funcionamento e exploração do restaurante da nova sociedade seria da responsabilidade do gerente CC e da sócia C..., Lda;
(…)
22) Como, entretanto, a sócia C... Lda não dispunha de meios suficientes para fazer face às necessidades financeiras de que a sua nova participada D... e o seu restaurante E... careciam, esses meios foram aportados pela Requerente;
23) (…) A Requerente adquiriu para o Restaurante E... e instalou no espaço locado ao primeiro Requerido os equipamentos necessários e indispensáveis ao seu funcionamento, de acordo com a imagem, identidade e decoração projetadas pelo gerente CC, a saber:
a) Os equipamentos discriminados na fatura nº ..., emitida por “F..., Lda.”, no valor de € 12.857,89;
b) A torneira misturadora com chuveiro e bica MB1BD e bicha MA 1/2x1/2 MF com 0,8 m, o candeeiro de aquecimento e a lâmpada de aquecimento discriminados na fatura nº ..., emitida por “F..., Lda.”, no valor (sem IVA) de € 853,06;
c) A máquina de lavar louça descrita na fatura nº ..., emitida por “F..., Lda.”, no valor de € 1.845,92;
d) Os equipamentos discriminados na fatura nº ..., emitida por “F..., Lda.”, no valor de € 7.962,71;
e) Os equipamentos discriminados na fatura nº ..., emitida por “F..., Lda.”, no valor de € 5.089,89;
f) Os utensílios discriminados na fatura nº ..., emitida por “G..., Lda.”, no valor de € 395,69;
g) Os utensílios discriminados na fatura nº ..., emitida por “G..., Lda.”, no valor de € 620,85;
h) Os utensílios discriminados na fatura nº ..., emitida por “G..., Lda.”, no valor de € 10.210,16;
i) Os utensílios discriminados na fatura nº ..., emitida por “G..., Lda.”, no valor de € 1.629,87;
j) Os utensílios discriminados na fatura nº ..., emitida por “G..., Lda.”, no valor de € 986,64;
l) O mobiliário discriminado na fatura nº ..., emitida por “H..., Lda.”, no valor de € 5.073,75;
m) Os estores descritos na fatura nº..., emitida por “I..., Lda.”, no valor de € 3.075,00;
n) Os cortinados descritos na fatura nº..., emitida por “I..., Lda.”, no valor de € 1.968,00;
o) Os equipamentos discriminados na fatura nº ..., emitida por “J..., Lda.”, no valor de € 2.552,25;
p) A cadeira descrita na fatura nº ..., emitida por “K..., SL”, no valor de € 1.193,37;
q) A cadeira descrita na fatura nº ..., emitida por “K..., SL”, no valor de € 64,54;
r) A cadeira descrita na fatura nº ..., emitida por “K..., SL”, no valor de € 252,18;
s) Os materiais de carpintaria discriminados na fatura nº ..., emitida por “Paulo L..., Lda.”, no valor de € 4.637,10;
t) Os espelhos descritos na fatura nº ..., emitida por “M... Unipessoal, Lda.”, no valor de € 1.025,00;
u) O espelho descrito na fatura nº ..., emitida por “M... Unipessoal, Lda.”, no valor de € 2.100,00;
v) O dispensador de gel com botão de pé e mão “...” descrito na fatura-recibo nº ..., emitida por “N..., Lda.”, no valor de € 199,00;
x) As tábuas de madeira descritas na fatura nº ..., emitida por “O..., Lda.”, no valor de € 856,45;
24) Todos os bens e equipamentos acima elencados foram entregues e instalados no restaurante “E...”, no local do seu funcionamento, na Avenida ..., ..., Vila Nova de Gaia, para o serviço e uso exclusivos do restaurante;
25) Todo o espaço do imóvel e tudo quanto nele se inclui – tirando o piso 0, onde funciona a pastelaria da segunda Requerida – se encontrava afeto ao uso exclusivo do restaurante “E...” e dos seus clientes;
26) O custo dos equipamentos acima referidos foi integralmente assumido e adiantado pela Requerente para esse fim único e exclusivo;
27) Sendo certo que a D..., Lda nunca os pagou, embora usufruindo deles sempre com o consentimento da Requerente e do seu gerente comum;
(…)
32)Em março de 2020 desencadeou-se a pandemia da Covid 19 que afetou brutal e dramaticamente a atividade da restauração;
(…)
34) e 38)Em meados de 2021, (…) o Requerido AA proibiu a reabertura, bem como proibiu a entrada do Chef DD nas instalações;
39)
40) e 41)
(…) ocupou o espaço (…)

E em meados de julho de 2021, abriu ele o restaurante, mudando-lhe o nome para “P...” e em proveito exclusivo da sua sociedade unipessoal, a aqui segunda Requerida B..., Unipessoal, Lda;

(…)

42)Desde então, passou a usar os equipamentos, o serviço, os bens, o conceito, a imagem, os Menus, o sistema informático e os funcionários da D... e do Restaurante “E...”;

(…)

45)E que o faz, quanto aos bens descritos no facto 23º contra a vontade expressa da Requerente;

(….)

48) Do acervo patrimonial da massa insolvente da sociedade D..., Lda foram excluídos os bem elencados no facto 23º;

(…)

50) Nos últimos dias teve conhecimento que o restaurante “P...” se encontra fechado ao público;

51)Encontrando-se agora o espaço fechado, completamente vedado e inacessível ao público e, nomeadamente à Requerente ou a algum dos seus representantes, podem os bens elencados no facto 24º ser daí retirados para outro local ou, ainda, que o espaço, que se encontra fechado, seja vandalizado e furtado;

DESTA SENTENÇA APELARAM OS RR AA E A B... UNIP LDA, TENDO FORMULADO AS SEGUINTES CONCLUSÕES:

(…)

D. Salvo o devido respeito a decisão ora recorrida, para além do mais, desde logo decidiu mal ao considerar preenchido o requisito do “fundado receio”, até tendo por base a alegação da factualidade ada como provada.

E. Desde logo, nos factos, indiciariamente, dados como provados em 40 e 42, é referido que desde “meados de julho de 2021”, a Requerente encontra-se privada dos bens referidos, nos autos, em 23 dos factos dados como provados.

F. Logo, se ocorreram factos que pudessem vir a integrar aquele requisito do fundado receio de lesão grave e difícil reparação, os mesmos remontariam sempre à referida data, i. é, Julho de 2021, altura em que a Requerente deixou de ter acesso a tais bens (…)

G. Pelo que, salvo melhor entendimento, aquando da entrada do procedimento cautelar in casu, o direito à sua “utilização” já não fazia qualquer sentido, uma vez que, a existir qualquer perigo/receio, o mesmo “corporizou-se” em 2021, como referido. (…) Pelo que, não há iminência / atualidade de qualquer lesão de direito!
H. Logo, a entender a Requerente que teria qualquer direito sobre tais bens, face ao tempo decorrido, nada mais lhe restaria do que dar entrada, hodiernamente, de um processo comum e nunca um procedimento cautelar como o fez e como veio a ser decretado, de forma, salvo o devido respeito, errónea.

(…)

L. Quanto à lesão, a gravidade e a difícil reparação são requisitos cumulativos, pelo que não merecem tutela cautelar as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, ainda que irreparáveis, bem como as lesões graves mas facilmente reparáveis, havendo que lançar-se mão de um juízo de proporcionalidade e razoabilidade entre o direito cuja lesão é receada e os factos em que o receio se traduz.

M. No caso dos autos, a lesão que a requerente pretendia evitar é a retirada dos bens do local, bem como o perigo de vandalização e furto.

(…)

T. E o facto de o requerido manter na sua posse tais bens e caso os mesmos fossem extraviados e / ou vendidos, a Requerida tinha sempre meio equivalente de ressarcimento / pagamento dos mesmos, se a isso houvesse lugar, através da execução do património, nomeadamente, porque tal como resulta dos factos dados como provados, os Requeridos são detentores de património avultado (facto 7 quando refere que “o Requerido AA possuía, na Avenida ..., ..., Vila Nova de Gaia, um imóvel de 3 pisos”, “explorando a sociedade unipessoal, a segunda Requerida, uma pastelaria no piso 0”).

U. Daí que sempre a requerente se poderia ressarcir dos danos resultantes do extravio / desaparecimento dos bens.

(…)

W. Face ao exposto a douta decisão recorrida violou, designadamente, as seguintes normas legais previstas nos artigos 362.º n.º 1 e 368.º, n.º 1 do CPC/2013.
Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso proceder, revogando-se a decisão recorrida.

RESPONDEU A RECORRIDA A SUSTENTAR O ACERTO DA DECISÃO

Nomeadamente que o requisito do fundado receio decorre do facto de o restaurante ter sido encerrado ao público em 2023, pouco antes da instauração da providência.

Estando o espaço fechado ao público, o receio de extravio ou de vandalismo perpetrado por terceiros agudizou-se acentuadamente, algo que também não foi em tempo contestado pelos Recorrentes.

A decisão ora em crise é uma decisão cautelar, que se funda num juízo indiciário da existência do direito e do perigo do não decretamento, estando mais do que demonstrada e justificada a verificação dos requisitos de que depende o decretamento da providência.

Nada obsta ao mérito

II.OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).

Atentas as conclusões da recorrente a única questão a decidir é a de saber se neste procedimento cautelar estão provados factos que consubstanciam o requisito do periculum in mora.

III.O MÉRITO DO RECURSO:

IV.FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra.

V.FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:

V.1.Os Recorrentes sustentam que não está verificado o periculum in mora, porque não se

verifica em ameaça de lesão séria e dificilmente reparável do direito invocado, logo, a apreciação do recurso apenas visa este requisito devendo ter-se como aceite pelos Recorrentes a verificação dos demais requisitos do procedimento (artigo 635º, nº 4, do Código de Processo Civil.

Isto posto,

V.2. Procedimento cautelar comum. Requisitos.

V.2.1 Os presentes autos são de procedimento cautelar comum, com sede legal no artigo 362º do Código de Processo Civil e regulamentação nas normas subsequentes.

Dispõe a referida disposição legal sob a epígrafe “âmbito das providências cautelares não especificadas” no nº 1, que: “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”.

Em anotação ao preceito, escreve Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil anotado, vol 2º, 4ª ed. p. 7: “O requerente da providência há-de por um lado afirmar a existência do direito tutelado ou do interesse juridicamente protegido (…) e por outro lado o fundado receio de que lhe seja causada lesão grave e dificilmente reparável. Dadas a provisoriedade da medida cautelar e a sua instrumentalidade perante a ação de que é dependência, bastar-lhe-á fazer prova sumária da existência do direito ameaçado (…); mas já não basta a prova sumária no que respeita ao periculum in mora, que deve revelar-se excessivo: a gravidade e a difícil reparabilidade da lesão receada apontam para um excesso de risco relativamente àquele que é inerente à propositura de qualquer ação; trata-se de um risco que não seria razoável exigir que fosse suportado pelo titular do direito. Dele encontramos concretizações no âmbito da providências cautelares nominadas: “dano apreciável” (art 380-1)situação de necessidade (art 388-2)perda de garantia patrimonial do crédito (art 391-1), extravio, ocultação ou dissipação de bens móveis imóveis ou documentos (art 403-1) (…) quanto ao receio do requerente da providência ele há-de ser objetivo apoiando-se em factos de que decorra a seriedade da ameaça duma lesão ainda não verificada ou já iniciada mas de continuação ou de repetição iminente”(…).
2.2 Alinhada deste modo a concetualização do essencial deste procedimento cautelar podemos sintetizar que o seu decretamento depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

a) – Probabilidade séria da existência do direito invocado;

b) – Fundado receio de que outrem, antes de a ação ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito (periculum in mora);

c) – Adequação da providência à situação de lesão iminente;

d) – Não ser o prejuízo resultante da providência superior ao dano que com ela se pretende evitar;

e) – Não existência de providência específica que acautele aquele direito.

V.3.Daqui para os autos.

V.3.1 A matéria relevante neste segmento é a que (i) consta dos pontos de facto nº 23; 24; 40, 42 e 45 (identificação/ propriedade e colocação dos bens moveis no local agora explorado pelo(s) requerido(s) contra a vontade da requerente) (ii) facto nº 7 (património do requerido) (iii) factos nº 50 e 51 (encerramento do restaurante e receio de vandalização, furto ou descaminho dos bens).

Vejamos então.

Nesta sede, de procedimentos cautelares, como ficou referido, a “probabilidade séria da existência do direito invocado” basta-se com um mero juízo de verosimilhança, isto é, com uma prova sumária; já a apreciação dos factos integradores do “periculum in mora” exige um critério mais rigoroso.

Neste patamar de apreciação, há que reafirmar que os factos integradores do “periculum in mora” devem ser alegados pela requerente a quem incumbe a sua prova – não bastando um mero juízo de verosimilhança – importa demonstrar efetivamente os danos que a providência visa acautelar e, bem assim, a prova da gravidade e da difícil reparação das consequências danosas da manutenção do “status quo” ou seja factos objetivos e substanciadores (i) do dano apreciável (ii) da perda de garantia patrimonial do crédito com a demora da ação.
Fixa-se que, neste segmento, o fundamento da providência reside no facto de a requerente ter tomado recente conhecimento de o restaurante ter sido encerrado ao publico e subsequente receio de vandalismo e extravio dos bens (factos 50 e 51).

Ora, na valoração jurídica desta matéria, ponderamos que, por um lado o simples facto de o “restaurante estar fechado e poderem os bens dali ser retirados para outro local” não habilita a concluir que efetivamente existe esse perigo, já que não vem imputada aos requeridos qualquer conduta que possa efetivamente indiciar esse propósito, sendo que tais danos para ser relevantes terão de ser concretizados em factos objetivos não se bastando com suposições ou receios.

Já, no que respeita ao perigo de vandalismo e receio de furto dos bens decorrente do encerramento do restaurante é, esta, factualidade demonstrativa de um eminente e atual perigo de lesão dos bens pertença dos requerentes, pois como é consabido os imóveis fechados estão mais sujeitos a tais riscos.

Por conseguinte, verifica-se a probabilidade séria da lesão do direito de propriedade dos requerentes.

Sucede que, para decretar a providência não basta a ameaça de lesão ao direito. É indispensável que esta lesão seja de difícil ou impossível reparação.

V.3.2 Há pois, subsequentemente, que verificar se a esta ameaça de danos ao direito, (que não se confunde com os danos que a providência visa prevenir que são os danos resultante da demora na restauração do direito) constitui uma ameaça de lesão de impossível ou muito difícil reparação.

Com efeito, a tutela consentida pelo procedimento cautelar comum é uma medida provisória, destinada a acautelar o efeito útil normal da ação principal que apenas contempla as lesões graves e de difícil reparação, ficando arredadas do círculo de interesses acautelados por este meio, ainda que se mostrem de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, do mesmo modo, que são afastadas as lesões que, apesar de serem graves, sejam reparáveis ou facilmente reparáveis.
No caso de direitos patrimoniais não é qualquer lesão que, no procedimento cautelar comum, justifica a intromissão na esfera jurídica dos requeridos, antes exige-se um prejuízo irreparável ou de difícil reparação que em concreto decorrerá, por regra da perda/diminuição da garantia patrimonial decorrente da demora da ação.

Ora, dos factos provados de que se evidenciam os supra enumerados, não se vislumbra quais os danos que a demora da ação provoca à requerente e menos ainda se encontra substanciada a difícil reparação que, in casu, equivaleria à impossibilidade ou muito difícil restauração do direito ofendido, com a demora.

Neste sentido, Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil”, III volume, pág. 85: “especialmente quanto aos prejuízos patrimoniais, o critério deve ser bem mais rigoroso do que o utilizado quanto á aferição dos danos de natureza física ou moral, uma vez que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou indemnização substitutiva”.

É que não basta uma mera lesão jurídica, exige-se uma real, efetiva e objetiva lesão ‘in natura’, bem como não basta um qualquer despiciendo dano, lesão ou prejuízo, mas antes impõe-se um prejuízo relevante, irreparável ou de difícil reparação.

Note-se que qualquer providência tem cariz excecional e apenas pode ser usada em situações de urgência e cabal necessidade, quando a ação de que é dependente não possa, atempadamente, apreciar e tutelar – pelas vias normais e com plena igualdade de armas dos litigantes – o pedido do autor (cfr. Acórdãos do TRG de 01/02/2011 (ANA CRISTINA DUARTE) 4621/10.5TBBRG.G1 e de 21/9/2017 (JOSÉ AMARAL) 1483/17.5T8BLC.G1-1, in www.dgsi.pt

O procedimento cautelar não se destina a declarar o direito que se pretende ver reconhecido na ação principal, antes e tão somente, visa evitar a inutilização prática desse direito, em virtude de uma lesão ou de uma ameaça de lesão que ao mesmo é feito antes ou no decurso da ação, com prejuízo sério e dificilmente reparável ao seu titular. (Neste sentido, o Ac. desta RP de 29/6/2017 (PAULO DIAS DA SILVA) 25601/16.1T8PRT.P1, ainda, o Ac. RL de 5/7/2018 (JORGE VILAÇA) 5243/18.8T8LSB-A.L1-2, in www.dgsi.pt)
Não constando da fundamentação de factos constante da decisão recorrida, minimamente elencado, qualquer facto do qual se possa extrair o tal prejuízo excessivo e, por isso, intolerante, desproporcionado ou inexigível para a Requerente com a demora da ação, é de concluir, desde logo, pela ausência deste requisito.

Está, por consequência irremediavelmente comprometido o decretamento da providência requerida que não deveria ter sido decretada.

SEGUE DELIBERAÇÃO:

PROVIDO O RECURSO. REVOGADA A DECISÃO APELADA, DECRETANDO-SE A IMPROCEDÊNCIA DA PROVIDÊNCIA REQUERIDA COM A CONSEQUENTE ABSOLVIÇÃO DOS RR DO PEDIDO.

Custas pelos recorridos.

Porto, 20-06-2024
Isoleta de Almeida Costa
António Carneiro da Silva
Isabel Silva