Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9204/24.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR COMUM
DIREITO SOCIAL
COMPETÊNCIA MATERIAL DE JUÍZO DO COMÉRCIO
Nº do Documento: RP202407109204/24.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Os Juízos de Comércio são competentes em razão da matéria para conhecer de procedimento cautelar comum em que se visa a antecipação da tutela de um direito social de um cooperador emergente dessa qualidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 9204/24.0T8PRT.P1




Sumário do acórdão proferido no processo nº 9204/24.0T8PRT.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

                                                   

            1. Relatório

Em 15 de maio de 2024, com referência, no requerimento inicial[1], ao Juízo Local Cível de Felgueiras, Comarca do Porto Este, AA instaurou procedimento cautelar comum contra BB, na qualidade de Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Banco 1..., CRL pedindo que, com dispensa do contraditório do requerido, o tribunal se digne:

a) – Suspender, antes de mais e de imediato, o processo eleitoral em curso e nomeadamente, o acto convocado pelo Requerido e designado para o dia 28/05/2024, de realização da Eleição dos Membros da Mesa da Assembleia Geral, do Conselho Fiscal e do Conselho de Administração da Banco 1... para o mandato de 2024-2026;

b) Declarar ilegal e incompetente para o exercício do cargo a composição da Comissão de Avaliação;

c) Declarar nulos e de nenhum efeito, todos os actos praticados pela Comissão de Avaliação da Banco 1... no processo eleitoral a decorrer, desde o dia 03/11/2023 até ao presente, ou seja, desde a remessa de toda a documentação do processo eleitoral pelo Requerido à aludida CAv;

d) Caso assim se não entenda, declarar nulos e de nenhum efeito, pelo menos, os Relatórios de Avaliação elaborados em 24/04/2024 pela CAv e remetidos ao Requerido, por serem manifestamente extemporâneos;

e) Em qualquer caso, ordenar ao Requerido que faculte ao Requerente uma cópia integral dos Relatórios de Avaliação elaborados pela CAv e àquele remetidos;

f) Condenar o Requerido nas custas processuais.

Em síntese, os fundamentos que a requerente aduz para fundamentar as suas pretensões são a sua qualidade de associada da Banco 1..., CRL e a preterição pelo requerido, na qualidade de responsável pela legalidade do processo eleitoral, de diversas regras estatutárias do processo eleitoral e bem assim do regulamento eleitoral aplicável.

Em 21 de maio de 2024 foi proferido o seguinte despacho[2]:

Da Excepção dilatória da incompetência deste tribunal, em razão da matéria.

AA, NIF ...91, residente na Av. ...., ... ..., Associada nº ...24 da Banco 1..., CRL intentou o presente procedimento cautelar contra BB, na qualidade de Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Banco 1..., com domicílio na Praça ..., ... ..., requerendo que a providência seja considerada provada e procedente, e, em consequência, seja:

a) – Suspender, antes de mais e de imediato, o processo eleitoral em curso e nomeadamente, o acto convocado pelo Requerido e designado para o dia 28/05/2024, de realização da Eleição dos Membros da Mesa da Assembleia Geral, do Conselho Fiscal e do Conselho de Administração da Banco 1... para o mandato de 2024-2026;

b) Declarar ilegal e incompetente para o exercício do cargo a composição da Comissão de Avaliação;

c) Declarar nulos e de nenhum efeito, todos os actos praticados pela Comissão de Avaliação da Banco 1... no processo eleitoral a decorrer, desde o dia 03/11/2023 até ao presente, ou seja, desde a remessa de toda a documentação do processo eleitoral pelo Requerido à aludida CAv;

d) Caso assim se não entenda, declarar nulos e de nenhum efeito, pelo menos, os Relatórios de Avaliação elaborados em 24/04/2024 pela CAv e remetidos ao Requerido, por serem manifestamente extemporâneos;

e) Em qualquer caso, ordenar ao Requerido que faculte ao Requerente uma cópia integral dos Relatórios de Avaliação elaborados pela CAv e àquele remetidos;

Analisado o pedido e a causa de pedir é manifesto que o presente procedimento se destina ao exercício de um direito social por parte da Requerente.

Ora, conforme resulta do artigo 64º do Código de Processo Civil são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, sendo que são as leis de organização judiciária que determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada (artigo 65º do CPC).

Decorre da Lei nº 62/2013, de 26/08, que aprovou a Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), posteriormente regulamentada pelo DL 49/2014, de 27/03, aplicável in casu, que os tribunais de comarca – aos quais compete preparar e julgar os processos relativos a causas não abrangidas pela competência de outros tribunais (artº 80º, nº 1) –, desdobram-se em instâncias centrais que integram secções de competência especializada e instâncias locais que integram secções de competência genérica e secções de proximidade (artº 81º, nº 1).

Por sua vez, nos termos do nº 2 deste normativo as instâncias centrais integram, em princípio, sete secções de competência especializada, entre elas a cível (al. a) e comércio (al. i).

Nos termos do artigo 128º, nº 1, da LOSJ, compete às secções de comércio preparar e julgar, além do mais, “as acções relativas ao exercício de direitos sociais” (al. c), sendo que nos termos do seu nº 3 a competência a que se refere o nº 1 abrange os respectivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões.

Ora, conforme supra se referiu, in casu, está em causa o exercício de um direito social por parte da Requerente (Associada da Banco 1..., CRL), contra o Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Banco 1..., com vista a suspender o processo eleitoral para eleição dos Membros da Mesa da Assembleia Geral, do Conselho Fiscal e do Conselho de Administração da Banco 1....

A relação material controvertida, tal como a requerente a configura, reporta-se ao exercício de direitos sociais pois é pelo pedido que a competência se determina (cfr. A propósito, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 91).

A lei não define o que são direitos sociais, vindo a doutrina e a jurisprudência a dar contributos nesse sentido.

Assim, para Luís Brito Correia direitos sociais são “os direitos que os sócios têm como sócios da sociedade e que tendem à protecção dos seus interesses sociais” (Direito Comercial, Sociedades Comerciais, vol. II, p. 306).

Ora, na presente acção, atenta a factualidade alegada pela Requerente e face ao disposto no artigo 128º, nº1, al. c), da Lei nº62/2013, de 26 de Agosto, a competência para o conhecimento da presente providência cautelar cabe à Secção Central do Comércio e não a esta Instância Local.

Neste sentido ver:

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.11.2017:

“Competência material. Juízo de comércio. Procedimento cautelar. Actos materialmente sociais. os juízos de comércio são competentes, em razão da matéria, para conhecer dos procedimentos cautelares prévios às acções relativas ao exercício de direitos sociais e de suspensão e de anulação de deliberações sociais.”

Acórdão do STJ de 01.03.2023:

“I - Quando nos centramos nas cooperativas do sector de crédito, não podemos obliterar que lhe estão atribuídas múltiplas atividades, envolvendo terceiros, e dos quais não está ausente o intuito lucrativo, messa medida se podendo compreender a obediência, em múltiplos aspetos ao regime geral das instituições de crédito, num controle do desempenho da atuação levada a cabo pela cooperativa, máxime no âmbito da salvaguarda dos interesses não só dos cooperantes, mas dos terceiros, que procuram os seus serviços.

II - No atendimento do art. 128.º da LOSJ, a atribuição de competência aos tribunais do comércio para o conhecimento de ações de anulação de deliberações de caixas de crédito agrícola e mútuo cooperativas de responsabilidade limitada, adequa-se à evolução do pensamento legislativo, tendo em conta o desenvolvimento socioeconómico entretanto verificado, face ao respetivo peso das mesmas, enquanto erigidas a instituições financeiras, como questões em que se exige uma especial preparação técnica e sensibilidade que aqueles tribunais, em princípio, dispõem.”.

Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10.3.2016:

“As Secções de Comércio são as competentes em razão da matéria para conhecer de ações/procedimentos cautelares onde se discutem direitos sociais respeitantes às Banco 1....”

Nos termos do disposto no artigo 97º, nº1, do Código de processo Civil a incompetência absoluta deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal e a verificação da mesma implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar, nos termos do disposto no artigo 99º, nº1, do Código de Processo Civil.

Pelo exposto, julgo este tribunal incompetente em razão da matéria para decidir a presente causa, sendo competente para tal a Secção de Comércio da Instância Central e assim, nos termos do disposto no artigo 99º, nº 1, do Código de Processo Civil, indefiro liminarmente o presente procedimento cautelar.

Querendo, poderá a Requerente proceder nos termos previstos no artigo 99º, nº2 do Código de Processo Civil.

Custas pela Requerente.

Notifique e registe.

            Em 11 de junho de 2024, inconformada com a decisão que precede, AA interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:


1.

A requerente intentou providência cautelar contra o Presidente da Mesa da assembleia Geral da Banco 1..., CRL, em que pediu:

a) – Suspender, antes de mais e de imediato, o processo eleitoral em curso e nomeadamente, o acto convocado pelo Requerido e designado para o dia 28/05/2024, de realização da Eleição dos Membros da Mesa da Assembleia Geral, do Conselho Fiscal e do Conselho de Administração da Banco 1... para o mandato de 2024-2026;

b) Declarar ilegal e incompetente para o exercício do cargo a composição da Comissão de Avaliação;

c) Declarar nulos e de nenhum efeito, todos os actos praticados pela Comissão de Avaliação da Banco 1... no processo eleitoral a decorrer, desde o dia 03/11/2023 até ao presente, ou seja, desde a remessa de toda a documentação do processo eleitoral pelo Requerido à aludida CAv;

d) Caso assim se não entenda, declarar nulos e de nenhum efeito, pelo menos, os Relatórios de Avaliação elaborados em 24/04/2024 pela CAv e remetidos ao Requerido, por serem manifestamente extemporâneos;

e) Em qualquer caso, ordenar ao Requerido que faculte ao Requerente uma cópia integral dos Relatórios de Avaliação elaborados pela CAv e àquele remetidos;


2.

A providência, por respeitar a processo eleitoral de cooperativa, foi intentada no Juízo Local Cível de Felgueiras.

3.

O Juízo Local Cível de Felgueiras julgou-se materialmente incompetente para conhecer a causa que lhe foi distribuída indicando que os Juízos de Comércio serão os competentes.

4.

Os fundamentos da decisão do Tribunal recorrido assentam na interpretação da alínea c) do artigo 128.º da LOSJ em que se diz: além do mais, preparar e julgar “as acções relativas ao exercício dos direitos sociais”.

5.

Entendendo o Juízo Local recorrido que a causa de pedir e o pedido têm a ver com o exercício e defesa de direitos sociais.

6.

Pelo que decidiu negar competência material, remetendo para os Tribunais de Comércio essa competência em razão de matéria.

7.

Ora, a recorrente não se conforma com tal decisão por se entender que o artigo 128.º da LOSJ diz respeito às sociedades comerciais e sociedades civis sob a forma comercial.

8.

In casu, o exercício de direitos sociais diz respeito a uma cooperativa e sempre dentro desse âmbito.

9.

As cooperativas organizam-se nos termos do Código Cooperativo e regulam-se por legislação específica.

10.

E, quer possam gerar excedentes ou não, não poderão ser consideradas sociedades que têm como elemento distintivo o facto de serem constituídas com vista ao lucro.

11.

E nesse caso, não se vislumbra que a competência em razão de matéria possa, em face da letra da lei, ser deferida aos tribunais de comércio.

12.

Pelo que a competência material para a presente causa deverá ser atribuída ao Juízo Local Cível de Felgueiras.

         O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

         Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, atenta a sua natureza urgente e a circunstância de o objeto do recurso integrar exclusivamente matéria de direito, com o acordo dos restantes membros do coletivo, dispensaram-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir de imediato.

         2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

A única questão que importa conhecer é a da definição da competência material para o conhecimento do presente procedimento cautelar comum.

3. Fundamentos de facto

Os factos necessários e pertinentes para o conhecimento do objeto deste recurso constam do relatório deste acórdão e resultam dos próprios autos que, nesta vertente estritamente adjetiva, têm força probatória plena.

4. Fundamentos de direito

Da competência material para o conhecimento do presente procedimento cautelar comum

A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida argumentando para tanto, em síntese, que nestes autos está em causa o exercício de direitos sociais no âmbito de uma cooperativa e o âmbito de aplicação do artigo 128º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais respeita exclusivamente às sociedades comerciais e às sociedades civis sob forma comercial.

Cumpre apreciar e decidir.

         A recorrente não questiona que nestes autos está em causa o exercício de um direito social que emerge da circunstância de ser associada de uma Banco 1..., apenas se insurgindo contra a afirmação do tribunal recorrido de que no caso em apreço está em causa matéria da competência dos Juízos de Comércio, pois que, na sua perspetiva, a competência de tais juízos se cinge ao exercício de direitos sociais que respeitem a sociedades comerciais ou a sociedades civis sob forma comercial, não respeitando a entidades cooperativas, como é o caso dos autos.

         A problemática objeto deste autos, ou seja, a questão de o contencioso relativo a direitos sociais da titularidade de membro de cooperativa ser abarcado pela competência material dos Juízos de Comércio, anteriormente designados como Secções de Comércio não é uma problemática jurisprudencialmente inédita.

         O posicionamento mais antigo da jurisprudência, num ambiente normativo diferente do atualmente vigente, confortava o entendimento da recorrente[3].

         Porém, face a um novo contexto normativo, a jurisprudência publicada sobre esta problemática tem-se afastado dessa orientação[4].

         Que dizer?

         De facto, de acordo com o disposto no artigo 1º do Regime Jurídico das Banco 1... aprovado pelo decreto-lei nº 24/91 de 11 de janeiro com as alterações decorrentes dos decretos-leis nº 230/95 de 12 de setembro e nº 142/2009 de 16 de junho, “[a]s Banco 1... são instituições de crédito, sob a forma cooperativa, cujo objeto é o exercício de funções de crédito agrícola em favor dos seus associados, bem como a prática dos demais atos inerentes à atividade bancária, nos termos do presente diploma.

         Não obstante serem qualificadas como cooperativas[5], as Banco 1... são legalmente qualificadas como instituições de crédito (alínea c) do artigo 3º do Regime Geral das Instituições de Crédito), cabendo na competência material dos Juízos de Comércio, de forma expressa, além do mais, as ações de liquidação de instituição de crédito e sociedades financeiras (artigo 128º, nº 1, alínea i) da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013 de 26 de agosto).

         Além disso, decorre da alínea f) do nº 2, do artigo 2º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que as cooperativas podem ser sujeitos passivos da insolvência, inclusivamente antes do registo da sua constituição[6] e, como é sabido, o contencioso próprio do processo de insolvência é da competência material dos Juízos de Comércio (artigo 128º, nº 1, alínea a) da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013 de 26 de agosto[7]).

Assim, das duas situações anteriormente referenciadas resulta claro que no atual regime da competência material dos Juízos de Comércio, algum do contencioso relativo às cooperativas integra-se de forma plena e inequívoca na sua competência material, não havendo qualquer elemento literal ou teleológico que em matéria de direitos sociais cinja a litigiosidade deles emergentes à que se funda na titularidade de participações sociais em sociedades comerciais (veja-se a alínea c) do nº 1 do artigo 128º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013 de 26 de agosto que se refere tão-só às ações relativas ao exercício de direitos sociais[8]), tal como também a alínea d) do nº 1 do artigo 128º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013 de 26 de agosto se refere às ações de suspensão e de anulação de deliberações sociais, sem exigir que esteja em causa controvérsia atinente às sociedades comerciais.

Neste enquadramento normativo, atendendo ao evidente alargamento expresso da competência material dos Juízos de Comércio, ao contencioso em que estão envolvidas cooperativas, queda sem suporte a afirmação apriorística de que o contencioso destas entidades é estranho a tais Juízos e, ao invés, há que questionar a racionalidade de a conflitualidade relativa a tais entidades se dividir entre a jurisdição cível e os Juízos de Comércio, tendo em linha de mira que o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9º, nº 3, do Código Civil).

A interpretação seguida na decisão recorrida, além de ter guarida literal na alínea c) do nº 1 do artigo 128º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, é a que melhor se ajusta aos elementos normativos que se retiram das citadas alíneas a) e i) do nº 1 do citado artigo, decorrendo dela um regime de competência material congruente dos Juízos de Comércio no que respeita ao contencioso em que estejam envolvidas cooperativas.

Pelo exposto, conclui-se que a decisão recorrida deve ser confirmada, improcedendo totalmente o recurso.

As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente, pois que decaiu (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

5. Dispositivo

Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar improcedente o recurso de apelação interposto por AA e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida proferida em 21 de maio de 2024.

Custas do recurso a cargo da recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.


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O presente acórdão compõe-se de nove páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.


Porto, 10 de julho de 2024

Carlos Gil

Fernanda Almeida

Fátima Andrade


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[1] De facto, no formulário, fazia-se referência ao Juízo Local Cível do Porto, tribunal que por despacho proferido em 17 de maio de 2024 determinou a remessa dos autos ao Juízo Local Cível de Felgueiras da Comarca do Porto Este.
[2] Notificado à requerente mediante expediente eletrónico elaborado em 21 de maio de 2024.
[3] Neste sentido, por ordem cronológica, sem preocupações de exaustividade, vejam-se os seguintes acórdãos, todos acessíveis na base de dados do IGFEJ: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de fevereiro de 2002, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Garcia Marques, no processo nº 01A4091; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04 de julho de 2002, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Sousa Inês, no processo nº 02B1349; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de fevereiro de 2003, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Pinto Monteiro no processo nº 02A4002. Na doutrina veja-se a compilação intitulada “Jurisprudência Cooperativa Comentada”, edição da INCM 2012, páginas 427 a 432, anotação do Sr. Juiz de Direito Francisco Costeira da Rocha ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 31 de janeiro de 2008, relatado pelo então Juiz Desembargador Granja da Fonseca no processo nº 10818/2007-6, acessível nas bases de dados do IGFEJ.
[4] Neste sentido, vejam-se os seguintes acórdãos, ambos acessíveis na base de dados do IGFEJ: acórdão de Tribunal da Relação de Évora de 10 de março de 2016, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Silva Rato, no processo nº 929/15.1T8BNV-A.E1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01 de março de 2023, relatado pela Sra. Juíza Conselheira Ana Resende, no processo nº 1227/22.0T8STS.S1.
[5] A circunstância de as cooperativas serem legalmente qualificadas como entidades sem fins lucrativos (veja-se o artigo 2º, nº 1, do Código Cooperativo), não obsta a que no seu exercício se verifiquem excedentes que são distribuídos pelos cooperadores (veja-se o artigo 73º do Código Cooperativo). Em boa verdade, os excedentes constituem um resultado líquido do exercício em tudo similar ao que relativamente às sociedades comerciais se denomina de lucro. Anote-se ainda que o Código Cooperativo prevê que o direito subsidiário para colmatar as suas lacunas que não possam ser preenchidas pelo recurso à legislação complementar aplicável aos diversos ramos do setor cooperativo, é o Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente os preceitos aplicáveis às sociedades anónimas, desde que não desrespeitem os princípios cooperativos (artigo 9º do Código Cooperativo).
[6] Neste sentido veja-se “A evidência como critério da verdade – estão as cooperativas sujeitas ao regime da insolvência”, anotação ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16 de janeiro de 2006, relatado pelo então Juiz Desembargador Sousa Lameira no processo nº 0556814, acessível na base de dados do IGFEJ, da autoria da agora Juíza Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça Catarina Serra, publicada na compilação intitulada “Jurisprudência Cooperativa Comentada”, edição da INCM 2012, páginas 405 a 413.
[7] Significativamente, no regime da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais aprovado pela Lei nº 3/99 de 13 de janeiro, a competência dos Tribunais de Comércio relativamente aos processos de insolvência apenas abarcava aqueles em que o devedor fosse uma sociedade comercial ou nos casos em que a massa insolvente integrasse uma empresa (artigo 89º, nº 1, alínea a) da Lei nº 3/99 de 13 de janeiro) e relativamente aos processos de liquidação cingia-se à liquidação judicial de sociedades (artigo 89º, nº 1, alínea e), da Lei nº 3/99 de 13 de janeiro).
[8] Também a alínea d) do nº 1 do artigo 128º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013 de 26 de agosto se refere às ações de suspensão e de anulação de deliberações sociais, sem exigir que esteja em causa contencioso próprio das sociedades comerciais.