Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
509/14.9TBMCN-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUELA MACHADO
Descritores: PROCEDIMENTO DE AUTENTICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RP20240620509/14.9TBMCN-C.P1
Data do Acordão: 06/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O procedimento tendente à autenticação de um documento particular por solicitador, pressupõe a outorga do documento pelas partes, a autenticação através do termo respetivo e a efetivação do registo informático em conformidade com a Portaria n.º 657-B/2006.
II - O período de 48 horas, referido n.º 2 do art. 4.º daquela Portaria, respeita ao momento da elaboração do termo de autenticação do documento e do registo do mesmo, e não à celebração do contrato e respetiva autenticação.
III - Se do termo de autenticação consta expressamente que o documento para autenticação foi apresentado pelo declarante e que o mesmo declarou haver lido e documento e que este exprime a sua vontade, deve considerar-se dispensa a exigência de leitura do documento por parte do solicitador.
IV - Face ao disposto no art. 542.º do CPC, a condenação de uma parte como litigante de má fé consubstancia um juízo de censura sobre a sua atitude processual, estando em causa um uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais, com as finalidades mencionadas no preceito referido.
V - Tendo sido invocada a litigância de má fé apenas nas alegações de recurso, cabe conhecer dessa questão, mas circunscrevendo-se a apreciação à litigância de má fé na fase do recurso.

(da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 509/14.9TBMCN-C.P1




Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:






I - RELATÓRIO
No âmbito da execução que contra si corre, e através de requerimento de 25-01-2024, veio o executado AA, invocando a falta de título executivo, requerer que seja indeferida liminarmente a ação executiva, uma vez que o documento particular apresentado pelo exequente não se mostra validamente autenticado, de acordo com o artigo 726.º, número 2, alínea a) do Código de Processo Civil.

Sobre tal requerimento recaiu despacho, datado de 06-02-2024, com o seguinte teor:
“O executado AA veio apresentar requerimento a pedir que seja indeferido liminarmente a petição executiva com fundamento na circunstância do documento que serve de título executivo não se encontrem validados nos termos do registo informático estabelecido no artigo 4º da Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de Junho e, por isso, o documento particular apresentado pelo EXEQUENTE não se mostra revestido de força executiva, de acordo com o artigo 726º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Civil.
Cumpre apreciar.
O fundamento agora invocado constitui fundamento para a dedução de embargos de executado, embargos esses que após a regular citação do executado em 26.11.2014, não foram deduzidos.
O Tribunal admitiu a execução e considerou a validade da autenticação do título executivo e que assim o exequente estava e está munido de título executivo nos termos do artº 703 nº 2 al. b) Código Processo Civil.
Acresce que sempre nos afigura que vir o executado decorridos quase dez anos após a sua citação arguir que a autenticação do título executivo não tem a “hora”, constituiria sempre um abuso de direito.
Com efeito a autenticação tem um número de registo “Registada sob o n.º ...61 no ROAS” e a solicitadora demostra o registo online do acto no site da ROAS pelo que não padece o título executivo de qualquer insuficiência ou irregularidade, tanto mais que a hora do registo online estará sempre disponível no site da ROAS aquando da confirmação da validação do acto, o que o executado não demostra sequer ter efectuado ou visualizado, pelo que se indefere a arguição invocada.”.
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Não se conformando com o assim decidido, veio o executado interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir de imediato, em separado e com efeito devolutivo, formulando as seguintes conclusões:
“1. Deve ser conhecida oficiosamente, nos termos do disposto no artigo 734º do Código de Processo Civil, a manifesta insuficiência do título executivo, mesmo que impulsionada pelo executado, corolário da prevalência do mérito sobre a forma.
2. De modo incontroverso e incontrovertível, constata-se que no termo de autenticação e no registo online de actos de solicitadores não consta a hora de execução do acto, está violado o artigo 3º alínea d) da portaria número 657-B/2006, de 29 de junho, o que implica a nulidade do termo de autenticação e do registo online de actos de solicitadores.
3. Se o termo de autenticação e o registo online têm a data de 03 de fevereiro de 2014, a confissão de divida não pode valer como título executivo, pois decorreram mais de 48 horas para o registo, pelo que, o documento dado à execução não se trata de um documento particular autenticado à luz da al. b) do nº1 do art. 703º do C.P.C., atento o facto de terem decorrido mais de 48 horas entre a celebração do contrato e a respectiva autenticação, não estamos perante título executivo.
4. No termo de autenticação não consta a menção de haver sido feito a leitura por parte da sra. Agente de execução da confissão de divida, desta, perante o executado, logo está violado o artigo 46º número 1 alínea l) do Código do Notariado, o que implica a nulidade do termo de autenticação e do registo online de actos de solicitadores, dai não se está perante título executivo.
5. No termo de autenticação não consta a natureza e a data de emissão, está violado o artigo 46º número 1 alínea g) do Código do Notariado, o que implica a nulidade do termo de autenticação e do registo online de actos de solicitadores, não estamos perante título executivo.
6. Na identificação da natureza e espécie dos actos, consta autenticação de documentos, quando devia constar autenticação de documentos particulares, não tem o número do documento de identificação do executado e não consta a hora de execução do acto, está violado o artigo 3º da portaria n.º 657-B/2006, de 29 de junho, o que implica a nulidade do termo de autenticação e do registo online de actos de solicitadores, não estamos perante título executivo.
7. Requer que nos termos do artigo 646º número 1 do C.P.C. o presente recurso seja instruído com as seguintes peças processuais: cópia do requerimento executivo e respectivos documentos, cópia do requerimento que deu entrada em juízo em 25.01.2024 por parte do recorrente e cópia do despacho de vossa exa. datado de 06.02.2024.
Termos em que, deve ser revogado o despacho em crise, e, consequentemente, deve ser indeferido liminarmente o requerimento executivo, dado que ocorre excepção dilatória não suprível de conhecimento oficioso, falta de título executivo, assim se fazendo inteira e sã justiça.”.
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As Autoras/Recorridas apresentaram contra-alegações, concluindo pela manutenção da decisão recorrida.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.

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II - DO MÉRITO DO RECURSO

1. Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, a questão a apreciar é apenas de direito e prende-se com decidir se deve ser, ou não, revogado o despacho recorrido, e, consequentemente, deve ser indeferido liminarmente o requerimento executivo, por ocorrer exceção dilatória não suprível e de conhecimento oficioso, em concreto, a falta de título executivo.
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2. Matéria de facto com relevância para a decisão
1. Em 13-05-2014, deu entrada em juízo, o requerimento executivo para pagamento de quantia certa, em que é exequente BB e executado AA.
2. Constam como fundamentos do pedido, os seguintes:
a) Por declaração de 1.02.2014, autenticada por solicitadora, o executado confessou-se devedor do exequente, da quantia de 31.000,00 € (trinta e um mil euros), relativa à aquisição, não concretizada, de máquinas retroescavadoras - doc. 1;
b) O executado comprometeu-se a pagar a quantia em dívida, em 15 prestações, por transferência bancária para conta titulada pelo exequente, na Bolívia, sendo que a primeira prestação, no valor de 2.000,00 €, venceu no dia 7.02.2014, a segunda, no valor de 3.000,00€, venceu no dia 25.02.2014, e as restantes treze, no valor de 2.000,00 € cada, venciam no dia 07 de cada um dos treze meses subsequentes;
c) O executado não pagou nenhuma das acordadas prestações, nem efetuou qualquer entrega por conta delas, como previsto na alínea d) do documento junto;
d) O não pagamento de uma das prestações implica o vencimento das restantes, bem como o pagamento dos juros vencidos e vincendos, às taxas legais relativas a créditos de que sejam titulares empresas comerciais - alínea c) do documento junto;
e) Assim, encontra-se em dívida ao exequente, à data de hoje a quantia de 31.551,48 €, conforme liquidação efetuada no item respetivo.
3. Constam dos autos de execução, os seguintes documentos:
- “CONFISSÃO DE DÍVIDA”, assinada pelo executado;
- termo de autenticação,
- registo online de atos de solicitadores.
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3. Decidindo:
Resulta das alegações do Executado/Recorrente que o mesmo entende que o documento apresentado como título executivo não apresenta as características necessárias para servir como tal, pelo que, face ao disposto no artigo 734.º, nº 1, do Código de Processo Civil, o Tribunal a quo deveria conhecer, mesmo oficiosamente, das questões que levantou no seu requerimento de 25-01-2024, determinando o indeferimento liminar do requerimento executivo.
Invoca várias situações que, na sua ótica, implicam a nulidade do termo de autenticação e do registo online de atos de solicitadores, a saber:
- do termo de autenticação e do registo online de atos de solicitadores, não consta a hora de execução do ato, estando violado o artigo 3.º, alínea d) da Portaria número 657-B/2006, de 29 de junho;
- o termo de autenticação e o registo online têm a data de 03 de fevereiro de 2014, mas a confissão de dívida não pode valer como título executivo, pois decorreram mais de 48 horas entre a celebração do contrato e a respetiva autenticação;
- no termo de autenticação não consta a menção de haver sido feita a leitura por parte da Sra. Agente de execução, da confissão de dívida, perante o executado, pelo que está violado o artigo 46.º, nº 1, alínea l) do Código do Notariado;
- no termo de autenticação não consta a natureza e a data de emissão, estando violado o artigo 46.º, nº 1, alínea g) do Código do Notariado;
- na identificação da natureza e espécie dos atos, consta autenticação de documentos, quando devia constar autenticação de documentos particulares, não tem o número do documento de identificação do executado e não consta a hora de execução do ato, violando o artigo 3.º da Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de junho.

Antes de mais, face ao disposto no art. 734.º, nº 1 do CPC, que refere que “O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”, entendemos que não estava vedado ao juiz o conhecimento das questões em causa, ainda que não tenham sido invocadas em embargos ou oposição à execução.
O recorrente invoca a insuficiência do título executivo, o que constitui um dos motivos para o indeferimento liminar do requerimento executivo - art. 726.º, nº 2, al. a) do CPC.
Cabe, assim, apreciar os fundamentos invocados pelo recorrente que entende que não existe título executivo suficiente.

A Portaria nº 657-B/2006, de 29-06, dispõe, no que para o caso interessa:
Artigo 1.º
Registo informático
A validade dos reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, das autenticações de documentos particulares e da certificação, ou realização e certificação, de traduções de documentos nos termos previstos na lei notarial, efetuados por câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de outubro, advogados e solicitadores, depende de registo em sistema informático.
Artigo 3.º
Dados recolhidos
Relativamente a cada um dos atos referidos no artigo 1.º, devem ser registados no sistema informático os seguintes elementos:
a) Identificação da natureza e espécie dos atos;
b) Identificação dos interessados, com menção do nome completo e do número do documento de identificação;
c) Identificação da pessoa que pratica o ato;
d) Data e hora de execução do ato;
e) Número de identificação do ato.
Artigo 4.º
Execução do registo
1 - O registo informático é efetuado no momento da prática do ato, devendo o sistema informático gerar um número de identificação que é aposto no documento que formaliza o ato.
2 - Se, em virtude de dificuldades de carácter técnico, não for possível aceder ao sistema no momento da realização do ato, esse facto deve ser expressamente referido no documento que o formaliza, devendo o registo informático ser realizado nas quarenta e oito horas seguintes.
Resulta destes preceitos, como acertadamente se refere no Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, de 22-10-2020, proferido no Processo 7633/20.7T8PRT.P1, Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA, que:
“I – O procedimento tendente à autenticação de um documento particular por solicitador, pressupõe 3 etapas:
i) outorga do documento pelas partes;
ii) o documento particular assinado pelas partes é apresentado ao solicitador para autenticação, confirmando aquelas perante este o conteúdo do documento;
iii) efectivação do registo informático em conformidade com a Portaria n.º 657-B/2006.”
Posto isto:
Quanto ao facto de do termo de autenticação e do registo online de atos de solicitadores não constar a hora de execução do ato, conforme previsto no art. 3.º, alínea d) da Portaria número 657-B/2006, de 29 de junho citado, entendemos que não se trata de uma qualquer nulidade, uma vez que, tal como consta da decisão recorrida, a hora do registo online está disponível no site da ROAS, onde pode ser verificada, sendo, aliás, certo que o precito invocado diz expressamente que os dados em causa “devem ser registados no sistema informático”.
Assim, constando a hora precisamente do registo informático, onde pode ser consultada, não ocorre a invocada irregularidade, não sendo, pois, inválidos o termo de autenticação e o registo online.
Refere o apelante, de seguida, que o termo de autenticação e o registo online têm a data de 03 de fevereiro de 2014, mas a confissão de dívida não pode valer como título executivo, pois decorreram mais de 48 horas entre a celebração do contrato e a respetiva autenticação.
Efetivamente, a confissão de dívida tem a data de 1 de fevereiro de 2014, sendo que o termo de autenticação e o registo online estão datados de 3 de fevereiro de 2014.
Ora, se por um lado não resulta sequer da referida factualidade que tenham sido ultrapassadas 48 horas entre uma situação e outra, o certo é que o prazo de 48 horas previsto no nº 2, do art. 4.º, da Portaria citada, não se refere ao lapso temporal entre a celebração do contrato e o termo de autenticação e registo do mesmo, respeitando, antes, ao período temporal entre a elaboração do termo de autenticação do documento e o registo do mesmo.
No caso, o termo de autenticação e o respetivo registo ocorreram no mesmo dia, pelo que não foi violado o prazo referido.
Neste sentido, cfr. o já citado Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, de 22-10-2020, proferido no Processo 7633/20.7T8PRT.P1, Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA, onde se diz: “II – O período temporal de 48 horas, referido n.º 2 do art.º 4.º daquela Portaria respeita ao momento da elaboração do termo de autenticação do documento e do registo do mesmo, e não à celebração do contrato e respetiva autenticação.”.
Continua o recorrente, invocando que no termo de autenticação não consta a menção de haver sido feita a leitura por parte da Sra. Agente de execução, da confissão de dívida, perante o executado, pelo que está violado o artigo 46.º, nº 1, alínea l) do Código do Notariado, mas também quanto a este alegado motivo de nulidade, não lhe assiste razão.
Se analisarmos o termo de autenticação junto aos autos, verificamos que do mesmo consta expressamente que o documento para autenticação foi apresentado pelo declarante, ou seja, o apelante, e que o mesmo declarou haver lido e documento e que este exprime a sua vontade, o que, obviamente, dispensa a exigência de leitura do documento por parte da senhora solicitadora, pelo que não ocorre qualquer nulidade com esse fundamento.
Diz o apelante também que no termo de autenticação não consta a natureza e a data de emissão, estando violado o artigo 46.º, nº 1, alínea g) do Código do Notariado.
Antes de mais, não se percebe, porque o apelante não o diz, a que documento se refere, quando afirma que no termo de autenticação não consta a natureza e a data de emissão.
Será que se refere ao próprio termo? É que do mesmo consta que se trata de um termo de autenticação, como consta também a data de emissão desse termo.
De qualquer modo, do art. 46.º, nº 1, al. g) do Código do Notariado, consta que o instrumento notarial deve conter a menção dos documentos apenas exibidos com indicação da sua natureza e data de emissão, sendo que o único documento que foi exibido foi o cartão de cidadão do apelante, constando o número respetivo, a validade e, ainda, o número de contribuinte do seu titular, pelo que se mostra satisfeita também esta exigência.
Finalmente, diz o recorrente que na identificação da natureza e espécie dos atos, consta autenticação de documentos, quando devia constar autenticação de documentos particulares, não tem o número do documento de identificação do executado e não consta a hora de execução do ato, violando o artigo 3.º da Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de junho.
Este preceito, já citado supra, dispõe que devem ser registados no sistema informático os seguintes elementos:
a) Identificação da natureza e espécie dos atos;
b) Identificação dos interessados, com menção do nome completo e do número do documento de identificação;
c) Identificação da pessoa que pratica o ato;
d) Data e hora de execução do ato;
e) Número de identificação do ato.
Ora, mais uma vez, entendemos que não assiste razão ao apelante.
O termo identifica a natureza do ato, sendo que autenticação de documentos corresponde ao ato praticado, até porque se o documento não for particular não necessita de ser autenticado.
O número do documento de identificação do executado consta do termo, como já mencionamos.
Quanto à hora da execução do ato, já nos pronunciamos também, sendo que a mesma pode ser vista no sistema de registos.
Ao encontro de tudo o que acaba de se decidir, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21-04-2022, Processo 1670/13.5TBPTM.E1.S1 (disponível em dgsi.pt), onde se diz, no que para o caso interessa:
“(…)
II. Os termos de autenticação, lavrados em conformidade com o estatuído no artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, obedecem a determinados requisitos: devem ser lavrados no próprio documento a que respeitam ou em folha anexa (cfr. artigo 36.º, n.º 4 do Código do Notariado); devem satisfazer, na parte aplicável e com as necessárias adaptações, às formalidades comuns dos actos notarias, estabelecidas no artigo 46.º do Código do Notariado – para tal, devendo os termos de autenticação conter, ainda, os seguintes elementos: 1. Declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade; 2. a ressalva das emendas, entrelinhas, rasuras ou traços contidos no documento e que neste não estejam devidamente ressalvados - cfr. artigo 151.º do Código do Notariado).
III. Tais actos, por força do nº 3 daquele artigo 38º do Dec.-lei nº 76-A/2006, de 29 de Março, apenas podem ser validamente praticados mediante registo em sistema informático, sendo que, por regra, este registo, nos termos do artº 4º da Portaria 657-B/2006, é efectuado no momento da prática do acto (devendo, então, o sistema informático gerar um número de identificação que é aposto no documento que formaliza o acto – ou seja, no termo).
IV. Precavendo, porém, a possibilidade de o sistema informático não estar acessível nesse momento, em virtude de dificuldades de natureza técnica (e apenas devido a estas – que devem ser mencionadas nos documentos que formalizam os actos, sob pena de nulidade do registo online e, consequentemente, de invalidade do termo de autenticação), o legislador veio dar a possibilidade de, mesmo assim, se validar o documento: ser efectuado o respectivo registo informático dentro das 48 horas seguintes àquele momento.
(…)
VII. Da conjugação dos normativos do DL nº 76-A/ 2006 e Portaria nº 657-B/2006, de 29.06, resulta que o acto a que a Portaria 657-B/2006 de 29 de Junho se refere é o da autenticação do documento particular e não o da outorga do próprio documento particular e que o prazo de 48 horas previsto no artº 4º da referida Portaria nº 657-B/2006 respeita à elaboração do termo de autenticação e do registo do mesmo e não à celebração do contrato e respectiva autenticação.
VIII. Ou seja, pouco importa se decorreu, ou não, mais de 48 horas entre a outorga das procurações e a sua autenticação. Importa, sim (e apenas) que não decorra mais de 48 horas entre essa autenticação e o seu registo informático: este, e só este limite temporal é que é inultrapassável.
(…)”.
Não ocorre, pois, qualquer nulidade do termo de autenticação ou do respetivo registo, pelo que também não ocorre a invocada inexistência de título executivo, improcedendo o recurso na totalidade.
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Nas suas contra-alegações, invoca o recorrido a litigância de má fé do recorrente e pede a condenação do mesmo em multa e indemnização.
Alega, para o efeito, que:
O recorrente deduz pretensão cuja falta de fundamento não ignora: invoca, mais de dez anos passados, a irregularidade do termo de autenticação da confissão de dívida, quando é certo ter reconhecido a dívida, intervindo nos autos representado por Ilustres Mandatárias, e requerido avaliação do imóvel penhorado;
O recorrente omite factos relevantes para a decisão da causa: não menciona ter solicitado, por duas vezes, a elaboração da conta, pela Senhora AE, para pagamento; não diz ter sido solicitado a indicar a modalidade da venda; não refere ter requerido a avaliação do imóvel penhorado; não esclarece ter informado sobre a disponibilidade dele para mostrar o imóvel penhorado; e
O recorrente faz do processo um uso manifestamente reprovável, com o objetivo de conseguir um objetivo ilegal e entorpecer a ação da justiça: as 'falhas' que invoca, para além de inócuas (como a da hora), são contrárias ao próprio teor do documento, que contém o número de registo, permitindo aferir da respetiva validade; que contém a indicação de que o executado declarou tê-lo lido e que expressava a vontade dele; que contém a referência a que o documento foi lido e explicado ao executado o conteúdo dele; e que contém todos os elementos de identificação do executado, designadamente os números de contribuinte e do cartão de cidadão, e ainda a validade deste.
Vejamos:
Destinando-se o recurso a apreciar as questões decididas pelo Tribunal de 1.ª Instância, e não tendo sido aí decidida, ou sequer invocada, a litigância de má fé, nada há a decidir quanto a isso.
Contudo, isso não exclui a possibilidade de haver litigância de má fé na fase do recurso.
Ora, face ao disposto no art. 542.º do CPC, a condenação de uma parte como litigante de má fé consubstancia um juízo de censura sobre a sua atitude processual, estando em causa um uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais, com as finalidades mencionadas no preceito referido.
Tendo sido arguida a litigância de má fé nas alegações de recurso, cabe conhecer dessa questão, mas circunscrevendo-se a apreciação à litigância de má fé na fase do recurso, ou seja, ao que o recorrente defende nas suas alegações de recurso.
No caso, como resulta do que se decidiu supra, não assiste qualquer razão ao apelante, sendo certo que invoca nulidades que, face ao teor dos documentos em causa, tinha que saber não correrem, por tão evidente que isso resulta da simples leitura, nomeadamente do termo de autenticação.
Acresce que, tendo o apelante que saber que invoca situações que não ocorrem, faz do processo um uso manifestamente reprovável, impedindo, assim, o normal andamento dos autos.
O que, leva a concluir que deduz pretensão cuja falta de fundamento não ignora.
Assim, concorda-se com o recorrido quando diz que o recorrente litiga de má fé, já que resulta do que se deixa exposto que o apelante atuou mesmo com dolo, ao interpor o presente recurso com os fundamentos referidos.
No que diz respeito à fixação da multa e da indemnização pedida pelo recorrido, tendo em conta a conduta processual descrita, decide-se fixar a multa em 5 (cinco) UC.
Quanto à indemnização, a mesma terá que ser pedida pela parte que invoca a litigância de má fé, o que aconteceu no caso.
Sendo que, de acordo com o disposto no art. 543.º, nº 3 do CPC, “Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte”.
No caso, não dispomos de elementos para fixar a indemnização, pelo que se relega a sua fixação para momento posterior, uma vez ouvidas as partes.

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III. DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.

Condenam o recorrente como litigante de má fé, em multa que fixam em 5 (cinco) UC, bem como em indemnização a favor do recorrido, a liquidar em momento posterior, após audição das partes.

Custas pelo apelante – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.







Porto, 2024-06-20
Manuela Machado
Francisca Mota Vieira
António Carneiro da Silva