Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
18068/23.0T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUELA MACHADO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO
MEIOS DE DEFESA
EMBARGOS DE EXECUTADO
DESPACHO LIMINAR
Nº do Documento: RP2024062018068/23.0T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 06/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Do disposto no art. 857.º do CPC, resulta que quando o título executivo é um requerimento de injunção com fórmula executória aposta, nos embargos podem ser invocados os fundamentos previstos no art. 729.º do CPC, e, ainda, os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos nos termos do art. 14.º-A do regime anexo ao DL nº 269/98.
II - Face ao teor do art. 732.º do CPC, ao proferir despacho liminar, o juiz apenas terá que apreciar em abstrato se ocorre alguma das situações referidas no nº 1 do preceito referido (exceto quando considere que os embargos são manifestamente improcedentes, caso em que terá que haver uma apreciação dos fundamentos respetivos), ao que acresce também, o que consta do art. 857.º do mesmo diploma legal, no caso de o título dado à execução ser um requerimento de injunção com aposição de fórmula executória, devendo indeferir liminarmente os embargos caso se verifique alguma dessas situações e recebendo-os, mandando notificar o embargado/exequente, no caso de nenhuma dessas situações ocorrer.

(da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 18068/23.0T8PRT-A.P1





Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:




I – RELATÓRIO
AA instaurou processo de execução contra BB, alegando que intentou contra a executada, procedimento de injunção para obter o pagamento da quantia de 3.332,00€, referente ao capital em dívida e taxa de justiça; que no dia 31/10/2022, na sequência da não dedução de oposição por parte da executada, foi aposta por meios eletrónicos no requerimento de injunção a formula "... este documento tem força executiva..."; que, não obstante as interpelações feitas pelo exequente para o efeito, a executada não procedeu ao pagamento da quantia em que foi condenada, pelo que deve ao exequente a quantia referida, bem como juros moratórios.

Por apenso ao processo executivo, veio a executada BB deduzir oposição à execução e à penhora, ao abrigo do disposto no art. 856.º do CPC, alegando vários fundamentos e requerendo, a final:
“A) Nos termos do n.º, art. 856.º do CPC, a substituição da penhora realizada sobre os vencimentos da Embargante (Ref. 453841353), mediante caução idónea que igualmente garanta os fins da execução a ser prestada por meio de depósito em dinheiro. Juntando, assim, comprovativo de que dispõe de valores suficientes, e à ordem, na sua conta bancária (Doc. 14), com o consequente levantamento da penhora sobre os vencimentos da Embargante (de Ref. 453841353).
B) A suspensão do prosseguimento da execução, sob os termos da alínea a), n.º 1, do art. 733.º do CPC.
C) A verificação das exceções dilatórias apontadas nos itens III, IV, V e VI, com a consequente absolvição da Embargante da presente instância executiva;
D) Subsidiariamente ao pedido anterior, pelos fundamentos invocados acima, a extinção da execução nos termos do n.º 4 do artigo 732.º do CPC;
E) A participação, à Autoridade Tributária, nos termos do artigo 60.º do RGIT, da suposta contraordenação fiscal praticada pelo Embargado ao não emitir qualquer fatura pelos valores recebidos mencionados no item II;
F) Procedendo a presente oposição, a aplicação do artigo 858.º do CPC.”.
*

Conclusos os autos, foi proferido o seguinte despacho:
“BB, veio por apenso à execução para pagamento de quantia certa que AA lhe moveu, opor-se à execução e à penhora, pugnando pela extinção da execução e da substituição da penhora por caução idónea.
Para tanto alega, em síntese:
- duplicidade de injunções com a mesma causa de pedir e pedido;
- nulidade do negócio jurídico, por aquando da contratação e início da empreitada contratada, o Embargado não possuía alvará de empreiteiro de obras particulares e, também, não possuía certificado de empreiteiro de obras particulares;
- ilegitimidade passiva da Embargante por não ter tido intervenção na empreitada a que se refere o requerimento de injunção;
- ilegitimidade passiva da Embargante por preterição do litisconsórcio necessário no âmbito do procedimento de injunção;
- execução da obra com defeitos;
- uso indevido do procedimento de injunção;
- inexequibilidade do título por dele não constar o seu companheiro que foi quem, efetivamente contratou com o exequente.
O exequente deu à execução como título executivo o seguinte documento:
(cópia do requerimento de injunção)
2. Com a notificação da referida injunção o Embargante foi advertido nos seguintes termos:
“O que acontece se não fizer nada no prazo de 15 dias Se não pagar nem responder dentro do prazo:
• Não poderá dizer mais tarde por que motivos considera não ter a obrigação de pagar o valor que é exigido, com exceção dos motivos previstos no n.º 2 do artigo 14.º-A do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro.
• O pedido de injunção vai ser suficiente para haver uma ação executiva em tribunal.
Por causa dessa ação executiva contra si, os seus bens ou rendimentos podem vir a ser penhorados para pagar o valor que lhe é exigido.”
A primeira questão que cumpre decidir é a de saber se ao caso é aplicável a jurisprudência vertida no Ac. do Tribunal Constitucional nº 274/2015, de 12.05.
O referido Acórdão “Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada “no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória”, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa”.
Em 01.01.20, entrou em vigor a Lei 117/19, de 13.09, a qual tem aplicação aos processos iniciados a partir daquela data (artigos 11.º, n.º 1 e 15.º da mesma Lei).
Além do mais, aquela Lei alterou a redacção do artigo 13.º, n.º 1 do Regime anexo ao DL 269/98 e introduziu no mesmo regime o artigo 14.º-A e, em consonância com este último preceito, alterou também a redacção do artigo 857.º, n.º 1 do CPC.
Segundo o artigo 13.º, n.º 1, alínea b), do Regime anexo ao DL 269/98, na redacção da citada Lei 117/19, deve constar do conteúdo da notificação do requerido a preclusão resultante da falta de tempestiva dedução de oposição, nos termos previstos no artigo 14.º-A.
O novo artigo 14.º-A, sob a epígrafe “Efeito cominatório da falta de dedução da oposição”, tem a seguinte redacção:
“1. Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2. A preclusão prevista no número anterior não abrange:
a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção.
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.”.
E a redacção do n.º 1 do artigo 857.º do CPC, passou a ser a seguinte:
“1. Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redacção atual.”.
Foi mantida a redacção dos n.ºs 2 e 3 do artigo 857.º do CPC, como refere Gabriela Cunha Rodrigues1, “(…) em duplicado com o novo artigo 14.º-A do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, o que propicia uma interpretação labiríntica dos normativos em questão”.
Com as alterações legislativas efectuadas pela Lei 117/19 no CPC e no DL 269/98, foi superada a inconstitucionalidade da norma do artigo 857.º, n.º 1, deixando de ter razão de ser a anterior jurisprudência constitucional com força obrigatória geral acima citada – tal como bem se concluiu no despacho recorrido.
No caso dos autos, a embargante foi notificada para os termos da injunção, com a advertência a que alude o artº 14º-A, do D.L. 269/98, isto é “O que acontece se não fizer nada no prazo de 15 dias Se não pagar nem responder dentro do prazo:
• Não poderá dizer mais tarde por que motivos considera não ter a obrigação de pagar o valor que é exigido, com exceção dos motivos previstos no n.º 2 do artigo 14.º-A do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro.
• O pedido de injunção vai ser suficiente para haver uma ação executiva em tribunal.
Por causa dessa ação executiva contra si, os seus bens ou rendimentos podem vir a ser penhorados para pagar o valor que lhe é exigido.”
Assim a embargante apenas podia opor ao embargado os fundamentos a que alude o artº 729º, do C.P. C ou qualquer excepção dilatória do conhecimento oficioso.
Qualquer um dos fundamentos aduzidos era passível de ser oposto ao requerimento de injunção, e não eram do conhecimento oficioso, à luz da relação material controvertida alegada no mesmo.
Por sua vez, preceitua o artº 573º, do C.P.C que “toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei manda deduzir em separado” (nº 1) e que “depois da contestação só podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou que se deva conhecer oficiosamente.”(nº 2).
Assim, no caso em apreço, porque observado o disposto no artº 14º-A do D.L. 269/98, carecem de fundamento os embargos deduzidos por não enquadráveis no âmbito do artº 729º ou 857º, do C.P.C e, em consequência, indefiro liminarmente os embargos.
Custas pela embargante.
Quanto à oposição à penhora, dispõe o artº 784º, do C.P.C que são fundamento da oposição à penhora:
1 - Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.”
Relativamente à penhora a embargante limitou-se a requerer a sua substituição por caução idónea o que não configura fundamento de oposição subsumível a qualquer das alíneas previstas no nº1, do artº 784º, do C.P.C, antes de pedido de prestação de caução, incidente tramitado autonomamente.
Pelo exposto, por falta de fundamento legal, indefiro liminarmente a oposição à penhora.
Custas pela embargante.
Notifique.”.
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Não se conformando com o assim decidido, veio a executada/embargante interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos de embargos e com efeito suspensivo, formulando as seguintes conclusões:
“A. Considerando que são pelas conclusões que se delimitam o objeto do recurso, este pode ser delimitado pela apreciação, por este egrégio tribunal ad quem, se a decisão ora recorrida é enferma (ou não) do vício formal de omissão de pronúncia - por todas as alegações acima referidas - que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
B. Assim, em cumprimento ao disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 639.º do CPC, indica-se que o tribunal ad quo violou, em sua decisão, o artigo 154.º do CPC, por deixar de fundamentar o dispositivo legal do indeferimento liminar e, principalmente, por ignorar as questões que devesse apreciar (incluindo as exceções arguidas), tornando a decisão nula nos termos das alíneas b) e d), n.º 1, do artigo 615 do CPC.
C. Em cumprimento ao disposto na alínea b), do n.º 2, do artigo 639.º do CPC, indica-se o sentido que o tribunal ad quo, no humilde entendimento da recorrente, deveria ter recebido os embargos, apreciando as exceções e fundamentos do mesmo, nos termos do n.º 2 do artigo 732.º do CPC.
D. Em cumprimento ao disposto na alínea c), do n.º 2, do artigo 639.º do CPC, indica-se que o tribunal ad quo errou ao aplicar a norma prevista no n.º 1 do artigo 732.º do CPC, pois (no entendimento do recorrente) deveria ter recebido os embargos nos termos e com os efeitos do n.º 2 deste mesmo artigo.
E. Ora, com o devido respeito, é inegável que o uso indevido do procedimento de injunção é fundamento legal para os embargos nos termos da alínea a), do n.º 2, do artigo 14-A do DL 269/98 ex vi n.º 1 do artigo 857.º do CPC. O uso do procedimento injuntivo pode ser considerado triplamente indevido por três razões principais:
(i) pela duplicidade de injunções com a mesma causa de pedir e pedido;
(ii) pela injunção resultar da prestação defeituosa de serviço de empreitada, salvo engano, realizada sem alvará/licença de empreiteiro de obras particulares nos termos da Lei n.º 41/2015 e;
(iii) pela não emissão das faturas dos valores que o exequente/embargado recebeu pelos serviços defeituosos prestados, no total de €12.330,00 (doze mil, trezentos e trinta euros), impedindo o abatimento no IRS da recorrente (sem prejuízo da esfera contraordenacional tributária).
F. Com relações às exceções, apontadas nos itens 4.II, 4.III, 4.IV e 5.I, que devem ser de conhecimento oficioso do tribunal e que compõe questões sobre as quais o tribunal ad quo deveria ter apreciado, todas, salvo melhor opinião, são (ou deveriam ser), consideradas como fundamentos suficientes para o recebimento dos embargos, nomeadamente:
- a exceção dilatória por nulidade do negócio jurídico, agravadas pela falta de menção ao alvará ou licença de empreiteiro de obras particulares, nos termos dos artigos 24.º e 25.º da Lei n.º 41/2015. Pois, se o embargado/recorrido não possuía o respetivo alvará ou licença, esta falta deveria implicar na inexistência do título executivo por nulidade do contrato – como decidido nos autos 4575/17.7T8PRT-A.C1 - é fundamento legal dos embargos, nos termos da alínea b) e/ou d), do n.º 3, do artigo 576.º do CPC;
- a exceção dilatória por ilegitimidade passiva da embargante (por não ter contratado o negócio jurídico), é fundamento legal dos embargos nos termos da alínea b) e/ou d), do n.º 3, do artigo 576.º do CPC;
- a exceção dilatória por ilegitimidade passiva da Recorrente por preterição do litisconsórcio necessário no âmbito do procedimento de injunção, pois a empreitada foi realizada na casa de morada de família dos unidos de facto, é fundamento legal dos embargos nos termos da alínea e), n.º 3, do artigo 576.º do CPC e alínea c) do artigo 729.º, ambos do CPC;
- a exceção dilatória por litispendência - que sequer foi mencionada pela decisão recorrida - deveria ser fundamento legal dos embargos nos termos da alínea i), n.º 3, do artigo 576.º e alínea c) do artigo 729.º, ambos do CPC.
G. Para além, das exceções dilatórias arguidas, o fundamento da inexequibilidade do título executivo (por dele não constar o real contratante do negócio jurídico), deveria ser fundamento legal dos embargos nos termos da alínea a), do artigo 729.º do CPC.
H. Por outro lado, a falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva fundamentada nas exceções e fundamentos expostos, deveria ser fundamento legal dos embargos nos termos da alínea c) do artigo 729.º do CPC.
I. O tribunal ad quo, ao indeferir liminarmente um requerimento inicial de oposição mediante embargos, deveria limitar-se apenas a verificar se ocorre alguma das situações em que o artigo 732.º, n.º 1, do CPC - como já apontado no acórdão proferido nos autos 4139/18.8T8STB-C.E1 – o que muito mal fez.
J. Conclui-se que embargos deduzidos não carecem dos fundamentos enquadráveis nas alíneas do n.º 3 do artigo 576.º, 729º ou 857º do CPC, devendo os mesmos ser recebidos pelo tribunal ad quo.
Termos em que, diante da patente omissão de pronúncia, com a devida vénia e respeito, se requer a anulação e a substituição da decisão recorrida por outra que receba a oposição mediante embargos deduzida pela embargante (ora recorrente), com a respetiva citação do embargado (ora recorrido) para, querendo, contestar.”.

Não foram apresentadas contra-alegações.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DO MÉRITO DO RECURSO

1. Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, a questão a apreciar é apenas de direito e prende-se com decidir se deve ser revogado o despacho recorrido, na parte em que indeferiu liminarmente os embargos de executado e substituído por outro que receba a oposição à execução mediante embargos.
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2. Matéria de facto com relevância para a decisão:
A factualidade com relevância para a decisão é a que consta do relatório.

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3. Decidindo:
Nos termos do disposto no art. 10.º, nº 5 do CPC, “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.”.
Por sua vez, resulta do art. 703.º do mesmo diploma legal, quais as espécies de títulos executivos que podem servir de base à execução, entre os quais se contam os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
O requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória (arts. 7.º e 14.º do DL nº 269/98, de 1/9) insere-se precisamente na categoria dos títulos executivos do art. 703.º, nº 1, al. d) CPC, sendo qualificado como “título judicial impróprio”, por se tratar de um título de “formação judicial”, sem intervenção jurisdicional, logo, um título distinto da sentença.
Posto isto, cabe, antes de mais, referir que pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 274/2015, de 12.05, foi fixada jurisprudência no sentido da declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada “no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória”, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa”.
Contudo, com as alterações legislativas efetuadas pela Lei nº 117/19 no Código de Processo Civil e no DL 269/98 – que vieram consagrar a obrigatória advertência, no âmbito do processo de injunção, do efeito preclusivo dos fundamentos oponíveis à pretensão do credor em caso de ulterior execução fundada naquele título – foi ultrapassada a inconstitucionalidade da norma do art. 857.º, nº 1, do CPC.
No caso, como resulta dos autos, foi cumprida, no âmbito do processo de injunção, a notificação com a advertência do efeito preclusivo dos fundamentos oponíveis à pretensão do credor em caso de ulterior execução fundada naquele título.

A apelante veio interpor o presente recurso, do despacho que indeferiu liminarmente os embargos à execução em que é executada.
O título que serviu de base à execução é, como referido, um requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória.
Dispõe o art. 857.º do CPC, quanto aos fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção, que:
1 - Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.
2 - Verificando-se justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos no artigo 140.º, podem ainda ser alegados os fundamentos previstos no artigo 731.º; nesse caso, o juiz receberá os embargos, se julgar verificado o impedimento e tempestiva a sua declaração.
3 - Independentemente de justo impedimento, o executado é ainda admitido a deduzir oposição à execução com fundamento:
a) Em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção;
b) Na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso.

O art. 729.º do CPC, por sua vez, prevê:
“Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.”.

E o artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, estabelece que:
“Efeito cominatório da falta de dedução da oposição
1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos nºs 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange:
a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.

Para além destas disposições legais, cabe ter em conta que resulta do teor do art. 732.º do CPC, que ao proferir despacho liminar, o juiz apenas terá que apreciar em abstrato se ocorre alguma das situações referidas no nº 1 do preceito referido (exceto quando considere que os embargos são manifestamente improcedentes, caso em que terá que haver uma apreciação dos fundamentos respetivos), ao que acresce também, nos termos referidos supra, o que consta do art. 857.º do mesmo diploma legal, no caso de o título dado à execução ser um requerimento de injunção com aposição de fórmula executória, devendo indeferir liminarmente os embargos caso se verifique alguma dessas situações e recebendo-os, mandando notificar o embargado/exequente, no caso de nenhuma dessas situações ocorrer.
Saber se os fundamentos procedem, ou não, é já questão para apreciar em momento ulterior.
Ora, no caso em apreciação, como consta da própria decisão recorrida, a apelante invocou como fundamentos dos embargos:
- duplicidade de injunções com a mesma causa de pedir e pedido;
- nulidade do negócio jurídico, por aquando da contratação e início da empreitada contratada, o Embargado não possuía alvará de empreiteiro de obras particulares e, também, não possuía certificado de empreiteiro de obras particulares;
- ilegitimidade passiva da Embargante por não ter tido intervenção na empreitada a que se refere o requerimento de injunção;
- ilegitimidade passiva da Embargante por preterição do litisconsórcio necessário no âmbito do procedimento de injunção;
- execução da obra com defeitos;
- uso indevido do procedimento de injunção;
- inexequibilidade do título por dele não constar o seu companheiro que foi quem, efetivamente contratou com o exequente.
Sendo certo que a embargante/apelante invocou, ainda, como se vê pela petição de embargos, a exceção dilatória de litispendência e a falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva.
O tribunal recorrido entende que “no caso em apreço, porque observado o disposto no artº 14º-A do D.L. 269/98, carecem de fundamento os embargos deduzidos por não enquadráveis no âmbito do artº 729º ou 857º, do C.P.C e, em consequência, indefiro liminarmente os embargos.”.
Mas não nos parece que tenha sido apreciada corretamente a questão.
Como se retira dos preceitos citados, nomeadamente do disposto no art. 857.º do CPC, no caso dos autos, em que o título executivo é o requerimento de injunção com fórmula executória aposta, nos embargos podem ser invocados os fundamentos previstos no art. 729.º do CPC, e, ainda, os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos nos termos do art. 14.º-A do regime anexo ao DL nº 269/98.
Sendo assim, e constando do nº 2 do referido art. 14.º-A que a preclusão prevista no número anterior não abrange, designadamente, a alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso, tendo tais fundamentos sido invocados pela embargante/apelante, os embargos deveriam ter sido recebidos e ordenada a notificação do exequente.
Procede, pois, sem necessidade de outras considerações, a apelação.

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III. DISPOSITIVO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar procedente a apelação, revogando-se, em consequência, a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que receba os embargos.

Custas a cargo da parte vencida a final.






Porto, 2024-06-20
Manuela Machado
Aristides Rodrigues de Almeida
Judite Pires