Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12354/23.6T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI PENHA
Descritores: APLICABILIDADE DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO DO ART. 337.º
N.º 1
DO CÓDIGO DO TRABALHO
Nº do Documento: RP2024090912354/23.6T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: O prazo de prescrição do art. 337º, nº 1, do Código do Trabalho, aplica-se apenas aos créditos resultantes directamente da relação laboral, não tendo aplicação aos créditos resultantes do acordo de revogação do contrato de trabalho, os quais estão sujeitos ao prazo de prescrição ordinário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 12354/23.6T8PRT.P1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
AA, residente na Travessa ..., ..., Vila Nova de Gaia, patrocinado por mandatário judicial, veio intentar a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra A..., SGPS S.A., com sede na Avenida ..., Porto.
Pedido; “ser a R. condenada:
a) A pagar ao A o valor da dívida no indicado montante de 24.606,48€ (vinte e quatro mil seiscentos e seis euros e quarenta e oito cêntimos);
b) A pagar ao A. o valor dos prémios anuais em dívida desde 2011 (apenas lhe foram pagos em 2011 e 2012, o montante de €10.000,00 anuais, perfazendo, no global €20.000,00) cujo montante total ascende, entre 2011 e 2021, a 130.000,00 € (cento e trinta mil euros);
c) A pagar ao A., a título de indemnização por danos morais, decorrentes da supra referida conduta da R. e que ainda não cessaram de se produzir e por isso ainda não podem ser integralmente liquidados neste momento, o montante que, para já, se reputa não ser inferior a € 30.000,00 (trinta mil euros);
d) A pagar ao A. os competentes juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data do respectivo vencimento e desde a data da citação até integral pagamento, calculados sobre cada um dos montantes peticionados nas antecedentes al. a) e b);”
Alega em síntese: Em Janeiro de 2011, o autor celebrou com a empresa A..., S.A., um contrato de trabalho sem termo; a A... e a ré, pertenciam ao grupo de empresas denominado B...; foi nomeadamente: a) assumido o ano de 1994, para efeitos de cálculo de antiguidade; b) atribuído um Prémio de Desempenho Anual Objectivo no valor de 15.000,00 €; e c) KPI’s estabelecidos para as funções; entre 2011 e 2017, o pagamento efectuado pela A..., limitou-se apenas a dois pagamentos anuais de €10.000,00 cada, em 2011 e 2012; a partir da integração do autor ao serviço da ré, que ocorreu em 1 de Abril de 2017, deixaram de ser estabelecidos KPI’s e os mesmo deixaram de ser pagos; em meados de Fevereiro de 2017, foi proposto ao A um denominado “acordo de cedência ocasional” no sentido de assumir as funções de Diretor-geral da ré, em África; no dia 1 de Abril, véspera da deslocação do autor para África, foi confrontado com uma minuta elaborada ainda pela A..., de “cessão de posição contratual”, nos termos do qual a mesma A... cedia a sua posição contratual de entidade empregadora no contrato de trabalho que celebrou com o trabalhador; não restava ao autor senão aceitar a dita “cessão”, não tendo o mesmo real consciência das alterações então introduzidas pela A...; no seguimento, o autor foi nomeado Diretor Geral da ré; na sequência do assédio da ré o autor viu-se forçado a iniciar um processo de revogação do seu contrato de trabalho; havendo culminado tal processo na revogação do contrato de trabalho, revogação essa que o autor assinou por completo e muito marcado desgaste emocional; a cessação do contrato de trabalho data formalmente de 21/05/2021; verificou-se uma retenção de parte da compensação pecuniária, no valor de 20.000,00 €, cujo pagamento foi, por imposição da ré, condicionado a uma segunda auditoria à empresa de Moçambique; ficou então também acordado que: a) Se se verificasse que era afinal a ré que devia dinheiro ao autor, a ré pagaria esses 20.000,00 €, mais acrescendo a este montante essa outra dívida; b) O autor teria sempre o direito de contestar o relatório dessa auditoria; c) A ré teria de informar o A do referido resultado da auditoria até 15 de agosto de 2021, e devia transferir os valores devidos até 31 de agosto de 2021; d) Foi ainda estipulada a penalização de 2.500,00 € pelo incumprimento do prazo de comunicação da auditoria e correspondente quitação; em setembro de 2021 foi transferida para a conta do autor, pela ré, a quantia de 22.500,00 €, nada lhe foi pago relativamente às despesas que a ré lhe deve, nem lhe foi entregue o relatório da auditoria, nem o saldo credor a favor do autor que esta permitiria apurar, nem lhe foram apresentadas quaisquer contas finais; o autor continua sem ser ressarcido das despesas em África, que totalizaram 24.606,48 €; entende o autor estar em tempo para reclamar tais direitos, porque qualquer prazo prescricional só começaria a correr após a mesma ré, devedora, ficar obrigada a cumprir (no final de Agosto de 2021) e o A credor poder exercer o seu direito (o que apenas se verificaria a partir de Setembro de 2021); por mera cautela, o autor, com vista a obter a interrupção de todo e qualquer prazo prescricional, requereu, com natureza urgente, se procedesse à Notificação Judicial Avulsa da ré, tendo esta sido notificada em 14/07/2022.
Citada a ré, procedeu-se a audiência das partes, revelando-se infrutífera a tentativa de conciliação.
A ré veio contestar, invocando a prescrição do direito invocado pelo autor, alegando que decorreu mais de um ano sobre a data da celebração do acordo de revogação; a ineptidão da petição inicial, por se basear em factos abstractos; mais impugnou o alegado pelo autor, referindo ainda: por força do referido acordo de revogação do contrato de trabalho, a ré pagou ao Autor, no dia 21 de maio de 2021, a quantia de 75.000,00 € e, em setembro de 2021, a quantia de 22.500,00 €, os quais correspondiam ao valor estabelecido no acordo de revogação, assim dando cumprimento ao mesmo acordo. Pede a condenação do autor como litigante de má fé.
O autor respondeu pugnando pela improcedência das excepções reafirmando o já alegado na petição inicial quanto à prescrição. Mais impugna a condenação como litigante de má fé.
A ré respondeu pugnando pela admissibilidade parcial do articulado resposta, ao que o autor replicou defendendo a validade do mesmo.
Foi proferido saneador/sentença, no qual se decidiu a final: “Temos, assim, que concluir que assiste razão à demandada quando conclui que os montantes peticionados na presente acção, todos decorrentes do contrato de trabalho que vigorou entre as partes, prescreveram em 22/05/2022, pelo que a notificação judicial avulsa de 14/07/2022, não teve o efeito interruptivo que o demandante lhe atribui, julgando-se a excepção de prescrição procedente e absolvendo-se a demandada de todos os pedidos deduzidos na presente acção.”
Inconformado interpôs o autor o presente recurso de apelação, concluindo:
1. O presente recurso é o próprio, mostra-se interposto tempestivamente e por quem para ele tem plena legitimidade, devendo subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
2. A tese consagrada na sentença apelada, sendo fácil e expedita e correspondendo à literalidade do art. 337º do CT, no sentido de quem tendo o contrato de trabalho entre o A. e a R. cessado em 21/05/2021, o prazo prescricional de todos os créditos ao A. se teria afinal completado em 22/05/2022 (e logo, não teria sido interrompido pela Notificação Judicial Avulsa de Julho de 2022), não tem, todavia, bastante fundamento legal.
3. É que o A. sempre alegou que, na sequência do atribulado circunstancialismo em que se preparou e se consumou a cessação do contrato de trabalho, o certo é que se verificou, por parte da Ré relativamente ao A., a “retenção” de um montante de 20.000,00 € “à espera” do resultado de uma nova auditoria, resultado esse que a mesma R. comunicaria ao A. até 15/08/2021, para este se poder pronunciar sobre o mesmo.
4. E que ficou acordado entre A e R. que se se verificasse que era a Ré que devia ainda (mais) dinheiro ao A., lhe liquidaria, até 31/058/2021, não só esse valor como os supra-citados e “pendentes” 20.000,00 €, e ainda que, se a Ré incumprisse tais prazos, pagaria uma penalização ao A. de 2.5000,00 €.
5. Ora, a Ré não cumpriu mesmo tais prazos e precisamente por isso (apenas) em Setembro de 2021 transferiu para o A. não somente os indicados e “pendentes” 20.000,00 € como – e numa clara assunção do seu próprio incumprimento e logo do direito à referida penalização – os 2.500,00 € desta, nada mais liquidando, porém, mas também nada dizendo ou explicando.
6. O A., apesar de tudo, sempre confiou que a R. acabaria por lhe pagar o que lhe devia e só quando viu aproximar-se o mês de Setembro de 2022 – 1 ano depois do prazo acordado para o pagamento – é que fundadamente receou que afinal a Ré não lhe fosse mesmo pagar.
7. E por isso recorreu em Julho de 2022 à Notificação Judicial Avulsa.
8. Apenas se vencendo as obrigações da R. – nos termos do acordo celebrado – a partir de 01/09/21, o credor A. só a partir daí poderia exercer o seu crédito e, logo e como sempre têm entendido a melhor doutrina e jurisprudência, só então se iniciando o decurso do prazo prescricional.
9. Porquanto, seja qual for a duração deste, o mesmo só se inicia a partir do momento em que o credor (o A.) possa exercer o seu direito (in casu 01/09/2021). Isto,
10. Para além de que a alegação da prescrição que a Ré veio fazer ofende claramente a boa fé, o que, mesmo que tal alegação não fosse propriamente dolosa, sempre por essa via tal determinaria também a aplicação do instituto da suspensão do prazo prescricional.
11. Nunca por nunca poderia a Ma. Juíza a quo ter impedido a produção da prova sobre os factos que integram as situações em causa e ter decretado logo a improcedência da acção.
12. E se a Ma. Juíza a quo porventura entendesse – o que aqui se coloca tão somente por mera hipótese de raciocínio, pois se considera não ser de todo o caso – que essa matéria de facto não fora completa e/ou correctamente alegada, o que tinha o dever legal de determinar, ex vi do art. 27º do CPT, era, não à improcedência da acção mas sim o convite ao A. para completar, corrigir ou aperfeiçoar o ser articulado.
13. Por todas estas razões, ao considerar que o prazo prescricional dos créditos do A. se teria completado em 22/05/22 (e, logo, a Notificação Judicial Avulsa de Julho desse ano não teria tido a virtualidade de o interromper), e ao decretar, consequentemente, a improcedência da presente acção, a sentença recorrida viola claramente a lei, e designadamente os art. 337º do CT bem como os art. 9º, 306º, nº 1, 321º, nº 2, 323º, nº 1 e 334º, todos do Código Civil.
A ré alegou concluindo:
A. Contrariamente ao sustentado pelo Recorrente, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo no dia 06 de janeiro de 2024, sob a referência nº 455217336, não merece qualquer censura, devendo ser mantida na íntegra, porquanto aplicou irrepreensivelmente o Direito aos factos.
B. O prazo de prescrição do artigo 337º, nº 1 do Código do Trabalho inicia-se no dia seguinte ao da cessação do contrato de trabalho.
C. No dia 21 de maio de 2021, foi celebrado entre as Partes um acordo de revogação do contrato de trabalho.
D. Considerando a data de celebração do acordo de revogação do contrato de trabalho, quaisquer créditos de que o Recorrente pudesse vir a ser titular sobre a Recorrida, e emergentes da relação laboral estabelecida, prescreveram no dia 22 de maio de 2022, conforme estatui, expressamente, o nº 1 do artigo 337º do Código do Trabalho.
E. Ao tempo em que o Recorrente promoveu a notificação judicial avulsa da Recorrida, no dia em 14 de julho de 2022, o prazo de prescrição já havia sido largamente ultrapassado.
F. Caso se acompanhasse a inteleção do Recorrente no sentido de que a contagem do prazo de prescrição apenas se deve iniciar aquando da data de vencimento das obrigações assumidas no acordo de revogação do contrato de trabalho – o que sempre se rejeita –, então o prazo de prescrição nunca se iniciaria enquanto a entidade empregadora não procedesse ao pagamento de todos os montantes devidos a um trabalhador a título de créditos laborais, podendo o trabalhador, naquela situação, exigi-los ad aeternum, o que contraria o próprio espírito do instituto da prescrição.
G. Acresce que não se extrai das alegações de recurso que os montantes peticionados pelo Recorrente nos presentes autos estejam de algum modo relacionados com as quantias acordadas no acordo de revogação do contrato de trabalho celebrado.
H. O prazo de prescrição consagrado no artigo 337º, nº 1 do Código do Trabalho abrange, igualmente, o crédito indemnizatório por danos não patrimoniais decorrente da verificação de uma situação de assédio moral – a qual, in casu, não se verificou –, bem como os juros de mora relativos a créditos laborais.
I. Para a apreciação da decisão sobre a procedência da exceção perentória de prescrição, em nada releva o alegado pelo Recorrente quanto ao sucedido durante a vigência da relação laboral, nem os termos da negociação do acordo de revogação do contrato de trabalho.
J. Em todo o caso, impõe-se esclarecer, em abono da verdade, que o acordo de revogação do contrato de trabalho foi precedido de uma fase negocial, sendo certo que o Recorrente sempre poderia, caso não concordasse com os termos do acordo de revogação, ter promovido a revogação do mesmo, o que não fez.
K. Pelo que é falso o sugerido pelo Recorrente no sentido de que a sua vontade no processo de celebração do acordo encontrava-se limitada ou coartada.
O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, emitindo parecer no sentido da procedência do recurso, parecer a que ambas as partes responderam.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1 e 2, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
A única questão aqui em causa prende-se com a verificação da correcção da sentença que decretou a prescrição dos direitos invocados pelo autor.

II. Fundamentação de facto
Com relevância para a decisão, para além do que consta do relatório, importa considerar os seguintes factos, admitidos por acordo:
1. Em Janeiro de 2011, o autor celebrou com a empresa A..., S.A., um contrato de trabalho sem termo;
2. A A..., S.A., e a ré, pertenciam ao grupo de empresas denominado B...;
3. No dia 1 de Abril de 2017, a mesma A..., S.A., cedeu a sua posição de entidade empregadora no contrato de trabalho que celebrou com o trabalhador ré, com acordo do autor;
4. O autor foi nomeado Diretor Geral da ré;
5. Autor e ré celebraram acordo para a cessação do contrato de trabalho a 21 de Maio de 2021;
6. Consta da cláusula segunda de tal acordo: “A cessação do Contrato de Trabalho produzirá todos os seus efeitos no dia 21.05.2021 data em que cessam todos os direitos e garantias das Partes emergentes do Contrato de Trabalho que, por este meio, se faz cessar, renunciando o Segundo Outorgante a todo e qualquer direito a reintegração.”
7. Consta da cláusula terceira de tal acordo:
“1. As Partes estabelecem como compensação pecuniária, a pagar pela Primeira à Segundo Outorgante, a quantia de € 95.000,00 (noventa e cinco mil euros), dos quais:
a) € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) ilíquidos serão pagos na data de cessação do contrato;
b) O remanescente no valor de € 20.000,00 (vinte mil euros) fica condicionado à verificação dos termos previstos nos números 5, 6 e 7 da presente cláusula.
2. O Segundo Outorgante terá ainda direito a auferir o valor de € 13.313,08 (treze mil trezentos e treze euros e oito cêntimos), a título de férias vencidas e não gozadas, subsídio de férias, proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal, bem como crédito de horas de formação profissional.”
3. As Partes declaram que o montante supramencionado inclui todas e quaisquer quantias devidas, vencidas e vincendas, pela Primeira ao Segundo Outorgante, por força do Contrato de Trabalho ou exigíveis em resultado da sua cessação, incluindo, mas não limitando, designadamente, todas as quantias previstas na lei e instrumentos de regulação coletiva eventualmente aplicáveis.
4. A quantia líquida que for apurada referente aos pontos 1., al. a) e 2. será paga na data de cessação do contrato, pela Primeira ao Segundo Outorgante, por transferência bancária, para a conta do Segundo Outorgante para a qual foram efetuados os pagamentos mensais da sua retribuição, ao abrigo do Contrato de Trabalho, até ao momento.
5. Considerando que decorre, atualmente, uma auditoria contabilística a uma sociedade do Grupo – A..., na qual o Segundo Outorgante exerceu funções de gerência, acordam as partes em estabelecer que a parte da compensação, no valor de € 20.000,00 (vinte mil euros), está condicionada à não existência de valores dos quais o Segundo Outorgante seja responsável, pelo que, se da auditoria resultar algum crédito a favor da Primeira Outorgante, o mesmo será descontado no valor dos € 20.000,00 (vinte mil euros) aqui acordado, sendo então pago o valor remanescente ou, pago pelo Segundo Outorgante à primeira o saldo que a favor desta resultar.
6. O Segundo Outorgante reserva-se ao direito de contestar os resultados da auditoria caso discorde do resultado da mesma, sem que contudo esta faculdade do Segundo Outorgante tenha qualquer influência sob a cessação do presente contrato de trabalho, a qual aceita de forma inequívoca e irrevogável pela outorga do presente acordo.
7. A Primeira Outorgante compromete-se a terminar a auditoria referida no ponto precedente até 31 de julho de 2021, informando o Segundo Outorgante até ao dia 15 de agosto de 2021 do valor dos débitos/créditos a seu favor, comprometendo-se a – existindo algum crédito a favor do Segundo Outorgante –, transferir até 31 de agosto de 2021 para a conta bancária do mesmo o respetivo valor apurado, depois de feitos os descontos legais.
8. Se a Primeira outorgante não proceder à comunicação referida no ponto anterior, no prazo ali definido, o Segundo Outorgante terá direito a receber, de imediato e sem necessidade de interpelação, o valor da compensação de € 20.000,00 (vinte mil euros) indicado no número 5 da presente cláusula, acrescido do valor de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), perfazendo um total de € 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros), constituindo o presente acordo título executivo para o efeito.
9. Caso a mencionada auditoria não venha a ser concluída até à data mencionada no ponto 7, o Segundo Outorgante mantém o direito a reclamar judicialmente o reembolso dos créditos que entende ter sobre a Primeira Outorgante, e que não se incluem no valor de € 20.000,00 retidos da compensação, sem que contudo esta faculdade do Segundo Outorgante tenha qualquer influência sob a cessação do presente contrato de trabalho, a qual aceita de forma inequívoca e irrevogável pela outorga do presente acordo.”
8. Consta da cláusula quinta do mesmo acordo:
“1. Com o presente acordo o Segundo Outorgante desde já declara nada mais ter a reclamar ou exigir relativamente à Primeira Outorgante no que concerne aos créditos laborais referentes a retribuições, comissões, formação profissional, ajudas de custo, subsídios de refeição, trabalho suplementar, férias, subsídios de férias, subsídios de Natal, bónus, prémios de produtividade, dando por isso plena quitação.
2. Por outro lado, com a finalização do processo de auditoria referenciado no ponto 5 da cláusula terceira, e eventual pagamento de compensação, se aplicável, nos termos dos pontos 5, 6, 7 e 8 da mesma cláusula, ambas as partes comprometem-se a declarar, para todos os efeitos, nada mais terem a reclamar ou a exigir uma da outra no âmbito da relação laboral que agora cessa, seja a que título for, e da parte do Segundo Outorgante relativamente à sociedade aqui identificada como Primeira Outorgante.
3. A declaração constante do ponto anterior é extensiva a todas as empresas do grupo à qual a Primeira Outorgante pertence.”
9. A ré pagou ao autor, no dia 21 de Maio de 2021, a quantia de 75.000,00 € (setenta e cinco mil euros).
10. Em Setembro de 2021, a ré pagou ao autor a quantia de 22.500,00 € (vinte mil euros).
11. O autor requereu Notificação Judicial Avulsa da ré, tendo esta sido notificada em 14 de Julho de 2022.

III. O Direito
É a seguinte a fundamentação da decisão: “Os argumentos expandidos pelo demandante, no sentido de contrariarem a conclusão exposta pela R. de que, aquando da notificação judicial avulsa o prazo prescricional em causa, já se encontrava esgotado, não colhem, em nosso entender. Em caso de ter existido incumprimento do pagamento das quantias acordadas entre as partes, no documento que fez cessar o contrato de trabalho que vigorou entre ambos, o demandante poderia ter lançado mão ou de acção executiva, já que tinha título suficiente para o efeito, pretendendo a cobrança coerciva do mesmo ou poderia ter deduzido acção declarativa com vista à revogação daquele acordo de cessação do seu contrato de trabalho, mas teria de o ter feito dentro do prazo de um ano que lhe é concedido pela norma legal supra transcrita.”
Discordando de tal entendimento, alega o recorrente: “constando as dívidas de acordo entre A. e R. que abrangia todos os indicados pontos – e foi, aliás, condição para a sua não reclamação imediata – e tendo a R. incumprido o mesmo acordo, pois efectuou apenas um cumprimento parcial, ou melhor, um incumprimento do mesmo acordo em Setembro de 2021, ficando, pois, por cumprir as obrigações reconhecidas e constituídas pela mesma R. com vencimento em Agosto de 2021, entendeu, e continua a entender, o A. estar em tempo para reclamar tais direitos, até porque, nos termos e pelas razões invocadas, e como desde logo o A. alegou, o qualquer prazo prescricional só começaria a correr após a R. devedora estar obrigada a cumprir (no final de Agosto de 2021) e o A. credor poder exercer o seu direito (o que apenas se verificaria a partir de Setembro de 2021) – art. 306º, nº 1.”
Para a recorrida “lidos e relidos os articulados apresentados pelo Recorrente nos presentes autos, não se extrai daqueles que os montantes ora peticionados pelo Recorrente estejam de algum modo relacionados com as quantias acordadas no acordo de revogação do contrato de trabalho celebrado.”
Para o Ilustre Magistrado do Ministério Público “só no decurso da acção ser[á] possível concluir” se “os montantes peticionados pelo Recorrente nos presentes autos estejam de algum modo relacionados com as quantias acordadas no acordo de revogação do contrato de trabalho celebrado”.
Entendemos que assiste razão ao Exmo. Procurador Geral Adjunto, como se passa a expor.
Nos termos do art. 337º, nº 1, do Código do Trabalho, o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Estatui por seu lado o art. 323º, nº 1, do Código Civil, que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
A divergência fundamental entre as partes centra-se na data a considerar como início do prazo de prescrição, assim, enquanto para a recorrida o prazo se iniciou na data da cessação do contrato de trabalho, para o recorrente o mesmo só se iniciou com a falta de cumprimento do acordo de revogação do contrato, na data neste estipulada.
Importa distinguir os créditos resultantes do acordo de revogação dos resultantes do contrato de trabalho, como, aliás, refere a ré/recorrida. Conforme se refere no acórdão STJ de 21 de Fevereiro de 2006, processo 05S1701, acessível em www.dgsi.pt, “Em bom rigor, ao convencionarem aquela compensação global em substituição de todos os créditos já vencidos à data da cessação do contrato de trabalho ou exigíveis em virtude dessa cessação, as partes mais não fazem do que extinguir todos estes créditos, por meio da criação de uma nova obrigação em lugar deles (art. 857º do CC).”
Ou seja, se o disposto no art. 337º, nº 1, do Código do Trabalho, tem plena aplicação aos créditos resultantes directamente da relação laboral, o mesmo já não tem aplicação aos créditos resultantes do acordo de revogação.
No mesmo sentido se pronunciou o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Janeiro de 2017, processo 1480/14.2TYLSB.L1, acessível em www.pgdlisboa.pt, em cujo sumário se refere “É autónomo da relação laboral o crédito constituído pela compensação global acordada no contrato (revogatório) que põe termo ao contrato de trabalho e através do qual as partes fazem extinguir todos os créditos dele emergentes, criando nova obrigação em lugar deles – art. 857° do CC; Por isso, a tal crédito não se aplica o prazo de prescrição fixado no art. 38° da LCT, estando o mesmo sujeito ao prazo ordinário de prescrição estabelecido nos arts. 309° e segs. do C. Civil.”
Importa, pois, analisar os diversos pedidos deduzidos pelo autor/recorrente, a fim de determinar se os mesmos resultam da execução do contrato de trabalho, ou antes do acordo de revogação do mesmo.
O autor/recorrente formulou os seguintes pedidos:
“ser a R. condenada:
a) A pagar ao A o valor da dívida no indicado montante de 24.606,48€ (vinte e quatro mil seiscentos e seis euros e quarenta e oito cêntimos);
b) A pagar ao A. o valor dos prémios anuais em dívida desde 2011 (apenas lhe foram pagos em 2011 e 2012, o montante de €10.000,00 anuais, perfazendo, no global €20.000,00) cujo montante total ascende, entre 2011 e 2021, a 130.000,00 € (cento e trinta mil euros);
c) A pagar ao A., a título de indemnização por danos morais, decorrentes da supra referida conduta da R. e que ainda não cessaram de se produzir e por isso ainda não podem ser integralmente liquidados neste momento, o montante que, para já, se reputa não ser inferior a € 30.000,00 (trinta mil euros);”
Quanto ao segundo (da al. b)), não existem dúvidas que os mesmos se prendem directamente com a relação laboral estabelecida entre autor/recorrente e a ré/recorrida, pelo que nenhuma censura merece a decisão quando julgou prescritos tais créditos, nos termos acima transcritos. Importa aliás sublinhar que consta do acordo de revogação do contrato de trabalho, nas cláusulas terceira nº 3 e quinta, que o autor/recorrente renunciou a qualquer outras quantias que pudesse ter direito em resultado da execução do contrato de trabalho.
Não colhe o argumento do autor/recorrente de que, por via de acordo de pagamento posterior dos crédito do trabalhador se frustrariam os créditos deste, mediante a prescrição. O que ocorreu não foi um acordo de pagamento faseado ou diferido de créditos resultante de contrato de trabalho, mas sim um acordo de revogação com contrato com remissão abdicativa. Nos termos do arts. 863º e seguintes do Código Civil, o credor pode emitir uma declaração de remissão abdicativa, por contrato com o devedor, através de uma declaração contratual, expressa ou tácita, de ambos, já que este modo de extinção das obrigações não está sujeita a uma forma solene ou especial, conforme os arts. 217º a 219º do mesmo diploma. Por outro lado, qualquer acordo de pagamento faseado de um crédito do trabalhador constituiria um reconhecimento de tal crédito, integrando ainda o conceito de acordo de liquidação pela cessação do contrato.
É certo, ainda, que o recorrente aflora que o acordo de revogação em causa foi determinado por erro e coacção. Porém, nenhum pedido foi formulado no sentido da anulação do acordo. Por outro lado, não obstante entendimento diverso expresso no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Setembro de 2018, processo 25940/17.4T8LSB.L1-4, acessível em www.dgsi.pt, e aqui acompanhando a sentença sob recurso, entendemos que também o direito a exigir a anulação do acordo se encontraria prescrito, uma vez que a procedência de tal pedido não poderia repristinar os créditos laborais já prescritos.
Já quanto ao primeiro (da al. a)), refere o autor/recorrente, no art. 33º da sua petição inicial o seguinte: “Assim, porque o acordo abrange as duas empresas – a R e a empresa A... – e a interpretação por parte dos Recursos Humanos da A... foi intencionalmente distorcida, como a R bem sabe, o A ainda agora continua sem ser ressarcido das despesas em África, que totalizaram 24.606,48 €, tudo conforme discriminado no email enviado à R em 2 de novembro de 2020, cujo montante ora aqui se peticiona, para todos os devidos e legais efeitos.”
Consta da cláusula terceira do acordo de revogação o seguinte:
7. A Primeira Outorgante (...) comprometendo-se a – existindo algum crédito a favor do Segundo Outorgante –, transferir até 31 de agosto de 2021 para a conta bancária do mesmo o respetivo valor apurado, depois de feitos os descontos legais.
9. Caso a mencionada auditoria não venha a ser concluída até à data mencionada no ponto 7, o Segundo Outorgante mantém o direito a reclamar judicialmente o reembolso dos créditos que entende ter sobre a Primeira Outorgante, e que não se incluem no valor de € 20.000,00 retidos da compensação, (...)
Ora, o autor/recorrente alega que nunca lhe foi comunicado qualquer resultado de qualquer auditoria, questionando mesmo a realização desta. Daí que peticione os valores aqui em causa, não sendo de conhecer neste momento se os mesmos estão justificados ou foram devidamente fundamentados do ponto de vista formal.
Ou seja, tal crédito resulta do acordo de revogação do contrato de trabalho, pelo que o mesmo não se mostra extinto por prescrição, seja em função do entendimento que aqui se aplica o prazo ordinário, seja em função da interrupção resultante da notificação judicial avulsa. O mesmo se aplicando ao pedido de condenação em juros de mora relativos a tal crédito.
Quanto ao terceiro pedido (da al. c)), não se questiona que os danos não patrimoniais resultantes da relação laboral, ou seja, nomeadamente os resultantes de assédio invocado pelo autor/recorrente, porque directamente relacionados com a mesma relação, estão igualmente abrangidos pelo prazo prescricional do art. 337º, nº 1, do Código do Trabalho. Porém, o que o autor/recorrente alega, nos arts. 40º a 45º da petição inicial, é o seguinte: “(40º) Por outro lado, o não pagamento pontual e integral dos valores em dívida ao A, criando- lhe enormes dificuldades a nível pessoal, familiar e financeiro, (41º) Bem como o prolongado processo de assédio moral desenvolvido desde 2017, causaram ao A., como sua consequência directa e necessária, graves danos, designadamente não patrimoniais, (42º) Produzindo-lhe, em todos esses momentos, profundo sentimento negativo, (43º) Nomeadamente de marcada frustração, vexame e humilhação, (44º) E sobretudo de uma profunda angústia sobre o seu próprio futuro, (45º) Determinando assim uma profunda modificação da normalidade da vida não apenas profissional, mas também pessoal, familiar e social do A.”.
Ou seja, também os danos não patrimoniais peticionados se prendem, pelo menos parcialmente, com o incumprimento do acordo de revogação, pelo que também este eventual crédito não se mostra prescrito, exclusivamente no que se refere a estes.
Questão diversa, igualmente abordada na sentença, prende-se com a possibilidade do recurso à acção declarativa para se obter a liquidação do eventual valor em dívida, atento o disposto no art. 716º, nº 1, do CPC. Porém, entendemos que a acção foi intentada nos termos do disposto no ponto 9 da cláusula terceira acima citado, não se tratando aqui de uma mera liquidação de dívida já determinada.
Assim, procede parcialmente a apelação, nos termos acima expostos.

IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a decisão na parte em que declarou prescritos os créditos peticionados sob as als. a) e d) na petição inicial, e na al. d) no que respeita aos juros relativos ao pedido da al. a), devendo a acção prosseguir para conhecimento de tais pedidos.
No mais (quanto ao pedido formulado sob a al. b) e d) nos juros a este referentes) confirma-se a decisão recorrida.
Custas do recurso por recorrente e recorrida em partes iguais.

Porto, 9 de Setembro de 2024
Rui Penha
Germana Ferreira Lopes
António Luís Carvalhão