Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
13610/21.3T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: ACIDENTE SIMULTANEAMENTE DE VIAÇÃO E DE TRABALHO
DANO BIOLÓGICO
INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Nº do Documento: RP2024071013610/21.3T8PRT.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O dano biológico pode assumir-se como patrimonial e/ou não patrimonial, traduz-se, nuclearmente, num handicap físico-emocional que, ainda que não implique perda remuneratória, torna mais penosa a realização das tarefas quotidianas, profissionais e pessoais, e é, decisivamente, calculado via juízo ex quo.
II - A compensação a atribuir, pelo dano biológico, quando não interfere com a capacidade de ganho do lesado, não tem de ter uma relação directa com a sua actividade profissional, antes se posicionando como um dano permanente e interferindo em todos os aspectos da vida do lesado e na sua qualidade de vida, pelo que o ponto de partida para o cálculo da indemnização pelo dano biológico deve ser o mesmo para todos, em obediência ao princípio da igualdade.
III - Quando as sequelas decorrentes do evento lesivo são compatíveis com o exercício da profissão do lesado mas implicam esforços suplementares dada a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, deve considerar-se o dano biológico fonte de previsíveis perdas patrimoniais, indemnizáveis, pois, como dano patrimonial, sem prejuízo da compensação dos danos não patrimoniais do mesmo dano biológico derivados.
IV - Na falta de uma referência médico-legal que, por exemplo, mediante a atribuição de pontos ao “rebate profissional”, permita uma mais adequada quantificação das perdas patrimoniais previsíveis mas não determináveis, na atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, devem ponderar-se os contornos do caso concreto, à luz dos padrões da jurisprudência mais actualista, tendo, nomeadamente, em conta a idade do lesado, a sua expectativa de vida (e não apenas a sua expectativa de vida activa), o seu grau de incapacidade geral permanente e, em particular, a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da respectiva actividade profissional habitual.
V - Tal fixação assume necessariamente alguma dificuldade e subjectividade, sendo por isso importante o recurso a um elemento mais objectivo, para o que, para o dano biológico, podemos partir da Tabela Nacional para a Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil aprovada pelo DL 352/2007, de 23 de Outubro, sem prejuízo de se levarem igualmente em conta outras circunstâncias que se apuram relativas ao caso concreto e que permitem estabelecer o valor indemnizatório mais de acordo com a equidade.
VI - Considerando que no âmbito da Tabela referida o legislador faz interferir, a par da idade do lesado e da dimensão da incapacidade, o salário como elemento fundamental no cálculo da indemnização, temos como mais correto que se pondere para o efeito o valor do salário médio nacional e não a remuneração mínima mensal garantida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2024: 13610/21.3T8PRT.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
AA, residente na Rua ..., n.º ..., 1.º Frente, Maia, instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum contra A..., Companhia de Seguros, S.A., com sede no Largo ..., Lisboa, onde concluiu pedindo a condenação da Ré a pagar ao autor:
- a quantia de € 20.000,00, a título de dano não patrimonial, acrescida de juros legais, desde a data da citação até integral pagamento;
- quantia não inferior a € 50.000,00 a título de danos patrimoniais pela incapacidade permanente, em montante não inferior a € 50.000,00.
Alegou, em síntese, ter ocorrido um acidente de viação por causa imputável à conduta do condutor do veículo segurado pela ré, assim como os danos sofridos, que considera serem directamente resultantes do acidente, cujo ressarcimento reclama.

Citada, a ré contestou, defendendo-se por excepção, invocando a prescrição do direito do autor.
Sem prescindir, aceitou a responsabilidade do seu segurado pela ocorrência do acidente, mas impugnou os valores peticionados a título de danos.
Concluiu pedindo a procedência da excepção de prescrição e, subsidiariamente, pediu que a acção seja julgada de acordo com os danos que se vierem a provar.
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Notificado, o autor respondeu pugnando pela improcedência da excepção de prescrição.
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Realizou-se a audiência prévia.
Foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e elencados os temas de prova.
Foram admitidos os meios de prova, onde se incluiu a realização da prova pericial para avaliação do dano em direito civil.
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Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com observância de todo o formalismo legal.
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Após a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que após ter julgado improcedente a excepção de prescrição, julgou a acção parcialmente procedente e decidiu condenar a ré no pagamento ao autor da indemnização global de € 15.000,00, acrescido de juros de mora desde a data da sentença, até efectivo e integral pagamento, calculados à taxa legal de 4%, absolvendo a ré de todos os restantes pedidos formulados.
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Não se conformando com a decisão proferida, a recorrente A... - Companhia de Seguros, S.A., veio interpor recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:
I.Da redação do ponto 53.º dos factos provados parece decorrer que a lesão traumática provocada pela fratura do esterno - tendo sido a única que resultou para o Autor do acidente aqui em discussão - é, também ela, impeditiva de o Autor realizar determinadas tarefas da sua atividade profissional.

II. Tal não corresponde, no entanto, à verdade porquanto resulta da prova produzida – perícia do INML – e do disposto no facto 47.º que a mesma justificou a atribuição ao Autor de um défice funcional de 1 ponto, sendo o mesmo compatível com o exercício da profissão, implicando “apenas” esforços suplementares.

III. Pelo que deverá ser alterada a redacção do ponto 53.º dos factos, excluindo-se a primeira parte do mesmo e ficando ali a constar apenas “O quadro de patologias de ordem degenerativa mencionadas nos pontos 28º, 31º a 37º, impedem o autor de realizar determinadas tarefas na sua atividade profissional de Distribuidor, tal como conduzir e fazer esforços por mais de vinte minutos, não tem forma de estar sentado, sente dores ao nível do pescoço, costas, coccic, planta do pé esquerdo quando engrena a embraiagem do veículo automóvel;”.

IV. Apesar de ter dado como provado o vencimento do Autor à data do acidente, o tribunal a quo entendeu, para efeitos de cálculo do montante indemnizatório a atribuir, recorrer ao salário médio à data de 2018, sem de forma alguma o justificar.

V. Trata-se de uma opção totalmente discricionária e infundada, que pressupõe um vencimento do Autor superior ao real sendo que, nem a idade do Autor - que à data contava já 51 anos de idade -, nem a eventual progressão na carreira (que no caso, atentas as circunstâncias concretas, dificilmente ocorrerá) o poderiam justificar.

VI. Recorrendo a cálculos matemáticos tendo por base o vencimento (errado, como vimos), a idade e a incapacidade atribuída, o tribunal apurou o valor de € 3.640,00. No entanto, e invocando a equidade, corrige tal montante para € 10.000,00, quase o triplo do valor encontrado!

VII. O valor assim fixado é totalmente arbitrário, porque desfasado do que a jurisprudência vem fixando em situações semelhantes, e fonte de enriquecimento ilegítimo do Autor.

VIII. Ao fixá-lo, a sentença proferida violou de forma flagrante o princípio do indemnizatório e a proibição do enriquecimento sem causa, devendo, quanto a este ponto, ser a decisão proferida revogada e substituída por uma outra que reduza o montante atribuído a este título para € 2.500,00.
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O A. também interpôs recurso de apelação tendo por objecto as deficiências da gravação, o qual não foi admitido.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Factos
2.1 Factos provados
O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:
1. O Autor exerce as funções na categoria profissional de “distribuidor” na sociedade comercial por quotas denominada “B..., Lda.”, sendo trabalhador por conta de outrem, função que exercia à data do acidente e que ainda mantém.
2. No dia 2 de março de 2018, pelas 15horas e 40 minutos, na Rua ..., na freguesia ..., no concelho de Gondomar ocorreu um acidente entre o autor que conduzia o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-JC-.., propriedade da sua entidade patronal e o veículo ligeiro com a matrícula ..-AX-...
3. O Autor na data e hora referidos encontrava-se a exercer a sua atividade laboral e circulava com o seu veículo JC na Rua ..., em ..., no concelho de Gondomar, no sentido de Nascente para Poente (... para ...).
4. O veículo ligeiro com a matrícula ..-AX-.. circulava na Rua ..., em ..., no concelho de Gondomar, no sentido Poente para Nascente (... para ...).
5. Quando o Autor circulava na Rua ..., em ..., surgiu-lhe inesperadamente a viatura AX conduzida por BB, que seguia no sentido contrário, tendo perdido o controlo do seu veículo, despistando-se após o viaduto, invadindo a hemi faixa onde circulava a viatura do Autor, acabando por colidir com a sua lateral direita na frente da viatura onde este circulava.
6. O impacto provocou o acionamento do “airbag” do veículo, trazendo o autor cinto de segurança.
7. O limite máximo de velocidade permitido no local é de 50Km/h, sendo constituído por duas faixas de rodagem sem separador.
8. O Autor seguia pela rua acima identificada no sentido Nascente/Poente a uma velocidade não superior a 50kms/hora, na hemi faixa de rodagem reservada ao seu sentido de trânsito.
9. Enquanto o condutor do veículo com a matrícula ..-AX-.., seguia a uma velocidade não concretamente apurada, mas seguramente superior ao limite legal, atendendo às circunstâncias do sinistro, numa curva acentuada e com o piso molhado, tendo chovido.
10. À data do acidente o proprietário do veículo com a matrícula ..-AX-.. tinha transferido para a Ré a responsabilidade civil pelo risco resultante da circulação daquela viatura, nos termos do Dec. Lei 291/2007 de 21 de Agosto, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ....
11. O Autor, em consequência do acidente, foi transportado por ambulância do INEM, tendo recebido tratamento de urgência no Hospital ..., no Porto.
12. De acordo com o “Resumo de Episódio de urgência” constante de fls. 13 do anexo documental, o autor foi admitido pelas 16h52m do dia 2 de Março de 2018 por “Lesão Toraco-abdominal.”, com pedido de avaliação por traumatismo torácico com fractura do esterno.
13. Realizou ecografia abdominal superior; RX Esterno com duas incidências; RX Tórax com duas incidências.
14. O autor esteve internado no Hospital ... desde o dia do acidente, 2 de março de 2018, até obter alta hospitalar, no dia 5 de março de 2018.
15. De acordo com a Nota de Alta do Hospital ... e sobre a “História da doença atual” é mencionado: “Doente que recorreu ao SU do CH... a 02/03 na sequência de acidente de viação a alta-velocidade, com embate latero-frontal e traumatismo torácico. Rx-tórax e esterno com evidência de fratura do corpo esternal. ECG em ritmo sinusal, sem alterações. Fez ecocardiograma sem sinais de contusão cardíaca ou envolvimento pericárdico. Internado aos cuidados de Cirurgia 2 para vigilância clínica e hemodinâmica, internamento decorrido sem intercorrências a registar.”.
16. O acidente em causa foi em também um acidente de trabalho.
17. Enquanto trabalhador era beneficiário de um seguro de trabalho na companhia de seguros C..., tendo sido acompanhado no Hospital 1..., no Porto.
18. De acordo com a “História Clínica” do autor resultante do acompanhamento efectuado pelo Hospital 1... no Porto, com início em 3-4-2018, o autor estava diagnosticado com fractura do esterno, fechada, mantendo consultas de ortopedia, diagnóstico que se mantém em 15 de Maio de 2018.
19. Em 24 de Maio o autor queixou-se de coccigodinia (dor) que atribuiu ao sinistro, tendo sido solicitado pelo médico assistente um RX ao Coccix e ao Sacro com duas incidências.
20. Com data de 21-06-2018 é feito o seguinte diagnóstico: Fractura do Sacro e Coccic, Fechada, Sem lesão Medular. É definitivo. Com nexo de causalidade.
21. Em Junho de 2018 o autor realizou RX da coluna cervical com duas incidências que revelou o seguinte resultado: Anormal: no segmento cervical nota-se ligeira retrolistese de C5, diminuição da amplitude do espaço intersomático C5-C6, indiciando discopatia a este nível, onde se registam ligeiras manifestações de uncartrose.
22. Foi efectuado também um RX à coluna lombar com duas incidências com o seguinte resultado: “Anormal”: ligeiros sinais de espondilose em L5.
23. Foi efectuado também um RX ao coccic, duas incidências com o seguinte resultado: “Normal”: sem outras assinaláveis alterações vertebro-discais nos segmentos focados.
24. Por sua vez a seguradora C..., na nota de alta de 21-06-2028, atribuiu ao autor um coeficiente global de incapacidade no âmbito laboral de 7,5%, referindo-se no Boletim que o autor tinha como sequelas coccigodinia exercendo uma “profissão que utiliza mota”.
25. No âmbito do processo laboral que correu seus termos pelo Juízo de Trabalho da Maia, J2 o processo por acidente de trabalho com o n.º 1356/18.4T8VLC, com sentença proferida no dia 18 de Maio de 2020, sentença objecto de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, secção social, que manteve a mesma decisão, a qual transitou em julgado no dia 23-09-2021, foi atribuído ao autor uma IPP de 0%.
26. Da referida sentença consta que o autor foi ressarcido pelos períodos de incapacidade temporária e que teve alta no dia 21-06-2018.
27. A IPP de 0% teve por base a consolidação da fractura do esterno, sem sequelas. Em relação às queixas do coccidenia afastaram a correspondência com o sinistro, nomeadamente tendo em atenção a ressonância magnética da coluna sacrococcígea realizada no dia 11 de Julho de 2019.
28. Da RM referida no ponto anterior e realizada em 11-07-2019 resulta a menção de que não existem alterações na curvatura do ráquis sacrococcígeo. Não há desalinhamentos vertebrais significativos. Sem alterações da morfologia ou do sinal vertebral sugestivas de fractura ou contusão óssea. O canal raquidiano tem dimensões normais, não havendo imagem de lesão neoformativa no seu interior.
Alterações degenerativas das articulações interapofisiárias L5-S1.
Sem alterações das articulações sacroilíacas.
29. Em 09/08/2018 na sequência de queixas do autor, foi-lhe prescrito pela médica assistente, Dra. CC, a utilização no automóvel de “Coxim anti-escaras ferradura” e ainda alteração banco conforto com cavidade do cóccix, na utilização na mota, sendo esta um instrumento de trabalho imprescindível no desempenho quotidiano nas funções de distribuidor.
30. Mais lhe prescreveu, em 08/10/2019: “prática continuada de exercício físico quer ginásio (fortalecimento muscular) quer natação/hidroginástica.” e em 09/01/2020: “cinta lombar – lumbamed active - medi.”.
31. Com data de 25 de Outubro de 2019 o autor deu entrada no serviço de urgência com um diagnóstico primário de “Lombalgia”, dor lombar severa à esquerda, tendo sido medicado e realizado um RX à coluna ombo-sagrado que revelou diminuição do espaço L5-S1. Teve alta com medicação e orientado para consultas de seguimento no médico de família.
32. Com data de 24-12-2020 na sequência de exames e consultas realizadas na especialidade de neurocirurgia, é mencionado o seguinte:
“(…) Resultados (…) das RM da coluna vertebral efectuados no dia 23 de Outubro de 2020:
RM cervical: Sinais de doença espondilótica degenerativa. Hipertrofia das facetas articulares. Em C2-C3 uncodiscartrose com redução dos buracos de conjugação sem evidente compressão radicular. Entre C3 a C6 verificou-se a existência de complexos disco-ostfitários, com alterações Modic tipo II (…)
RM coluna dorsal: insipientes sinais degenerativos. Sem compressão medular.
RM Coluna lombar: Alterações degenerativas sem evidência de compressão radicular e alteração de amplitude do canal vertebral de L2 a L5. E, L5-S1 uma procidência disco-osteofitária circunferencial mais volumosa, com desidratação do disco e redução da altura intersomática, contribuindo para a redução bilateral dos foramina, mais evidente à esquerda e extra-foraminal à direita.”.
33. O autor foi reobservado em consulta no dia 2-11-2020 apresentando as mesmas queixas.
34. Pelo médico foi referido, nas conclusões, que os meios complementares de diagnóstico não mostraram sinais de compressão medular ou lesão cerebral que justifiquem alguns sinais piramidais que o exame objectivo sugeria. No entanto, as alterações unco-discartosicas cervicais, nomeadamente entre C3-C4 e C4-C-5 à esquerda e em C5-C6 bilateralmente, poderão justificar as queixas nos membros superiores que o doente tem vindo a referir.
35. Em 21 de Outubro de 2020 o autor realiza RM da Coluna Cervical, Dorsal e Lombo-Sagrada, tendo sido encontrados mais uma vez sinais de doença espondolodiscal degenerativa. Mais se refere que a charneira occipito-vertebral exibe discretas alterações degenerativas, com moldagem fruste da parede anterior do saco tecal, sem repercussão sobre a transição bulbo-medular.
36. Em 4 de Janeiro de 2021 o mesmo médico da especialidade de neurocirurgia afirma que o quadro clínico do doente de fadiga e dores musculares são compatíveis com um quadro fibromiálgico despoletado pelo acidente de viação.
37. No entanto, observado em Reumatologia pelo Hospital 2..., foi afastada a fibromialgia.
38. Desde 2012 e de acordo com os elementos clínicos da Unidade de saúde familiar, o autor tinha um acompanhamento médico preventivo, de acompanhamento geral.
39. De registar, no entanto, em Abril de 2014, queixas com síndrome de coluna sem irradiação de dor/lombalgia sem irradiação com início no dia 15 desse mês.
40. Posteriormente e até à data do sinistro manteve acompanhamento ao nível da saúde preventiva.
41. À data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 21-06-2018.
42. O período de défice temporário total é fixável num período de 4 dias, correspondente aos períodos de internamento.
43. O défice funcional temporário parcial é fixável em 8 dias.
44. O período de repercussão temporária na sua actividade profissional total corresponde a 75 dias.
45. O período de repercussão na actividade profissional parcial é fixável em 37 dias.
46. O quantum doloris numa escala até 7 pontos, é fixável no grau 2.
47. O défice funcional permanente na integridade físico-psíquica corresponde a 1 ponto e, em termos de repercussão permanente na actividade profissional do autor, valorando-se apenas as sequelas do sinistro, é compatível com o exercício da sua profissão habitual, implicando esforços suplementares.
48. Ao nível da ortopedia e considerando as lesões de origem traumática – fractura do esterno - não são previsíveis danos futuros.
49. Atualmente e considerando o quadro clínico global do autor, ainda se queixa de dores ao nível da região cóccix, agravada pelos esforços e menciona ter dificuldades em permanecer sentado por longos períodos de tempo, além de referir dores ao nível da ráquis (Coluna Vertebral).
50. Toma medicação analgésica quando sente dores.
51. Pelo mesmo quadro referido em 49º, sente dificuldades em realizar acções rotineiras que anteriormente fazia, nomeadamente estar com os seus filhos ao colo, atualmente com 6 e 2 anos de idade.
52. As dificuldades e dores mencionadas no ponto anterior e no ponto 49º não são causais à lesão da fractura do esterno que sofreu com o acidente, do qual resultou um défice funcional permanente na integridade físico-psíquica de 1 ponto.
53. O quadro clínico do autor, onde se inclui a lesão traumática provocada pela fractura do esterno e o quadro de patologias de ordem degenerativa mencionadas nos pontos 28º, 31º a 37º, impedem o autor de realizar determinadas tarefas na sua atividade profissional de Distribuidor, tal como conduzir e fazer esforços por mais de vinte minutos, não tem forma de estar sentado, sente dores ao nível do pescoço, costas, coccic, planta do pé esquerdo quando engrena a embraiagem do veículo automóvel.
54. Ainda ao conduzir, com as mãos no volante, fica com os braços dormentes e sem forças, após 10 minutos de condução; na circulação das rotundas sente dores na dorsal; na condução do veículo motorizado sente dores no cóccic.
55. Tem dificuldade em montar e desmontar da moto ou ao entrar e sair do carro, colocar e retirar o Capacete, dificuldade/dores em rodar o pescoço na condução, tanto de carro como de moto, usando uma cinta na região Lombar.
56. No transporte das garrafas de gás, sente dores no braço esquerdo, não consegue manter o braço no topo das garrafas de gás, para equilibrar o peso na sua deslocação.
57. Sente ainda dores ao descer escadas com pesos, nomeadamente ao nível da coluna.
58. Na sua profissão de distribuidor utilizava o veículo ligeiro, mas também motorizado, sendo certo que para a condução do veículo motorizado, só o consegue fazer com a colocação de uma cinta lombar.
59. Tem dificuldades em dormir, sentindo dificuldades em permanecer sentado durante mais de 30 minutos, sem dores.
60. As dores limitam-no para fazer coisas simples, tais como brincar com os filhos de 2 e 6 anos de idade, provocam-lhe instabilidade emocional.
61. O Autor ficou uma pessoa mais triste e cansado.
62. Antes do acidente praticava desporto e frequentava o ginásio sem quaisquer restrições físicas, praticava ciclismo tanto de estrada como BTT percorrendo grandes distâncias como peregrino a … ou a ….
63. À data do acidente o autor auferia o vencimento mensal de 650,00€, acrescida das quantias mensais de 114,18€ e de 45,40€.
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3. Delimitação do objecto do recurso; questões a aprecia:
Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver prendem-se com saber:
- da impugnação da matéria de facto;
- da quantificação do dano biológico.
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4. Conhecendo do mérito do recurso
4.1 Da impugnação da matéria de facto
A Ré/apelante, em sede recursiva, manifesta-se discordante da decisão que apreciou a matéria de facto relativamente ao ponto 53º dos factos provados.
Consta do ponto 53º que:
“53. O quadro clínico do autor, onde se inclui a lesão traumática provocada pela fractura do esterno e o quadro de patologias de ordem degenerativa mencionadas nos pontos 28º, 31º a 37º, impedem o autor de realizar determinadas tarefas na sua atividade profissional de Distribuidor, tal como conduzir e fazer esforços por mais de vinte minutos, não tem forma de estar sentado, sente dores ao nível do pescoço, costas, coccic, planta do pé esquerdo quando engrena a embraiagem do veículo automóvel;”.
Pugna que seja alterada a redacção do referido ponto 53.º, excluindo-se a primeira parte do mesmo, ficando apenas a constar “O quadro de patologias de ordem degenerativa mencionadas nos pontos 28º, 31º a 37º, impedem o autor de realizar determinadas tarefas na sua atividade profissional de Distribuidor, tal como conduzir e fazer esforços por mais de vinte minutos, não tem forma de estar sentado, sente dores ao nível do pescoço, costas, coccic, planta do pé esquerdo quando engrena a embraiagem do veículo automóvel;”.
Vejamos, então.
No caso vertente, mostram-se minimamente cumpridos os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, nada obstando a que se conheça da mesma.
Entende-se actualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no artigo 662.º do Código de Processo Civil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (artigo 655.º do anterior Código de Processo Civil e artigo 607.º, n.º 5, do actual Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efectivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efectiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.
Como refere A. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 224 e 225, “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”.
Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pela Recorrente e, se necessário, outras provas, máxime as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efectivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, a decisão em matéria de facto.
Tendo presentes os elementos probatórios, vejamos então se, na parte colocada em crise, a análise crítica referida corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pelos apelantes.
Como é sabido, a actividade dos Juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o Juiz necessariamente aceite esse sentido ou essa versão. Os Juízes têm necessariamente de fazer uma análise crítica e integrada dos depoimentos com os documentos e outros meios de prova que lhes sejam oferecidos.
No caso vertente, a Ré pugna, adiantamos desde já sem razão, pela alteração da resposta dada ao ponto 53º da matéria de facto provada nos termos atrás referidos.
Com efeito, a prova pericial realizada pelo INML, entidade com especiais conhecimentos, foi clara e esclarecedora, distinguindo as lesões causadas pelo acidente de todas as outras patologias do autor e sem nexo de causalidade.
É certo que os vários exames médicos, as consultas, as diversas especialidades a que autor recorreu desde a data do acidente, revelam que para os médicos não foi fácil apurar as causas das diversas queixas do autor, apresentando conclusões diferentes e diagnósticos também diversos, mas num sentido evolutivo e delimitativo, excluindo o que é do que não é causal do acidente.
Destarte, resulta de forma perentória das conclusões do relatório do INML que “Os elementos disponíveis permitem admitir a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano (fratura de esterno) atendendo a que se confirmam os critérios necessários para o seu estabelecimento: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etilogia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões, se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo e se exclui a pré-existência do dano corporal”.
Como é sabido, no nosso direito predomina o princípio da livre apreciação das provas, consagrado no artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil: o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
Todavia, o juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação.
A perícia tem como finalidade auxiliar o julgador na percepção ou apreciação dos factos a que há-de ser aplicado o direito, sempre que sejam exigidos conhecimentos especiais que só os peritos possuem.
É certo que, em termos valorativos, os exames periciais configuram elementos meramente informativos, de modo que, do ponto de vista da juridicidade, cabe sempre ao julgador a valoração definitiva dos factos pericialmente apreciados, conjuntamente com as demais provas. Com efeito, a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal – artº 389º do Código Civil.
No caso sub judice, entendemos não ter elementos que de alguma forma infirmem as conclusões do relatório pericial atrás citados.
Afigura-se-nos, assim, que bem andou a Sr.ª Juiz a quo, ao dar como provado o facto 53.º nos termos constantes da matéria de facto provada.
Assim sendo, julga-se improcedente a impugnação da matéria de facto apresentada pela Ré relativamente ao referido ponto da matéria de facto.
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4.2 Da Valorização do Dano Biológico
No caso vertente, a Apelante/ré considera desajustado o montante fixado pelo Tribunal a quo para indemnização do dano biológico (€ 10.000,00), pugnando que a quantificação do dano biológico se cifre em € 2.500,00.
Impõe-se, assim, apurar e valorizar o referido dano.
Conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de 4.10.2005, proferido no Processo nº 05A2167 e publicado in www.dgsi.pt.:
Tem vindo a integrar o conceito de dano biológico a existência de lesões geradoras de incapacidades permanentes, com ou sem repercussão na esfera patrimonial do lesado, também denominado défice funcional.
Este conceito aparece legalmente consagrado no sentido de ofensa à integridade física e psíquica, independentemente de dela resultar perda de capacidade de ganho, no artigo 3.º, alínea b) da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, sendo a mesma realidade designada também por dano corporal, por contraposição a dano material, como acontece no artigo 51.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto.
O chamado dano biológico ou corporal, adquiriu autonomia, estando na sua origem o direito à saúde, concretizado numa situação de bem-estar físico e psíquico, enquanto direito fundamental de cada indivíduo, constitucionalmente consagrado nos artigos 24.º, n.º 1 e 25.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa que estabelecem o carácter inviolável da vida e integridade física e moral da pessoa humana e no artigo 70.º do Código Civil que protege a ofensa ilícita à personalidade física ou moral de cada um.
Este “direito à saúde” quando afectado, enquanto direito fundamental de cada um, dá lugar à obrigação de indemnizar que não pode ser limitada aos casos em que as lesões se repercutem sobre a capacidade de ganho do lesado, no que tem sido a posição unânime defendida pela nossa jurisprudência.
Verifica-se que a incapacidade que integra o chamado dano biológico, umas vezes interfere com a actividade profissional do lesado, com incidência na sua remuneração ou capacidade de ganho e outras vezes não. Nesta medida, o dano biológico pode vir a determinar a indemnização por danos de natureza patrimonial e/ou não patrimonial, conforme os casos.
Isto significa, apenas, que da mesma lesão que constitui um défice funcional, podem resultar em simultâneo danos patrimoniais e não patrimoniais ou morais. O dano patrimonial é aquele que se repercute no património do lesado, seja a título de danos emergentes, seja de lucros cessantes. O dano não patrimonial reporta-se à ofensa de bens que não se integram no património da vítima, como é o caso da vida, saúde, liberdade ou beleza, com uma impossibilidade de reposição do lesado na situação anterior, sendo, por isso, apenas susceptível de uma compensação.
Diverge a jurisprudência quanto à classificação, ou melhor, à natureza do chamado dano biológico (o decorrente da incapacidade permanente sem reflexo profissional): se um dano meramente patrimonial, se um dano moral, se um tertium genus. E procuram os vários arestos, cada um à sua maneira, justificar o quantum indemnizatório arbitrado para estes danos geradores de incapacidade permanente que se não repercutam directamente na capacidade de ganho do lesado (na medida em que não implicam uma diminuição da retribuição, embora implicando esforços acrescidos, ou, então, porque o lesado está fora do mercado de trabalho, como ocorre com desempregados, crianças, reformados).
Assim, o dano biológico tem suscitado especiais perplexidades na relação com a dicotomia tradicional da avaliação de danos patrimoniais versus danos não patrimoniais, por poder incidir numa, noutra ou em ambas as vertentes.
Este dano vem sendo entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.05.2010, Processo n.º 103/2002.L1.S1; e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.01.2012, Processo n.º 220/2001-7.S1, in www.dgsi.pt..
É um prejuízo que se repercute nas potencialidades e qualidade de vida do lesado, susceptível de afectar o seu dia-a-dia nas vertentes laborais, sociais, sentimentais, sexuais, recreativas. Determina perda das faculdades físicas e/ou intelectuais em termos de futuro, perda essa eventualmente agravável em função da idade do lesado. Poderá exigir do lesado, esforços acrescidos, conduzindo-o a uma posição de inferioridade no mercado de trabalho - cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02.12.2013, in http://www.dgsi.pt.. Ou, por outras palavras, é um dano que se traduz na diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre.
Ora, o dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como pode ser compensado a título de dano moral; tanto pode ter consequências patrimoniais como não patrimoniais.
Ou seja, depende da situação concreta sob análise, a qual terá de ser apreciada casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida, e por si só, uma perda da capacidade de ganho ou se se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, sem prejuízo do natural agravamento inerente ao decorrer da idade. Tem a natureza de perda ‘in natura’ que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar - cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/10/2009, in http://www.dgsi.pt.
Como quer que seja visto ou classificado este dano, o certo é que o mesmo é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial. É indemnizável em si mesmo, independentemente de se verificarem consequências para o lesado em termos de diminuição de proventos.
No caso vertente, com interesse para a apreciação desta questão ficou provado que:
- o autor tinha à data do embate 51 anos de idade, sendo ainda longo o período provável da sua vida activa, tendo em conta a esperança média de vida;
- trabalhava e tinha uma vida profissional estável, não tendo sofrido quaisquer perdas remuneratórias e mantendo a mesma actividade profissional;
- ficou com um défice funcional permanente e decorrente do acidente de 1 ponto;
- as sequelas do acidente e nesta consideramos como causais apenas as resultantes da fractura do esterno são compatíveis com a sua actividade profissional habitual, mas implicam esforços suplementares;
- o quadro clínico do autor, onde se inclui a lesão traumática provocada pela fractura do esterno e o quadro de patologias de ordem degenerativa mencionadas nos pontos 28º, 31º a 37º, impedem o autor de realizar determinadas tarefas na sua actividade profissional de Distribuidor, tal como conduzir e fazer esforços por mais de vinte minutos, não tem forma de estar sentado, sente dores ao nível do pescoço, costas, cóccix, planta do pé esquerdo quando engrena a embraiagem do veículo automóvel;
- ao conduzir, com as mãos no volante, fica com os braços dormentes e sem forças, após 10 minutos de condução, na circulação das rotundas sente dores na dorsal e na condução do veículo motorizado sente dores no cóccix;
- tem dificuldade em montar e desmontar da moto ou ao entrar e sair do carro, colocar e retirar o Capacete, dificuldade/dores em rodar o pescoço na condução, tanto de carro como de moto, usando uma cinta na região Lombar;
- no transporte das garrafas de gás, sente dores no braço esquerdo, não consegue manter o braço no topo das garrafas de gás, para equilibrar o peso na sua deslocação;
- sente ainda dores ao descer escadas com pesos, nomeadamente ao nível da coluna;
- na sua profissão de distribuidor utilizava o veículo ligeiro, mas também motorizado, sendo certo que para a condução do veículo motorizado, só o consegue fazer com a colocação de uma cinta lombar;
- tem dificuldades em dormir, sentindo dificuldades em permanecer sentado durante mais de 30 minutos, sem dores;
- as dores limitam-no para fazer coisas simples, tais como brincar com os filhos de 2 e 6 anos de idade, provocam-lhe instabilidade emocional,
- o autor ficou uma pessoa mais triste e cansado.
- antes do acidente praticava desporto e frequentava o ginásio sem quaisquer restrições físicas, praticava ciclismo tanto de estrada, como BTT, percorrendo grandes distâncias como peregrino a Santiago de Compostela ou a Fátima.
Assim, no caso vertente, o dano biológico sofrido pelo autor, corporizado num défice funcional permanente de 1,00 ponto, com implicação ao nível físico e psíquico, determinará sempre um esforço acrescido por parte do mesmo, não só para o exercício da sua actividade profissional, bem como para qualquer outra actividade doméstica ou de lazer, implicando, diríamos nós, um enorme esforço pessoal suplementar para “viver”.
Assim, há que ter em conta o anexo IV da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, alterada pela Portaria n.º 679/2008, de 25 de Junho, que dispõe sobre a compensação devida pela violação do direito à integridade física e psíquica, designado por dano biológico, com base em pontos e na idade do lesado à data do acidente.
Tem sido jurisprudência uniforme, quer nos Tribunais da Relação, quer no Supremo Tribunal de Justiça, como já se referiu, o entendimento de que a diminuição da capacidade de ganho não é requisito necessário da verificação do dano biológico susceptível de ser indemnizado. A mera afectação da pessoa do ponto de vista funcional, isto é, sem traduzir perda de rendimento de trabalho releva para efeitos indemnizatórios, como dano biológico, porque determinante de consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado.
Assim sendo, nesta perspectiva, entende-se que a compensação a atribuir, pelo dano biológico, quando não interfere com a capacidade de ganho do lesado, não tem de ter uma relação directa com os seus rendimentos ou com a sua actividade profissional, antes se posicionando como um dano permanente e interferindo em todos os aspectos da vida do lesado, seja no lazer, nas actividades domésticas diárias e também podendo ser o caso, no exercício da actividade profissional.
Nesta medida, tendo um âmbito alargado, consideramos que a sua referência para efeitos de cálculo da indemnização não tem de ser o salário auferido pelo lesado, nem tão pouco o salário mínimo nacional.
Tem sido jurisprudência uniforme, quer nos Tribunais da Relação, quer no Supremo Tribunal de Justiça, como já se referiu, o entendimento de que a diminuição da capacidade de ganho não é requisito necessário da verificação do dano biológico susceptível de ser indemnizado. A mera afectação da pessoa do ponto de vista funcional, isto é, sem traduzir perda de rendimento de trabalho releva para efeitos indemnizatórios, como dano biológico, porque determinante de consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado. Isto porque a desvalorização funcional sofrida, em última análise, sempre comportará para o lesado um esforço suplementar para o exercício de qualquer actividade humana e uma diminuição da sua qualidade de vida futura.
Assim sendo, nesta perspectiva considera-se que a compensação a atribuir, pelo dano biológico, quando não interfere com a capacidade de ganho do lesado, não tem de ter uma relação directa com a sua actividade profissional, antes se posicionando como um dano permanente e interferindo em todos os aspectos da vida do lesado, seja no lazer, nas actividades domésticas diárias e também podendo ser o caso, no exercício da actividade profissional.
Nesta medida, tendo um âmbito alargado, consideramos que a sua referência para efeitos de cálculo da indemnização não tem de ser o salário auferido pelo lesado, nem tão pouco o salário mínimo nacional, conforme tem vindo a ser entendido, quando o lesado não exerce actividade profissional. O dano biológico expresso no grau de incapacidade de que o lesado fica a padecer, e quando não interfere na capacidade de ganho (se for o caso pode ter lugar a indemnização pelo dano patrimonial reflexo que dele decorre), antes determinando a necessidade de um esforço acrescido para viver e para todas as actividades diárias, levando a uma diminuição da qualidade de vida em geral, é igualmente grave para quem exerce um profissão remunerada com € 5.000,00 ou com € 500,00 sendo a dimensão do direito à saúde que está em causa e que é, tal como o direito à vida, igual para qualquer ser humano.
Assim, fazer interferir o valor do salário de cada um ou o do salário mínimo nacional quando o lesado não exerce ou não tem profissão, pode até, a nosso ver gerar situações injustas. Considera-se por isso que, estando em causa o mesmo tipo de dano, o ponto de partida para o cálculo da indemnização pelo dano biológico deve ser o mesmo para todos, em obediência ao princípio da igualdade.
Põe-se então a questão de saber qual é o valor que deve ser ponderado como ponto de partida para se fazer o cálculo da indemnização.
A Portaria 377/2008, de 26 de Maio faz consignar a remuneração mínima mensal garantida como valor para efectuar o cálculo do dano biológico.
Ora, considerando que o legislador faz interferir o salário como elemento fundamental para o cálculo da indemnização, temos como mais correcto que se pondere, para o efeito, o valor do salário médio nacional e não a remuneração mínima mensal garantida, o que coloca em crise neste ponto a alegação da Ré/Apelante.
A retribuição mínima mensal garantida é apenas um ponto de partida, pelo que o salário médio do país será o mais adequado para encontrar o valor do dano biológico, devido ao facto deste valor médio reflectir de forma mais coincidente com a realidade a situação económica global do país onde as indemnizações aqui em causa também de inserem.
Assim, conforme atrás referimos, considera-se, por isso, que estando em causa o mesmo tipo de dano, o ponto de partida para o cálculo da indemnização pelo dano biológico deve ser o mesmo para todos, em obediência ao princípio da igualdade.
A jurisprudência autonomizou, antes da Portaria n.º 377/2008, de 26/05, o dano biológico e maioritariamente qualificou-o como de cariz patrimonial - cfr. Acórdãos da Relação do Porto de 04.03.08, proc. 0724890 e de 04.04.06, proc.062059 e os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, neste citados, designadamente, de 27.04.2004, no proc. 04A1182 e de 06.07 2004, no proc. n.º 04B2084. Esta Portaria adoptou, como salienta o seu preâmbulo, o “princípio de que só há lugar à indemnização por dano patrimonial futuro quando a situação incapacitante do lesado o impede de prosseguir a sua actividade profissional habitual ou qualquer outra.”.
Porém, por outro lado, refere-se na Portaria que “ainda que não tenha direito à indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica.”.
Nessa orientação, o artigo 4º, da referida Portaria integra entre os denominados danos morais complementares o dano biológico.
No entanto, é entendimento pacífico que as normas da referida Portaria n.º 377/2008, de 26/05, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, não são vinculativas para a fixação, pelos Tribunais, de indemnizações por danos decorrentes de responsabilidade civil em acidentes de viação, devendo «os valores propostos ( ... ) ser entendidos como o são os resultantes das tabelas financeiras disponíveis para a quantificação da indemnização por danos futuros, ou seja, como meios auxiliares de determinação do valor mais adequado, como padrões, referências, factores pré-ordenados, fórmulas em forma abstracta e mecânica, meros instrumentos de trabalho, critérios de orientação, mas não decisivos, supondo sempre o confronto com as circunstâncias do caso concreto e, tal como acontece com qualquer outro método que seja a expressão de um critério abstracto, supondo igualmente a intervenção temperadora da equidade, conducente à razoabilidade já não da proposta, mas da solução, como forma de superar a relatividade dos demais critérios. Os valores indicados, sendo necessariamente objecto de discussão acerca da sua razoabilidade entre o lesado e a entidade que deverá pagar, servirão apenas como uma referência, um valor tendencial a ter em conta, mas não decisivo», assumindo um carácter instrumental - cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.02.2009, Raul Borges, Processo n.º 3459/08, in www.dgsi.pt.
Portanto, na determinação dos montantes indemnizatórios aos lesados em acidentes de viação - como ocorre no presente caso -, os tribunais não estão obrigados a aplicar as tabelas contidas na citada Portaria, antes ali se estabelecem padrões mínimos, a cumprir pelas seguradoras, na apresentação aos lesados de propostas sérias e razoáveis de regularização dos sinistros, indemnizando o dano corporal - cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.01.2014, proc. 1269/06.2TBBCL.G1.SI.
No presente caso, seguindo a posição maioritária da jurisprudência, dado que o dano biológico é distinto do dano não patrimonial (artigo 496.º do Código Civil) que se reconduz à dor, ao desgosto, ao sofrimento de uma pessoa que se sente diminuída fisicamente para toda a vida, entendemos ser de autonomizar, igualmente, como dano patrimonial futuro esse maior esforço que a Autora terá de efectuar ao longo da sua vida activa.
Por sua vez, não sendo possível determinar o valor exacto do dano ora em causa, tal avaliação terá de ser efectuada recorrendo à equidade, nos termos do artigo 566º, n.º 3 do Código Civil.
Isto é, a equidade terá de ser sempre um elemento essencial no cálculo do dano aqui sob apreciação, independentemente de se considerar o dano biológico numa vertente meramente patrimonial, mais ou menos patrimonial ou como um tertium genus.
É certo que o nosso legislador não definiu o conceito de equidade, deixando a sua densificação para os aplicadores do Direito.
Nas palavras sábias de Pires de Lima e Antunes Varela, in Noções Fundamentais de Direito Civil, 6.ª edição, 104, nota 2, a equidade é a justiça do caso concreto. Julgar pela equidade é procurar a justiça do caso concreto "limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal" - cf. Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 1980, págs.103/104.
Ou, como diz Ana Prata, in Dicionário Jurídico, 4ª Edição, 2005-499 "julgar segundo a equidade significa dar a um conflito a solução que parece mais justa, atendendo apenas às características da situação e sem recurso à lei eventualmente aplicável. A equidade tem, consequentemente, conteúdo indeterminado, variável de acordo com as concepções da justiça dominantes em cada sociedade e em cada momento histórico".
Do que se trata, portanto, é de encontrar a solução mais equilibrada no contexto da prova disponível.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem defendido que o recurso à equidade “não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso. O não afastamento, pela sindicância do juízo equitativo, da necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade, ilustra a tendencial uniformização de critérios na fixação judicial dos montantes indemnizatórios, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto - cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Maio de 2019 (Maria dos Prazeres Beleza), proc. n.º 2476/16.5T8BRG.G1.S2; de 8 de Junho de 2017 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), Proc. n.º 2104/05.4TBPVZ.P1.S2 e ainda acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 2017, proc. n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1; de 28 de Janeiro de 2016, proc. n º 7793/09.8T2SNT.L1.S1; de 6 de Abril de 2015, proc. n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para os acórdãos de 28 de Outubro de 2010, proc. n.º 272/06.7TBMTR.P1.S1, e de 5 de Novembro de 2009, proc. n.º 381-2002.S1, estes in www.dgsi.pt.
Porém, como já acima ficou dito, o dano biológico não pode ser indemnizado por obediência a tabelas rígidas, de forma que a uma mesma pontuação em pessoas de idade aproximada tenha de corresponder necessariamente a fixação do mesmo valor ressarcitório. É que, se assim fosse, então, em vez de se dar abrigo ao princípio constitucional da igualdade que a adopção dos referidos critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados consubstancia, estaríamos precisamente a violar esse mesmo princípio, dado que o mesmo impõe que a situações desiguais se dê tratamento desigual.
Ou seja, tudo depende da situação concreta sob análise, a qual terá de ser apreciada casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida, e por si só, uma perda da capacidade de ganho ou se se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, sem prejuízo do natural agravamento inerente ao decorrer da idade.
Assim, seguindo um critério de equidade e de ponderação das regras de experiência, devem ser atendidas, globalmente, mas de forma casuística, todas as circunstâncias envolventes, designadamente as actividades exercidas pelo lesado, os rendimentos patrimoniais que lhe proporcionam, assim como a idade e tempo de vida activa.
Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6-12-2017, Proc. 1509/13, em www.dgsi.pt (Tomé Gomes) “o dano biológico abrange um espetro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, incluindo a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer atividades ou tarefas de cariz económico, mesmo fora da atividade profissional habitual, bem como os custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expetáveis”.
Escreveu-se na motivação deste aresto, designadamente, que “a jurisprudência, com particular destaque para a do STJ, tem vindo a reconhecer o chamado dano biológico como dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido. E que, em sede de rendimentos frustrados, a indemnização deverá ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir, que se extinga no fim da sua vida provável e que é suscetível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado”.
Esta orientação colhe-se, designadamente, do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-10-2020, relatado pela Juiz Conselheira Maria da Graça Trigo, em cujo sumário se refere, nomeadamente, que “de acordo com a jurisprudência do STJ, a atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho - antes da lesão -, tanto na profissão habitual, como em profissão ou atividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências. A que acresce um outro factor: a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da atividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (tendo em conta as qualificações e competências do lesado)”.
Para além disso, neste e noutros casos, como é jurisprudencialmente pacífico, não poderão deixar de ser considerados as sequelas das lesões sofridas na realização de todas as tarefas, pois também aí se revela uma maior dificuldade na sua execução que encontra a sua causa principal no acidente de viação.
A que acresce um outro factor, igualmente a ponderar, como se observa no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.11.2021 (Abrantes Geraldes): o grau de culpa do condutor do veículo a que as normas que regulam a responsabilidade civil e a fixação de indemnizações atribuem relevo.
Em sintonia com o referido supra, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.01.2022: «Na linha do tratamento da questão da indemnização por perda de capacidade geral de trabalho realizado pelos acórdãos do Supremo Tribunal de 20/10/2011 (proc. n.º 428/07.5TBFAF.G1.S1), de 10/10/2012 (proc. n.º 632/2001.G1.S1), de 07/05/2014 (proc. n.º 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 19/02/2015 (proc. n.º 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 04/06/2015 (proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 07/04/2016 (proc. n.º 237/13.2TCGMR.G1.S1), de 14/12/2016 (proc. n.º 37/13.0TBMTR.G1.S1), de 16/03/2017 (proc. n.º 294/07.0TBPCV.C1.S1), 25/05/2017 (proc. n.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1), de 09/11/2017 (proc. n.º 2035/11.9TJVNF.G1.S1), de 01/03/2018 (proc. n.º 773/07.0TBALR.E1.S1) e de 29/10.2020 (proc. n.º 111/17.3T8MAC.G1.S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt, entende-se que:
- De acordo com o regime do n.º 3 do art. 566.º do Código Civil, não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, a indemnização deve ser fixada equitativamente dentro dos limites que o tribunal tiver como provados (art. 566.º, n.º 3, do Código Civil);
- Não existindo, como sucede no caso dos autos, limites de danos que o tribunal tenha dado como provados, a equidade constitui o único critério legalmente previsto para a fixação da indemnização devida;
- A atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de trabalho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores:
(i) A idade do lesado (a partir da qual se pode determinar a respectiva esperança média de vida à data do acidente);
(ii) O seu grau de incapacidade geral permanente;
(iii) As suas potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências;
(iv) A conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui tendo em conta as suas qualificações e competências).
- Esclarece-se que se deve atender à esperança média de vida do lesado (à data do acidente) e não à sua previsível idade de reforma, na medida em que a afectação da capacidade geral tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado, tanto directas como indirectas (…)».
E, se é certo que a sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade (ut art.º. 13º da Constituição e art.º. 8º, nº 3, do Código Civil), é claro que um juízo comparativo incidente sobre montantes indemnizatório apenas poderá ser realizado em relação a decisões não apenas temporalmente próximas, mas também em que estejam em causa situações fácticas essencialmente similares.
Como tal, «Pretender indemnizar a perda da capacidade geral mediante recurso a comparações com outros casos decididos pelos tribunais, tendo designadamente em conta a idade do lesado à data do sinistro, o índice de incapacidade funcional e o valor indemnizatório fixado, mas esquecendo a referida exigência de ponderação das potencialidades de ganho e de aumento de ganho do lesado, anteriores à lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências, assim como de avaliação da conexão entre as lesões psicofísicas sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais ou económicas do lesado, compatíveis com as suas habilitações ou preparação técnica, constitui, a nosso ver, uma grave falha nos pressupostos do juízo equitativo porque leva a comparar entre si situações factuais não comparáveis..». – Juiz Conselheira Maria da Graça Trigo, in «O conceito de dano biológico como concretização jurisprudencial do princípio da reparação integral dos danos - Breve contributo», Revista Julgar, n.º 46, em curso de publicação, pág. 268.
Ademais, a jurisprudência tende a ser mais actualista e evolutiva.
Assim, numa interpretação actualista da lei, para efeito da fixação da compensação com recurso à equidade, merecem ser destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global, a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente à União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se deve também repercutir no aumento das indemnizações.
Chegados aqui coloca-se a questão de saber qual é o valor que deve ser ponderado como ponto de partida para se fazer o cálculo da indemnização, sendo certo que a Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio faz consignar o montante da remuneração mínima mensal garantida como valor para efectuar o cálculo do dano biológico.
Ora, considerando que o legislador faz interferir o salário como elemento fundamental para o cálculo da indemnização, temos como mais correcto que se pondere, para o efeito, o valor do salário médio nacional e não a remuneração mínima mensal garantida, em conformidade com o já defendido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de Outubro de 2016, proferido no processo n.º 628/14.1TBOAZ.P1, desta Secção, onde o aqui relator foi 1º adjunto.
Com efeito, a retribuição mínima mensal garantida é apenas um ponto de partida, pelo que o salário médio do país será o mais adequado para encontrar o valor do dano biológico, devido ao facto deste valor médio reflectir de forma mais coincidente com a realidade a situação económica global do país onde as indemnizações aqui em causa também de inserem.
Ora, a informação estatística da base de dados Pordata, indica que o ordenado médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem no ano de 2022 (não há valores para os anos posteriores) foi de € 1.217,30 (homem).
Este valor é, então, um dos elementos a ponderar para o cálculo da indemnização do dano biológico, havendo também que considerar a idade do lesado que era de 51 anos à data do acidente e o grau de desvalorização ou incapacidade de que ficou a padecer que é de 1,00 pontos.
Ora, a Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, foi actualizada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho que, no seu anexo IV, dispõe sobre os valores de compensação do dano biológico - compensação devida pela violação do direito à integridade física e psíquica. Na mesma é estabelecido um valor por cada ponto de desvalorização, ponderando a idade do lesado.
À luz da situação factual vertida nos autos, a tabela do anexo IV dá-nos, para uma desvalorização entre 1 a 5 pontos, os valores de € 492,48 a € 661,77 por ponto, quando a vítima tenha entre 51 a 55 anos de idade, pelo que havendo uma desvalorização equivalente a 1 ponto, a indemnização pelo dano biológico deverá situar-se entre os valores atrás indicados.
Contudo, tais valores da portaria são encontrados com referência à remuneração mínima mensal garantida em 2007 que, na altura, era de € 403,00 (nota 1 ao anexo IV), que é quase um terço da remuneração média nacional.
Assim, se considerarmos a remuneração base média nacional de € 1.217,30 (ano de 2022) e observando uma regra matemática de três simples, chegamos a um valor compensatório entre € 1.487,58 e € 1.998,94 de acordo com a tabela em questão, para um dano biológico traduzido num défice funcional de 1,00 ponto.
Todavia, como se referiu, tal valor constitui apenas mais um elemento a considerar pelo tribunal na determinação da indemnização equitativa a fixar, pelo que impõe-se ponderar, ainda, as circunstâncias concretas do caso já evidenciadas e atrás exaustivamente enunciadas, sendo que dados os montantes exíguos em causa não se justifica efectuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital.
Assim, sendo o referido montante recebido de uma só vez deverá ser ajustado para a quantia de € 5.000,00.
Afigura-se-nos, por isso, que a indemnização fixada ao autor pelo Tribunal a quo, a título de compensação pelo dano biológico, é excessiva, devendo ser reduzida para o montante de € 5.000,00.
Merece, assim, neste segmento, provimento parcial o recurso da ré.
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Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:
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5. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em dar provimento parcial ao recurso interposto pela ré, reduzindo o montante da indemnização pelo dano biológico em que a ré foi condenada para o montante de € 5.000,00, mantendo-se, no demais, a decisão recorrida.
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Custas do recurso interposto pela ré a cargo da ré/apelante e do autor/apelado na proporção do decaimento.
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Notifique.

Porto, 10 de Julho de 2024
Os Juízes Desembargadores
Paulo Dias da Silva
Isoleta de Almeida Costa
Paulo Duarte Teixeira

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinatura electrónica e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)