Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
471/20.9PIVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO AFONSO LUCAS
Descritores: ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DE FACTOS
PROIBIÇÃO DE PROVA
AUTO DE DENÚNCIA
FICHA DE REAVALIAÇÃO DE RISCO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
NULIDADE DA SENTENÇA
Nº do Documento: RP20221109471/20.9PIVNG.P1
Data do Acordão: 11/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Ainda que determinados factos já hajam sido aludidos na investigação em sede de inquérito, mas não tendo os mesmos sido objeto de acusação (ou de pronúncia) nem arquivamento, tais factos podem integrar a comunicação de alteração não substancial de factos efetuada nos termos do art. 358.º do Código de Processo Penal (verificados que sejam os demais pressupostos do regime aí em causa) e ser, assim, considerados em julgamento e na subsequente sentença.
II - Do teor do art. 358.º do Código de Processo Penal não resulta a necessidade de a comunicação de alteração de factos ser acompanhada da indicação dos concretos meios de meios de prova que os indiciam.
III - Se, apesar da utilização desnecessariamente equívoca e desadequada, aquando da comunicação da alteração dos factos, da expressão «resultam provados…os seguintes factos», se constata pela subsequente materialidade do processo que foi afinal respeitado o carácter necessariamente provisório, e dependente do exercício do contraditório, do juízo de demonstração dos factos em causa, não se mostra cometida a nulidade prevista no art. 379.º/1/b) do Código de Processo Penal.
IV - Nem o auto de denúncia (que apenas demostra documentalmente, além da sua própria existência, que determinados factos foram objeto de denúncia, comunicada em determinadas circunstâncias de modo, tempo e lugar, e por qualquer motivo), nem as designadas fichas RVD – de reavaliação de risco para situações de violência doméstica, peças elaboradas nos autos pelo O.P.C. competente, são elementos processuais que consubstanciem meio de prova relativamente à materialidade dos “factos” que nos mesmos se consignam, e cuja demonstração sempre será procurada por outra via no âmbito da investigação.
V - Se a sentença recorrida sustenta no teor daqueles elementos processuais a própria prova da prática dos factos materiais que agora tem por assentes, estamos em presença de utilização de prova proibida – e, porque proibida, estamos perante prova nula, por aplicação analógica do regime previsto no art. 126.º do Cód. de Processo Penal.
VI - Assentando em prova proibida e nula, necessariamente deverá considerar–se a sentença também afetada de nulidade, o que cumpre declarar oficiosamente, determinando a remessa dos autos de novo à primeira instância para elaboração de nova decisão que, analisando a restante prova válida, mantenha ou modifique em conformidade a matéria de facto e a respetiva matéria de direito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 471/20.9PIVNG.P1

Tribunal de origem: Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia, Juiz 4 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto :

I. RELATÓRIO

No âmbito do processo comum (tribunal singular) nº 471/20.9PIVNG que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia – Juiz 4, em 24/03/2022 foi proferida Sentença, cujo dispositivo é do seguinte teor :
«VIII - DECISÃO:
Nestes termos, julgo a acusação pública totalmente procedente, por provada, e em consequência decido:
a) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea a) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 01 (um) mês de prisão;
b) Suspender a execução da pena de 2 (dois) anos e 01 (um) mês de prisão aplicada ao arguido AA por igual período de 2 (dois) anos e 01 (um) mês, sujeita a regime de prova, direcionada para a responsabilização pelos seus comportamentos, com vista a uma maior consciencialização sobre o desvalor das condutas de violência nas relações de intimidade e para os padrões relacionais disfuncionais, mediante plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP, e com imposição das seguintes obrigações e regras de conduta:
- responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social;
- receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar-lhe à disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;
- informar o Técnico de Reinserção Social sobre alterações de residência;
- frequentar o Programa para Agressores de Violência Doméstica dinamizado pela DGRSP;
c) Condenar o arguido AA no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 6 U.C., nos termos do disposto no artigo 513º do Código de Processo Penal, e no artigo 8º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais.»
*
Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 29/04/2022, o arguido AA, extraindo da motivação as seguintes conclusões :
A. Nem o Ministério Público nem a assistente cuidaram de fazer prova cabal das realidades imputadas na acusação pública., sendo certo que não competia ao arguido fazer a prova da sua inocência e sendo certo que a prova de toda a factualidade constante da acusação – da original, e da “aditada” pela “alteração não substancial dos factos” – provém, praticamente de forma exclusiva, das declarações interessadas da assistente, mesmo relativamente a aspectos ou circunstâncias que, de acordo com a normalidade do devir ou do acontecer, ou das regras da experiência comum, deveriam, obter prova de outra natureza, fosse testemunhal, pericial, documental, etc…
B. Grande parte das “alterações não substanciais dos factos”, comunicadas na audiência de 18/01/2022, não contemplam factos verdadeiramente “novos” nos autos, que tivessem sido revelados, descobertos, trazidos a juízo, inovadoramente, no decurso da audiência de julgamento, mas antes, constituem, em boa medida, factos “velhos”, “requentados” ou “reciclados” do inquérito, já há muito invocados pela assistente e pela sua muito competente representação, e que, em devido tempo, não foram acolhidos, como era mister, pelo Ministério Público (nem pelo Juiz de Instrução Criminal), sendo certo que
C. Ademais, como se apontou em 2/2/2022, na resposta à notificação da alteração não substancial dos factos, “após deferimento do prazo requerido para apresentação de defesa, a Mma. Juíza logo decidiu que “Para leitura da sentença, designo o próximo dia 31-01-2022 às 13h30m, neste Tribunal.” (sublinhado do original, em acta), o que alerta para uma predisposição para a condenação, independentemente da prova que o arguido viesse a apresentar, como apresentou, rebatendo ponto por ponto os “factos novos”.
D. Foi violada a estrutura acusatória do processo penal, desconsiderados os princípios relativos ao ónus da prova, violado ainda o princípio da presunção da inocência e o princípio in dubio pro reo – como se fosse exigível ao arguido provar a sua inocência – e foi desconsiderado o princípio e limiar da dignidade/necessidade de tutela penal e a natureza de ultima ratio do direito penal.
E. Salvo o devido respeito, que é muito, a sentença recorrida padece de erro notório na apreciação da prova e erros de julgamento tanto em matéria de facto como em matéria de direito, sendo certo que nas alegações antecedentes, o arguido cumpriu de forma detalhada os ónus impostos pelo art. 412º, n.º 3 do CPP – designadamente transcrevendo as concretas passagens das declarações e testemunhos que impunham decisão diversa, concatenadas com exuberante prova documental no mesmo sentido – e cumpre nas presentes conclusões o previsto no n.º 2 do mesmo artigo.
F. O arguido considera incorrectamente julgado o “FACTO PROVADO” 5º, que deverá ser alterado para não provado, ou pelo menos deveria ser aditado no sentido de que a saída do arguido da GNR se deveu à impossibilidade por ele sentida de conciliar a vida familiar com a profissional, para estar mais tempo com a família e ter uma profissão não tão perigosa.
G. O facto provado 6.º deveria ser alterado para “a partir de finais de 2014, o arguido passou a dedicar-se a tempo inteiro à construção e colocação em funcionamento de um estabelecimento … que começou a funcionar na época balnear de 2015.”; sendo falso que, como a assistente repetiu, o arguido tivesse estado 2 anos sem trabalhar, “ao alto”, “sem fazer nenhum” (expressões do arguido para devida ilustração).
Acrescendo que este facto provado está em contradição com o facto provado 45.º, nunca podendo ambos subsistir com a versão constante da sentença.
H. O facto provado 7.º é impreciso e como tal não pode ser aceite.
I. Os factos provados 9.º a 12.º são vagos, genéricos e imprecisos, desprovidos de qualquer exemplo minimamente concreto que a acusação tivesse conseguido carrear para os autos, e como tal violam os direitos de defesa do arguido, que não pode, nem consegue, defender-se de tal nível de imputações – o que aliás, não é exigível nem admissível num processo justo e equitativo.
J. A própria assistente descreve as “discussões” como “às vezes podia até, podíamos falar um bocadinho mais alto” – o que representa um conceito muito sui generis e totalmente irrelevante do ponto de vista penal, independentemente da qualificação jurídica.
K. Acresce que as supostas expressões “parva” e “estúpida”, sem mais demonstração frásica concreta – também há discussões parvas e estúpidas – são virtualmente inofensivas, não sendo susceptíveis de constituir injúria, nem de ofender a honra e consideração de quem quer que seja, o mesmo sucedendo eventualmente com as supostas “ofensas” “Não valia nada” ou “não sabia nada”.
L. Os factos 11.º e 12.º devem ser dados como não provados, uma vez que o suposto móbil da “ameaça”, v.g. ficar com o dinheiro todo, herdar o património da assistente, era uma impossibilidade de facto e de direito, no caso concreto: arguido e assistente casaram civilmente em 9/6/2012 e com precedência de convenção antenupcial de 24/5/2012, adoptando o regime da separação de bens; e vieram a casar catolicamente em 11/6/2016, com precedência de pacto sucessório de 25/5/2016, em que renunciavam reciprocamente a eventuais direitos sucessórios!
M. Casamento e convenção estes, que a assistente ocultou das instâncias; sendo certo que antes de eles terem sido revelados nos autos, pelo arguido, em sede de defesa contra alterações não substanciais dos factos, ainda se dignou a assistente, superiormente representada, em questionar e insinuar ao arguido que ele tinha assinado um documento que lhe garantia direitos de herança sobre a assistente – i.e., exactamente o inverso da verdade material ulteriormente apurada.
N. A este propósito, cumpre ADITAR À FACTUALIDADE PROVADA a data, tipo, local e contexto do casamento do casal e respectiva boda internacional com grande pompa e circunstância, e conteúdo da respectiva convenção antenupcial, aliás documentalmente provadas – isto por relevante no caso, da mesma forma que no contexto e para a formação da “imagem global do facto”, é relevante o facto 48º.
O. É facto que contribui decisivamente para desmistificar toda a teia que a assistente pretendeu construir sobre a personalidade supostamente pérfida do arguido, porque o facto indesmentível é que se a assistente morresse, o arguido não ficava com dinheiro algum dela, à luz do direito, da convenção antenupcial e do pacto sucessório (caindo por terra o móbil fabricado pela assistente para consubstanciação das pretensões criminosas do arguido e para justificação de alegados medos e temores de que ele mataria a esposa para lhe ficar com o património).
P. Se isto é mentira, então a exibição da arma, acto contínuo ou concorrente com o proferir dessas expressões – falsas e mentirosas – é também ela falsa e inventada pela assistente; devendo notar–se que este facto comunicado em sede de “alteração não substancial” não constituía “facto novo” adquirido no decurso do julgamento, pois já no decurso do inquérito tinha havido alusão a uma suposta arma do arguido, como flui do auto de inquirição de testemunha de fls. 65, do pedido “muito urgente” do MP ao Núcleo de Armas e Explosivos da PSP, aos 17/09/2020 (fls. 127), na senda de despacho de 16/09/2020 (fls. 140 ss.), em que além do mais foi promovida a emissão de mandados de busca e detenção, e sendo certo que do auto de denúncia, inquestionado, consta referência expressa da assistente à existência de arma, mas inexistência de uso da mesma, ou ameaça de tal uso, pelo arguido; acrescendo que no dia 23/10/2020 foi o arguido detido e buscadas a residência e o automóvel, incluindo, sala, quartos, sótão com cofre, garagem, lavandaria, jardim… no âmbito das quais “não foram encontrados nem apreendidos quaisquer objectos com interesse para o processo”; acrescendo informação do COMETPOR de que o arguido em 24/03/2016 efetuou a entrega voluntária da arma, encontrando-se ela depositada no Núcleo de Armas e Explosivos; e tendo este “trecho factual” sido apreciado em tempo pelo JIC no sentido de que “o depoimento da [assistente] não merece credibilidade em face do resultado da busca, o que também leva a por em causa a plausibilidade das ditas ameaças de morte proferidas ….”
Q. Este facto não podia ter integrado a alteração não substancial de factos, pelo simples motivo de que já havia sido considerado, mas descartado em inquérito, e não foi oportunamente levado à acusação, constituindo a sua repescagem uma “habilidade” da assistente, e uma completa distorção e violação das regras do processo justo e equitativo. sendo certo que, num paralelo possível, “… porque a instrução visa comprovar judicialmente a decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, não pode o assistente requerer a instrução relativamente a factos que não tivessem sido já objecto de investigação, seja, relativamente a factos novos, diversos daqueles que foram objecto de apreciação na fase de inquérito.” (Ac. TRP de 2/7/2014, Proc. 2720/09.5TAVLG.P1, www.dgsi.pt).
R. Mais: a assistente podia ter requerido a abertura da instrução relativamente aos factos pelos quais o Ministério Público não deduziu acusação, caso da suposta ameaça com arma, com fundamento no art. 287º, n.º 1, al. b) CPP, assim como podia ter acusado o arguido por esse mesmo facto, ao abrigo do art. 284º CPP, e no entanto, não o fez.
S. O facto provado 13.º, referente a uma situação de aborto espontâneo da assistente, em nada contende com “violência doméstica”, tendo ambos os membros do casal ficado tristes com o acontecimento, sendo atroz a forma como se inclui tal evento no “saco” deste crime, devendo a suposta recusa do arguido em acompanhar a assistente ao médico ser eliminada deste facto provado, do mesmo modo que deve ser aditado que o aborto entristeceu (obviamente) ambos os membros do casal – que, recorde-se, estavam casados e tinham dois filhos (um apenas da assistente mas que sempre foi tratado pelo arguido como seu próprio filho), e vieram a contrair matrimónio católico 2 anos depois desse infortúnio. Com várias provas a impor a solução.
T. O facto provado 15.º é completamente novo e inusitado, não constava da acusação de 21/7/2021, nem da comunicação de alteração não substancial de factos de 18/1/2022, para além de ser contraditório com o facto não provado d), e como tal, tem de ser eliminado do elenco dos factos provados, sob pena de se legitimar a óbvia nulidade processual ocorrida, nos termos do disposto no art.º 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, e de grave violação da estrutura acusatória do processo penal, para que remete o art. 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, que a decisão violou.
U. Os factos provados 17.º a 20.º têm de ver a sua redacção alterada e ajustada face ao facto provado 49.º, pois não integram qualquer crime – de violência doméstica ou outro – e estão perfeitamente justificados, em concreto, por necessidades pessoais e profissionais do arguido, que afastam qualquer possibilidade do seu enquadramento como sendo por ele pensados e praticados para ofensa, subjugação (…) da assistente, tratando-se ainda e em bom rigor, de verdadeiras insignificâncias possíveis num relacionamento conjugal;
V. Não pode constituir “violência doméstica”, crime pelo qual o arguido foi condenado, a contratação pelo arguido de uma empregada doméstica, sem conhecimento da assistente, para atalhar à proibição imposta pela assistente à empregada doméstica existente, de fazer tarefas para o arguido – aliás, estranha-se e muito, que o MP não tenha promovido procedimento contra a assistente, pela prática do mesmo crime, quando a assistente fez não só isto, como constituiu empresa concorrente à do casal para ela levando todos os funcionários, deixando o arguido a gerir uma empresa vazia; adquiriu casa nova e começou namoro meses antes da separação e do divórcio; deixou de transferir dinheiro para a conta de onde eram pagas despesas familiares, etc.
W. Deve ser aditado aos factos provados, por sobremaneira relevante, sendo esclarecedor do contexto da vivência do casal, e da personalidade da assistente – o que obviamente também é relevante no caso –, que, paralelamente ao facto provado 49º, e com relação aos factos provados 17.º e 18.º, em 20/02/2020 a assistente constituiu a sociedade comercial por quotas C..., Lda., NIPC ... (da qual são sócios a assistente e a sociedade comercial por quotas unipessoal com a firma D..., Unipessoal, Lda., constituída exclusivamente pela assistente, com o NIPC ...), sociedade para a qual levou todos os funcionários da N..., LDA (constituída em 2012 por ambos os membros do casal) à excepção de BB.
X. Não consta de qualquer facto provado que o arguido tenha dado ordens ou instruções para qualquer funcionário incomodar, importunar ou maltratar, fosse de que forma fosse, a assistente, ainda que a assistente como tal se tivesse sentido pela simples presença desses funcionários, pelo que, a mera prova de tal presença, com desconhecimento ou contra a vontade presumível (por quem?) dela, em nada contribui para a verificação do crime de violência doméstica pelo arguido.
Y. Os factos provados 32.º a 34º encontram-se incorrectamente julgados e merecem alteração imposta pela prova indicada, passando a constar que, no episódio, a assistente não estava “com muito medo”, mas sim, no máximo, estava “muito nervosa”; devendo ainda resultar que foi o próprio arguido e não a assistente quem “chamou a polícia”, como consta de auto de notícia nos autos – sendo certo que, também nestes factos, o Tribunal bastou-se com as declarações da assistente para dar como provado algo simplesmente falso, e que aliás sempre seria infundado.
Z. O facto provado 21º também se encontra erradamente julgado, devendo ser alterado para não provado, com a fundamentação aduzida para a suposta exibição de arma e “ameaça” de o arguido ir herdar o património da assistente, além da demais prova indicada na motivação do recurso.
AA. O facto provado 22.º constitui, salvo o devido respeito, mais um absurdo criado pela assistente, eventual mal-entendido, um não-facto, não-questão ou nonsense, penalmente irrelevante; para além de que a expressão “instruir” é um conceito conclusivo e não concretizado nas instâncias.
BB. Os factos provados n.ºs 23 a 25 foram incorrectamente dados como provados, pelos motivos consignados nas alegações e que se relacionam quer com a existência de prova testemunhal indiciária, e documental, directa, a impor, à luz das regras científicas, da experiência comum, e no contexto do caso concreto, decisão diversa.
CC. Nem sequer é verosímil que um ex-guarda da GNR na flor da idade desferisse um murro na cabeça e outro no nariz de uma frágil senhora e ela ficasse com absolutamente zero lesões, no imediato, ou subsequentes – sem vermelhidão, hematoma, na face e/ou no globo ocular, sem sangramento, fissura, racha, quebra, qualquer mínimo dano aparente de cana do nariz, maçã do rosto, órbita, sobrolho, testa; sendo certo que nem o relatório de alta hospitalar nem o relatório do INML referem lesão, limitando-se a consignar as queixas, subjectivas, verbalizadas então pela assistente; nem a testemunha que alegadamente esteve com a assistente imediatamente após a suposta agressão, e diz ter estado à conversa com ela, que chorava, diz ter visto qualquer lesão (!)
DD. Acresce prova em vídeo, antes e depois da suposta agressão, de onde resulta que a assistente arranca o filho à força da cama, que chora e diz “não, mãe, eu não quero”, enquanto a mãe lhe diz, “anda comigo! anda comigo! vais andar comigo!”, e logo após abre a porta e sai de casa, calmamente, já com outra roupa, sem falar, sem chorar, sem tremer, sem barafustar, sem fugir, sem se encolher, sem evidenciar qualquer tremura, hesitação ou medo; vídeos captados pelo arguido no seu telemóvel, à vista plena da assistente, que assistiu, viu e sabia da gravação; pelas e pelas 0:049h do dia 28/6/2020, dia referido em 21 da acusação; prova que tem de ser admitida pois não há outra maneira de o arguido provar a sua inocência [“É a palavra de um contra o outro” e o arguido em teoria, nada pode contra a assistente, multimilionária e com largo espectro de poder; estando o arguido condenado à partida, sem defesa possível]
EE. O arguido fez registo vídeo pois já desconfiava – e bem como se vê – dos intentos da assistente, e não se enganou, pois os presentes autos são de construção demorada e bem arquitectada e o direito do arguido, designadamente à liberdade e a não ser submetido a causas injustas nem a processos judiciais de base falsa, tem de sobrepor-se ao direito da assistente à imagem; estando excluída a eventual ilicitude da gravação, no caso concreto, por se considerar ter o arguido agido ao abrigo do direito de necessidade previsto no artigo 34.º do C. Penal e com justificação de manifestas exigências de justiça (cf. p.ex. Ac. STJ de 28/09/2011, Proc. 22/09.6YGLSB.S2, www.dgsi.pt), não colhendo a justificação inscrita na sentença de que “Os ficheiros de vídeo, porque captados sem consentimento e conhecimento das pessoas neles visadas, concretamente a assistente, não foram tomados em consideração pelo tribunal na formação da sua convicção.”, até porque, como resulta patente da visualização desses vídeos, a assistente estava plenamente ciente de que estava a ser filmada pelo arguido e nunca, antes, durante ou depois da gravação, verbalizou impedimento ou oposição à mesma; sendo isso sim abusiva a decisão do tribunal descartar esta prova, que aliás, prova isso sim, simulação de crime pela assistente.
FF. O facto provado 28º, “REGRESSOU NO DIA SEGUINTE”, está incorrectamente julgado, pois resulta inequívoco de toda a prova produzida que a assistente regressou a casa no mesmo dia da alegada agressão.
GG. Perante a prova produzida e porque interessa à compreensão da factualidade em discussão, há que aditar aos factos provados que antes de sair de casa a assistente já tinha comprado uma outra moradia, e já tinha um namorado – ao contrário do que sustentou ela, alegando que passado algum tempo foi forçada a comprar uma casa nova para onde ir viver, pois não teria para onde ir.
Existindo prova documental sobejante que impõe tal constatação e conclusão/facto provado – resultando neste particular, que a assistente mentiu descaradamente ao Tribunal.
HH. A este propósito e ilustrando a ampla arquitectura e preparação pela assistente para os presentes autos, deve ser dado como provado, por declarações do arguido, da assistente, testemunho indicado, e por prova documental, que:
i) Em Junho de 2020, o casal não dormia junto e o arguido tinha ficado no quarto de casal, e a assistente, nos raros e curtos períodos de tempo em que “parava em casa”, dormia na sala ou no quarto de jogos das crianças;
j) Mal a empregada interna, a ama das crianças, que estava presente 24 sobre 24 horas excepto fins de semana, foi de férias em fins de Junho, e apenas 2 dias antes antes do dia da suposta agressão física, a assistente “lembrou-se” de “recuperar o quarto”, sem que de um ponto de vista de regras da experiência comum se vislumbre justificação plausível;
k) Sendo que nessa altura, já há quase 3 meses que a assistente e uma sua sociedade unipessoal já tinham alterado a sede social de outra sociedade por estas participada, para a nova moradia da assistente;
l) …e já há 1 mês que a referida Unipessoal, constituída exclusivamente pela assistente, também trocara a sua sede social para a referida moradia, conforme registo lavrado em 28/05/2020;
m) …acrescendo que a compra e venda dessa casa nova da assistente, foi efectuada por contrato de 02/10/2019, com registo de aquisição lavrado no dia seguinte, 03/10/2019;
n). Quando saíu de casa, a assistente já tinha um companheiro ou namorado novo e uma casa nova, embora tivesse declarado em juízo, repetidas vezes, que não saíra logo de casa (em 28/6/2020) porque “não tinha para onde ir” e “teve de comprar uma casa”/foi comprada [posteriormente à dita agressão] para ter um tecto para viver com meus filhos”;
o). Companheiro novo que, segundo a assistente, (ainda) “não vivia comigo. Começámos a frequentar, a se conhecer. Não podia estar com ele [a viver na mesma casa] porque não tinha divórcio pronunciado”
p). Altura em que a assistente “tinha dado ordem não fazer mais nada ao Sr. AA” e “para não fazer comida nem lavar a roupa para o Sr. AA”, isto, tanto à empregada de limpeza, como à ama das crianças;
Tudo apontado para um autêntico simulacro de crime pela assistente, na opinião do arguido.
II. Pelos motivos e com base nas provas indicadas nas alegações, há ainda que remover do facto provado 26.º que a assistente estivesse “com muito medo” – tanto não tinha medo do arguido, que foi residir para uma moradia que dista apenas 1Km do bar onde o arguido trabalha diariamente; falhou inúmeras vezes comparências e respostas ao OPC acerca da revisão de níveis de risco e programação de medidas de protecção – cf. fls 248, 262, 267, 397 (19/2/2021), e até perdeu o equipamento de teleassistência; nada consta no sentido de accionamento de tal equipamento por parte da assistente, pese embora os relatos da mesma no sentido do “pavor” dele… e da configuração do episódio de agosto de 2020 como uma grande perseguição e importunação.
JJ. …assim como haveria que remover do facto provado 27.º, “Quando o arguido a impediu de sair com o filho de ambos”, pelos motivos e com base nas provas já supra referidas quanto à suposta agressão, e ainda nas demais concretamente indicadas nas alegações.
KK. Os factos provados 29.º e 30.º contêm incongruências com a prova já supra escalpelizada e com as regras da experiência comum, referindo-se além do mais a um momento temporal em que a assistente já tinha participado os factos à autoridade; já estava aconselhada por advogado(s); sabia muito bem até já tinha declaradamente planeado o que ia fazer, o que constitui sinónimo de frieza de ânimo, calma, compostura e premeditação, não compagináveis com “muito medo do arguido” – que é mais uma falácia criada pela assistente, com direito a bilhete “plantado” para o arguido com alegações que nunca em tribunal a própria confirmou
LL. O facto provado 34º deve ser eliminado, pelos motivos já expostos, passando pelo facto, atestado em auto policial, que foi na verdade o arguido quem solicitou a comparência da autoridade.
MM. Os factos provados 37.º e seguintes, relativos designadamente à intencionalidade e dolo do arguido, estão em completa contradição com tudo o que já supra se expôs, sendo que a prova produzida, quando devidamente analisada à luz das regras da experiência comum, não permite concluir que o arguido tenha agido com a consciência, vontade e intencionalidade referidos.
NN. «Em suma o que resulta dos autos é que o casamento entre o arguido e a ofendida se desgastou» (cf. despacho de aplicação de medidas de coação, proferido em 23/10/2020, num raciocínio ou conclusão completamente compatível com a prova já produzida em audiência).
Sem prescindir,
OO. Conforme doutamente vertido no Ac. TRG de 13/07/2020, Proc. 250/15.5DBRG.G1, em www.dgsi.pt “Todo o direito - muito especialmente o direito penal - lida mal com surpresas, não as aceita. E não as aceita, porque não é um jogo onde cada um dos intervenientes, com habilidade, esconde trunfos para usar mais tarde, aproveita falhas, ou executa malabarismos jurídicos. Cada processo existe para se alcançar a verdade de uma atuação e, uma vez encontrada, aplicar-lhe o direito. É na acusação que fica plasmado o pedaço de vida destacável do comportamento de um indivíduo que vai ser sujeito a um juízo de subsunção jurídico-penal. E é neste pedaço de vida que, perfeitamente delimitado, se encontra o objeto do processo, sendo na impossibilidade de o ultrapassar que radica o princípio da vinculação temática.”
PP. As alterações não substanciais de factos comunicadas em 18/01/2002, respeitam a factos habilmente e surpreendentemente introduzidos nos autos – como já sucedia com a esmagadora maioria dos factos constantes da acusação pública, pela mão da assistente, na opinião do arguido, engendrada para justificar violações de deveres conjugais, para “legitimar” a separação do casal aos olhos da opinião pública e da família da assistente – como ela indirectamente confessou nas suas declarações – e para esta vir a retirar “dividendos” em termos de regulação de responsabilidades parentais (sendo este tema uma constante documental nos autos de inquérito).
QQ. Foi violado o art. 358°, n.° 3 do CPP, as exigências de um processo justo e equitativo, constituindo imperativo do princípio do contraditório, com assento constitucional no n.° 5 do artigo 32° da CRP; o direito ao contraditório; pois a comunicação prevista no artigo 358.º, n.º 1, do CPP, devia abranger não só o facto ou factos objecto da “alteração”, mas também, necessariamente ou de forma imprescindível, a indicação ou concretização dos meios de prova de onde resulta a indiciação dos novos factos considerados como “relevantes para a decisão”, pois só essa indicação e concretização permitirá ao arguido identificar totalmente o objeto da sua defesa, contraditar os meios de prova já produzidos que o Tribunal esteja a pressupor – sem identificar – na dita comunicação, e oferecer, esclarecidamente e cabalmente, todos e quaisquer meios de prova que segundo o seu próprio prudente arbítrio, possam abalar os indícios comunicados.
RR. Tendo a comunicação em causa sido totalmente falha quanto à concretização dos meios de prova que teria considerado para declarar que JÁ CONSIDERAVA PROVADOS os factos objecto da alteração – tanto que, independentemente de esperar por saber do conteúdo do exercício do direito de defesa pelo arguido, o Tribunal desde logo designou, como consta da acta, LEITURA DA SENTENÇA – entende o arguido que a sua condenação por tais factos consubstancia a nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea b) do CPP.
SS. Embora se possa considerar que “Um só testemunho não é necessariamente infalível nem necessariamente erróneo” (na feliz formulação do Ac. do TRC de 09/03/2016, Proc. 436/14.0GBFND.C1, em www.dgsi.pt), o facto é que não existe qualquer prova, de qualquer tipo, que corrobore as imputações da assistente quanto a qualquer um dos factos provados.
TT. A sentença recorrida violou ainda o princípio in dubio pro reo, fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, com expressão constitucional ao nível dos direitos fundamentais, e que pode ser sindicado pelo tribunal de recurso, dentro dos limites de cognição desse Tribunal, devendo por isso resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2 do CPP, como in casu resulta.
UU. Por outro lado, são elencadas como “factos provados” inúmeras generalidades, quando «Devem ser considerados não escritos e deixarem de fazer parte integrante dos elementos de facto a ponderar quanto ao crime de violência domestica, a parte da acusação em que se alega “Cerca de um ano após o casamento o relacionamento entre o arguido e a ofendida começou a deteriorar-se, começando a surgir no decurso das mesmas agressões verbais e, posteriormente, também agressões físicas.” ou dizer-se apenas que “As agressões físicas eram menos frequentes e traduziam-se sobretudo em estalos na carra e empurrões” ou dizer-se que o arguido quando vindo do trabalho “descarregava a sua frustração na ofendida".» - ou seja, as generalidades constantes da sentença não deviam ter sido dadas como provadas, e desta feita, não podem ser mantidas pelo tribunal de recurso, conforme jurisprudência deste Tribunal (cf. Ac. de 10/01/2018, Proc. 821/16.2T9GDM.P1, www.dgsi.pt)
VV. Através de análise pertinente e concatenada de todo o grande manancial de provas existentes nos autos, demonstra-se que, salvo o devido respeito, que é muito, o tribunal recorrido valorou contra o arguido uma determinada prova – as declarações da assistente, apesar da subsistência de dúvida perfeitamente razoável; ou então, no mínimo, desfavoreceu o arguido nessa situação; ou, errando na apreciação da prova (conjunta e à luz das regras da experiência comum, da normalidade do devir, e ponderando devidamente todas as concretas circunstâncias da vida do casal demonstradas pela prova, e as concretas personalidades do arguido e da assistente), afirmou a sua convicção no sentido de dar como provado contra o arguido um determinado facto relevante, quando o sentido dessa prova, extraído do material probatório de que se serviu o tribunal, era de molde a gerar uma dúvida razoável que devia ser valorizada a seu favor.
WW. A livre apreciação da prova (cf. art. 127º CPP, aqui também violado), que estrutura a formação da convicção do julgador (o seu juízo, necessariamente crítico, e rigoroso, como se exige) sobre toda a prova produzida em julgamento, não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e imotivável – do género, “acreditei mais nesta pessoa do que naquela” – e não coincide com uma qualquer convicção do julgador; antes exige que, após um olhar muito ponderado, criterioso e demorado sobre o conjunto da prova produzida, o juiz seja livre de chegar a uma determinada conclusão sobre a forma como terão acontecido os factos sujeitos a discussão, mas há-de fazer assentar essa conclusão em fundações absolutamente inabaláveis, e que a qualquer mortal sejam capazes de convencer a aderir à mesma conclusão.
XX. Da aceitação, designadamente, dos princípios da imediação e da oralidade, complementados pelos princípios do contraditório, da livre apreciação da prova e do «in dubio pro reo», resulta que o tribunal de recurso não pode sindicar certos meios de prova, na medida em que foi relevante o funcionamento do princípio da imediação, CONTUDO, pode controlar a convicção do julgador da primeira instância quando ela se mostre contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos.
YY. Não pode aceitar-se a condenação do arguido no caso dos autos, quando os factos provados estão em contradição aberta com auto de denúncia, várias outras provas documentais existentes, com inúmeros testemunhos; e muitos estão também em choque frontal com o que, considerando a vivência do casal arguido-assistente amplamente escrutinada e ilustrada nos autos, se pode razoavelmente esperar e antecipar que teria acontecido, por “normal” nesse concreto contexto.
ZZ. Recorde-se que vinha o arguido além do mais acusado pelo MP – com base exclusiva nas declarações da assistente de ser um bêbado, um jogador, um noctívago, um gastador, enfim, um ser hediondo… …tudo muito bem embrulhado ainda na farda de ex-GNR, possuidor de arma de fogo, personalidade dada a gritar, insultar e bater na mulher… num “filme” em que, bem vistas as coisas, já pouco mais caberia na figura da violência doméstica.
AAA. Todas essas “características” imputadas pela assistente ao arguido caíram por terra no julgamento; já que as testemunhas por este arroladas, e todas elas tinham sido arroladas na queixa e aditamentos pela assistente, note-se bem (!), foram unânimes em desfazer esses “mitos” – como aliás, logo ficou a constar do despacho de arquivamento do inquérito, elemento de sua importância, a considerar ainda nesta fase, por ter (de)limitado o objecto do processo; e no entanto o “monstro” que a assistente quis pintar foi por todas as testemunhas – inicialmente arroladas em inquérito pela assistente, não é demais recordar – retratado como pacífico, calmo, incapaz de levantar a voz, bater, enfim, praticar os actos que a acusação lhe imputa.
BBB. Foram violados os direitos do arguido consignados no artigo 61.º, n.º 1, alínea c) e 358.º, n.º 1, ambos do CPP, assim como no art. 32.º, n.ºs 1 e 5 da CRP.
CCC. Existe erro notório na apreciação da prova (art. 410º, n.º 2, al. c) CPP)
DDD. A decisão recorrida encerra de vários erros de julgamento em matéria de facto, pelos motivos amplamente expostos acima.
EEE. O arguido sabe bem que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância, e que o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados, no entanto e salvo o devido respeito, e como resulta do antecedente excurso, é isto que sucede no caso vertente, havendo prova que impunha claramente uma decisão diversa da obtida.
FFF. O arguido fez a devida invocação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (art. 412º, n.ºs 3, als. a) e b) do CPP).
GGG. A qualificação jurídica dispensada aos factos na sentença recorrida também representa erro de julgamento em matéria de direito, considerando a vasta jurisprudência em matéria de violência doméstica, a considerar que, no caso concreto, não há gravidade, reiteração, diversificação, intencionalidade, susceptíveis de afirmar a verificação de tal crime. Exemplificativamente, - Ac. TRP de 10/01/2018, Proc. 821/16.2T9GDM.P1, www.dgsi.pt, «(…)»
HHH. Sobressai de forma inquestionável dos autos, na concreta ponderação das personalidades e condições de vida quer do arguido, quer da assistente, da sua inserção familiar, social, económicofinanceira, que o arguido nunca esteve em qualquer situação de exercer qualquer relação ou posição de domínio ou subjugação da assistente, pois a assistente era e é “dona e senhora do seu nariz”, “punha e dispunha” livremente da sua vida e nunca o arguido constituiu, por hipótese, obstáculo à livre auto-determinação e movimentação da assistente – antes pelo contrário, é impossível e absurdo identificar nos autos qualquer “subjugação”, “dependência”, “subordinação” (…) da assistente relativamente ao arguido. Já o contrário não pode ser negado.
III. Nem se chegou a uma continuidade temporal das condutas, ou a uma repetição ou reiteração, exigíveis para a verificação do crime de violência doméstica.
JJJ. O acervo factual provado, mesmo sem qualquer alteração em sede de recurso, não atinge aquele patamar ou nível do desvalor da ação e do resultado, capaz de fazer concluir por se estar perante um caso de maus tratos físicos e/ou psíquicos reveladores de uma conduta maltratante, onde pontificam sentimentos de crueldade, desprezo, especial desejo de humilhar e fazer sofrer a vitima.
KKK. Com efeito, a imagem global que é possível extrair dos factos provados – ainda que não sofram alteração em recurso, o que não se espera – não evidencia aquele estado de aviltamento, de degradação da dignidade pessoal da vítima que conduza à qualificação da situação como de maus tratos, que por si, constitui um “risco qualificado que a situação apresenta para a saúde psíquica da vítima” – [cf. Nuno Brandão, “A Tutela penal especial reforçada da violência doméstica” in Julgar, 12.º, 2010, pág. 17 e ss.].
LLL. No caso concreto, decididamente, o Tribunal andou mal ao manter a subsunção das condutas ao tipo legal de crime de violência doméstica; e dir-se-á, muito respeitosamente, que o fez sem aquela convicção irresolúvel que habitualmente resulta das sentenças nesta particular criminalidade… acabando mesmo por reconhecer que Também a ilicitude é de situar a um nível de relevo médio, bem como a gravidade dos factos, tendo em conta que ocorreu um único episódio de agressão física, da qual não decorreram ferimentos nem quaisquer consequências permanentes, e que também foram de gravidade média os insultos e as ameaças proferidas, bem como as provocações e humilhações, e as tentativas de controlo dos movimentos da assistente.
MMM. Ainda que os factos provados se mantivessem na sua generalidade – o que não se acredita possa suceder, tamanha a quantidade de prova existente em sentido diverso do que ficou fixado na sentença recorrida – a subsunção das condutas ao tipo legal de crime de violência doméstica constitui um grave erro de aplicação do direito.
NNN. Mesmo nesse cenário hipotético, não há grande intensidade da prática criminosa, nem diversificação de esquemas de actuação que fosse causadora de grande sentimento de insegurança, medo, inquietação e intranquilidade impróprios nas relações filiais e amorosas, presentes ou passadas; nem qualquer subjugação ou humilhação palpável da senhora assistente – antes pelo contrário, o arguido foi subjugado por ela…
- Quando a assistente ordenou à empregada que não realizasse tarefas;
- Quando ela lhe “esvaziou” a empresa de funcionários, levando-os para empresa concorrente criada exclusivamente por ela;
- Até quando sobranceiramente declarou em audiência que o arguido não conseguia ter a vida que teve se não fosse ela, que ela é que pagava tudo etc…
- Quando ela lhe disse, várias vezes, que o CC não era filho dele, subtraindo-o aos contactos;
- Quando ela levou os filhos de casa e durante semanas a fio não revelou onde estava, nem os deixava sequer falar com o pai;
- Etc. etc. etc.
OOO. Na procedência do recurso, deveria a factualidade dada como provada ser alterada como preconizado pelo arguido, resultando na sua ulterior absolvição.
PPP. Ainda que assim não fosse, no mínimo, deveria a qualificação jurídica ser revista pelo Tribunal da Relação, alterando, quando muito, por hipótese de raciocínio que o arguido é forçado a colocar, para um crime de ofensa à integridade física; com toda a consequente alteração ao nível da escolha da pena e da sua concreta dosimetria – caso o Tribunal de recurso viesse a concluir estarem reunidos todos os pressupostos para a punibilidade com distinto enquadramento jurídico.

O recurso, por despacho de 02/05/2022, foi admitido.

A este recurso respondeu o Ministério Público junto do tribunal a quo, em 05/06/2022, nos termos que da mesma resposta constam, propugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.

A este recurso respondeu também a assistente DD, em 07/06/2022, nos termos que da resposta em causa constam, pugnando igualmente dever o recurso ser julgado integralmente improcedente, mantendo-se a condenação do arguido nos termos da decisão recorrida.

Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 14/07/2022, emitiu parecer através do qual propugna também pela improcedência do recurso, referenciando no essencial subscrever a posição da Sra. Procuradora da República junto do tribunal recorrido.

Cumprido o disposto no artigo 417º/2 do Cód. de Processo Penal, veio o arguido AA responder, reiterando o essencial dos fundamentos do recurso interposto.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência.

Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir.
*
II. APRECIAÇÃO DO RECURSO

O objecto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, devendo assim a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são designadamente os vícios da sentença previstos no art. 379º ou no art. 410º/2, ambos do Cód. de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995) – desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum –, podendo o recurso igualmente ter como fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada, cfr. art. 410º/3 do Cód. de Processo Penal.
São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – cfr. arts. 403º, 412º e 417º do Cód. de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 (in Proc. nº 91/14.7YFLSB. S1 – 5ª Secção)[1], e de 30/06/2016 (in Proc. nº 370/13.0PEVFX.L1.S1 – 5.ª Secção)[2]. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, ‘Curso de Processo Penal’, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».

A esta luz, as questões a conhecer – sem prejuízo de outras cujo conhecimento oficioso se suscite – são as de apreciar e decidir sobre:
1. se a sentença recorrida é nula nos termos do art. 379º/1/b) do Cód. de Processo Penal, por via da violação do disposto no art. 358º do Cód. de Processo Penal.
2. se há erro de julgamento, nos termos do art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal.
4. se a sentença recorrida padece de algum dos vícios previstos no art. 410º/2 do Cód. de Processo Penal,
5. se a sentença recorrida violou os princípios do in dúbio pro reo e da livre apreciação da prova.
6. se se verificam os pressupostos da prática pelo arguido do crime de violência doméstica pelo qual vem condenado.
*
Comecemos por fazer presente o teor da decisão recorrida, nos segmentos que relevam para a apreciação das questões suscitadas em sede do recurso interposto pelo arguido.

a. É a seguinte a matéria de facto considerada como provada pelo tribunal colectivo em 1ª Instância :
« Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a decisão a proferir:
1º- O arguido AA e a assistente DD casaram entre si a 09-06-2012.
2º- Residiam, quando regressaram da Bélgica, onde casaram, na Travessa ... ..., Vila Nova de Gaia.
3º- A assistente DD era já mãe de uma criança, fruto de um anterior relacionamento, CC, nascido em .../.../2009, que vivia com o casal.
4º- Do casamento do arguido e da assistente nasceu EE, em .../.../2013.
5º- No ano de 2014, AA, à data militar da Guarda Nacional Republicana (GNR), abandonou, voluntariamente, o seu emprego.
6º- A partir do ano de 2016, o arguido passou a gerir a tempo inteiro um estabelecimento comercial/bar que o casal adquiriu, denominado “...”, e situado na freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, o qual já havia laborado na época balnear de 2015.
7º- A partir desse momento, o arguido passou a trabalhar no período noturno, para efetuar o encerramento do bar.
8º- O arguido pedia avultadas quantias de dinheiro à assistente DD.
9º- Em consequência do referido em 7º e 8º, o casal passou a discutir com muita frequência.
10º- Na constância dessas discussões, por diversas vezes e em número de vezes não concretamente apurado, o arguido dirigia-se à assistente apelidando-a de “parva” e de “estúpida”, e dizendo-lhe que ela não valia nada e que não sabia nada.
11º- Também na constância das discussões, por diversas vezes e em número de vezes não concretamente apurado, o arguido disse à assistente que se ela morresse ele seria o herdeiro do seu património.
12º- Ainda na constância das discussões, pelo menos por cinco vezes, o arguido exibiu-lhe uma pistola que tinha consigo em casa e disse-lhe que a arma estava consigo e nunca o largava, enquanto lhe referia que se ela morresse ficava com todo o seu dinheiro.
13º- Em data não concretamente apurada dos meses de Junho ou Julho de 2014, quando o arguido e a assistente se encontravam no Brasil para assistir aos jogos de futebol do Campeonato Mundial de Futebol, a assistente sofreu um aborto espontâneo e necessitou de tratamento hospitalar, ao qual se deslocou sozinha por o arguido ter recusado acompanhá-la, o que muito a entristeceu.
14º- Por causa do deteriorar do relacionamento entre ambos, no ano de 2018, e embora continuassem a viver mesma casa, o arguido e a assistente passaram a dormir em quartos separados, por iniciativa desta.
15º- Durante o período do relacionamento conjugal, o arguido pretendeu controlar os movimentos da assistente quando esta se deslocava à casa que possuía Bélgica, pagando a um funcionário desta para lhe dar informações sobre as suas rotinas naquele país.
16º- Em Junho de 2020, a assistente DD regressou de uma viagem de trabalho à Bélgica, para onde havia viajado no mês de Março daquele ano.
17º- Durante a ausência da assistente e sem o conhecimento e o consentimento desta, o arguido contratou uma funcionária de limpeza para a casa, e readmitiu um funcionário que a assistente tinha despedido e com quem estava de relações cortadas, para limpar a piscina.
18º- Entregou àquele último um comando para abrir o portão de entrada, e ordenou a ambos que obedecessem exclusivamente às suas ordens, e não a qualquer ordem que lhes fosse dirigida por DD, e que se mantivessem no interior da casa a trabalhar, ainda que contra a vontade expressa desta.
19º- Em data não apurada do mês de Junho do ano de 2020, quando a assistente se encontrava em casa, foi surpreendida pela presença da mencionada funcionária de limpeza, que ali adentrou e, uma vez convidada a retirar-se por DD, recusou-se, argumentando estar a obedecer às ordens do arguido AA.
20º- No dia 20 de Junho de 2020, DD tomava, vestida com um biquíni, banhos de sol junto à piscina, quando o funcionário referido em 18º, usando o comando que AA lhe entregara, entrou na casa, e perante a ordem que lhe deu para sair de casa, o mesmo recusou-se, alegando que só cumpria ordens do arguido.
21º- Durante o mês de Junho de 2020, o arguido passou a dar mote a discussões diárias, com a assistente, nas quais lhe dizia, aos berros, “não vales nada”, “não sabes nada”, “se morreres… eu é que vou gerir isto tudo… o património que o teu filho vai herdar...”, assim a menosprezando.
22º- Ainda durante o mês de Junho de 2020, em dia não apurado, quando se encontravam junto à piscina, o arguido disse à assistente, à frente dos menores, que se ela quisesse entrar na piscina teria que pagar 5,00€ porque a piscina era dele, e instruiu as crianças para que lhe atirassem água.
23º- No dia 28 de Junho de 2020, pelas 00h.30m, no interior da casa onde viviam e na presença das duas crianças, o arguido AA, porque DD se recusou a permitir que as crianças pernoitassem na sala com ele, iniciou uma discussão com esta.
24º- A assistente encaminhou as crianças para as suas camas, e quando estas já estavam nos seus respetivos quartos, o arguido AA, no corredor de acesso ao quarto, dirigiu-se a esta, dizendo-lhe “eu mato-te”, e quando DD já lhe virava costas para adentrar no seu quarto, desferiu-lhe um murro na cabeça e outro no lado direito da face, provocando-lhe fortes dores na cabeça e no nariz.
25º- Como resultado direto e necessário do referido em 24º, o arguido AA causou a DD dores e incómodos, concretamente dor à palpação de septo nasal, e dor à mobilização articular temporomandibular direito, com necessidade de recurso a analgesia, que lhe determinaram 1 (um) dia para a cura, sem afetação da capacidade de trabalho.
26º- Com muito medo de AA, DD tentou sair de casa e levar consigo as duas crianças.
27º- Quando o arguido a impediu de sair com o filho de ambos, EE, DD acabou por sair somente com CC, e pernoitou, com a criança, num hotel em Vila Nova de Gaia.
28º- Regressou a casa no dia seguinte, com a intenção de conseguir sair em definitivo de casa levando consigo as duas crianças.
29º- Até ao dia 02 de Julho de 2020, dia em que conseguiu sair e levar consigo os dois filhos, DD, com muito medo do arguido, dormiu no seu quarto, na casa que até então partilharam, com a porta fechada e trancada com a chave.
30º- No dia 30 de Junho de 2020, durante a noite, o arguido AA bateu insistentemente à porta do quarto de DD e, quando esta não lhe respondeu, tentou abrir a porta, que estava trancada.
31º- No dia 02 de Julho de 2020, DD abandonou a casa, levando consigo os seus dois filhos, deixando todos os seus pertences e os das crianças, e acomodou-se, até ao final daquele mês, num hotel.
32º- Tendo descoberto onde a assistente DD se havia estabelecido com as duas crianças, no dia 26 de Agosto de 2020, pelas 15h00m, o arguido deslocou-se ao local e aguardou a chegada daquela.
33º- Quando a assistente chegou acompanhada das duas crianças, um amigo do arguido, FF, de quem se fazia acompanhar, filmou DD e os meninos, até estes entrarem em casa.
34º- Com muito medo de AA, DD chamou a polícia.
35º- O arguido e a assistente estabeleceram acordo (provisório) de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos autos com o n.º 4397/20.8T8VNG-A, a correr termos no Juiz 3 do Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia quanto ao menor EE, o que ocorreu na data de 08 de Setembro de 2020.
36º- Num dos fins de semana que passou com o pai, em data não apurada do ano de 2020 mas posteriormente ao acordo referido em 35º, o menor EE regressou aos cuidados da mãe muito perturbado, chorou muito, manteve-se sempre ao pé da mãe e agarrado a ela, urinou na cama, e puxou a cabeça de DD em direção aos seus órgão genitais, quando esta lhe calçava sapatos, dizendo “chupa, chupa”.
37º- Atuando como atuou, o arguido AA quis, como fez, atentar contra o brio, a consideração e a dignidade de DD e degradá-la e humilhá-la enquanto pessoa, mãe e mulher.
38º- E quis, como fez, causar-lhe temor e assustá-la, perturbar o seu quotidiano e colocá-la em permanente estado de intranquilidade, bem sabendo que a sua conduta era apta a consegui-lo.
39º- Quis, como fez, aproveitar o recato e a privacidade do interior da casa onde viviam para melhor lograr os seus intentos, não se coibiu, porque assim ditavam as suas vontades, de atuar como atuou.
40º- Atuando como concretamente se descreve em 26º e 27º, o arguido quis, como fez, molestar o corpo de DD e provocar-lhe dores e incómodos, bem sabendo que a sua conduta era apta a causá-los, e bem sabendo que o fazia contra a sua cônjuge e mãe do seu filho.
41º- E atuou sempre com especial desconsideração e total desprezo pela pessoa que consigo era casada, perpetuando tal atuação mesmo após o fim do relacionamento de ambos, procurando, por todas as formas, fragilizar DD, atemorizá-la, espezinhá-la e envergonhá-la, e coartá-la na sua liberdade de se orientar conforme a sua própria vontade.
42º- De tal modo que DD passou a organizar a sua vida de maneira a proteger-se do mal que temia que AA lhe fosse causar.
43º- Atuando, em todos os momentos, livre, deliberada e conscientemente, AA fê-lo sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei.
Provou-se ainda que:
(da contestação)
44º- Desde o início do casamento e até Junho de 2020, a assistente ausentou-se para o estrangeiro por diversas vezes, e durante largos períodos de tempo, deixando os seus filhos ao cuidado do arguido.
45º- Em Abril de 2012, o casal tinha constituído a sociedade por quotas denominada “N..., LDA” e o arguido foi nomeado gerente da mesma na data de 25 de Março de 2014, e em Novembro de 2014 o casal, juntamente com um amigo comum, constituíram a sociedade “T..., LDA”, que adquiriu a concessão do bar de praia “...”, reconstruiu-o e passou a explorá-lo.
46º- No horário de Inverno, o ...” encerrava à meia noite, e no horário de Verão, encerrada às 02h.00m de segunda a sábado, e ao Domingo encerrava à meia noite.
47º- Com as quantias em dinheiro que lhe eram transferidas pela assistente, o arguido efetuava o pagamento de despesas de alimentação, despesas domésticas, empregada doméstica, viagens, colégios e todas as despesas escolares, de alimentação e de vestuários das crianças, e o lugar da família na tribuna do Estádio ....
48º- A assistente é filha de GG e de HH, família detentora da empresa ... “A... (A...), uma multinacional de bebidas e cerveja cotada na Euronext ....
49º- O arguido contratou uma empregada doméstica nos termos referidos em 17º por necessidade dele próprio, uma vez que a assistente tinha ordenado à empregada comum do casal que deixasse de fazer as tarefas domésticas ao arguido.
Mais se provou que:
50º- O arguido e a assistente encontram-se divorciados desde 01 de Junho de 2021.
51º- O arguido é considerado no meio familiar e no meio social em que se insere como uma pessoa calma, contida e serena, e é por todos muito estimado e respeitado.
52º- É um trabalhador dedicado e cumpridor dos compromissos, e um pai dedicado e extremoso, que sempre nutriu muito amor e carinho pelo filho do casal e pelo filho da assistente.
53º- O arguido é empresário, aufere um salário como gerente do ...” de 1.500,00€ por mês, reside em habitação própria, despende mensalmente 250,00€ no pagamento da pensão de alimentos devida ao menor EE, iniciou uma nova relação afetiva e vive com a companheira, e tem como habilitações literárias o 12º ano de escolaridade.
54º- Não tem antecedentes criminais. »

b. São os seguintes os factos dados como não provados pelo tribunal de 1ª Instância :
« Factos não provados, com relevo para a decisão a proferir:
Com relevância para a decisão da causa, não se apuraram quaisquer outros factos, tendo resultado os seguintes factos não provados:
a) – Que, após o referido em 6º, o arguido tenha passado a dormir de dia, a ingerir bebidas alcoólicas com frequência e em excesso, e a frequentar casinos, onde jogava e apostava;
b) – Que as discussões referidas em 8º e 9º ocorressem diariamente;
c) – Que as ameaças referidas em 11º e 12º tenham ocorrido quando a assistente questionava em particular o arguido sobre a razão de ter chegado tarde a casa ou sobre o destino dado às avultadas quantias de dinheiro que lhe transferia;
d) – Que, após o referido em 14º, que o arguido tenha passado a tentar controlar os movimentos da vida quotidiana da assistente DD, enviando-lhe mensagens ao longo do dia, e questionando as duas crianças sobre aquilo que a mesma faz;
e) – Que as discussões referidas em 21º tenham ocorrido na presença do filho do casal EE;
f) – Que, nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 24º e 25º, a assistente tenha ficado com ferimentos;
g) – Que, nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 28º e 29º, a assistente tenha também permanecido todo o tempo que pôde no interior do quarto, por receio do arguido;
h) – Que, nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 32º e 33º, o arguido tenha adotado uma postura ameaçadora para com a assistente;
i) – Que o arguido referisse à assistente que de nada lhe adiantaria apresentar queixa, porque conhecia todos os militares e agentes da polícia, que o protegeriam;
j) – Que, no fim-de-semana de 14 e 15 de Novembro, no âmbito das visitas acordadas no processo referido em 35º, o arguido tenha dito ao menor EE que iria ficar sem a mãe, aos cuidados do pai e da avó paterna, e para se preparar para essa realidade, e insistiu com a criança para que chamasse à mãe e às pessoas que lhe são próximas nomes como “ordinária” e “macaco”, prometendo-lhe que lhe comprava cartões de jogo se o menino assim o fizesse;
k) – Que, nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 36º, o menor EE tenha dito à assistente DD que não queria voltar a estar com o pai, e que que o menor tenha puxado a cabeça da mãe na direção dos seus genitais por ter sido instruído nesse sentido pelo arguido e por um arguido deste, por forma a ofender e perturbar a assistente, prevalecendo-se da imaturidade do menor;
l) – Que o arguido tenha assustado de tal modo a assistente que esta, temendo ser surpreendida sozinha e sem capacidade de se defender, se faça acompanhar, sempre que pode, por alguém na rua; (da contestação)
m) – Que a assistente tenha estado ausente no estrangeiro entre 14 de Setembro e 19 de Novembro de 2019, entre 30 de Novembro de 2019 e 31 de Janeiro de 2020, entre 08 de Fevereiro e 15 de Fevereiro de 2020, e entre 21 de Fevereiro e 13 de Março de 2020;
n) – Que tenha sido a assistente a solicitar ao arguido que abandonasse a G.N.R., por efetuar trabalho em períodos noturnos, pela perigosidade das funções e pela precariedade da remuneração;
o) – Que o arguido tivesse passado a trabalhar na sociedade referida em 45º após a sua saída da G.N.R.;
p) – Que a assistente tenha iniciado um relacionamento extraconjugal em finais do ano de 2019 e que o tenha declarado a familiares do arguido.
*
Não se provaram quaisquer outros factos, para além dos constantes da factualidade provada e não provada, ou que com os mesmos estejam em contradição, e que assumam relevo para a decisão a proferir, tendo em conta que nos presentes autos foi proferido despacho de arquivamento quanto aos factos denunciados no Inquérito 485/20.9GAVNG, que foi apensado a estes autos, verificando-se caso julgado quanto aos mesmos, e sem prejuízo dos factos que se encontrem em investigação noutros inquéritos pendentes. »

c. É a seguinte a motivação da decisão de facto apresentada pelo tribunal de 1.ª Instância :
«III- MOTIVAÇÃO:
A convicção do Tribunal relativamente aos factos considerados provados e não provados fundou-se na apreciação crítica da prova produzida em audiência, e na prova documental constante dos autos, de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal, o qual impõe uma apreciação de acordo com critérios lógicos e objetivos que determinem uma convicção racional, objetivável e motivável.
Assim, o tribunal começou por atentar nas declarações do arguido AA, que negou quase integralmente os factos que lhe são imputados na acusação pública, referindo que nunca insultou, ameaçou, controlou ou de alguma forma maltratou a assistente DD, e muito menos a agrediu fisicamente, e atribuiu a denúncia que deu origem a estes autos a uma encenação da assistente DD para pôr termo à relação conjugal, depois de ela própria haver já iniciado uma relação amorosa com outro indivíduo, na pendência do casamento.
Esclareceu que conheceu a assistente em 2010 e que iniciaram uma relação de namoro, tendo vindo a celebrar matrimónio em Junho de 2012, que começaram por residir na Bélgica, país da nacionalidade da assistente, e que depois fixaram residência em Vila Nova de Gaia.
Referiu que inicialmente a relação conjugal decorreu com normalidade, descrevendo-a como gratificante e compensadora, com convívios regulares com as respetivas famílias, mas decorridos três a quatro anos, sobretudo a partir de 2016, a assistente passou a ausentar-se para o estrangeiro por diversas vezes, quer em viagens de negócios quer de natureza pessoal, o que determinou um afastamento da família, sendo que, a partir de 2018, as ausências passaram a ser mais frequentes e a durar mais tempo, de modo que passava mais tempo no estrangeiro do que em Portugal.
Confirmou que abandonou o exercício de funções como militar da Guarda Nacional Republicana após o nascimento do filho do casal, e acrescentou que o fez a pedido da assistente, que não queria que ele trabalhasse no período noturno, e que se sujeitasse à perigosidade das funções e à precariedade da remuneração, mas também que dedicasse mais tempo à família, e descreveu o seu percurso profissional após a cessação deste vínculo laboral, como gerente da sociedade “N...” e da sociedade “T..., Lda”, até assumir a gerência do ...”, concretizando ainda o horário de funcionamento deste e os períodos em que lá trabalhava.
Negou ainda veementemente que tenha passado a trabalhar durante todo o período noturno e a dormir de dia, e que tenha passado a consumir álcool em excesso e a despender avultadas quantias em dinheiro em jogos no casino, referindo que as quantias em dinheiro que a assistente lhe transferia se destinavam a efetuar o pagamento das despesas domésticas que enumerou.
Referiu também que nunca discutia com a assistente e que sempre mantiveram uma relação cordata, que nunca controlou os seus movimentos ou instruiu as crianças para o fazer, tanto mais que a assistente quase nunca estava em casa, e que jamais lhe dirigiu qualquer tipo de insulto ou ameaça, nem lhe exibiu qualquer arma de fogo, que de resto não possui, como resultou evidente aquando da busca que foi efetuada à sua residência, na qual nada foi apreendido.
Afirmou que, a partir do ano de 2018, passaram a dormir em quartos separados, o arguido no quarto e a assistente na sala, por decisão desta, o que mais evidenciou o distanciamento e a deterioração da relação conjugal.
Esclareceu ainda as circunstâncias em que contratou uma empregada doméstica, em 2020, referindo que se viu forçado a fazê-lo uma vez que a assistente deu ordens expressas à empregada de casa para não tratar das suas roupas, e as circunstâncias em que readmitiu um funcionário que a assistente havia despedido, bem como as tarefas que lhe atribuiu, admitindo que o funcionário entrou em casa com o seu consentimento e em cumprimento de ordens suas, e referindo desconhecer se o mesmo se cruzou com a assistente ou se interagiu com ela.
Relativamente ao ocorrido na noite de 28 de Junho de 2020, negou categoricamente que tenha agredido fisicamente a assistente, esclarecendo a este respeito que discutiram por a mesma não ter deixado que os menores pernoitassem na sala com o arguido, e que a assistente decidiu ausentar-se de casa sem mais, levando consigo o menor CC e sem sequer se despedir do menor EE, que se encontrava no quarto, pelo que também não a impediu de levar o filho.
Referiu ainda que, no dia seguinte, a assistente regressou a casa normal e tranquilamente, sem evidência de qualquer lesão, que passou a ocupar o quarto do casal e que o fechava à chave quando permanecia no seu interior, que se manteve mais uns dias em casa e que o arguido quis falar com ela, batendo à porta do quarto e tentando abri-lo, sendo que percebeu que estava trancado e não forçou a entrada. Acrescentou que a assistente saiu definitivamente no dia 02 de Julho, levando consigo os filhos e permanecendo vários dias sem estabelecer contacto com ele, sem dizer onde se encontrava e sem permitir que falasse ou se encontrasse com os menores.
Explicou depois o motivo da sua ida à casa entretanto adquirida pela assistente na Rua ..., a 26 de Agosto de 2020, referindo que pretendeu apenas ver e estar com os menores, negando qualquer pretensão de a ameaçar ou intimidar, e descreveu o modo como estabeleceram a regulação das responsabilidades parentais quanto ao menor EE, negando que tenha instruído o filho a proferir insultos e a praticar atos obscenos dirigidos à mãe, nos termos referidos na acusação pública.
Esclareceu também que se encontra de relações cortadas com a assistente desde Agosto de 2020, que estão divorciados e que se mantém em litígio a partilha dos bens do casal, e que apenas falam por intermédio dos advogados nomeadamente quanto às questões relativas à regulação das responsabilidades parentais.
Tal versão dos factos do arguido, ressalvados os factos que assumiram natureza confessória, não se nos afigurou minimamente crível, tendo-se limitado a assumir uma postura de negação, dando dos factos uma versão incongruente e contraditória em muitos aspetos, e referindo que não se recordava sempre que confrontado com as contradições.
Assumiu, ademais, uma postura tensa, evidenciou enorme nervosismo, e manifestou ressentimento, indiferença e frieza sempre que se referiu à assistente.
Por outro lado, a versão dos factos do arguido resultou totalmente infirmada pelas declarações da assistente, em si mesmas merecedoras de credibilidade e, ademais, sustentadas por elementos de prova testemunhal, documental e pericial, como passaremos a expor.
Deste modo, atribuímos total credibilidade às declarações da assistente DD, que de um modo muito espontâneo, sério e sereno nos contou toda a sua vivência com o arguido, desde o casamento à mudança para Portugal, às dificuldades do relacionamento e ao afastamento progressivo, até à sua saída de casa e aos motivos que a determinaram.
Explicou, assim, que passaram a residir em Portugal em 2012, após o casamento, que o arguido exercia as funções de guarda da G.N.R. e a assistente constituiu uma empresa de imobiliária e de construção civil denominada “N..., LDA”, que após o nascimento do filho EE o arguido decidiu abandonar a G.N.R, que esteve dois anos sem exercer qualquer atividade profissional, nomeadamente na referida empresa, da qual apenas formalmente era gerente, e que em 2016 passou a explorar o ...”, tendo alterado radicalmente o seu modo de vida, o que passou a dar azo a discussões entre o casal.
Esclareceu que o facto de o arguido trabalhar sempre no período noturno, chegando a casa invariavelmente após o encerramento do bar, a desagradava, e que o mesmo podia perfeitamente trocar o turno com o outro sócio, de modo a passar mais tempo em família, e que também a entristecia a circunstância de o arguido nunca ter disponibilidade para a acompanhar nas inúmeras viagens que tinha que efetuar ao estrangeiro, quer por motivos empresariais quer pessoais, uma vez que tem negócios na Bélgica, é nacional belga e toda a sua família vive lá.
Afirmou que o arguido passou a consumir álcool em excesso, conclusão que extraía do facto de o arguido chegar tarde e falar muito alto e fazer mais barulho, e também a deslocar-se ao casino e a despender avultadas quantias no jogo, o que depreendeu da circunstância de o arguido lhe pedir permanentemente que lhe transferisse montantes em dinheiro, de ter encontrado em casa um cartão do casino, e de se deslocar muitas vezes ao casino, do que tinha conhecimento pelo facto de o veículo por si utilizado ter ativado um sistema de localização celular.
Referiu que passaram a discutir com frequência, e que as discussões se foram intensificando, embora nunca discutissem perante terceiros e evitassem também que estas ocorressem na presença dos menores, e que as discussões eram motivadas pelo desagrado quanto ao trabalho noturno, pelo desconhecimento da assistente quanto ao destino que o arguido dava ao dinheiro e ainda por questões relacionadas com a educação dos menores.
Aludiu às expressões e insultos que lhe eram dirigidos pelo arguido no decurso das mesmas e ao modo como se sentia, e especificou as ameaças veladas que lhe eram efetuadas, referindo-se ou exibindo mesmo uma arma de fogo, bem como a periodicidade das mesmas.
Narrou um episódio ocorrido durante o Mundial de Futebol que ocorreu no Brasil, entre Junho e Julho de 2014, e que segundo ela marcou o início da degradação da relação conjugal, referindo que sofreu um aborto espontâneo e o arguido se recusou a acompanhá-la ao hospital, abandonando-a num momento tão doloroso.
Esclareceu ainda que a deterioração progressiva da relação conjugal e o afastamento do casal a levou a tomar a decisão de deixar de partilhar o leito com o arguido, passando a pernoitar na sala, o que ocorreu no final do ano de 2018, que já não havia qualquer comunicação e que apenas faziam um esforço de jantar juntos com as crianças, e que tomou conhecimento que o arguido controlava os seus movimentos na Bélgica, o que fazia através de um funcionário da assistente que lhe zelava pela casa, e que em consequência desta atuação teve que despedir.
Confirmou que esteve ausente de Portugal entre Março e Junho de 2020, e que quando regressou enfrentou enorme hostilidade por parte do arguido, tendo passado a discutir diariamente, que o arguido, procurando afrontá-la e desautorizá-la, readmitindo um funcionário que ela havia despedido e encarregando-o de fazer serviços na habitação, sabendo que a assistente lá se encontrava e que a sua presença a incomodava, e contratando uma empregada doméstica sem o seu conhecimento (sendo que, a este respeito, confirmou também que deu ordens à empregada doméstica que tinham para deixar de tratar das roupas do arguido), e que instruiu os menores a adotaram atitudes que a incomodavam, e que concretizou.
Foi ainda com enorme rigor e pormenor, e visivelmente emocionada e magoada que descreveu o episódio ocorrido na noite de 28 de Junho de 2020, a qual determinou a sua saída de casa e a separação definitiva do arguido, explicando o motivo que despoletou a discussão entre o casal e o modo como o arguido a agrediu, bem como a ameaça que lhe dirigiu, e ainda os momentos que se seguiram, com a assistente a tentar sair de casa com os dois filhos mas a ser impedida pelo arguido de levar o menor EE, tendo-se deslocado logo de seguida ao hospital para receber tratamento e um dia depois ao Instituto de Medicina Legal.
Esclareceu ainda as razões que a levaram a regressar no dia seguinte e a ausentar-se definitivamente alguns dias depois, e descreveu as circunstâncias em que se manteve em casa, com a porta do quarto trancada, por receio do arguido, e a situação em que este tentou abrir essa porta.
Aludiu, por fim, aos conflitos que se seguiram à sua saída de casa e a alguns incidentes verificados na regulação das responsabilidades parentais, acrescentando ainda que se encontra de relações cortadas com o arguido.
A assistente descreveu todas as ocorrências com grande pormenor e realismo, em consonância com a descrição dos factos constantes da acusação pública, tendo apresentado um depoimento irrepreensivelmente sério, objetivo e espontâneo, mas também sentido, emocionado e impressivo, próprio de quem narra factos que efetivamente vivenciou, que nos mereceu total credibilidade, em si mesmo.
Tais declarações, em si mesmas merecedoras de credibilidade, são ainda reforçadas pelo teor do auto de denúncia de fls. 42 a 46 e pelo aditamento de fls. 27, autos estes cuja autenticidade e genuinidade não foi questionada e o seu conteúdo não foi infirmado por nenhum outro meio de prova, e os quais são, por si só, dotados de força probatória porquanto foram elaborados por um órgão de polícia criminal e têm como pressuposto uma constatação imediata de determinado facto, a descrição do mesmo e dos procedimentos adotados.
Em tais autos encontra-se vertida uma versão dos factos da assistente coincidente com a narrada em sede de audiência de julgamento, descrita no dia seguinte à ocorrência dos factos que desencadearam a sua saída de casa, e que evidencia bem os sentimentos de receio e de insegurança que a assolam, e até de alguma desorientação, próprios de quem experimenta violência física e psíquica e que tenta reorganizar a sua vida e as dos filhos nesse contexto.
Confirmam-nas ainda as Fichas RVD-1L de fls. 24 e 25, de fls. 70 e 71, de fls. 220 e 221, de fls. 356 a 358, e de fls. 459 a 460.
Também o print das mensagens trocadas pelo WhatsApp entre o arguido e a assistente, constantes de fls. 516 a 521e de fls. 543 a 548 confirma a versão dos factos da assistente, perpassando das mesmas que a assistente nunca diz onde se encontra por receio do arguido, e referindo a mesma expressamente numa delas que o arguido não lhe permitiu levar consigo o menor EE, e ainda a cópia do bilhete deixado pela assistente ao arguido quando saiu de casa, constando do mesmo que a assistente se vê obrigada a procurar proteção para ela e para os filhos, concluindo-se que se sente desprotegida com a presença do arguido, e que o mesmo tentou forçar a entrada no seu quarto.
A versão da assistente resulta ainda totalmente corroborada, quanto ao episódio ocorrido a 28 de Junho de 2020, pelos registos clínicos de fls. 105 a 106 e pelos relatórios periciais de fls. 34 a 36, e de fls. 274 a 276, dos quais resulta que a assistente experimentou dores e incómodos, ainda que sem ferimentos visíveis.
Por outro lado, também a prova testemunhal produzida foi de modo a corroborar as declarações da assistente, permitindo ao tribunal atribuir-lhe credibilidade.
As suas declarações foram então confirmadas pela testemunha II, funcionário da assistente, que depôs de forma que se nos afigurou precisa, inequívoca e objetiva, reportada aos factos de que tinha conhecimento direto, e que confirmou que na noite de 28 de Junho de 2020 a assistente se encontrava muito chorosa, nervosa e perturbada, que lhe confidenciou que tinha sido agredida pelo arguido, que não lhe viu ferimentos, e que deixou o menor CC consigo a fim de se deslocar ao hospital, tendo ainda verbalizado que o arguido chegou a ameaçá-la com uma arma, mostrando-se amedrontada e receosa.
Esclareceu também que assistiu a comportamentos desadequados do menor EE após a separação do casal e por ocasião de uma visita ao progenitor, os quais descreveu, desconhecendo porém os motivos que determinaram tais comportamentos.
Neste particular, atentamos ainda no depoimento da testemunha JJ, que exerceu funções como ama dos menores CC e EE entre 2018 e 2020, trabalhando como interna na habitação do casal, na qual pernoitava durante a semana, e que nos mereceu credibilidade, apesar do conflito laboral que mantém atualmente com a assistente, encontrando-se apenas de boas relações com o arguido.
Com efeito, a testemunha acabou por confirmar a versão dos factos da assistente, ao descrever o que a mesma lhe tinha contado a respeito do dia 28 de Junho de 2020, concretamente a agressão perpetrada pelo arguido, bem como os acontecimentos que lhe sucederam, concretamente a estadia no hotel, a ocultação ao arguido do local onde se encontravam e a mudança para outra habitação.
Revelou ainda conhecimento direto quanto à vivência do casal, que presenciou, nomeadamente o modo como a assistente se sentia perante as ausências noturnas do arguido e a sua indisponibilidade para a acompanhar nas viagens ao estrangeiro, as divergências que existiam entre o casal quanto à educação dos menores, e a circunstâncias de não dormirem no mesmo quarto.
Ressalvou, porém, que nunca ouviu o casal a discutir e que o tratamento entre ambos era muito cordato, o que também corrobora a versão da assistente, que referiu que nunca discutiam perante terceiros.
Também o depoimento da testemunha KK, ex-funcionário da sociedade “N...”, foi de modo a corroborar as declarações da assistente no que respeita às funções desempenhadas pelo arguido nesta empresa e às circunstâncias do despedimento e readmissão do funcionário BB, estes últimos factos sem interesse para a decisão a proferir no âmbito destes autos.
Apelando ainda às regras da experiência e da normalidade do acontecer, afigura-se-nos que a versão dos factos da assistente é muito mais lógica e consentânea com as explicações decorrentes da lógica e as deduções e induções que realizamos a partir dos factos probatórios, baseadas na correção de raciocínio.
Com efeito, e concretamente quanto ao episódio ocorrido a 28 de Junho de 2020, se nada se tivesse passado, como refere o arguido, se a assistente não tivesse sido efetivamente agredida e ameaçada, e não se encontrasse assustada e com receio do arguido, não se compreenderia o modo como saiu de casa e as circunstâncias dessa saída, inopinada e sem se fazer acompanhar de quaisquer pertences, a meio da noite, levando consigo um dos seus filhos e deixando outro para trás, não se compreenderia a deslocação imediata ao hospital, e não se compreenderia a necessidade de, regressada a casa, manter a porta do quarto fechada à chave quando nele permanecia.
Se se tivesse tratado de uma simples decisão da assistente de sair de casa e pôr termo à relação conjugal, a mesma não tinha qualquer necessidade de o fazer desta forma, uma vez que o casal já dormia em aposentos diferentes da habitação há mais de um ano, sinal evidente da deterioração do relacionamento, e a assistente goza de uma situação financeira desafogada, que lhe permitia tomar essa decisão com toda a ponderação, comodidade e conforto, e sem sobressaltos.
A versão dos factos da assistente, apreciada à luz das regras da experiência e da normalidade do acontecer, e corroborada pela aludida prova testemunhal, documental e pericial, não foi minimamente posta em causa pelo depoimento das testemunhas indicadas pelo arguido na contestação.
Assim, as testemunhas LL e MM, militares da G.N.R. e amigos do arguido, a testemunha NN, amigo do arguido e ex-funcionário do ...”, e as testemunhas OO e PP, irmãos do arguido, não revelaram conhecimento direto dos factos em discussão nestes autos, tendo referido que sempre percecionaram a relação entre o casal como normal e harmoniosa, nunca tendo presenciado discussões, insultos, ameaças e muito menos agressões.
Pronunciaram-se ainda quanto ao caráter e à personalidade do arguido, a respeito do que nos mereceram credibilidade, afirmando também que nunca conheceram ao arguido hábitos alcoólicos ou vício de jogo.
Por sua vez, a testemunha FF, amigo do arguido, revelou conhecimento direto do episódio ocorrido a 26 de Agosto de 2020, que descreveu de forma que se nos afigurou séria e objetiva, em consonância com as declarações produzidas a este respeito quer pela assistente quer pelo arguido, e que explicou os motivos por que acompanhou o arguido à residência da assistente e por que procedeu a filmagens que não foram autorizadas.
Tais declarações são ainda confirmadas pelo teor do aditamento ao auto de notícia constante de fls. 27 e 28 do Apenso A.
Já a testemunha BB, funcionário da sociedade “N...”, não mereceu ao tribunal qualquer credibilidade, tendo apresentado um depoimento totalmente inconsistente e incoerente, ora afirmando uma coisa, ora o seu contrário, visivelmente condicionado pela circunstância de não se encontrar de boas relações com a assistente, como admitiu. Inclusive, a testemunha negou factos que o próprio arguido já tinha admitido, levando-o até a prestar esclarecimentos adicionais, nos quais acabou por se contradizer.
Depois de comunicadas alterações não substanciais dos factos, nos termos previstos no artigo 358º, n.º 1 do Código de Processo Penal, foi ainda produzida mais prova, tendo sido tomadas novas declarações à assistente e ao arguido, tendo sido inquiridas como testemunhas QQ, amigo do arguido e sócio da empresa que explora o ...”, e EE, filho do casal.
Foram ainda juntos documentos, registos fotográficos e ficheiros de vídeo.
Ora, o arguido manteve as declarações já prestadas, esclarecendo que aquando do aborto ocorrido no Brasil não acompanhou a assistente porque esta não quis, que nunca lhe referiu que se ela morresse ficava com todo o seu património, e que essa afirmação não faria qualquer sentido, não só porque casaram com separação de bens aquando da celebração do casamento civil, como também porque celebraram casamento católico a 11 de Junho de 2016 e celebraram um pacto sucessório umas semanas antes, nos termos do qual renunciaram à herança um do outro, e que nunca a ameaçou com qualquer arma, que de resto nem tinha, uma vez que efetuou a entrega à PSP da arma que detinha na qualidade de militar da GNR em 2016.
Referiu ainda que, embora o ...” tenha aberto no ano de 2016, no ano anterior já havia funcionado na época balnear, e que a preparação da abertura deste espaço lhe acarretou enorme trabalho, pelo que não esteve sem qualquer ocupação laboral entre 2014 e 2016, como pretende fazer crer a assistente.
Também a assistente manteve as declarações já prestadas, tendo explicado ainda com maior detalhe as circunstâncias em que ocorreu o aborto quando se encontravam no Brasil, reiterando que o arguido se recusou a acompanhá-la, apesar de lho ter solicitado, das duas vezes que foi ao médico, concretizou ainda as ameaças que lhe foram dirigidas, que haviam começado antes ainda de terem celebrado o casamento católico, explicando que o arguido dizia que ficava com o seu dinheiro, quer antes do pacto sucessório que celebraram, e cujos termos confirmou, quer depois, manteve que foi objeto de ameaças mediante a exibição de uma arma de fogo, e explicou que, apesar de já existirem ameaças e insultos, acedeu a casar catolicamente porque é muito católica e queria estar casada aos olhos de Deus, e também por causa das tradições muito conservadoras da família.
Uma vez mais, as declarações da assistente mostraram-se espontâneas, escorreitas, perentórias e objetivas, pelo que infirmaram, a nosso ver, a versão dos factos do arguido, e em nada resultam fragilizadas pela prova documental já constante dos autos e junta posteriormente à reabertura da audiência.
Com efeito, muito embora resulte claramente dos autos, que o arguido, a 24/03/2016, entregou uma arma à PSP, não quer dizer que não tivesse outra, ou que posteriormente adquirisse outra, e o facto de, em sede de busca domiciliária, não ter sido apreendida qualquer arma de fogo, também não quer dizer que o arguido pudesse ter ameaçado a assistente com arma de fogo, como acreditamos que o fez.
Ademais, o teor do pacto sucessório celebrado pelo arguido e pela assistente também não impedia o arguido de formular ameaças à assistente quanto ao seu património, como entendemos que formulou, uma vez que, mesmo que à morte da assistente o arguido não fosse seu herdeiro, isso não invalidaria que fruísse de todo o património da mesma, até porque têm um filho em comum, que sempre seria herdeiro da assistente.
Também os registos fotográficos das festividades do casamento católico em 2016 e do período de férias passado no Brasil em 2014, documentando, como documentam, momentos de descontração, harmonia e felicidade, não significam que não tenham existido discussões, conflitos, ameaças e insultos, que acarretaram momentos de infelicidade e sofrimento. Note-se que em momento algum a assistente referiu que as ameaças e os insultos fossem constantes, antes pelo contrário situou-as em contextos de discussões que começaram por ser pontuais e que nos últimos tempos do casamento se intensificaram e se tornaram mais frequentes.
Tomadas declarações à testemunha QQ, pela mesma foi confirmada a data da abertura do ...” a tempo inteiro, ocorrida em 2016, e a abertura sazonal de 2015, tendo ainda aludido à viagem que fez ao Brasil em 2014, por altura do Campeonato do Mundo de Futebol, esclarecendo que tomou conhecimento que nessa altura a assistente sofreu um aborto, que a mesma se deslocou ao médico, enquanto o arguido ficou com as crianças.
Porém, não soube concretizar ao tribunal se a assistente havia pedido ao arguido para a acompanhar e este recusou, ou se pelo contrário foi a assistente que insistiu em ir sozinha, pelo que nada veio acrescentar à prova já produzida. Admitiu ainda que está de relações cortadas com a assistente, referindo a este propósito que “não se falam desde que descobriram que ela andava com um colega deles”, evidenciando uma clara animosidade em relação à assistente.
Quanto ao depoimento do menor EE, filho do casal, com 8 anos de idade, o tribunal não lhe atribuiu qualquer credibilidade.
Com efeito, o menor assumiu que se encontra muito chateado com a mãe por não lhe ser possível passar mais tempo com o pai, como pretendia, e manifestou uma clara preferência pela figura paterna, o que não se estranha, até porque, ao longo do seu crescimento, foi com este que passou a maior parte do tempo, por a sua mãe viajar para o estrangeiro com muita frequência, como decorreu de toda a prova produzida em audiência de julgamento.
Porém, estranhou-se o modo como o menor prestou o seu depoimento, claramente ensaiado e induzido, antecipando-se às questões do tribunal, para as quais já tinha resposta antes mesmo de serem formuladas, e revelando conhecimento do que havia sido transmitido ao tribunal pela assistente a respeito de determinados factos, quer quanto a factos que supostamente teriam ocorrido na sua presença, como quanto a factos ocorridos antes do seu nascimento ou quando era ainda bebé.
Foi assim que, sem que nada lhe tivesse sido ainda perguntado, respondeu perentoriamente que tudo o que a mãe havia dito sobre a piscina e sobre ter que pagar cinco euros para entrar na piscina era mentira, e que também era mentira que o pai tivesse uma arma e que ameaçasse a mãe com ela, uma vez que o pai entregou a sua arma quando ele nasceu, para ficar a cuidar dele.
Por outro lado, quando questionado sobre outros factos mais laterais e circunstanciais, não revelou um conhecimento muito estruturado da realidade, ressaltando assim que o discurso “não ensaiado” já não era tão fluente e perentório, e que as recordações já não eram tão nítidas, tendo ainda evidenciado confusões e contradições.
Por todo o exposto, tal depoimento não foi valorado positivamente pelo tribunal na formação da sua convicção.
Os ficheiros de vídeo, porque captados sem consentimento e conhecimento das pessoas neles visadas, concretamente a assistente, não foram tomados em consideração pelo tribunal na formação da sua convicção.
Deste modo, da conjugação dos elementos probatórios constantes dos autos, nos termos expostos, resultou a prova dos factos descritos nos pontos 1º a 37º da factualidade provada, e ainda no ponto 50º.
Os factos constantes dos pontos 37º a 43º, relativos ao elemento subjetivo, resultam da valoração conjugada dos meios de prova acima enunciados, à luz das regras de experiência comum.
Tomou-se ainda em consideração as certidões de assento de nascimento e de casamento constantes dos autos para prova dos factos descritos nos pontos 1º, 3º e 4º da factualidade provada, bem como a certidão da ata de conferência de progenitores de fls. 131 e 134, a respeito da factualidade vertida no ponto 35º da factualidade provada.
Foi também da conjugação destes elementos probatórios, e sobretudo das declarações do arguido e da assistente, na parte em que foram coincidentes, e dos elementos documentais juntos com a contestação, que resultou a prova dos factos descritos nos pontos 45º a 49º da factualidade provada, trazidos aos autos na contestação do arguido.
A não prova dos factos vertidos nas alíneas a) a l) da factualidade não provada decorreu também das precisões que a assistente efetuou ao longo das suas declarações, dos factos a que não aludiu e daqueles que não conseguiu afirmar com total certeza, e por sua vez foram negados pelo arguido.
Assim, das declarações da assistente não resultou cabalmente demonstrado que o arguido consumisse álcool em excesso ou que despendesse avultados quantias a jogar no casino, ou que tivesse instruído o filho menor do casal a dirigir insultos à assistente e a praticar atos desadequados e até obscenos, tratando-se de meras desconfianças e deduções da assistente que não logrou afirmar nem demonstrar com total certeza e sem margem para quaisquer dúvidas.
Quanto aos demais factos descritos na contestação, e com relevo para a decisão a proferir nestes autos, os mesmos resultaram não provados, por manifesta insuficiência probatória, nos termos supra expostos, designadamente por a versão do arguido não nos ter convencido da sua correspondência com a realidade e ter sido infirmada pela versão da assistente (cfr. alíneas m) a p) da factualidade não provada).
A prova dos factos relativos às condições pessoais e socioeconómicas do arguido e ao seu caráter e personalidade, resultou das suas próprias declarações, que valoramos positivamente a este propósito, conjugadas com o depoimento das testemunhas LL, MM, NN, FF, JJ, OO e PP, que a este respeito valoramos positivamente, e com o teor do relatório elaborado pela DGRSP, constante dos autos (pontos 51º a 53º).
Valorou-se também o certificado de registo criminal do arguido para dar como provados os respetivos antecedentes criminais (ponto 54º). »

d. É como segue o enquadramento jurídico–penal dos factos que vem efectuado pelo tribunal colectivo em 1.ª Instância :
« IV- FUNDAMENTOS DE DIREITO:
O arguido AA vem acusado da prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelos artigos 152º, n.º 1, alíneas a) e c), n.º 2, alínea a) e n.ºs 4 e 5 do Código Penal.
Dispõe o artigo 152º do Código Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 44/2018 de 9/08, nos seus n.ºs 1 e 2, o seguinte:
“1 — Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
a) Ao cônjuge ou ex -cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou
d) A pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite; é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.
2- No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou
b) Difundir através da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, dados pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à intimidade da vida privada de uma das vítimas sem o seu consentimento; é punido com pena de prisão de dois a cinco anos”.
O tipo legal da violência doméstica visa, acima de tudo, proteger a dignidade humana, tutelando, não só, a integridade física da pessoa individual, mas também a integridade psíquica, protegendo a saúde do agente passivo, tomada no seu sentido mais amplo de ambiente propício a um salutar e digno modo de vida.
Dentro das situações previstas no tipo legal em apreço, uma das que surge com mais frequência é, precisamente, a que por ora nos interessa - os maus tratos físicos e psíquicos ao cônjuge.
Segundo Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 332, referindo-se ainda à redação anterior à Lei n.º 59/2007 de 4/9, “A “ratio” deste artigo 152.º vai muito além dos maus tratos físicos, compreendendo os maus tratos psíquicos (p. ex., humilhações, provocações, ameaças, curtas privações da liberdade de movimentos, etc.), a sujeição a trabalhos desproporcionados à idade ou à saúde (física, psíquica e mental) do subordinado, bem como a sujeição a atividades perigosas, desumanas ou proibidas. Portanto, deve dizer-se que o bem jurídico protegido por este tipo de crime é a saúde – bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, e bem jurídico este que pode ser afetado por toda a multiplicidade de comportamentos (...)” .
Sujeito passivo do ilícito penal previsto no n.º 1, al. a) e no n.º 2 do artigo 152º do Código Penal, que corresponde atualmente à alínea a) do n.º 1 daquele artigo, tem necessariamente que ser uma pessoa que se encontre numa relação de coabitação conjugal ou análoga com o sujeito ativo do delito.
O atual tipo legal prevê agora expressamente que pratica o crime de violência doméstica “Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais (…)”, pelo que o legislador veio clarificar que o preenchimento do tipo legal não exige uma reiteração de condutas.
Com referência ao tipo legal em causa, antes da redação da já referida Lei n.º 59/2007 de 4/9, exigia-se uma certa reiteração do comportamento ilícito, caso contrário, a conduta do agente preencheria, tão só e apenas, o tipo legal de crime de ofensas à integridade física.
O tipo legal da violência doméstica visa, acima de tudo, proteger a dignidade humana, tutelando, não só, a integridade física da pessoa individual, mas também a integridade psíquica, protegendo a saúde do agente passivo, tomada no seu sentido mais amplo de ambiente propício a um salutar e digno modo de vida.
Dentro das situações previstas no tipo legal em apreço, uma das que surge com mais frequência é, precisamente, a que por ora nos interessa - os maus tratos físicos e psíquicos ao cônjuge.
Segundo Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 332, referindo-se ainda à redação anterior à Lei n.º 59/2007 de 4/9, “A “ratio” deste artigo 152.º vai muito além dos maus tratos físicos, compreendendo os maus tratos psíquicos (p. ex., humilhações, provocações, ameaças, curtas privações da liberdade de movimentos, etc.), a sujeição a trabalhos desproporcionados à idade ou à saúde (física, psíquica e mental) do subordinado, bem como a sujeição a atividades perigosas, desumanas ou proibidas. Portanto, deve dizer-se que o bem jurídico protegido por este tipo de crime é a saúde – bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, e bem jurídico este que pode ser afetado por toda a multiplicidade de comportamentos (...)” .
Sujeito passivo do ilícito penal previsto no n.º 1, al. a) e no n.º 2 do artigo 152º do Código Penal, que corresponde atualmente à alínea a) do n.º 1 daquele artigo, tem necessariamente que ser uma pessoa que se encontre numa relação de coabitação conjugal ou análoga com o sujeito ativo do delito.
O atual tipo legal prevê agora expressamente que pratica o crime de violência doméstica “Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais (…)”, pelo que o legislador veio clarificar que o preenchimento do tipo legal não exige uma reiteração de condutas.
Com referência ao tipo legal em causa, antes da redação da já referida Lei n.º 59/2007 de 4/9, exigia-se uma certa reiteração do comportamento ilícito, caso contrário, a conduta do agente preencheria, tão só e apenas, o tipo legal de crime de ofensas à integridade física.
A doutrina defendia que “o tipo legal de crime em análise, pressupõe segundo a ratio da autonomização deste crime, uma reiteração das respetivas condutas. Um tempo longo entre dois ou mais dos referidos atos afastará a reiteração ou habitualidade pressuposto, implicitamente, por este tipo de crime”(Cfr. Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 334).
Na jurisprudência já se vinha considerando que, mesmo com a redação de 1982, a referida conduta criminal se poderia verificar com uma única conduta agressiva, desde que a sua gravidade intrínseca a pudesse qualificar como tal (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 29 de Abril de 1987, in CJ, Ano XII, Tomo II, pág. 138 e os Acórdãos do STJ, de 17 de Outubro de 1996 e de 14 de Dezembro de 1997, in CJSTJ, Ano IV, Tomo 3.º, pág. 170 e Ano V, Tomo 3.º, pág. 135, respetivamente e Acórdão da Relação do Porto, de 2 de Dezembro de 1996, disponível in www.dgsi.pt).
Este entendimento ficou definitivamente consagrado na letra da lei com a reforma operada pela Lei n.º 59/2007.
Assim, em face da letra da lei e da interpretação que a jurisprudência mais recente vem fazendo das condutas típicas subsumíveis ao tipo legal da violência doméstica, entendemos que o relevante é que os factos praticados, isolados ou reiterados, apreciados à luz da intimidade do lar e da repercussão que eles possam ter para a vida comum, sejam suscetíveis de colocar a vítima na situação de, mais ou menos permanentemente, sofrer um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade no seio da sociedade conjugal.
Neste sentido pronunciaram-se, entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 29 de Fevereiro de 2012, e o Acórdão da Relação de Guimarães de 02 de Novembro de 2015, pesquisados em www.dgsi.pt, e, respetivamente, assim sumariados:
“I - Os maus-tratos previsto pelo crime de Violência doméstica, do art. 152.º do Cód. Penal, têm subjacente um tratamento degradante ou humilhante de uma pessoa, capaz de eliminar ou limitar claramente a sua condição e dignidade humanas.
II - Com a Reforma de 1995, os maus tratos psíquicos passaram a estar contemplados com um leque mais alargado de condutas, como humilhações, provocações, ameaças (de natureza física ou verbal), insultos, privações ou limitações arbitrárias da liberdade de movimentos, ou seja, condutas que revelam desprezo pela condição humana do parceiro, podendo provocar sentimentos de culpa ou de fraqueza mas não, necessariamente, um sofrimento psicológico.
III - O relevante é que os maus-tratos psíquicos estejam associados à posição de controlo ou de dominação que o agressor pretenda exercer sobre a vítima, de que decorre uma maior vulnerabilidade desta.”.
E ainda:
“I - O tipo legal do artº 152º, do CP previne e pune condutas perpetradas por quem afirme e atue, dos mais diversos modos, um domínio, uma subjugação, sobre a pessoa da vítima, sobre a sua vida ou (e) sobre a sua honra ou (e) sobre a sua liberdade e que a reconduz a uma vivência de medo, de tensão, de subjugação.
II - Este é, o verdadeiro traço distintivo deste crime relativamente aos demais onde igualmente se protege a integridade física, a honra ou a liberdade sexual. (…)”.
Em síntese, a prática de maus tratos consubstancia a perpetração de qualquer ato de violência que afete, por alguma forma, a saúde física, psíquica e emocional da vítima, diminuindo ou afetando, do mesmo modo, a sua dignidade enquanto pessoa inserida numa realidade “familiar” (conceito de família genérica) igualitária.
A violência doméstica é exercida de múltiplas formas. Uma delas consiste na violência física, mas também na violência emocional e psicológica, consistindo em “desprezar, menosprezar, criticar, insultar ou humilhar a vítima, em privado ou em público, por palavras e/ou comportamentos.”. Outra dessas formas é a intimidação, que é exercida através da coação e da ameaça. “Surge intrinsecamente associada à violência emocional-psicológica, consiste em manter a mulher vítima sempre com medo daquilo que o agressor possa fazer contra si e contra os seus familiares (...). Para tal o agressor pode recorrer a palavras, olhares e expressões faciais, gestos mais ou menos explícitos, (...). Pode ainda ameaçar, causar lesões ou a morte à companheira/esposa aos filhos ou a familiares daquela, pode ameaçar que se suicida caso a vítima o abandone ou recorrer à utilização dos filhos para a imposição de poder sobre a vítima (...).” [Carlos Casimiro Nunes e Maria Raquel Mota, Revista do Ministério Público, ano 31, n.º 122, pág. 133 e ss.].
No entendimento de ANDRÉ LAMAS LEITE (in A VIOLÊNCIA RELACIONAL ÍNTIMA: REFLEXÕES CRUZADAS ENTRE O DIREITO PENAL E A CRIMINOLOGIA”, in Julgar, nº 12, (especial), 2010, pág. 48 a 51), o bem jurídico protegido pelo tipo é uma “concretização do direito fundamental da integridade pessoal (artigo 25.º CRP), do direito ao livre desenvolvimento da personalidade (artigo 26.º CRP), ambas emanações diretas do princípio da dignidade da pessoa humana”. O bem jurídico protegido será o livre desenvolvimento da personalidade no âmbito de uma relação interpessoal próxima, de tipo familiar ou análogo.
Afigura-se-nos que aquilo que afasta as situações da violência doméstica dos demais tipos incriminadores que já protegiam condutas por aquela abrangidas, justificando a sua existência, e a criminalização como tipo de ilícito independente, é exatamente a especial relação existente entre a vítima e o agente do ilícito.
Em boa verdade, esta relação tem repercussões em dois importantes aspetos.
Por um lado, a existência da relação amorosa/familiar faz com que a prática das condutas abrangidas pelo tipo se revista de um maior grau de censurabilidade porquanto o agente está a perpetrar os ilícitos contra pessoa em relação a quem tinha o dever legal e/ou pelo menos moral de proteger e de salvaguardar.
Por outro lado, e agora na perspetiva da vítima, as consequências para a vítima/os danos causados ao bem jurídico protegido, nomeada e especialmente a dignidade da vítima, são mais relevantes atendendo ao facto de serem perpetrados por alguém próximo da mesma, de quem se espera amparo e proteção e no âmbito da sua esfera pessoal e de intimidade, praticado as mais das vezes no interior da sua habitação onde a mesma deveria sentir-se segura e protegida.
Assim, concordamos com André Lamas Leite quando afirma que é “essa específica relação entre agressor e agredido que justifica uma relação de subsidiariedade entre as normas convocadas, no sentido de que a especial censura objetiva e subjetiva, em termos de ilicitude e de culpa, respetivamente, justificam que o programa protetor seja o mais amplo possível, reservando uma certa punição — a do art. 152.º do Código Penal — como patamar mínimo punitivo conforme às exigências do art. 40.º, n.º 1 (do mesmo diploma) patamar esse que se «auto-derroga» por via de outros específicos tipos que exprimem mais severos conteúdos de antinormatividade. Dito de modo breve, é da adição entre essa especial relação de confiança que deve existir entre quem partilha vivências próximas e que torna mais reprovável a conduta do art. 152.º quando comparada com outras constelações típicas similares e a degradação da dignidade da pessoa em que consistem as factualidades abrangidas no tipo que resulta o núcleo fundamentador do delito, justificador do recorte do interesse juridicamente tutelado” (op.cit.).
O n.º 2 do artigo 152º passou a consagrar uma agravação do limite mínimo da moldura penal quando os factos forem praticados, desde logo, perante menor de 18 anos, ou dentro do domicílio comum.
O propósito do legislador foi o de censurar mais gravemente a violência doméstica nestes casos, por considerar que os menores acabam por ser vítimas indiretas dos maus tratos, e bem ainda o de censurar mais gravemente a violência doméstica velada, em que a ação do agressor é favorecida pelo confinamento da vítima ao espaço do domicílio e pela inexistência de testemunhas (neste sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, página 406).
Relativamente ao tipo subjetivo, o crime de violência doméstica exige o dolo.
Assim, no caso de maus tratos físicos ou psíquicos, o dolo estende-se ao próprio resultado danoso da integridade física ou psíquica. É sempre necessário o conhecimento da relação de proteção – subordinação.
Relativamente ao tipo subjetivo, o crime de violência doméstica exige o dolo.
Assim, no caso de maus tratos físicos ou psíquicos, o dolo estende-se ao próprio resultado danoso da integridade física ou psíquica. É sempre necessário o conhecimento da relação de proteção – subordinação.
Descendo ao caso concreto, face à factualidade provada, não existem dúvidas de que a conduta desenvolvida pelo arguido preenche a factualidade típica da violência doméstica, quer quanto aos elementos objetivos, quer subjetivos.
Com efeito, provou-se que o arguido AA e a assistente DD casaram entre si a 09-06-2012; que residiam, quando regressaram da Bélgica, onde casaram, na Travessa ... ..., Vila Nova de Gaia; que a assistente DD era já mãe de uma criança, fruto de um anterior relacionamento, CC, nascido em .../.../2009, que vivia com o casal; que do casamento do arguido e da assistente nasceu EE, em .../.../2013; que, no ano de 2014, AA, à data militar da Guarda Nacional Republicana (GNR), abandonou, voluntariamente, o seu emprego; que a partir do ano de 2016, o arguido passou a gerir a tempo inteiro um estabelecimento comercial/bar que o casal adquiriu, denominado “...”, e situado na freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia; que a partir desse momento, o arguido passou a trabalhar no período noturno, para efetuar o encerramento do bar; que o arguido pedia avultadas quantias de dinheiro à assistente DD; que, por causa dos horários do arguido, o casal passou a discutir com muita frequência; que, na constância dessas discussões, por diversas vezes e em número de vezes não concretamente apurado, o arguido dirigia-se à assistente apelidando-a de “parva” e de “estúpida”, e dizendo-lhe que ela não valia nada e que não sabia nada; que também na constância das discussões, por diversas vezes e em número de vezes não concretamente apurado, o arguido disse à assistente que se ela morresse ele seria o herdeiro do seu património; que ainda na constância das discussões, pelo menos por cinco vezes, o arguido exibiu-lhe uma pistola que tinha consigo em casa e disse-lhe que a arma estava consigo e nunca o largava, enquanto lhe referia que se ela morresse ficava com todo o seu dinheiro; que, em data não concretamente apurada dos meses de Junho ou Julho de 2014, quando o arguido e a assistente se encontravam no Brasil para assistir aos jogos de futebol do Campeonato Mundial de Futebol, a assistente sofreu um aborto espontâneo e necessitou de tratamento hospitalar, ao qual se deslocou sozinha por o arguido ter recusado acompanhá-la, o que muito a entristeceu; que, por causa do deteriorar do relacionamento entre ambos, no ano de 2018, e embora continuassem a viver mesma casa, o arguido e a assistente passaram a dormir em quartos separados, por iniciativa desta; que, durante o período do relacionamento conjugal, o arguido pretendeu controlar os movimentos da assistente quando esta se deslocava à casa que possuía Bélgica, pagando a um funcionário desta para lhe dar informações sobre as suas rotinas naquele país; que em Junho de 2020, a assistente DD regressou de uma viagem de trabalho à Bélgica, para onde havia viajado no mês de Março daquele ano; que, durante a ausência da assistente e sem o conhecimento e o consentimento desta, o arguido contratou uma funcionária de limpeza para a casa, o que fez por a assistente ter proibido a empregada comum de tratar das suas roupas, e readmitiu um funcionário que a assistente tinha despedido e com quem estava de relações cortadas, para limpar a piscina; que entregou a este funcionário um comando para abrir o portão de entrada, e ordenou a ambos que obedecessem exclusivamente às suas ordens, e não a qualquer ordem que lhes fosse dirigida por DD, e que se mantivessem no interior da casa a trabalhar, ainda que contra a vontade expressa desta; que, em data não apurada do mês de Junho do ano de 2020, quando a assistente se encontrava em casa, foi surpreendida pela presença da mencionada funcionária de limpeza, que ali adentrou e, uma vez convidada a retirar-se por DD, recusou-se, argumentando estar a obedecer às ordens do arguido AA; que, no dia 20 de Junho de 2020, DD tomava, vestida com um biquíni, banhos de sol junto à piscina, quando o referido funcionário, usando o comando que AA lhe entregara, entrou na casa, e perante a ordem que lhe deu para sair de casa, o mesmo recusou-se; que, durante o mês de Junho de 2020, o arguido passou a dar mote a discussões diárias, com a assistente, nas quais lhe dizia, aos berros, “não vales nada”, “não sabes nada”, “se morreres… eu é que vou gerir isto tudo… o património que o teu filho vai herdar...”, assim a menosprezando; ainda durante o mês de Junho de 2020, em dia não apurado, quando se encontravam junto à piscina, o arguido disse à assistente, à frente dos menores, que se ela quisesse entrar na piscina teria que pagar 5,00€ porque a piscina era dele, e instruiu as crianças para que lhe atirassem água; que no dia 28 de Junho de 2020, pelas 00h.30m, no interior da casa onde viviam e na presença das duas crianças, o arguido AA, porque DD se recusou a permitir que as crianças pernoitassem na sala com ele, iniciou uma discussão com esta; que a assistente encaminhou as crianças para as suas camas, e quando estas já estavam nos seus respetivos quartos, o arguido AA, no corredor de acesso ao quarto, dirigiu-se a esta, dizendo-lhe “eu mato-te”, e quando DD já lhe virava costas para adentrar no seu quarto, desferiu-lhe um murro na cabeça e outro no lado direito da face, provocando-lhe fortes dores na cabeça e no nariz; que, como resultado direto e necessário desta atuação, o arguido AA causou a DD dores e incómodos, concretamente dor à palpação de septo nasal, e dor à mobilização articular temporomandibular direito, com necessidade de recurso a analgesia, que lhe determinaram 1 (um) dia para a cura, sem afetação da capacidade de trabalho; que, com muito medo de AA, DD tentou sair de casa e levar consigo as duas crianças; que, quando o arguido a impediu de sair com o filho de ambos, EE, DD acabou por sair somente com CC, e pernoitou, com a criança, num hotel em Vila Nova de Gaia; que regressou a casa no dia seguinte, com a intenção de conseguir sair em definitivo de casa levando consigo as duas crianças; que, até ao dia 02 de Julho de 2020, dia em que conseguiu sair e levar consigo os dois filhos, DD, com muito medo do arguido, dormiu no seu quarto, na casa que até então partilharam, com a porta fechada e trancada com a chave; que no dia 30 de Junho de 2020, durante a noite, o arguido AA bateu insistentemente à porta do quarto de DD e, quando esta não lhe respondeu, tentou abrir a porta, que estava trancada; que no dia 02 de Julho de 2020, DD abandonou a casa, levando consigo os seus dois filhos, deixando todos os seus pertences e os das crianças, e acomodou-se, até ao final daquele mês, num hotel; que o arguido ficou a saber onde a assistente se encontrava a residir com os filhos e, no dia 26 de Agosto de 2020, pelas 15h00m, deslocou-se ao local e aguardou a chegada daquela; que, quando a assistente chegou acompanhada das duas crianças, um amigo do arguido, FF, de quem se fazia acompanhar, filmou DD e os meninos, até estes entrarem em casa; e que com muito medo de AA, DD chamou a polícia.
A nosso ver, a factualidade provada evidencia que o arguido manteve diversas condutas que ofenderam a liberdade pessoal e a integridade física e moral da assistente, mas que para além disso se revelou especialmente censurável, permitindo concluir pela subjugação de um membro da relação a outro, pelo exercício de um domínio emocional de facto de um sobre o outro, neste caso do arguido sobre a assistente, consubstanciando assim um “infligir de maus tratos físicos e psíquicos" à assistente.
O conjunto dos factos provados, reiterados quanto ao proferimento de insultos e de ameaças, ao longo de cerca de quatro anos, e de tentativas de controlo dos movimentos da assistente, consubstanciado numa situação de abandono da assistente num momento de fragilidade física e psíquica por ter sofrido um aborto espontâneo, em situações de desautorização da assistente perante funcionários, de rebaixamento e ridicularização da assistente perante os filhos, de provocações e humilhações, e numa situação de agressão física, apreciados à luz da intimidade do lar e da repercussão que eles possam ter para a vida comum, evidenciam um tratamento degradante e humilhante da assistente, e são, a nosso ver, suscetíveis de colocar a mesma na situação de, permanentemente, sofrer um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade no seio da sociedade conjugal, limitando claramente a sua condição e dignidade humanas.
A circunstância de a assistente gozar de uma situação financeira desafogada, de provir de um elevado estrato social, porquanto é descendente de uma família belga com títulos nobiliárquicos e detentora de uma grande fortuna, de ter uma vivência cosmopolita, por se deslocar frequentemente ao estrangeiro em viagens de negócios e pessoais, não a torna menos suscetível de ser atingida na sua dignidade humana, como entendemos que o foi na constância do casamento com o arguido.
A dependência económica não é de modo algum pressuposto da existência de domínio emocional de um cônjuge sobre o outro, que se consubstancia, antes sim, no infligir de um tratamento degradante e humilhante, quer através de violência psicológica, quer através de violência física, que se verificou no caso dos autos.
Mais se provou que, atuando como atuou, o arguido AA quis, como fez, atentar contra o brio, a consideração e a dignidade de DD e degradá-la e humilhá-la enquanto pessoa, mãe e mulher; que quis, como fez, causar-lhe temor e assustá-la, perturbar o seu quotidiano e colocá-la em permanente estado de intranquilidade, bem sabendo que a sua conduta era apta a consegui-lo; que quis, como fez, aproveitar o recato e a privacidade do interior da casa onde viviam para melhor lograr os seus intentos, não se coibiu, porque assim ditavam as suas vontades, de atuar como atuou; e que pretendeu molestar o corpo de DD e provocar-lhe dores e incómodos, bem sabendo que a sua conduta era apta a causá-los, e bem sabendo que o fazia contra a sua cônjuge e mãe do seu filho, atuando sempre com especial desconsideração e total desprezo pela pessoa que consigo era casada, perpetuando tal atuação mesmo após o fim do relacionamento de ambos, procurando, por todas as formas, fragilizar DD, atemorizá-la, espezinhá-la e envergonhá-la, e coartá-la na sua liberdade de se orientar conforme a sua própria vontade, atuando, em todos os momentos, livre, deliberada e conscientemente, o que demonstra que o arguido atuou com dolo direto.
Com efeito, o dolo é o conhecimento e vontade de realização do tipo de ilícito objetivo (artigo 14º, n.º 1 do Código Penal), podendo afirmar-se que no dolo direto a vontade do agente do crime se dirige de facto à produção do resultado típico, o que se apurou no caso concreto.
Desta feita, encontram-se também preenchidos os elementos constitutivos da factualidade típica, na sua vertente subjetiva.
O arguido atuou ainda com culpa, uma vez que se provou que sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Não se verificam quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Em síntese, o arguido constituiu-se autor material da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelos artigos 152º, n.º 1, alínea a), n.º 2, alínea a) e n.ºs 4 e 5 do Código Penal. »

Apreciemos então as questões suscitadas, pela ordem de prevalência processual sucessiva que revestem – isto é, de forma a que, por via da sucessiva apreciação de cada uma, se vá alcançando um progressivo saneamento processual que permita a clarificação da necessidade de apreciação das seguintes e a delimitação destas.
*
1. De saber se a sentença recorrida é nula nos termos do art. 379º/1/b) do Cód. de Processo Penal, por via da violação do disposto no art. 358º do Cód. de Processo Penal.

O arguido/recorrente AA ocupa parte da sua pretensão recursória com a invocação de que a sentença recorrida se mostra afectada de nulidade em virtude de, alega, a sua condenação assentar em factos diversos dos descritos na acusação e sem que hajam sido devidamente observados os pressupostos e condições previstas para tal efeito no art. 358º do Cód. de Processo Penal – donde estarmos perante a nulidade processual prevista no art. 379º/1/b) do Cód. de Processo Penal.
Assenta o recorrente a sua alegação no essencial em três vertentes:
– ou porque foram considerados como assentes factos que, tendo sido objecto de despacho de comunicação de alteração não substancial de factos, proferido em audiência ao abrigo do disposto no art. 358º/1 do Cód. de Processo Penal, já eram conhecidos no processo e anteriormente à dedução de acusação pelo Ministério Público,
– ou porque a comunicação em causa violou o nº 3 do art. 358° do Cód. de Processo Penal, pois que devia abranger não só o facto ou factos objecto da “alteração”, mas também a indicação ou concretização dos meios de prova em que esta assentava,
– ou, enfim, e em termos mais específicos, em virtude de o facto elencado no ponto 15. da matéria de facto provada ser completamente novo e inusitado, não constando nem da acusação do Ministério Público, nem da agora aludida comunicação de alteração não substancial de factos em audiência.

Vejamos.

Uma das consequências da estrutura acusatória do processo criminal consiste na designada vinculação temática do tribunal significando que o objecto do processo penal é aquele da acusação (ou da pronúncia), sendo esta que delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal e o âmbito do caso julgado. Constitui ainda (a vinculação temática), a «pedra angular de um efectivo e consistente direito de defesa do arguido» assegurando os direitos de contraditoriedade e audiência - Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, edição 2004, pág. 145.
Já Gomes Canotilho e Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, 1ª edição, vol. I, fls. 522, nota XI, a propósito do princípio do acusatório, referem:«O princípio acusatório é um dos princípios estruturantes da constituição processual penal. Essencialmente, ele significa que só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento. Trata-se de uma garantia essencial do julgamento independente e imparcial. Cabe ao tribunal julgar os factos constantes da acusação e não conduzir oficiosamente a investigação da responsabilidade penal do arguido (princípio do inquisitório). A «densificação» semântica da estrutura acusatória faz-se através da articulação de uma dimensão material (fases do processo) com uma dimensão orgânico-subjectiva (entidades competentes). Estrutura acusatória significa, no plano material, a distinção entre instrução, acusação e julgamento; no plano subjectivo, significa a diferenciação entre juiz de instrução (órgão de instrução) e juiz julgador (órgão julgador) e entre ambos e órgão acusador”.
Ora, o pleno exercício pelo arguido, em sede de julgamento, das garantias de defesa que lhe assistem, tem como pressuposto a estabilização do objecto processual logo que este tenha sido fixado pela acusação ou pela pronúncia, quando esta exista, objecto esse que, de acordo com o disposto nos arts. 283º ou 308º do Cód. de Processo Penal, se compõe obrigatoriamente de uma narrativa factual e de um certo enquadramento jurídico-penal dos factos narrados.
Nesta ordem de ideias, qualquer alteração do objecto processual tem de ser necessariamente excepcional e tem de ocorrer de modo a deixar ao arguido a oportunidade de reorganizar a sua defesa, na medida necessária, o que equivale a dizer, em concreto, dentro dos condicionalismos definidos pelos arts. 358º e 359º do Cód. de Processo Penal.
É, pois, precisamente neste fundamental enquadramento que surge o instituto da alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, o qual visa, precisamente, que em sede de julgamento sejam asseguradas as garantias de defesa ao arguido, pretendendo a lei processual penal que este não venha a ser julgado e condenado por factos diferentes daqueles por que foi acusado ou pronunciado, ou por factos que lhe não foram dados a conhecer oportunamente – isto é, que venha a ser censurado jurídico-criminalmente com violação do princípio do acusatório, sem que haja tido a possibilidade de adequadamente se defender.
Como se resumiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13/05/2014 (proc. 359/11.4PATVR.E1)[3], «O instituto procedimental da alteração de factos [cfr. artigo 1.º n.º 1 alínea f) do CPP] tem por escopo assegurar as garantias de defesa do arguido, prevenindo um julgamento e uma condenação com base em materialidade de facto diversa daquela que, oportunamente, maxime, na acusação, lhe tenha sido comunicada – artigo 32.º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP)».
Os mecanismos previstos nos arts. 358º e 359º do Cód. de Processo Penal viabilizam, pois, a prossecução das finalidades do processo penal, garantindo os direitos de defesa do arguido e o processo justo.
Dando cumprimento processual às exigências assim colocadas, e na parte que aqui particularmente importa considerar, dispõe em especial o art. 358º do Cód. de Processo Penal, sob a epígrafe «Alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia» o seguinte:
«1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
2 - Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.
3 - O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.»
E é a consideração da absoluta essencialidade do respeito pelos princípios em causa nesta matéria que se traduz em quanto se dispõe, entretanto no nº1, alínea b) do art. 379º do Cód. de Processo Penal, que liminarmente comina de nula a sentença «que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º».

Efectuadas estas genéricas considerações, revertamos à questão em concreto suscitada pelo arguido/recorrente nesta parte do seu recurso.

Antes, porém, de prosseguir com tal análise, cumpre elencar, de forma sintética, as incidências processuais relevantes para apreciação da questão em causa.
Assim, e como da análise dos autos decorre, em sede de audiência de discussão e julgamento, e após a produção de toda a prova elencada em sede da acusação e da contestação formuladas dos autos, veio, na sessão do dia 18/01/2022, o tribunal recorrido – por despacho proferido em acta, entender que no decurso da audiência de julgamento resultavam suficientemente indiciados, comunicando–os ao abrigo do regime do supra citado art. 358º/1 do Cód. de Processo Penal, um conjunto de factos que não se mostravam descritos na acusação deduzida pelo Ministério Público nos autos.
Tais factos, que ali enunciou e enumerou, foram os seguintes [4]:
- que o arguido passou a explorar o ...” a partir do ano de 2016 e que passou a trabalhar no período noturno para efetuar o encerramento do bar;
- que as discussões entre o casal ocorreram por diversas vezes e em número de vezes não concretamente apurado, e que durante as mesmas lhe dizia que ela não valia nada e que não sabia nada;
- que o arguido disse à assistente que se ela morresse seria o herdeiro do seu património, por diversas vezes e em número de vezes não concretamente apurado;
- que, ainda na constância das discussões, pelo menos por cinco vezes, o arguido exibiu-lhe uma pistola que tinha consigo em casa e disse-lhe que a arma estava consigo e nunca o largava, enquanto lhe referia que se ela morresse ficava com todo o seu dinheiro.
- que, em data não concretamente apurada dos meses de Junho ou Julho de 2014, quando o arguido e a assistente se encontravam no Brasil para assistir aos jogos de futebol do Campeonato Mundial de Futebol, a assistente sofreu um aborto espontâneo e necessitou de tratamento hospitalar, ao qual se deslocou sozinha por o arguido ter recusado acompanhá-la, o que muito a entristeceu;
- que foi por decisão da assistente que o casal passou a dormir em quartos separados;
- que durante o período do relacionamento conjugal, o arguido pretendeu controlar os movimentos da assistente quando esta se deslocava à casa que possuía Bélgica, pagando a um funcionário desta para lhe dar informações sobre as suas rotinas naquele país,
- que, no dia 20 de Junho de 2020, a assistente deu ordem ao funcionário que o arguido havia contratado para se ausentar de casa e o mesmo recusou-se, alegando que só cumpria ordens do arguido,
- que, ainda durante o mês de Junho de 2020, em dia não apurado, quando se encontravam junto à piscina, o arguido disse à assistente, à frente dos menores, que se ela quisesse entrar na piscina teria que pagar 5,00€ porque a piscina era dele, e instruiu as crianças para que lhe atirassem água.
Estando presente o arguido, e sendo–lhe assim efectuada presencialmente esta comunicação, pelo mesmo foi solicitado prazo para preparação da sua defesa.
Nesta sequência, veio o arguido, ao abrigo do mesmo regime processual penal, apresentar defesa, juntando documentos, requerendo a tomada de declarações à assistente e ao arguido, e indicando duas testemunhas.
Levadas a cabo, em sede de continuação da audiência de julgamento, as diligências de prova tidas por pertinentes neste âmbito – nomeadamente aquelas assim requeridas pelo arguido –, veio a ser proferida a sentença recorrida, sendo que resulta do cotejo entre os factos vertidos no predito despacho e o teor da fundamentação de facto em sede de sentença, que os mesmos vieram ser integrados no âmbito dos factos considerados provados pelo tribunal a quo – sendo vertidos, respectivamente, nos pontos 6. e 7., 10., 11., 12., 13., 14., 15., 20., e 22. da matéria de facto provada.

Apreciemos, pois, a questão suscitada, nas várias vertentes em que, como se disse, o arguido a configura.

Começa o recorrente, como vimos, por invocar que alguns dos factos oportunamente comunicados pelo aludido despacho de comunicação de alteração não substancial de factos proferido em audiência ao abrigo do disposto no art. 358º/1 do Cód. de Processo Penal – e entretanto dados como provados em sede de sentença –, são factos que já eram conhecidos no processo anteriormente à dedução de acusação, ou seja, eram factos que já haviam sido denunciados no inquérito e que o Ministério Público não integrou na acusação, sem que tivesse sido requerida abertura de instrução pela assistente quanto aos mesmos.
Considera o arguido/recorrente que, por essa via, foi violada a estrutura acusatória do processo penal, e violado ainda o princípio da presunção da inocência.
Vejamos.
Desde logo se diga que, pese embora a referência sob a forma plural do arguido/recorrente a que «grande parte das alterações não substanciais dos factos”, comunicadas na audiência» se reportem a «factos que já eram conhecidos», a verdade é que, percorrido o teor do recurso interposto – maxime em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto –, o recorrente acaba por fazer incidir esta sua crítica apenas no facto constante do ponto 12. da matéria de facto provada, em especial no segmento em que ali se dá como assente que no decurso das discussões da assistente com o arguido, este «exibiu-lhe uma pistola que tinha consigo em casa e disse-lhe que a arma estava consigo e nunca o largava».
E compulsados os autos, é verdade que se constata que, em sede de inquérito, e designadamente por parte da assistente, já havia sido a certa altura aludida a circunstância de o arguido ser possuidor de uma arma que lhe teria exibido em algumas ocasiões, sendo certo que o facto em causa não constou do elenco daqueles que foram objecto de acusação pelo Ministério Público.
Entende-se, ainda assim, que não assiste razão ao arguido nesta parte da sua alegação.
É verdade, como acima se disse, ser indispensável que o arguido saiba com precisão do que se encontra acusado, para que possa apresentar os seus argumentos e os seus meios de contra prova.
Porém, do ponto de vista da tutela das garantias do arguido, aquilo que verdadeiramente interessa é que os elementos constitutivos do crime pelo qual ele tenha sido condenado estejam abrangidos na tipicidade pela qual tinha sido acusado e lhe tenha sido conferido o ensejo de se defender, em relação a todos eles.
Ora, nesta perspectiva, a possibilidade de o juiz de julgamento aditar factos que, no seu entender, decorrem da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, e sem que dessa forma seja alterada a configuração jurídico–penal do juízo de tipicidade e ilicitude efectuado em sede de acusação, estará tutelada pela exigência do princípio da procura da verdade material, imposto ao tribunal.
Citando Cruz Bucho, em “Alteração substancial dos factos em processo penal”, pub. na revista Julgar, nº 9, « se a alteração dos factos for simples ou não substancial, isto é, tal que não determine uma alteração do objecto do processo, então o tribunal pode investigar e integrar no processo factos que não constem da acusação e que tenham relevo para a decisão do processo. A lei exige apenas, como condição de admissibilidade, que ao arguido seja comunicada, oficiosamente ou a requerimento, a alteração e que se lhe conceda, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa».
O que o tribunal não poderá em qualquer caso fazer é ajudar aquele que acusa, rectificando uma acusação deficiente por insuficiência de descrição dos elementos típicos do crime aí imputado.
Mas sendo o sistema do Código de Processo Penal português de acusatório impuro ou de acusatório mitigado por um princípio da investigação (cfr. art. 340º/1 do Cód. de Processo Penal), de modo a viabilizar nos limites do possível (com a salvaguarda das garantias de defesa) a averiguação da verdade material e a boa decisão da causa, o juiz pode intervir excepcionalmente na narrativa dos factos das acusações (do Ministério Público e do assistente), reformatando-os ou mesmo acrescentando-os.
Impõe–se é que o faça, como acima se referenciou já, respeitando os trâmites que para o efeito a lei processual penal explicita no art. 358º do Cód. de Processo Penal (no caso), situação em que tal excepção àquela estabilidade acusatória da matéria de facto não contenderá com os direitos de defesa do arguido nem com a sua presunção de inocência.
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20/12/2012 (proc. 281/11.4GDFA.E1)[5], «As modificações da base factual do processo que não se repercutam em nenhuma das situações previstas na al. f) do art. 1º podem e devem ser levadas em conta pelo tribunal, devendo no entanto cumprir-se o art. 358º do Código de Processo Penal quando contendam com o exercício da defesa».
Foi o que, nesta parte em concreto, sucedeu.
Os factos aditados pelo tribunal a quo à imputação de matéria de facto que vinha efectuada ao arguido em sede de acusação em nada contendem ou acrescentam no que tange à configuração típica criminal que determinou a sua sujeição a julgamento – não têm por efeito a imputação ao arguido de crime diverso nem a agravação do limite máximo da pena aplicável. Não é da consideração destes factos novos que resulta o salvamento ou rectificação do preenchimento do tipo criminal de violência doméstica imputado em sede de acusação, ou da medida da respectiva punibilidade.
Donde entender–se que, ainda que já havendo sido aludidos em sede de inquérito, os factos (rectius, o facto) em causa – assegurado que se mostra o direito de defesa do arguido (aliás, por ele exercido em conformidade) quanto aos mesmos, e sendo certo não estar a factualidade em causa delimitada negativamente do objecto do processo por via de despacho de arquivamento – podem integrar a comunicação em causa no art. 358º do Cód. de Processo Penal e ser, assim, considerados em julgamento e na subsequente sentença.
A condenação do arguido com consideração de tais factos comunicados pelo aludido despacho, mostra–se, assim, efectivada com respeito do regime previsto no art. 358º/1 do Cód. de Processo Penal, não consubstanciado o pressuposto da nulidade invocada.
Nesta medida, improcede esta primeira vertente da alegação do recorrente nesta parte.

A segunda vertente em que o arguido/recorrente assenta a sua alegação da nulidade invocada, tem a ver com a circunstância de, alega, a comunicação de alteração de factos haver violado o nº 3 do art. 358° do Cód. de Processo Penal, pois que devia abranger não só o facto ou factos objecto da “alteração”, mas também a indicação ou concretização dos meios de prova em que esta assentava.
Entende o recorrente que só essa indicação permitirá ao arguido identificar totalmente o objecto da sua defesa, contraditar os meios de prova já produzidos que o Tribunal esteja a pressupor – sem identificar – na dita comunicação, e oferecer, esclarecidamente, os meios de prova que segundo o seu próprio prudente arbítrio possam abalar os indícios comunicados.
Acresce, refere, que tal falha inclusive se reporta a uma declaração segundo a qual já considerava provados os factos objecto da alteração – tanto que, independentemente de esperar por saber do conteúdo do exercício do direito de defesa pelo arguido, o tribunal desde logo designou, como consta da acta, leitura da sentença.
Vejamos.

Cumprirá desde logo realçar que do acima transcrito teor do art. 358º do Cód. de Processo Penal, não resulta a necessidade de a comunicação de alteração de factos ser acompanhada da indicação dos concretos meios de meios de prova que os indiciam.
Aliás, o esclarecimento sobre os meios de prova que sustentam a alteração em causa encontra–se desde logo delimitada nos próprios pressupostos que a permitem, quando se refere que os factos em causa devem resultar indiciados por via do que ocorreu (naturalmente, em termos de produção de prova) «no decurso da audiência».
Ou seja, serão sempre, apenas e só, os meios de prova produzidos em sede de audiência de julgamento – e que, por isso, manifestamente foram objecto atempado conhecimento e de devido acompanhamento, na respectiva produção, por parte do arguido – que podem determinar a alteração entendida como adequada pelo tribunal. É, aliás, por isso mesmo que, como (entre muitos outros) se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06/10/2021 (proc. 251/19.4PBCLD.C1)[6], «A alteração prevista pelo artigo 358.º do C.P.Penal há-de ocorrer em julgamento, e já no cotejo das provas aí disponibilizadas e produzidas».
Por outro lado, não poderá perder–se de vista a natureza eminentemente substantiva daquilo que está em causa na aludida comunicação : o arguido em processo criminal defende–se materialmente de factos, e não de meios de prova. Ou seja, o que sempre estará aqui em causa é a exigência de que o arguido fique devidamente ciente e esclarecido de que, para além dos factos que já constam da acusação, o tribunal apreciará ainda mais os que se traduzirem na alteração comunicada, pois que lhe assiste o direito de contestar e impugnar não só os factos iniciais já conhecidos mas também quaisquer outros que surjam e que o tribunal pretenda levar em consideração, de modo a evitar que seja sujeito de uma decisão surpresa.
Nesta perspectiva, não se julga dever ter acolhimento o entendimento do recorrente de que a sentença estaria ferida de invalidade poro tribunal não haver informado e explicitado, no âmbito da comunicação prevista no art. 358º do Cód. de Processo Penal, os meios de prova indiciária em que se fundamenta a alteração não substancial dos factos – sendo que, não se desconhecendo a jurisprudência mencionada pelo recorrente, salvo o devido respeito (por aquela e por este último) não se subscreve a mesma.
Aliás, sobre esta exacta questão já se pronunciou o Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 216/19, de 02/04/2019 (proc. 558/18)[7], decidindo, a final, «não julgar inconstitucional a interpretação normativa extraída da conjugação dos artigos 358.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP, no sentido de que a comunicação de alteração não substancial dos factos, efetuada no decurso da audiência de julgamento, não carece de ser acompanhada de referência especificada aos meios de prova indiciária em que se fundamenta», o que faz na sequência da seguinte fundamentação, que aqui se transcreve na parte mais relevante :
«Assim, a não referência dos meios de prova em que se baseia a comunicação de novos factos indiciados, integrantes da categoria legal de alteração não substancial, traduz-se apenas numa não especificação dos mesmos, de entre todos os que, tendo sido produzidos ou sendo valoráveis em julgamento, se encontram na totalidade identificados.
Nesta perspetiva, a omissão de menção especificada não se reflete, em bom rigor, e ao contrário do que sustenta o recorrente, numa diminuição das garantias de defesa face ao que goza o arguido perante a notificação da acusação. Desde logo porque, nos termos do artigo 283.º, também a peça de acusação não carece de relacionar especificadamente os factos imputados e os meios de prova, bastando-se com a indicação em rol das testemunhas a ouvir e a indicação de outros meios de prova, sem especificação dos concretos factos, isoladamente considerados ou agrupados segundo uma qualquer classificação, a que cada fonte probatória se reporta. O mesmo acontece com o despacho de pronúncia, ao qual são aplicáveis, nessa parte, os requisitos da acusação (artigo 308.º, n.º 2, do CPP).
Mais: a comunicação a que alude o n.º 1 do artigo 358.º do CPP não incorpora um juízo, positivo ou negativo, sobre a comprovação dos factos a que se refere. Apenas exterioriza que, no estado da prova produzida em julgamento, o princípio da descoberta da verdade obriga a que o tribunal se debruce sobre uma realidade não comportada na acusação ou na pronúncia, podendo tais factos vir a ser dados como provados ou não, em função da prova que for ulteriormente produzida ou examinada. Tratam-se, pois, de factos meramente sinalizados aos sujeitos processuais, de índole precária e indiciária, porque ainda sujeitos a eventual contraprova e ao crivo da discussão contraditória em audiência.
A valoração da prova produzida e a decisão sobre a verdade dos factos imputados (os factos que integram a acusação ou pronúncia, assim como os novos factos comunicados em cumprimento do n.º 1 do artigo 358.º do CPP), ocorre apenas com a emissão da sentença ou acórdão, juízo de facto sobre o qual recai uma exigência de fundamentação especificada e tanto quanto possível completa, ainda que concisa, das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (artigo 374.º, n.º 2 do CPP), com cominação de nulidade do ato judicativo (artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP).
Desta forma, tendo em conta, por um lado, que, não obstante não existir uma indicação especificada dos meios de prova relevantes para o juízo de indiciação conducente à comunicação de factos prevista no artigo 358.º, n.º 1, do CPP, se encontra assegurada a identificação da totalidade dos meios de prova, produzidos ou valoráveis em fase de julgamento, e, por outro lado, que os factos comunicados são apenas indiciados, conclui-se que a interpretação normativa em sindicância não fere o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido.
De facto, perante a comunicação da alteração não substancial dos factos, ainda que desacompanhada da referência aos meios de prova em que se fundamenta, a possibilidade de o arguido utilizar um prazo para preparar a sua defesa, nomeadamente arrolando novos meios de prova e proferindo alegações, a final, sobre toda a prova produzida, salvaguarda o direito do mesmo a poder pronunciar-se sobre todos os factos e questões que, direta ou indiretamente, se repercutem na pretensão punitiva do Estado e da qual ele é alvo.
Por tais razões, entendemos que a interpretação normativa extraída da conjugação dos artigos 358.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP, que ora se sindica, no sentido de que a comunicação da alteração não substancial dos factos, efetuada no decurso da audiência de julgamento, nos termos dos citados preceitos, não carece de ser acompanhada da referência aos meios de prova indiciária em que se fundamenta, não impede uma defesa eficaz do arguido, não se mostrando, por essa razão, passível de censura jurídico-constitucional, por afetação das garantias de defesa do arguido, nomeadamente por inobservância do princípio do contraditório».
São considerações que se subscrevem integralmente e que encontram, no caso presente, plena pertinência e aplicação.

São também considerações que nos conduzem ainda a outro aspecto assinalado pelo recorrente como devendo traduzir a incorrecção da comunicação de alteração de factos efectuada, ainda e sempre dentro desta perspectiva da falta de enunciação dos meios de prova em que a mesma assentava.
Assim, é verdade, como bem realça o recorrente, que naquele despacho de comunicação de alteração de factos, o tribunal a quo utiliza a expressão introdutória «Da audiência de julgamento resultou, para além do mais, provados os seguintes factos».
Trata–se, há que dizê–lo, de uma fórmula que não se mostra, de todo, adequada e muito menos rigorosa à luz daqueles que são os pressupostos do regime aqui em causa e dos princípios que o regem.
Na verdade, necessariamente e como acabamos de ver salientado pelo Tribunal Constitucional, e agora se repete, «a comunicação a que alude o n.º 1 do artigo 358.º do CPP não incorpora um juízo, positivo ou negativo, sobre a comprovação dos factos a que se refere. Apenas exterioriza que, no estado da prova produzida em julgamento, o princípio da descoberta da verdade obriga a que o tribunal se debruce sobre uma realidade não comportada na acusação ou na pronúncia, podendo tais factos vir a ser dados como provados ou não, em função da prova que for ulteriormente produzida ou examinada. Tratam-se, pois, de factos meramente sinalizados aos sujeitos processuais, de índole precária e indiciária, porque ainda sujeitos a eventual contraprova e ao crivo da discussão contraditória em audiência».
Ou seja, e como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25/06/2013 (proc. 14722/10.4TDPRT.P2)[8] «a comunicação a que se reporta o artigo 358º do Código de Processo Penal não pode envolver uma decisão quanto à matéria de facto provada, mas uma simples advertência quanto à eventualidade de essa matéria poder vir a integrar a alteração de factos indicada». A comunicação a que alude o art. 358° do Cód. de Processo Penal reporta–se, pois, a factos com relevo para a decisão da causa, mas que podem, ou não, resultar provados de acordo com a prova produzida e aquela que vier a ser indicada na sequência da comunicação, não representando um pré-juízo sobre matéria provada ou não provada, mas antes e tão só uma possibilidade de alargamento da esfera de cognição do tribunal para dar eficaz cumprimento ao princípio da demanda da verdade material.
E é precisamente porque se trata de uma advertência, mas não a expressão da convicção última do tribunal, quer não é nulo o despacho que, procedendo àquela comunicação, não indica os concretos meios de prova que, na sua óptica, justificam aquela alteração.
É certo que, no caso, e como se disse, pelo tribunal recorrido foi utlizada aquela inadequada fórmula.
Porém, também se constata que de forma alguma o exercício dos direitos de defesa quanto aos factos novos se mostrou afectado, tendo sido, a jusante da dita comunicação, cumprido rigorosamente quanto decorre do regime reguladora da alteração em causa, designadamente com produção em audiência dos meios de prova entretanto apresentados pelo arguido, e com a respectiva valoração em sede de sentença.
Ou seja, e claramente, apesar da utilização, desnecessariamente equívoca, aquando da comunicação da alteração dos factos, da expressão «resultou provado os seguintes factos», é evidente que da materialidade do processo resulta que não o fez em sentido técnico-jurídico rigoroso, e que respeitou afinal o carácter provisório, e dependente do exercício do contraditório, do juízo de demonstração dos factos em causa – neste sentido cfr. também Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/01/2010 (proc. 93/07.0GAMTR.P1)[9].

Em suma, improcede também, e por qualquer das vias, esta segunda vertente da alegada nulidade da sentença recorrida.

Finalmente, a terceira vertente suscitada pelo arguido/recorrente como consubstanciando a nulidade prevista no art. 379º/1/b) do Cód. de Processo Penal, prende–se com a alegação de que o facto elencado no ponto 15. da matéria de facto provada na sentença ser completamente novo, não constando nem da acusação do Ministério Público, nem da aludida comunicação de alteração de factos em audiência.
Tal como vem alegada, esta circunstância seria a única que, de forma evidente, consubstanciaria a nulidade invocada.
Na verdade, a condenação criminal assente num facto do qual, pressuposta a sua relevância, o arguido nunca teve conhecimento e sem que do mesmo tivesse sido feita a comunicação prevista no art. 358º/1 do Cód. de Processo Penal, consubstancia uma postergação ilegítima das garantias de defesa do arguido, e é por isso claramente geradora de nulidade da sentença nos termos do disposto no citado art. 379º/1/b) do Cód. de Processo Penal.
Sucede, porém, que no caso a alegação em causa tem tanto de evidência teórica, como de improcedência material.
É que o arguido assenta a mesma alegação num pressuposto que não se verifica, qual seja o de que o facto em causa não foi objecto da comunicação efectivada por via despacho de alteração não substancial de factos a que se tem vindo a aludir.
Ora, pelo contrário, o facto ali em causa foi objecto da devida comunicação, como já acima se enunciou.
É certo, como também se referenciou supra, que na acta da sessão da audiência em que o despacho foi proferido, a respectiva transcrição se se mostra obliterada no que tange à indicação do facto em questão.
Todavia, é fora de qualquer dúvida que o facto em causa consta do elenco daqueles expressamente comunicados pelo despacho judicial em causa, conforme se constata da audição da respectiva gravação.
E é também indiscutível que tanto o arguido como o seu Ilustre Defensor, estiveram presentes na diligência em que o despacho foi proferido, percepcionando assim, de forma imediata, o respectivo conteúdo, e tendo na sua sequência, e no mesmo acto processual, requerido a concessão de prazo para preparação da defesa.
Nestes termos, e sem necessidade de outras considerações, a condenação do arguido não assentou em qualquer facto relevante do qual o mesmo não haja tido atempado conhecimento, quer por via da acusação do Ministério Público, quer do despacho de comunicação de alteração não substancial de factos – e, assim, mostra–se respeitado o regime do art. 358º do Cód. de Processo Penal (no caso) no que à consideração dos factos constantes do segundo, e não da primeira, diz respeito.
Donde, improcede enfim esta terceira vertente da alegada nulidade da sentença recorrida.

Em conclusão, não se julga verificada a nulidade da sentença prevista no art.379º/1/a) do Cód. de Processo Penal, improcedendo totalmente esta primeira questão suscitada por via do presente recurso.
*
Cumpriria passar à apreciação das demais questões suscitadas em sede de recurso, e pela ordem acima elencada.
Sucede, porém, dever ser objecto de apreciação neste momento, e pelos efeitos processuais daí decorrentes, uma questão prévia àquelas, qual seja a da nulidade da sentença por indevida valoração como meios de prova de elementos processuais insusceptíveis de tal valoração.

Vejamos.
Como decorre da transcrição acima efectuada da motivação da decisão da matéria de facto exarada na sentença recorrida, pode ler-se que o tribunal a quo, imediatamente após enunciar e resumir o teor das declarações prestadas em audiência de julgamento pela assistente DD, expressamente consigna nos seguintes termos :
«A assistente descreveu todas as ocorrências com grande pormenor e realismo, em consonância com a descrição dos factos constantes da acusação pública, tendo apresentado um depoimento irrepreensivelmente sério, objetivo e espontâneo, mas também sentido, emocionado e impressivo, próprio de quem narra factos que efetivamente vivenciou, que nos mereceu total credibilidade, em si mesmo.
Tais declarações, em si mesmas merecedoras de credibilidade, são ainda reforçadas pelo teor do auto de denúncia de fls. 42 a 46 e pelo aditamento de fls. 27, autos estes cuja autenticidade e genuinidade não foi questionada e o seu conteúdo não foi infirmado por nenhum outro meio de prova, e os quais são, por si só, dotados de força probatória porquanto foram elaborados por um órgão de polícia criminal e têm como pressuposto uma constatação imediata de determinado facto, a descrição do mesmo e dos procedimentos adotados.
Em tais autos encontra-se vertida uma versão dos factos da assistente coincidente com a narrada em sede de audiência de julgamento, descrita no dia seguinte à ocorrência dos factos que desencadearam a sua saída de casa, e que evidencia bem os sentimentos de receio e de insegurança que a assolam, e até de alguma desorientação, próprios de quem experimenta violência física e psíquica e que tenta reorganizar a sua vida e as dos filhos nesse contexto.
Confirmam-nas ainda as Fichas RVD-1L de fls. 24 e 25, de fls. 70 e 71, de fls. 220 e 221, de fls. 356 a 358, e de fls. 459 a 460.».
Ou seja, de forma que se julga clarividente, o tribunal a quo sustenta a sua convicção positiva sobre a matéria de facto que tem por assente também quer no teor dos autos de denúncia oportunamente exarados nos autos (a fls. 42/47 e depois – cronologicamente – a fl. 27), e através dos quais se dá nota que a ora assistente se dirigiu a instalações da P.S.P. denunciando várias ocorrências de que teria sido vitima), e bem assim nas designadas fichas RVD (de reavaliação de risco para situações de violência doméstica) elaboradas pelo mesmo OPC na sequência de contactos com a mesma ofendida.
A remissão do tribunal a quo para estes elementos processuais não é, pois, uma referência meramente objectiva à respectiva existência ou a mera demonstração de que nomeadamente as denúncias em causa ocorreram naquelas circunstâncias de tempo e lugar e objectivamente com determinado conteúdo – o tribunal vai mais além disso, e sustenta a própria prova da materialidade dos factos que agora tem por assentes no teor daqueles elementos processuais, isto é, valora probatoriamente o próprio conteúdo que nos mesmos se exara, e dessa valoração sustenta materialmente a prática dos factos, e suporta a credibilidade das declarações da assistente.

Sucede, porém, que nenhum daqueles elementos processuais pode ser meio de prova relativamente à materialidade dos “factos” que nos mesmos se consignam.

Assim, desde logo se dirá que a elaboração do auto de notícia (que é, afinal, quanto consubstanciam os autos de denúncia aludidos) decorre do disposto no art. 243º do Cód. de Processo Penal, que se limita a definir a necessidade de lavrar auto de notícia “sempre que uma autoridade judiciária, um órgão de polícia criminal ou outra entidade policial presenciarem qualquer crime de denúncia obrigatória” e a definir o seu conteúdo e destino.
E em processo penal, o auto em causa apenas demostra documentalmente, além da sua própria existência, que determinados factos foram objecto de notícia, comunicada em determinadas circunstâncias de modo, tempo e lugar, e por qualquer motivo – mas não é suficiente, em si mesmo, para a prova dos factos noticiados. Aliás, a distinção resulta nítida quando, na alínea c) do nº1 do art. 243º do Cód. de Processo Penal, se elenca entre os elementos que devem constar do auto, a indicação dos “meios de prova conhecidos”.
Portanto, no que tange à apreciação dos factos que se relatam no auto, a mesma é feita no âmbito do processo subsequente, e segundo os princípios (correspondentes a um processo de estrutura acusatória) da produção e apreciação da prova, consagrados desde logo nos arts. 124º a 127º do Cód. de Processo Penal, sendo que nenhum especial valor probatório é atribuível ao “auto de notícia” no nosso ordenamento processual penal – neste sentido veja–se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28/01/2014 (proc. 467/13.7TBLGS.E1)[10].
O que significa que nada do que ali seja vertido poderá impor–se à prova que, entretanto, venha a ser produzida sobre os factos noticiados, de acordo com as regras e princípios processuais penais próprios.
Pelo que, em bom rigor, nem tem cabimento falar–se em qualquer especial valor probatório do registo (ou ausência dele) de um facto num auto de notícia para a demonstração (ou indemonstração) desse mesmo facto.
E, de todo, o apelo ao que quer que conste (ou não conste) de um auto de notícia pode impor decisão diversa, sobre a demonstração de um determinado facto relevante, daquela a que o tribunal de julgamento chegue na sequência da produção e valoração dos elementos de prova relevantes para apreciar tal demonstração.
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25/05/2013 (proc. 2319/11.6TBFAF.G1)[11], «um auto de notícia pode ser valorado como meio de prova, mas as comprovações nele feitas valem exclusivamente em relação aos puros factos presenciados pela entidade que o elaborou» ; ou, no mesmo sentido, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/01/2011 (proc. 280/09.6TAVCD.P1)[12], «O auto de notícia faz fé em juízo da respectiva diligência de prova, mas não tem a força probatória reforçada instituída pelo art. 169.º, n.º 1, do CPP
Outro tanto vale relativamente ao apelo que igualmente vem efectuado em sede de sentença às fichas RVD – de reavaliação de risco para situações de violência doméstica, elaboradas nos autos pela PSP.
Estas fichas de avaliação de risco não são um elemento que possa consubstanciar prova relevante dos factos em discussão no julgamento.
E assim é pelo muito simples motivo de que não é, de todo, esse o objectivo da respectiva existência e elaboração. Na verdade, e como é consabido, a ficha de avaliação de risco pretende antes apoiar a intervenção dos elementos das Forças de Segurança na análise do nível de risco existente nas situações de violência doméstica, factor essencial para a promoção da segurança das vítimas, não sendo um meio de investigação criminal e de recolha de prova.
É nessa perspectiva que as fichas em causa são elaboradas ciclicamente ao longo da pendência da situação que as justifica, por forma a actualizar esses elementos relevantes para a aferição de tais necessidades cautelares, e não, repete–se, como meio de recolha ou confirmação de elementos probatórios, que sempre serão procurados por outra via no âmbito da investigação.

Pois bem, estabelecendo o art. 32º/5, da Constituição da Republica Portuguesa que “o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.”, e daí decorrendo em especial o princípio do contraditório, o qual beneficia de tutela constitucional expressa para o julgamento, no processual penal, em regra, só podem concorrer para a formação do tribunal provas produzidas ou examinadas em audiência, de acordo com o disposto no art. 355º/1/2 do Cód. de Processo Penal, do qual expressamente decorre que, com ressalva das provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes, só valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.
Donde, não podem ser aí valorados elementos processuais aos quais não é atribuível valor de elemento de prova da materialidade dos factos.

E ainda que se argumentasse que estaríamos perante elementos processuais que integrariam declarações oportunamente prestadas pela ora assistente (no caso), sempre a respectiva valoração probatória estaria impedida no caso concreto nos termos do regime previsto – mas aqui não observado – no art. 356º/2/5 do Cód. de Processo Penal.
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04/01/2020 (proc. 271/17.3PDVNG.P1)[13], “se o auto de notícia se consubstancia numa participação com relato e verbalização pelo participante ao OPC de um acontecer histórico, pese embora as declarações dessa participação tecnicamente não constituam um depoimento (versando sobre matéria onde ainda não existe inquérito, e onde a participante ainda nem é testemunha, onde a mesma nas declarações que presta nem está ajuramentado), no entanto, não deixam de ser declarações e se a ofendida participante, passou à condição de testemunha e posteriormente como demandante cível, isso não inviabiliza que aquelas declarações sejam alvo das proibições e valorações do regime previsto nos arts.355º e 356 do CPP, cuja previsão é aliás ampla, concretamente o nº1 alínea b) deste último preceito (com este entendimento o Ac. Rel C de 19/03/2003 in “CJ” XXVIII, I, p.40, sustenta que a permissão da leitura do auto de notícia não inclui a parte em que constava as declarações de uma testemunha). Neste sentido Paulo Pinto Albuquerque “As declarações do assistente e das partes civis incluem aquelas que eles prestaram em acto processual quando ainda não tinham sido admitidos como tais ao processo. O depoimento da testemunha inclui aquele que ela prestou em ato processual em que não foi devidamente ajuramentada.” (in Comentário do Código Processo Penal”, 4ª Ed., p.917, Lisboa, 2011). Portanto, as declarações da participação no auto de notícia sendo tomadas sem juramento ou outra advertência, necessariamente deverão estar incluídas no regime de proibições e permissões do art. 356º. A informalidade na tomada de declarações ao participante não as pode colocar à margem desse preceito, a ponto de poderem ser livremente apreciadas, diversamente dos depoimentos produzidos e formalizados em inquérito, cuja leitura em audiência necessita do regime de permissões previsto no art.356º do CPP. No jogo de princípios em atrito neste regime, é pertinente o que refere Germano Marques da Silva “A leitura é uma consequência da oralidade e publicidade da audiência e traduz uma excepção ao princípio da imediação da prova (...)”(in Curso de Processo Penal, III, p. 260, Lisboa, 1994) e ainda Paulo Pinto Albuquerque “O princípio da imediação não é apenas uma garantia de defesa, mas uma garantia da própria sentença. Por isso, ele protege quer o arguido quer o assistente (In Op. Cit, p. 914). Torna-se necessária a concordância nos termos do art.356º nº2 alínea b) e nº5 do CPP para que as declarações constantes do auto de notícia possam ser valoradas, não o sendo, é proibida a sua valoração.”.

Por conseguinte, tendo o tribunal a quo sustentando a sua convicção probatória quanto à matéria de facto provada – e não apenas as circunstâncias das respectivas apresentações e ocorrências – no próprio conteúdo material descrito naqueles autos de denúncia e fichas RVD, deve concluir-se pela proibição da valoração como prova dos factos de tais peças processuais – neste sentido veja–se também o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02/02/2022 (proc. 161/16.7GAVLG.P2)[14].
As premissas enunciadas conduzem assim à conclusão de estarmos em presença de utilização de prova proibida, pois que a convicção do tribunal a quo se formou em clara violação dos princípios da legalidade e da imediação da prova, decorrentes (na perspectiva que ficou supra exposta) da conjugação das previsões dos arts. 125º e 355º do Cód. de Processo Penal, da livre apreciação da prova, previsto no art. 127º do Cód. de Processo Penal (que pressupõe a validade dos elementos de prova que sustentam a convicção do tribunal, ainda que analisados nos termos ali consignados) e concomitantemente em violação de direitos e princípios processuais fundamentais, como os do contraditório e processo justo e equitativo, tutelados pelos arts. 32º/5/8 da Constituição da República Portuguesa e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Neste sentido se pronuncia também Paulo Pinto de Albuquerque, no seu “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da CEDH” (ed. 2007), designadamente em nota 11. ao art. 355º do Cód. de Processo Penal, referindo que «a “inutilizabilidade” da prova cuja produção na audiência não tenha tido lugar ou cuja produção na audiência fosse mesmo proibida constitui uma verdadeira proibição de prova».
E, porque proibida, estamos perante prova nula, por aplicação analógica do regime previsto no art. 126º do Cód. de Processo Penal, do qual decorre serem por regra nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas (nº1 – estatuindo o nº2 casos–padrão de situações que configurarão tal circunstancialismo) ou obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular (nº2) – seguindo–se aqui de perto quanto consigna o mesmo autor Paulo Pinto de Albuquerque, na ob. citada, agora em nota 12. ao art. 126º do Cód. de Processo Penal, referindo que «O artigo 126, n.° 1, que é concretizado pelo n.° 2, contém um elenco dos casos de nulidade insanável da prova proibida, sem prejuízo de outras normas do CPP que prevêem nulidades absolutas de prova. Atentos os bens constitucionais em causa, a disposição não tem natureza excepcional e, por isso, admite aplicação analógica (também assim, Costa Andrade, 1992: 216 [onde este último escreve precisamente que «ainda que em sede de caracterização geral dos métodos proibidos de prova, convirá ressalvar que nada parece impor a conclusão de que no artigo 126.º do CPP se contenha uma enumeração taxativa»], e Helena Morão, 2006: 590).».
E assentando em prova proibida e nula, necessariamente deverá considerar–se a sentença também afectada de nulidade, que, ainda que não expressamente prevista nos arts.119ºe 120º do Cód. de Processo Penal, se impõe seja reconhecida e declarada nesta fase processual, tanto assim que desde logo o nº3 do art. 118º do Cód. de Processo Penal especificamente adverte que «as disposições do presente título não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova».
Neste sentido, veja–se designadamente o Acórdão do S.T.J. de 06/10/2016 (proc. 535/13.5JACBR.C1.S1)[15], onde, em situação cujo paralelismo processual é evidente, se decidiu que «As declarações do co-arguido J… lidas em audiência ao abrigo do art. 357.º, n.º 1, al. d), do CPP não seriam susceptíveis de servir de fundamento para dar como provados os factos integradores do crime de associação criminosa pelo qual os arguidos foram condenados uma vez que aquele, na audiência, entendeu exercer o seu direito ao silêncio não prestando quaisquer declarações. A valoração dessas declarações lidas remetendo-se o seu autor ao silêncio constitui uma violação do princípio do contraditório contra o disposto no art. 345.º, n.º 4, do CPP configurando uma interpretação normativa que contraria o art. 32.º, n.º 5, da CRP. A consequência processual inerente é a da exclusão dessa prova do conjunto das que foram valoradas na fundamentação da matéria de facto levada a cabo na decisão recorrida por se tratar de prova proibida de valorar contra os demais co-arguidos ora recorrentes. O que importa a declaração de nulidade parcial do acórdão a esse respeito e impõe a prolacção de novo acórdão que analisando a restante prova mantenha ou modifique em conformidade a matéria de facto e a respectiva matéria de direito.».

Na verdade, e aqui chegados, haverá que ponderar que a nulidade processual em causa tem como efeito o de tornar inválido o acto em que se verifique, assim como aqueles que dele dependerem e que possam ser afectados pela mesma, sendo a abrangência processual dos efeitos de tal nulidade determinada na decisão que a reconheça e declare – tudo nos termos prevenidos no art. 122º/1/2 do Cód. de Processo Penal.
Pois bem, in casu a nulidade em causa afecta e invalida a sentença proferida nos autos e ora recorrida.
Estando em causa um meio de prova proibido que, conjuntamente com outros, levou o tribunal recorrido à formação de determinado juízo de convicção sobre a globalidade da prova, o único caminho legalmente admissível consiste precisamente na expurgação, na primeira instância, do dito meio de prova – ou, dito por outras palavras, deve o tribunal recorrido refazer o raciocínio lógico-dedutivo, reformulando o juízo valorativo à luz da prova permitida.
Efectivamente, em situações como a presente, em que está em causa um meio de prova proibido que, conjuntamente com outros permitidos, fundamenta a convicção do tribunal a quo, só este último, por ter proferido a decisão sob recurso, está em condições de voltar a decidir com base nos meios de prova permitidos e legais, refazendo a sua convicção e expô-la para eventual nova reapreciação pelo tribunal ad quem.

Neste sentido, e além dos citados Acórdão do S.T.J. de 06/10/2016 (proc. 535/13.5JACBR.C1.S1) e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02/02/2022 (proc. 161/16.7GAVLG.P2), referenciam–se ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05/06/2013 (proc. 42/11.0EACBR.C1)[16], e da Relação de Évora de 11/10/2011 (proc. 849/09.7TBFAR.E1)[17]; também neste sentido se pronuncia Paulo Pinto de Albuquerque (ob. citada, nota 11. ao art. 126º do Cód. de Processo Penal), referenciando que «a procedência da nulidade tema consequência da repetição da sentença pelo tribunal recorrido, sem a ponderação da prova proibida»; e é ainda quanto substancialmente decorre das palavras do Prof. Costa Andrade (em “Sobre As Proibições de Prova em Processo Penal”, Coimbra Editora, 1992, págs. 65/66), no extracto a seguir transcrito: «Resumidamente, não estarão de todo em todo, excluídas as constelações típicas em que a conexão normativa entre o vício e a sentença seja tão óbvia como decisiva. É o que sucederá nos casos em que a valoração proibida do meio de prova constitua o único suporte probatório sobre que assenta a sentença condenatória. Hipótese em que tanto a pertinência do recurso como o sentido da sua decisão – sc. a absolvição do arguido – se afiguram inescapáveis. As coisas serão igualmente lineares nas constelações que se situam no extremo oposto, em que a irrelevância causal da valoração da prova proibida aparece claramente exposta. Então a invocação da proibição de prova, a não determinar a rejeição do recurso (art. 420.º do CPP) não será em qualquer caso e só por si bastante para pôr em causa a decisão recorrida. O mesmo deverá ser o tratamento dos casos em que a nulidade devida à proibição de prova haja de considerar-se sanada por exclusão do nexo normativo entre o vício e a sentença (…) As expressões concretas, segregadas pelos caprichos da vida, e que constituem a fenomenologia das proibições de prova oferecida ao aplicador do direito, raramente se ajustarão aos modelos canónicos referenciados, extremados quanto à relevância ou irrelevância causal do erro sobre a sentença. O normal será que a prova proibida concorra com uma bateria de meios admissíveis, numa teia dificilmente extrincável de influência e codeterminação recíprocas. Muitas vezes nada, por isso, mais aleatório e inseguro do que a tentativa de identificar e isolar o peso que o meio de prova terá tido na convicção do julgador… Nestas hipóteses só pela via da revogação da decisão se poderão assegurar a reafirmação contrafáctica das normas violadas e a actualização do respectivo fim de protecção. O que terá de fazer-se prevenindo-se o perigo de a convicção sobre a responsabilidade criminal do arguido, entretanto lograda – e para a qual contribuiu, a seu modo, o meio proibido de prova – ter já operado uma reinterpretação cognitiva do significado e da valência probatória dos meios sobrantes e legítimos de prova.».

Posto tudo quanto precede, cumpre decidir no sentido de declaração da nulidade da sentença e da determinação de elaboração de nova decisão que, analisando a restante prova válida, mantenha ou modifique em conformidade a matéria de facto e a respectiva matéria de direito.
*
Em consequência de quanto assim vai decidido, fica naturalmente prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.
*

III. DECISÃO

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em :

1º, julgar improcedente o recurso na parte relativa à alegação da nulidade da sentença nos termos do art. 379º/1/b) do Cód. de Processo Penal, por via da violação do disposto no art. 358º do Cód. de Processo Penal ;

2º declarar a nulidade da sentença recorrida, por utilização na formação da convicção do julgador de prova de valoração proibida, impondo-se a prolação de nova sentença que exclua como meios de prova o conteúdo do auto de denúncia e aditamento (de fls. 42/46 e de fl. 27) e das fichas RVD/reavaliação de risco para situações de violência doméstica (de fls. 24 e 25, de fls. 70 e 71, de fls. 220 e 221, de fls. 356 a 358, e de fls. 459 a 460), tudo elaborado nos autos pela P.S.P., e, em conformidade, reconfigure a matéria de facto (fundamentação e motivação) e respectiva matéria de direito.

Sem custas.
*
Porto, 9 de Novembro de 2022
Pedro Afonso Lucas
Maria do Rosário Martins
Lígia Trovão

(Texto elaborado pelo primeiro signatário como relator, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo da primeira página)
_____________________________
[1] Relatado por Nuno Gomes da Silva, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[2] Relatado por Arménio Sottomayor, acedido em https://www.stj.pt [3] Relatado por António Clemente Lima, acedido em www.dgsi.pt/jtre.nsf
[4] Assinala–se que a enunciação aqui efectuada é aquela que corresponde efectivamente ao despacho em causa e conforme resulta da audição da respectiva gravação, sendo que na acta respectiva se mostra obliterado o mesmo despacho no que tange à indicação de um dos factos em causa – aquele relativo a «que, no dia 20 de Junho de 2020, a assistente deu ordem ao funcionário que o arguido havia contratado para se ausentar de casa e o mesmo recusou-se, alegando que só cumpria ordens do arguido».
Neste sentido, recomenda–se ao tribunal recorrido mais cautela e atenção na correcção das actas das diligências realizadas.
[5] Relatado por Ana Barata Brito, acedido em www.dgsi.pt/jtre.nsf
[6] Relatado por Luis Teixeira, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf
[7] Relatado por Catarina Sarmento e Castro Conselheira, e disponível em
https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190216.html
[8] Relatado por Pedro Vaz Pato, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf [9] Relatado por Jorge Gonçalves, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[10] Relatado por João Gomes de Sousa, acedido em www.dgsi.pt/jtre.nsf
[11] Relatado por Francisco Monterroso, acedido em www.dgsi.pt/jtrg.nsf
[12] Relatado por Joaquim Gomes, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[13] Relatado por Nuno Pires Salpico, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[14] Relatado por Cláudia Rodrigues, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[15] Relatado por Nuno Gomes da Silva, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[16] Relatado por Maria José Nogueira, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf
[17] Relatado por Sénio Alves, acedido em www.dgsi.pt/jtre.nsf