Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
895/21.4T9VFR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MADALENA CALDEIRA
Descritores: PAGAMENTO DAS CUSTAS EM PRESTAÇÕES
INÍCIO DO PAGAMENTO
Nº do Documento: RP20250115895/21.4T9VFR-A.P1
Data do Acordão: 01/15/2025
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL/CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO O RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - É ilegal diferir o início do pagamento das custas em prestações para momento posterior à liquidação da multa criminal, por violar expressamente o disposto no art.º 33.º, n.º 3, do RCP, e distorcer o regime jurídico aplicável à liquidação das custas.
II - Este adiamento compromete a segurança jurídica ao criar incerteza quanto ao vencimento e à execução da dívida de custas, especialmente em casos de incumprimento da liquidação da multa criminal nos termos estabelecidos por despacho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 895/21.4T9VFR-A.P1

Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO
I.1. Em 17.01.2024 foi proferido o despacho recorrido, em que se deferiu o pagamento das custas devidas pelo arguido em prestações, com o pagamento a iniciar-se após o término do pagamento da pena de multa.

I.2. Recurso da decisão
Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso da decisão, tendo extraído da sua motivação as seguintes CONCLUSÕES (transcrição):
a. Nos termos do art. 33.º nº 1 e 2 do RCP, é admissível o pagamento em prestações das custas processuais, a ser requerido no prazo do seu pagamento voluntário, desde que verificados os pressupostos nele consagrados.
b. Autorizado o pagamento prestacional, a primeira prestação é paga no prazo de 10 dias a contar da notificação do despacho de deferimento e as subsequentes são pagas mensalmente no dia correspondente ao do pagamento da primeira, sendo que a falta de pagamento de uma prestação importa o vencimento das seguintes – cfr. art. 33.º nº 3 e 4 do RCP.
c. Pelo que não podia o Tribunal decidir como decidiu, diferindo o início do pagamento das prestações das custas processuais para o momento do termo do pagamento das prestações da pena de multa.
V. Normas jurídicas violadas
O despacho recorrido, por contrariar o regime nele consagrado, violou o art. 33.º nº 3 do RCP.
VI. Pedido
Em conformidade com o que vem de ser alegado, peticiona-se que
- Seja revogado o despacho recorrido;
- Seja substituído por outro que: a. Autorize o pagamento em prestações da pena de multa e das custas processuais pelo condenado AA e determine que o início do pagamento das prestações das custas processuais tenha lugar no prazo de 10 dias a contar da notificação do despacho de deferimento.

I.3. Resposta ao recurso
O arguido/recorrido não respondeu ao recurso.

I.4. Parecer do ministério público
Subidos os autos a este Tribunal, em sede de parecer a que alude o art.º 416.°, do CPP, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta aderiu às alegações do recurso apresentadas pelo Ministério Público na primeira instância e pugnou pela procedência do recurso.

I.5. Resposta ao parecer
Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP, não foi apresentada resposta.

I.6. Foram colhidos os Vistos e realizada a conferência.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Delimitação do objeto do recurso
O recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, que estabelecem os limites da cognição do tribunal superior, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, como os vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do CPP (cf. art.ºs 412.º, n.º 1, e 417.º, n.º 3, ambos do CPP).
Passamos a delimitar o thema decidendum:
- Saber se a lei permite adiar o início da liquidação das custas, cujo pagamento em prestações foi deferido, para um momento posterior ao cumprimento da pena de multa aplicada ao arguido.

II.2. Decisão Recorrida
A decisão recorrida tem o seguinte teor (transcrição integral):
Do pagamento prestacional da pena de multa vai deferido como se promove – art 47º/3 do CPP, sendo que quanto às custas haverá que observar o disposto no art 33º do RCP, cujo pagamento iniciará após o términus do pagamento da pena de multa.

II.3. Ocorrência processuais relevantes
Compulsados os autos, com relevo, constata-se que:
i). Com data de 04.01.2024 o arguido dirigiu ao processo requerimento com o seguinte teor:
AA, Arguido melhor identificado no processo à margem referenciado, vem expor e requerer o seguinte a V/Exa.:
O arguido foi notificado da multa em que foi condenado e das custas processuais da sua responsabilidade.
Contudo, atento o valor elevado da multa e bem assim das custas processuais, o arguido não dispõe de liquidez para proceder ao pagamento na íntegra e de uma só vez de tais valores, motivo pelo qual requer a V/Exa. se digne autorizar o pagamento da multa, no valor de € 1.560,00, em 15 (quinze) prestações mensais.
Mais requer, quanto ao pagamento das custas da sua responsabilidade, no montante de € 654,00, também seja autorizado o seu fracionamento, em 6 (seis) prestações mensais, sendo que o pagamento das custas, deverá iniciar-se apenas após o términus das prestações da pena de multa, como vem sendo praxis nesse Juízo Local Criminal, o que, humildemente requer.
ii). Face a tal requerimento o Ministério Público promoveu, em 09.01.2024, ora com relevância:
Quanto às custas processuais, atendendo à situação económico-financeira do condenado AA e ao disposto no art. 33.º nº 1 al. a) do RCP, o Ministério Público nada tem a opor ao seu pagamento prestacional, em 6 prestações mensais, iguais e sucessivas, no montante de 109 € cada, com início nos termos legais consagrados no art. 33.º nº 3 do RCP.
iii). Após a prolação do despacho recorrido foram passadas guias para pagamento das custas em 6 prestações de €109,00 cada (perfazendo no total €654,00), com início diferido para maio de 2025.
iv). O arguido não procedeu ao pagamento das duas primeiras prestações da multa criminal, tendo vindo a comprovar a liquidação, por conta desta, da quantia de €1.000,00, na sequência do que foram emitidas guias para pagamento do remanescente (€560,00), cujo termo do prazo de liquidação teve lugar em 16.12.2024.

II.4. Análise dos fundamentos do recurso
§1. A única questão suscitada prende-se com a legalidade do despacho que autoriza o diferimento do início do pagamento das custas em prestações para momento posterior ao pagamento da multa criminal em que o arguido foi condenado (cujo pagamento em prestações foi igualmente deferido).
§2. Assiste razão ao recorrente.
Vejamos.
O Regulamento das Custas Processuais, é explícito nesta matéria, resultando do art.º 33.º, n.º 3, que, sendo deferido o pagamento das custas em prestações, “a primeira prestação é paga no prazo de 10 dias a contar da notificação do despacho de deferimento e as subsequentes são pagas mensalmente no dia correspondente ao do pagamento da primeira”.
A norma legal é clara e não deixa margem para dúvidas. A norma não apenas fixa um prazo objetivo para o início do pagamento, mas também estabelece a periodicidade das prestações.
O despacho recorrido fez letra morta do preceito transcrito.
Quaisquer que sejam as dificuldades do arguido no pagamento, e ainda que se anteveja uma situação de incumprimento, com as consequências de cobrança coerciva, certo é não estar na disponibilidade do julgador determinar o início do pagamento das prestações das custas em dívida em desrespeito de norma legal expressa, subvertendo o sistema legal em matéria de liquidação das custas.
O sistema jurídico não permite que o julgador afaste normas expressas sem uma fundamentação robusta e devidamente ancorada em previsões legais.
Permitir que o pagamento das custas processuais seja tratado de forma menos rigorosa transmite a ideia equivocada de que tal obrigação é insignificante ou dispensável.
De resto, a decisão em causa suscita outras dificuldades, de natureza prática. Caso o arguido não cumpra o pagamento da multa criminal em prestações nos termos estipulados por despacho, o que não é incomum e, por sinal, ocorre nos autos, o início do pagamento das custas permanece indefinido, gerando incerteza sobre o seu vencimento e posterior execução da dívida.
Procede, pois, o recurso.

III. DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, revogar o despacho recorrido, na parte em que autoriza o diferimento do início do pagamento das prestações das custas devidas pelo arguido após o término do pagamento da multa criminal (também a pagar em prestações).
Isento de custas (art.ºs 522.º, n.º 1, do CPP, e 4.º, n.º 1, al. a), do RCP).
Notifique e D.N.

Porto, 15/1/2025
Madalena Caldeira
Pedro Afonso Lucas [vencido, nos termos da declaração que se segue:
VOTO DE VENCIDO
Voto vencido a presente decisão, por entender que é viável o procedimento adoptado pelo tribunal a quo na decisão recorrida.
Não se desconhecendo nem ignorando a regra plasmada no art. 33º/3 do Regulamento das Custas Processuais, entende–se, todavia, que a mesma desconsidera em absoluto a circunstância de estarmos perante uma situação processual em que se verifica uma concorrência de pagamentos com a liquidação de uma multa penal, resultante da condenação criminal do arguido, e cujo incumprimento pode determinar a respectiva conversão (total ou parcial) em subsidiária perda efectiva de liberdade pelo arguido/condenado – cfr. art. 49º/1 do Cód. Penal nos termos do qual «Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º».
Ora, estando em falta o pontual pagamento das custas, tal apenas terá repercussão eventualmente no património do devedor/arguido (in casu).
Nesta perspectiva menos limitada do circunstancialismo processual do caso concreto, julga–se ser de apelar à regra que, sempre em sede processual penal, estabelece a hierarquia de pagamentos com o produto de bens executados em sede de execução patrimonial do condenado, e que decorre do disposto no art. 511º do Cód. de Processo Penal, onde o ressarcimento das multas penais prevalece e se sobrepõe liminarmente ao de custas e encargos processuais.
À luz de tal regime aplicável (eventualmente) a jusante do actual momento processual, permitir desde logo nesta fase que o pagamento das custas se inicie após o pagamento da multa (ao invés de oportunamente haver que fazer necessariamente incidir nessa multa qualquer pagamento efectuado a título de custas), é salvaguardar adequadamente, e como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/02/2008 (proc. 10283/97)[relatado por Pedro Mourão, disponível em Col. Jurisprudência, Ano XXXIII, Tomo I/2008,,pág. 143], «o valor superior da liberdade face ao património, aliás consubstanciado no princípio da prevalência do bem jurídico liberdade sobre o bem jurídico patrimonial, mas também o princípio dos fins das penas, que impõe a afetação da quantia depositada pelo condenado à multa ou o pagamento das custas após a garantia e salvaguarda do cumprimento da pena de multa que lhe foi aplicada por um juiz, após julgamento e condenação pela prática de um crime».
Em tais termos, considero ser transponível para o presente contexto processual aquilo que, afinal, em sede de (eventual) fase executiva o art. 511º do Cód. de Processo Penal sempre inevitavelmente haveria de impor, sendo assim de admitir o diferimento do início do pagamento (fraccionado, como decidido e não impugnado) das custas para momento posterior ao do pagamento da multa penal.
No sentido da admissibilidade de tal entendimento, além do supra citado aresto jurisprudencial, veja–se Paulo Pinto de Albuquerque, em “Comentário do Cód. de Processo Penal à luz da CRP e da CEDH – Volume II”, 5ª ed., pág. 830; e Luís Lemos Triunfante, em “Comentário Judiciário do Cód. de Processo Penal – Tomo V”, pág. 1006.
Nesta medida, julgaria não provido o recurso interposto pelo Ministério Público.]
Pedro M. Menezes