Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
800/21.8T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA
Descritores: FACTOS PRESUNTIVOS
PRESUNÇÃO DE CULPA
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
PROVA DE MERA APARÊNCIA
DEFEITOS DE CONSTRUÇÃO
Nº do Documento: RP20240704800/21.8T8PVZ.P1
Data do Acordão: 07/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O artº 492º dispensa a prova do facto presumido, ou seja, a culpa. Porém, só se passa à culpa (que se presume) depois de verificada a ilicitude do facto.
II - E no respeita à questão do ónus de prova da ilicitude, consubstanciada no vício de construção ou defeito de conservação, fazer recair a prova da ilicitude sobre o lesado equivale a retirar grande parte do alcance à presunção de culpa.
Assim, salvo no caso de fenómenos extraordinários, como os terramotos, a ruína de um edifício ou obra é um facto que indicia só por si o incumprimento de deveres relativos à construção ou conservação dos edifícios, não se justificando por isso que recaia sobre o lesado o ónus suplementar de demonstrar a forma como ocorreu esse incumprimento.
III - É antes o responsável pela construção ou conservação que deve genericamente demonstrar que não foi por sua culpa que ocorreu a ruína do edifício ou obra - nomeadamente pela prova da ausência de vícios de construção ou defeitos de conservação ou que os danos continuariam a verificar-se, ainda que não houvesse culpa sua.
IV - Assim, apenas é exigível uma prova de primeira aparência do defeito e do nexo de causalidade, se ocorrer uma ruína de edifício ou respectiva parte componente e essa ruína for causadora de danos é de considerar que existiu defeito de conservação, a menos que tal facto se deva a culpa do lesado, ou a caso fortuito ou de força maior.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 800/21.8T8PVZ.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Cível da Póvoa de Varzim - Juiz 2

Acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO:

1.AA intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra CONDOMÍNIO ... SITO NA RUA ..., ..., ... Póvoa de Varzim, representado pelo seu administrador BB, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de €8.289,68, a título de danos patrimoniais e a quantia de €1.000 a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Para o efeito, e em síntese, alegou que, no dia 22/01/2021, a sua viatura foi atingida por chapas metálicas que se desprenderam da fachada do prédio do réu, em virtude da má conservação deste, sofrendo os estragos melhor identificados no art.º 3.º da p.i, cuja reparação importa a quantia de €6.289,68 e que levaram a uma desvalorização da viatura no montante de €2.000.

Mais alegou que ainda não teve dinheiro para reparar a viatura até ao presente e que utiliza a mesma diariamente para se deslocar, o que tem causado vergonha, ansiedade e nervosismo, chegando a passar noites em claro.

2.O réu apresentou contestação, em que aceitou o desprendimento de parte das chapas de isolamento na parte lateral do edifício, impugnou por desconhecimento a existência dos danos alegados pela autora e pediu a sua absolvição do pedido, em conformidade.

Em abono da sua absolvição, sustentou que não ocorreu qualquer incúria da sua parte na solução construtiva aquando da construção ou falta de conservação, na medida em que as chapas foram colocadas de acordo com a referida norma EN 1991 e fixadas por forma a assegurar a resistência prevista, nomeadamente com referência aos valores previstos na EN 1990, 4.1.2(7) P (ou seja, ventos considerados para um período de 50 anos e com a probabilidade de 0,02 de serem excedidos, como decorre do ponto 3.4 da referida norma EN 1991-1-4).

Disse ainda que, no dia em que ocorreu o desprendimento das chapas em questão, passou pelo território a tempestade designada de Ignacio, com rajadas de vento que atingiram 126 km/h, sendo que a intensidade das tempestades no inverno de 2021 foi anormal para a época e de todo imprevisível, indo para além do que é a resistência prevista e fixada por norma para os materiais em causa. Assim, ainda que a cobertura estivesse no estado de nova, sempre se produziria o evento em causa, na medida em que a força do vento na hora e data em causa excedeu a resistência dos materiais colocados.

Finalmente, referiu ter celebrado com a companhia de seguros A... um seguro multiriscos do imóvel entre os quais, o decorrente de responsabilidade civil de proprietário de imóvel com o limite de Eur.50.000,00, requerendo a intervenção principal provocada de tal seguradora como sua associada.

3.Foi admitida a intervenção acessória da companhia de seguros A....

4.Citada a chamada, veio apresentar contestação em que reconheceu a celebração do contrato de seguro identificado pelo réu, com uma franquia de 10% do valor do sinistro, com o mínimo de €50, impugnando os danos patrimoniais e não patrimoniais alegados e dizendo que, a provar-se a tese alegada pelo réu condomínio quanto à causa do desprendimento das chapas metálicas, é mister concluir que o sinistro em estaria expressamente excluído do âmbito de cobertura da apólice de seguro em vigor.

5. Foi proferido despacho saneador, dispensou-se a fixação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova.

6.Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento com a observância do pertinente formalismo legal e foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e em consequência:

a)Condenou o réu a pagar à autora a quantia de €6.289,68 (seis mil duzentos e oitenta e nove euros e sessenta e oito cêntimos), acrescida de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento, a título de danos patrimoniais;

b)Condenou o réu a pagar à autora a quantia de €250 (duzentos e cinquenta euros), acrescida de juros desde a sentença até efectivo e integral pagamento, a título de danos não patrimoniais;

c)Absolveu o réu do demais peticionado.

7.Inconformado, o Réu apelou e formulou as seguintes conclusões recursórias:

A- Encontra-se indevidamente julgada a seguinte matéria de facto:

4.Sem que nada o fizesse prever, nas circunstâncias de tempo e local mencionadas, algumas chapas de metal que integravam a fachada lateral/frontal do edifício do réu desprenderam-se e projetaram-se sobre a viatura supra identificada.

4. O que sucedeu devido ao mau estado de conservação e manutenção do prédio do réu ao nívelda fachada lateral/frontal, com chapas enferrujadas.

5. Mercê do referido em 3., a viatura sofreu estragos no vidro pára-brisas, no tecto anorâmico,no farolim traseiro esquerdo, no farolim traseiro direito, no vidro lateral traseiro, no friso vidro lateral, no guarda-lamas traseiro, no friso superior direito da mala e na mola do friso.

6.Areparação dos aludidos estragos danos e prejuízos ascende à importância de €6.289,68.

13. Na data referida em 2. passou pelo território nacional uma tempestade e, na zona da Póvoa de Varzim, o vento soprou forte a muito forte, com velocidades médias entre 35 e 65 km/h, podendo pontualmente a intensidade máxima instantânea do vento ter ultrapassado ligeiramente os 100km/h.

Dos factos não provados:

D)No dia concreto em que ocorreu o desprendimento das chapas metálicas, foi o dia em que passou pelo território nacional a tempestade denominada de Ignácio, em relação à qual se veio a medir a rajada de vento com maior velocidade para o mês de Janeiro, registando 126 km/h, superior a 66 nós.

E) A qual excedeu as condições estabelecidas para resistência da fachada, tal como previsto na norma EN1991

G) A intensidade de tempestades, em especial as ocorridas no Inverno de 2021 foi anormal para a época e imprevisível.

H) Foi por acção da referida tempestade, e pela inusitada intensidade do vento que as referidas chapas se soltaram, a exemplo do que sucedeu com inúmeras estruturas, telhados,  revestimentos de fachadas que se desprenderam por efeito da acção violenta do vento, que fez com que fossem excedidos os limites de fixação das mesmas.

I)Ainda que a cobertura estivesse no estado de nova, sempre se produziria o evento em causa, na medida em que a força do vento na hora e data em causa excederia a resistência dos materiais colocados

 B- Sendo que o erro de julgamento decorre das razões acima enunciadas, e em concreto, da falta de concatenação da prova testemunha com a prova documental, em especial, quando subsumida às regras de apreciação da prova e repartição do ónus respectivo, e tal indicado da pág. 5 a 17 das presentes alegações e cujo teor aqui se dá por reproduzido;

C- Ao invés e em face da correcta apreciação com as regras do direito, e da repartição do ónus da prova conjugadas com as regras de experiência comum, deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos:

“3- As chapas do edificio soltaram-se quando foram afectadas por rajadas de vento que superam de forma breve os 100 km/h, superando a escala 10 de Beaufort.

4- Não provado que as chapas estivessem em mau estado e que tenha sido o estado das mesmas que tenha causado a sua queda.

5- Foi constatado que por volta das cinco horas da manhã a viatura apresentava danos do lado direito, nomeadamente com um friso partido, e alguns riscos junto à tampa do depósito do lado direito, não tendo sido apurada a causa de tais danos;

6- O tribunal não conseguiu apurar o valor dos danos sofridos pela viatura, nomeadamente a sua concreta extensão e o valor da reparação;

13. Na data referida em 2. passou pelo território nacional uma tempestade e, na zona da Póvoade Varzim, o vento soprou forte a muito forte, com velocidades médias entre 35 e 65 km/h,tendo a intensidade máxima instantânea do vento atingido valores de 90 a 100km/h namadrugada, podendo pontualmente ter ultrapassado ligeiramente os 100 km/h ( reproduçãoda informação do IPMA de fls dos autos);.

- No dia concreto em que ocorreu o desprendimento das chapas metálicas, foi o dia em que passou pelo território nacional a tempestade denominada de Ignácio, em relação à qual se veio a medir a rajada de vento com maior velocidade para o mês de Janeiro, registando 126 km/h, superior a 66 nós- informação do IPMA em complemento.

E) A qual excedeu as condições estabelecidas para resistência da fachada, tal como previsto na norma EN1991 – de acordo do confronto dos valores do vento registados com as regras de resistência fixadas pela norma em causa;

F) Constitui facto notório e de conhecimento geral que as tempestades HORTENSE e IGNÁCIO tiveram carácter de excepção e anormalidade, pela sua intensidade, decorrendo do registo da internet abundante informação sobre os estragos causados pelas tempestades em causa.

D- Da alteração da matéria de facto, e falecendo a prova dos factos constitutivos do direito da Autora, a acção deveria ter sido julgada improcedente, por não provada, com as devidas consequências;

Termos em que deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se a decisão proferida, e em acórdão, ser absolvida a Ré do pedido como é de Justiça

8.Foram apresentadas contra-alegações.

9.Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II.DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.

As questões colocadas no recurso são as seguintes:

.Da Impugnação da matéria de facto.

.Do Mérito do Recurso.

III.FUNDAMENTAÇÃO:

3.1 No tribunal recorrido foram julgados provados e não provados os seguintes factos.

Factos provados:

Com relevo para a decisão a proferir, resultaram provados os seguintes factos:

1.A autora é proprietária do veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-VN-.., marca CITROEN, modelo ....

2.No dia 22/01/2021, a hora não concretamente apurada, mas entre as 04:00 e as 05:10 horas, a autora mantinha estacionada a viatura supra indicada na RUA ..., Póvoa de Varzim.

3.Sem que nada o fizesse prever, nas circunstâncias de tempo e local mencionadas, algumas chapas de metal que integravam a fachada lateral/frontal do edifício do réu desprenderam-se e projetaram-se sobre a viatura supra identificada.

4.O que sucedeu devido ao mau estado de conservação e manutenção do prédio do réu ao nível da fachada lateral/frontal, com chapas enferrujadas.

5.Mercê do referido em 3., a viatura sofreu estragos no vidro pára-brisas, no tecto panorâmico, no farolim traseiro esquerdo, no farolim traseiro direito, no vidro lateral traseiro, no friso vidro lateral, no guarda-lamas traseiro, no friso superior direito da mala e na mola do friso.

6.A reparação dos aludidos estragos danos e prejuízos ascende à importância de €6.289,68.

7.Ainda que interpelado para o efeito, o réu não procedeu à reparação dos ditos estragos, nem entregou, para o efeito, qualquer quantia à autora.

8.A autora não possui o montante referido em 5., pelo que a viatura ainda hoje se apresenta no estado em que o sinistro em questão o deixou.

9.A autora trabalha normalmente 5 dias por semana e precisa da viatura para se deslocar para o trabalho, fazendo em média não menos de 4 km por dia.

10.A autora não possui outra viatura e sente vergonha algumas das vezes em que se desloca na sai viatura para o local de trabalho.

11.Em virtude do acima referido, a autora sentiu-se ansiosa e nervosa.

12.As chapas de isolamento que se encontravam colocadas na parte lateral do edifício e que se desprenderam da mesma na data indicada integravam a fachada ventilada do edifício e protegiam-no contra infiltrações, fazendo parte do isolamento do mesmo.

13.Na data referida em 2. passou pelo território nacional uma tempestade e, na zona da Póvoa de Varzim, o vento soprou forte a muito forte, com velocidades médias entre 35 e 65 km/h, podendo pontualmente a intensidade máxima instantânea do vento ter ultrapassado ligeiramente os 100 km/h.

14.O Réu celebrou com a companhia de seguros A..., um seguro multiriscos do imóvel entre os quais, o decorrente de responsabilidade civil de proprietário de imóvel com o limite de Eur.50.000,00, e que se encontra titulado pela apólice n.º ... PROTECÇÃO CONDOMÍNIO, cuja cópia se mostra junta a fls. 42 e ss. e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Factos não provados:

Ficaram por provar os seguintes factos relevantes para a decisão a proferir:

A)Com o sinistro supra, a viatura da autora sofreu uma desvalorização nunca inferior a €2.000.

B)Em virtude do sucedido, a autora chegou a passar noites em claro e continua a sentir-se ansiosa e nervosa.

C)As chapas foram fixadas por forma a assegurar a resistência aos ventos considerados para um período de 50 anos e com a probabilidade de 0,02 de serem excedidos.

D)No dia concreto em que ocorreu o desprendimento das chapas metálicas, foi o dia em que passou pelo território nacional a tempestade denominada de Ignácio, em relação à qual se veio a medir a rajada de vento com maior velocidade para o mês de Janeiro, registando 126 km/h, superior a 66 nós.

E)A qual excedeu as condições estabelecidas para resistência da fachada, tal como previsto na norma EN1991.

F)Na acção combinada de vento, da aceleração determinada pela configuração dos edifícios da Rua ... e da falta de protecção determinada pela demolição do prédio sito em RUA ... que faz a colmatação a Norte e Poente da Rua ... com a RUA ..., provocou-se um efeito de túnel, levando ao aumento da velocidade da rajada.

G)A intensidade de tempestades, em especial as ocorridas no Inverno de 2021 foi anormal para a época e imprevisível.

H)Foi por acção da referida tempestade, e pela inusitada intensidade do vento que as referidas chapas se soltaram, a exemplo do que sucedeu com inúmeras estruturas, telhados, revestimentos de fachadas que se desprenderam por efeito da acção violenta do vento, que fez com que fossem excedidos os limites de fixação das mesmas.

I)Ainda que a cobertura estivesse no estado de nova, sempre se produziria o evento em causa, na medida em que a força do vento na hora e data em causa excederia a resistência dos materiais colocados.

3.2 Da Impugnação da decisão de afcto:

O réu-recorrente impugna os itens 3º, 4º, 5º 6º, 13ºdos fatos provados e als D) , E), G) H) e I) dos factos não provados, da decisão de facto, os quais aqui reproduzimos:

“3. Sem que nada o fizesse prever, nas circunstâncias de tempo e local mencionadas, algumas chapas de metal que integravam a fachada lateral/frontal do edifício do réu desprenderam-se e projetaram-se sobre a viatura supra identificada.

4. O que sucedeu devido ao mau estado de conservação e manutenção do prédio do réu ao nívelda fachada lateral/frontal, com chapas enferrujadas.

5. Mercê do referido em 3., a viatura sofreu estragos no vidro pára-brisas, no tecto anorâmico,no farolim traseiro esquerdo, no farolim traseiro direito, no vidro lateral traseiro, no friso vidro lateral, no guarda-lamas traseiro, no friso superior direito da mala e na mola do friso.

6.Areparação dos aludidos estragos danos e prejuízos ascende à importância de €6.289,68.

13. Na data referida em 2. passou pelo território nacional uma tempestade e, na zona da Póvoa de Varzim, o vento soprou forte a muito forte, com velocidades médias entre 35 e 65 km/h, podendo pontualmente a intensidade máxima instantânea do vento ter ultrapassado ligeiramente os 100km/h.

D)No dia concreto em que ocorreu o desprendimento das chapas metálicas, foi o dia em que passou pelo território nacional a tempestade denominada de Ignácio, em relação à qual se veio a medir a rajada de vento com maior velocidade para o mês de Janeiro, registando 126 km/h, superior a 66 nós.

E) A qual excedeu as condições estabelecidas para resistência da fachada, tal como previsto na norma EN1991

G) A intensidade de tempestades, em especial as ocorridas no Inverno de 2021 foi anormal para a época e imprevisível.

H) Foi por acção da referida tempestade, e pela inusitada intensidade do vento que as referidas chapas se soltaram, a exemplo do que sucedeu com inúmeras estruturas, telhados,  revestimentos de fachadas que se desprenderam por efeito da acção violenta do vento, que fez com que fossem excedidos os limites de fixação das mesmas.

I)Ainda que a cobertura estivesse no estado de nova, sempre se produziria o evento em causa, na medida em que a força do vento na hora e data em causa excederia a resistência dos materiais colocados”

Para tanto, convoca para reapreciação alguns segmentos das declarações de parte da autora, segmentos do depoimento da testemunha CC, irmão da autora.

Refere discordar da apreciação feita pelo tribunal a quo sobre o depoimento da testemunha DD, sem contudo, convocar segmentos gravados deste depoimento para este tribunal reapreciar.

Mais alega discordar da apreciação e valoração feitas pelo tribunal a quo sobre o orçamento junto com a petição inicial, alegando que este documento, por si, desacompanhado de quaisquer outros meios de prova, não servem para provar o fato vertido no item dos fatos provados.

E relativamente aos fatos não provados impugnados no essencial apresenta uma valoração da prova distinta daquela que foi feita pelo tribunal recorrido sobre a prova produzida.

A impugnação da decisão de facto satisfaz minimamente os requisitos do art 640º do CPC.

Assim, reapreciamos as declarações de parte da autora e o depoimento de parte do irmão daquela, CC.

E, apesar do réu não convocar o depoimento de DD para reapreciação, uma vez que se limitou a referir que discordava da valoração feita a propósito pelo tribunal recorrido, procedemos à reprodução áudio deste depoimento e ouvimos o depoimento.

Assim, quanto ao “estado de conservação das Chapas”, matéria que revela para os itens 3º, 4º e 5º valoramos os seguintes meios de prova:

Declarações de parte da autora, cuja mãe vive no edifício em frente ao prédio em questão, e que dormia na noite dos factos na casa da mãe. Assim, a autora convenceu-nos que de noite ouviram um estrondo, que veio à janela e viu que as chapas do edifício dos autos tinham-se desprendido do edifício dos autos e tinham caído no seu veículo, chamou a polícia e descreveu os danos sofridos no seu veículo, relatando ainda que as chapas eram antigas, estavam enferrujadas. Mais referiu que ainda não mandou arranjar o seu veículo e que continua a circular com o veículo.

O irmão da Autora, CC, referiu que na noite de 21 para  22 de Janeiro de 2021 dormia na casa da mãe, sita no prédio sito em frente ao prédios dos autos, referiu que a meio da noite ouviram estrondo e acordaram, viu que as chapas do edifício da frente, o dos autos, tinham-se desprendido e estavam caídas no passeio , uma delas em delas em cima do veículo da irmã, outras ao lado  do carro. Mais referiu que ficou em pânico, afastou as chapas e retirou o veículo do local e descreveu os danos que o veículo sofreu.

A testemunha DD, condómina, cujos pais compraram há 30 anos uma fracção no edifício dos autos, onde ainda vive, referiu que desde há 3 anos vai às reuniões de condomínio.

Esta testemunha começou por afirmar que as chapas de metal que revestiam uma parte do prédio não tinham qualquer problema a nível de reparação, que não foram feitas obras na fachada.

Todavia, após ser inquirida revelou que “logo de seguida àquilo que aconteceu” alteraram a fachada, reconhecendo que o edifício teve um problema de desprendimento de placas ao nível da fachada, que ouviu barulhos”. Foi confrontada com as fotografias do prédio e do veículo juntas com a petição inicial.

Reapreciamos também a descrição policial  relativamente às diligências feitas a seguir à participação feita pela autora e daí resulta que a PSP deslocou-se ao local no dia em que ocorreu o desprendimento de placas de metal da fachada do prédio e que verificaram que se tinham desprendido chapas da fachada lateral do prédio nº... da RUA ..., o que está em conformidade com as fotografias do prédio e do veículo juntas com a petição inicial.

E também reapreciamos a resposta dada pela Protecção Civil da Póvoa de Varzim pela qual informa que não teve registos de danos em propriedade no dia 22/01/2021, nem registo de danos em infraestruturas decorrentes da intensidade do vento naquele mesmo dia;

Também reapreciamos a resposta do  IPMA a ofício do tribunal, na qual se refere  que no dia 22/01/2021, na zona da Póvoa de Varzim, o vento soprou forte a muito forte (35 a 65 km/h) do quadrante oeste, tornando-se moderado a partir da manhã (15 a 35 km/h), temporariamente forte (36 a 55 km/h) e, bem assim, que a intensidade máxima instantânea do vento pode ter atingido valores de 90 a 100 km/h na madrugada, pode pontualmente ter ultrapassado ligeiramente os 100 km/h; - a fls. 79, o IPMA reiterou a informação prestada quanto à intensidade do vento, acrescentou que: (i) a tempestade Ignacio atravessou o norte da Península Ibérica durante o dia 23 e a tempestade Hortense atravessou o noroeste peninsular na madrugada e manhã do dia 22; (ii) as tempestades não são categorizadas e apenas são nomeadas quando um dos serviços meteorológicos prevê condições que dêem origem a avisos de vento laranja ou vermelho3; (iii) de acordo com a escala de Beaufort, aplicável à velocidade média do vento, a velocidade do vento no dia e local em causa nos autos atingiu a força 7 (vento forte), o vento forte atinge velocidades médias entre 51 e 62 km/h e os efeitos típicos do mesmo são “árvores inteiras em agitação; é difícil caminhar contra o vento”. Da concatenação dos elementos probatórios que antecedem extrai-se que, na madrugada do dia 22/01/2021, apenas pontualmente as rajadas de vento podem ter atingido valores de 90 a 100 km/h ou ultrapassado mesmo ligeiramente os 100 km/h, mas tal intensidade de vento não foi a sua intensidade média (medida a intervalos de 10 em 10 minutos).

Procedemos também à reapreciação do relatório pericial dos autos, incluindo o complementar, do qual se retira que entretanto o Condomínio executou obras na fachada lateral do prédio dos autos e retirou as placas de metal.

Ora estas informações conjugadas com os depoimentos das testemunhas CC , este também referiu não ter conhecimento de qualquer outra situação à dos autos em qualquer outro prédio na data dos factos, DD, de cujo depoimento se retira que o prédio de onde se desprenderam as chapas não  tinha sido objecto de conservação a nível da fachada onde estavam colocadas as placas até ao ano de 2021 e com a reapreciação do relatório pericial , resulta  que após ter ocorrido o desprendimento das placas da fachada lateral o Condomínio procedeu a obras nessa fachada e retirou as placas de metal, a revelar implicitamente que essa fachada estava a necessitar de ser objecto de obras de restauro.

Assim, da conjugação da reapreciação dos meios de prova acima descritos este colectivo de juízes formou convicção sobre os itens 3º, 4º, 5º dos factos provados e sobre as alíneas D) , E), G) H) e I)  impugnados da matéria de facto provada e não provada idêntica àquela que alcançou o tribunal a quo, não revelando essa reapreciação que a motivação da decisão de facto vertida na sentença recorrida enferme de qualquer flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão.

Pela relevância reproduzimos aqui um segmento da motivação da decisão de facto:

“Como vimos, a autora e a testemunha CC afirmaram que o veículo não tinha danos antes de ser atingido pelas chapas metálicas e descreveram espontaneamente os estragos de que se recordavam. Por outro lado, a autora referiu que pediu um orçamento para reparação dos estragos e tal declaração logrou respaldo nas declarações do legal representante do réu, que confirmou que a autora o tinha abordado por causa do evento em litígio logo a seguir ao mesmo e “ficou de [lhe] dizer os custos”. Em complemento das declarações e depoimentos mencionados, mostra-se junto aos autos um orçamento solicitado pela autora na tarde do próprio dia dos factos (fls. 19), cujo teor está em consonância com os estragos descritos e não carecia de ser confirmado por funcionário da oficina que o emitiu para ser atendível (como parecia pretender o I. Mandatário do réu). Finalmente, a circunstância de constar do orçamento a necessidade de reparação de farolins e de a autora ter afirmado que ainda não reparou os danos e, ainda assim, o veículo passou na inspecção não invalida a necessidade de reparação referente aos farolins, porquanto é da linguagem comum chamar farolim aos plásticos que protegem a luz com tal designação e as fotografias aparentam riscos e amolgadelas nos aludidos plásticos. Posto isto, articulando os meios probatórios referidos, provaram-se os factos n.º 5 e 6.”

“Quanto ao estado de conservação das chapas metálicas em causa, a prova já se mostrou divergente, sendo que o administrador do condomínio (e condómino) e a testemunha DD referiram que o aludido estado de conservação era bom, ao passo que a autora e a sua mãe o contrariaram.

Desde logo, afastou-se o depoimento da mãe da autora, por ninguém ter mencionado que houvesse chapas ao dependuro como aquela testemunha tentou fazer crer.

O legal representante do condomínio e a testemunha arrolada são ambos condóminos e, por isso, ambos têm interesse no desfecho do julgamento. Obviamente que tal não obstaria a que se atribuísse crédito à sua versão, desde que as declarações prestadas fossem pormenorizadas, esclarecedoras e não evasivas. No entanto, quando perguntado sobre o estado de conservação das chapas metálicas, BB limitou-se a dizer, laconicamente, que aquele “estava bom”, sem avançar mais nada acerca da inspecção/manutenção levada a cabo ao longo dos anos, ainda que fosse o administrador de condomínio. Por seu turno, a testemunha DD revelou desconhecimento sobre obras de conservação ou manutenção da fachada onde estavam fixadas as chapas apesar de dizer morar no prédio há 30 anos e reconhecer que tais chapas protegiam a empena do prédio virada para o mar; inquirida acerca do estado de conservação das chapas e se a substituição das mesmas não havia sido anteriormente equacionada, respondeu que “ainda estavam relativamente num estado considerável e portanto não íamos substituir uma coisa que ainda não estava a dar problemas” e após novas insistências para precisar como se encontrava a fachada afirmou que “não estava num estado degradado para ser substituído”, não excluindo que o interior das placas estivesse enferrujado, ainda que, a estarem, isso sucedesse “num nível alto e em que não se conseguia ver”; além disso, acrescentou que, na ocasião que se discute nos autos, houve um barulho muito grande de noite com ventos fortes e “um problema de derrocada das placas”, após o que substituíram todo o sistema de impermeabilização da fachada por capoto.

Restaram as declarações da autora, que, de forma credível, a propósito do estado de conservação do prédio, afirmou que este era antigo e “só notava que as chapas eram antigas e via-as enferrujadas desde que a mãe lá morava (há 4 anos)”.

Face à falta de assertividade das declarações de BB e de DD acerca do bom estado de conservação do prédio, à circunstância de nenhuma das testemunhas do réu ter aludido a quaisquer obras de manutenção numa fachada virada para o mar e coberta com chapas metálicas em mais de 30 anos, à circunstância de a testemunha acabada de mencionar não ter excluído que houvesse chapas enferrujadas no seu prédio – ainda que referindo que a havê-las estariam num “nível alto” –, à circunstância de resultar das fotografias juntas aos autos e do depoimento de CC que a mãe da autora morava num andar com vista para a parte superior do prédio do réu e, ainda, à circunstância de o réu ter realizado obras que inviabilizaram a perícia já requerida na p.i. e não ter arrolado quaisquer dos técnicos que observaram o estado de conservação da fachada e das chapas que resistiram, ficou o Tribunal persuadido de que existiam efectivamente chapas metálicas enferrujadas na fachada lateral, mal conservada, do prédio, o que se mostra consentâneo com o facto de tal fachada estar virada para o mar e, portanto, mais predisposta à oxidação dos materiais, com aparecimento de ferrugem e consequente perda de resistência do material.

Em virtude do que acaba de referir-se, apesar de se ter apurado que na data dos factos passou pelo território nacional uma tempestade, gerou-se no Tribunal a convicção de que, não fora o mau estado de conservação da fachada, as chapas metálicas não se teriam desprendido do prédio.”

Todavia, relativamente ao item 6º dos factos provados, cujo teor reproduzimos “6.A reparação dos aludidos estragos danos e prejuízos ascende à importância de €6.289,68”, apesar de nos termos convencido sobre a veracidade do facto vertido no item 5º dos factos provados relativo às partes do veículo da autora que ficaram danificadas em consequências do desprendimento de chapas metálicas que vieram a atingir o veículo, certo é que, para nós o documento junto com a petição inicial que corporiza um denominado “ orçamento” por si , desacompanhado da produção de outros meios de prova que nos convençam que o veículo da autora foi sujeito a uma  peritagem, isto é, uma análise, quantificação e orçamentação dos  danos depois de ser atingido pelas chapas de metal que se desprenderam do edifício  dos autos, não nos logrou convencer sobre a adequação dos valores aí orçamentados com vista a serem reparados os danos sofridos pelo veículo da autora.

Assim, relativamente ao item 6º dos factos provados, este colectivo de juízes apenas logrou formar a convicção que a reparação dos aludidos estragos danos e prejuízos ascende à importância não concretamente apurada mas não superior ao valor de €6.289,68.

Em consequência do exposto, reapreciados que foram os meios de prova atrás descritos, decidimos não conceder provimento à impugnação da decisão de facto, a qual, é por nós mantida, com exceção do item 6 dos factos provados cuja redacção é por nós alterada e passa a ser a seguinte:

«6.A reparação dos aludidos estragos danos e prejuízos ascende à importância não concretamente apurada mas não superior ao valor de €6.289,68.»

3.3 Do Mérito da Decisão.

Como resulta das conclusões recursórias, a procedência do recurso estava quase na totalidade dependente do provimento da impugnação da decisão de facto.

Todavia, como vimos a impugnação da decisão da decisão de facto não obteve provimento, com exceção do item 6º dos factos provados, relativo ao valor líquido total da reparação dos danos provocados no veículo da autora.

E como resulta das alegações e conclusões recursórias, o recorrente nem sequer procedeu à enunciação dos fundamentos de direito que conduziriam à alteração da sentença recorrida.

Posto isto, uma vez que a decisão de facto não sofreu alteração com exceção daquela relativa ao valor total em que foi orçamentada a reparação do veículo apenas nos cumpre referir o seguinte:

O enquadramento jurídico dos factos provados feito no tribunal recorrido não nos merece censura.

Como é sabido, na responsabilidade extracontratual incumbe ao lesado provar a culpa do autor da lesão, nos termos dos artigos 487º, nº 1 e 342º, nº 1, ambos do Código Civil, salvo existindo presunção especial de culpa, já que a obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, só existe nos casos especificados na lei - v. nº 2 do artigo 483º do Código Civil.

 Tais situações são precisamente as que resultam do disposto nos artigos 492º e 493º, ambos do Código Civil, tendo a sentença recorrida considerado aplicável ao caso vertente o primeiro dos apontados normativos.

Ambos os preceitos - artigos 492º e 493º do Código Civil - contemplam presunções de culpa - e não responsabilidade objectiva – quer de quem tendo a seu cargo algum edifício ou obra ela vier a originar danos, causados por defeito de construção ou de conservação, quer de quem exerce actividade perigosa.

Porém o seu âmbito de aplicação nem sempre se mostra bem delimitado na doutrina e na jurisprudência.

Na verdade, estabelece o art.º 492.º, n.º 1 do Cód. Civil que o proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos.

Neste artigo não se prevê nenhum caso de responsabilidade objectiva, decorrente do perigo causado pelos imóveis, tratando-se antes de uma responsabilidade subjectiva fundada na violação dos deveres a observar na construção e na conservação de edifícios ou outras obras (deveres de segurança no tráfego).

Ao referir-se a “edifício ou outra obra (…) no todo ou em parte”, a norma acabada de citar abarca também as partes integrantes e componentes do edifício que causem prejuízo - como as chapas metálicas que integravam a fachada ventilada do edifício.[1]

Estabelece-se neste artigo uma mera presunção de culpa e não a responsabilidade objetiva do proprietário ou possuidor. A responsabilidade prevista neste artigo, por culpa presumida, incide não só sobre o proprietário ou possuidor (em nome próprio) como sobre aquele que por lei ou negócio jurídico é obrigado a conservar a coisa, sendo o dano devido, neste caso, a defeitos de conservação. O legislador presume a culpa do agente, responsabilizando-o pela produção do dano, embora através de uma presunção iuris tantum, que poderá ser invalidada provando outra coisa. Inverte-se o ónus da prova, a benefício do lesado.

Consagrou-se legalmente ser responsável o proprietário ou o possuidor, salvo se houver alguém obrigado, por lei ou negócio jurídico, a conservar o edifício e a ruína se dever exclusivamente a defeito de conservação, caso em que este responderá em vez do proprietário ou do possuidor[2]

E relativamente ao disposto no nº2 do art . 492º do CC, o qual, se refere ao obrigado, por lei ou negócio jurídico, a conservar o edifício ou obra responde sempre, sempre se impõe, assinalar que este preceito considera que aquele obrigado responde em lugar do proprietário ou possuidor se e na medida em que não houver culpa destes.

A responsabilidade prevista … no art. 492º do novo CC não exclui a responsabilidade que derive dos princípios gerais, pois aquela tem o fim de aumentar, e não diminuir as garantias dos lesados.

Determinados os possíveis responsáveis – proprietário, possuidor, pessoa encarregada da conservação e qualquer agente que atuando ilicitamente e com culpa tiver causado danos a alguém -, vejamos agora como estão distribuídas as regras do ónus da prova da responsabilidade civil por danos causados por edifícios ou outras obras, sendo desta situação que o caso trata e a este artigo que cabe subsumir o mesmo.

Na responsabilidade extracontratual incumbe ao lesado o ónus de provar todos os referidos pressupostos consagrados no nº1 do art. 483º, do Código Civil, entre eles, como vimos, a culpa do autor da lesão, nos termos dos artigos 487º, nº 1 e 342º, nº 1, ambos daquele Código, salvo existindo presunção especial de culpa, já que a obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, só existe nos casos especificados na lei - v. nº 2 do artigo 483º do Código Civil, contando-se, entre tais casos, o consagrado no artigo 492º, do Código Civil.

Como vimos, o artº 492º dispensa a prova do facto presumido, ou seja, a culpa. Porém, só se passa à culpa (que se presume) depois de verificada a ilicitude do facto.

E no respeita à questão do ónus de prova da ilicitude, consubstanciada no vício de construção ou defeito de conservação, pese embora não ignoremos que a propósito, a doutrina e a jurisprudência revelem entendimentos distintos[3], afigura-se-nos pela consistência da argumentação e respectiva conformidade com a  realidade dos acontecimentos humanos, de acolher o entendimento de  Luís Menezes Leitão[4],  que  fazer recair a prova da ilicitude  sobre o lesado equivale a retirar grande parte do alcance à presunção de culpa.

 Salvo no caso de fenómenos extraordinários, como os terramotos, a ruína de um edifício ou obra é um facto que indicia só por si o incumprimento de deveres relativos à construção ou conservação dos edifícios, não se justificando por isso que recaia sobre o lesado o ónus suplementar de demonstrar a forma como ocorreu esse incumprimento.

É antes o responsável pela construção ou conservação que deve genericamente demonstrar que não foi por sua culpa que ocorreu a ruína do edifício ou obra - nomeadamente pela prova da ausência de vícios de construção ou defeitos de conservação ou que os danos continuariam a verificar-se, ainda que não houvesse culpa sua.

Como escreve este último autor. “O fundamento desta responsabilização não se baseia no perigo causado pelos imóveis ou no proveito deles retirado pelo seu proprietário ou possuidor, não sendo por isso uma hipótese de responsabilidade objectiva. Trata-se antes de uma responsabilidade subjectiva fundada na violação dos deveres a observar na construção e na conservação de edifícios ou outras obras (deveres de segurança no tráfego), a qual é agravada através de uma presunção de culpa”

Assim, a ruína de um edifício ou obra indicia, só por si, a ilicitude - o incumprimento de deveres relativos à construção ou conservação dos edifícios - não se justificando face a isso, que recaia sobre o lesado o ónus de demonstrar a forma como a mesma ocorreu.

É antes sobre o responsável pela construção ou conservação que impende o ónus da prova de que não foi por sua culpa que ocorreu a ruína do edifício ou obra (e, designadamente, de que se verifica ausência de vícios de construção ou defeitos de conservação) ou que os danos continuariam a verificar-se, ainda que não houvesse culpa sua.

Neste sentido, entre outros, os acórdãos do TRP de 14/05/2009, do TRL de 16/03/2010 e do STJ de 29/04/2008, referidos na sentença recorrida.

Nestes arestos defende-se que o lesado só tem de provar o evento – que no caso será a ocorrência de um desprendimento de materiais que integravam a fachada ventilada do edifício – havendo que concluir pela culpa presumida do agente, caso não se demonstre a existência de caso fortuito ou de força maior.

Assim, podemos afirmar que apenas é exigível uma prova de primeira aparência do defeito e do nexo de causalidade, se ocorrer uma ruína de edifício ou respectiva parte componente e essa ruína for causadora de danos é de considerar que existiu defeito de conservação, a menos que tal facto se deva a culpa do lesado, ou a caso fortuito ou de força maior.

E no caso dos autos, para além de terem provado o desprendimento das chapas metálicas da fachada do prédio do réu, a autora logrou ainda demonstrar que o evento resultou do mau estado de conservação e manutenção da fachada do aludido prédio (facto provado 4).

Acresce que no caso em apreço está em causa o (in) cumprimento de uma obrigação do condomínio, composto pelo conjunto dos condóminos, de custear as despesas de conservação e fruição das partes comuns do edificio , obrigação que  abrange as obras necessárias à estrita manutenção do estado de conservação das partes comuns do prédio.

Essa obrigação deve ser concretizada mediante a intervenção dos órgãos próprios do condomínio, isto é, a assembleia de condóminos e o administrador, dentro do âmbito das respectivas competências- cfr, designadamente, o art 1430º nº1 e art 1436º, al. f), ambos do C.Civil.

E trata-se de uma obrigação legal inerente ao regime específico da propriedade horizontal previsto nos artigos 1414º e SS do Código Civil.

É certo que o artigo 492º CC supra não consagra a responsabilidade objectiva do proprietário de edifício, mas tão-só uma presunção de culpa, este pode ilidir a presunção, provando que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo que tivesse agido com a diligência devida, se não teriam evitado os danos – ganhando relevância, nesta última situação, a causa virtual do dano.

O réu responderá, então, nos termos do art.º 492.º, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua, a revelar que nesta norma se admite excecionalmente a relevância negativa da causa virtual do dano,  como  compensação pelo agravamento da responsabilidade em resultado de uma presunção de culpa ou de uma imputação pelo risco.[5]

E como escreveu o tribunal recorrido:

« no caso dos autos,  temos que o réu logrou demonstrar que na data em apreço passou pelo território nacional uma tempestade e, na zona da Póvoa de Varzim, o vento soprou forte a muito forte, com velocidades médias entre 35 e 65 km/h, podendo pontualmente a intensidade máxima instantânea do vento ter ultrapassado ligeiramente os 100 km/h (facto provado 13).

Porém, não logrou demonstrar que a intensidade da aludida tempestade foi anormal para a época e imprevisível (facto G), nem tão-pouco que foi por (mera) acção da tempestade e da intensidade do vento que as chapas se soltaram ou que inúmeras outras estruturas, telhados e revestimentos de fachadas também se tenham desprendido por acção violenta do vento na mesma ocasião (facto H) ou, ainda, que ainda que a cobertura estivesse no estado de nova, sempre se produziria o evento, na medida em que a força do vento na data e hora em causa sempre excederia a resistência dos materiais colocados (facto I).

Ora, não se olvidando a existência de uma tempestade na data dos factos, não pode escamotear-se que os ventos daquela que se verificou não atingiram uma intensidade média associada, na escala de Beaufort, à causação de danos em estruturas e o réu não demonstrou que tivesse ocorrido qualquer outro dano em estruturas na data dos factos em virtude das condições climatéricas adversas que se verificaram.

Por outro lado, nos últimos anos é cada vez mais frequente a existência de tempestades e a correspondente emissão de avisos de vento forte a muito forte pela Protecção Civil, sem que seja comum a queda de estruturas de prédios em bom estado de conservação.

Em virtude disso, não cremos que a situação em presença possa ser qualificada como de caso fortuito ou força maior e, consequentemente, que o réu tenha logrado demonstrar que mesmo com a diligência devida não se teriam evitado os danos»

Em face do exposto, verificando-se os pressupostos de responsabilidade civil do Apelante, condomínio-réu,  pelos danos causados pelo desprendimento das placas de metal da fachada e consequente atingimento do veículo da autora-recorrida, tem de proceder parcialmente o recurso, estando  o apelante, nos termos do nº1, do art. 492º, do CC, obrigado a indemnizar a autora, pelos danos que o veículo sofreu, sendo certo que relativamente aos danos referidos no item 6 dos factos apurados , a liquidação tem de ser feita  ulteriormente,  como veremos de seguida.

.Da necessidade de ulterior liquidação

Tendo a Autora pedido, entre o mais, a condenação do réu no pagamento da quantia de € de €8.289,68, a título de danos patrimoniais acrescida de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento, apenas logrou provar que (6) A reparação dos aludidos estragos danos e prejuízos ascende à importância não concretamente apurada mas não superior ao valor de €6.289,68.

Está demonstrada a existência do dano, não estando determinado o exato valor do mesmo.

O incidente de liquidação visa tornar líquida a condenação genérica, por sentença condenatória, transitada em julgado, por os factos alegados/apurados não permitirem ao tribunal determinar o quantum indemnizatório devido por via desses prejuízos, daí a necessidade do incidente de liquidação.

Tem o mesmo como pressuposto que na sentença condenatória, transitada em julgado, se encontrem já, em definitivo, provados os factos relativos ao dano sofrido, faltando a determinação do quantum, isto é, da dimensão do prejuízo realmente sofrido pelo Autor em consequência desse dano.

Falta, pois, a determinação do quantum desses prejuízos – cfr nº1, do art. 359º, CPC onde se estatui que “a liquidação é deduzida mediante requerimento oferecido em duplicado, no qual o autor especifica os danos derivados do facto ilícito e conclui pedindo quantia certa”.

Pelo que, não logrando nós alcançar o quantum indemnizatório devido por via desses danos, importa relegar a sua determinação para liquidação ulterior, conforme nº2, do art. 358º CPC

Em consequência das considerações expostas, concluímos pela procedência parcial do recurso de apelação interposto e, assim, alterando a decisão recorrida, condenamos o réu a indemnizar a título de indemnização devida pelos danos sofridos no veículo da autora, em quantia não concretamente apurada mas não superior ao valor de €6.289,68, confirmando a parte restante da sentença recorrida.

Quanto às custas do recurso na parte relativa à condenação ilíquida, sufragamos o entendimento maioritário da jurisprudência, no sentido seguinte: Sendo a ré condenada no pagamento da quantia a liquidar em execução de sentença, as custas deverão ser pagas, provisoriamente, por ela e pelo autor, em partes iguais, fazendo-se o rateio respectivo, de acordo com a sucumbência, na execução de sentença.[6]

Se a obrigação é ilíquida, por não estar ainda apurado o montante da prestação, também a mora não se verifica, por não haver culpa do devedor no atraso do cumprimento.

Em situações de iliquidez, os juros moratórios são devidos apenas desde a data da decisão que fixar o valor da obrigação.

Sumário.

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IV.DELIBERAÇÃO:

Nestes termos acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Réu Condomínio, e assim,, alterando a decisão recorrida, condenamos o réu a indemnizar a autora a  título de indemnização devida pelos  danos sofridos  no veículo da autora,  em quantia não concretamente apurada mas não superior ao valor de €6.289,68, confirmando a parte restante da sentença recorrida.

Custas do recurso na parte em que o apelante decaiu a cargo deste.

Custas do recurso na parte ilíquida da condenação, a suportar por ambas as partes, provisoriamente, fazendo-se o rateio respectivo, de acordo com a sucumbência, ulteriormente, na liquidação de sentença.


Porto, 04.07.2024
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
Isabel Ferreira
_________________
[1] Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. I, pág. 493.
[2] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª Edição, Coimbra Editora, pág. 494
[3] Assim, na doutrina:
Ana Maria Taveira da Fonseca, Responsabilidade civil pelos danos causados pela ruína de edifícios ou outras obras, em Novas Tendências da Responsabilidade Civil, 2007, pags 85 a 145, entende que o regime de inversão do ónus da prova da culpa do proprietário, do possuidor ou daquele que está obrigado a conservar o edifício, previsto no art. 492º, só se pode aplicar depois de demonstrado o vício de construção ou o defeito de manutenção. Em face da dificuldade sentida pelos lesados na prova da causa da ruina, existindo uma “prova de primeira aparência”, não contrariada por contraprova que torne duvidosa a prova oferecida, de que esta se deveu a vício de construção ou a um defeito de construção, deve dar-se este facto como provado.
v. VAZ SERRA, Responsabilidade pelos Danos Causados por Edifícios ou Outras Obras, BMJ n.º 88, 14 e 36
Na jurisprudência:
.O Supremo Tribunal de Justiça, no seguimento de Doutrina citada, vem considerando, maioritariamente, que a prova do vício de construção ou do defeito de conservação cabe, nos termos gerais da responsabilidade civil, ao lesado - v., entre muitos, Acórdãos do S.T.J. de 06.02.1996, C.J./STJ, Ano IV, Tomo I, 77, de 22.02.2005 (Processo 1789/05), de 09.06.2005 (Processo 688/05), de 10-1-2006 (Processo 3241/05) e de 11/11/2010 (Processo 7848/05.8TBCSC.L1.S1), estes in dgsi.Net - podendo os referidos vícios provar-se por todos os meios, tendo, aqui relevância especial as presunções judiciais (artigo 351.º do Código Civil), já que conhecida a causa do dano, se concluirá se houve defeito de conservação –e ainda Ac. R.L de 29.11.2007 (Processo 8211/2007-8), in dgsi.Net.
Acolhendo entendimento distinto, Luís Menezes Leitão , Direito das Obrigações, vol. I, 14.ª Ed., 2017, Almedina, pág. 316 e segs escreve que “Salvo no caso de fenómenos extraordinários, como os terramotos, a ruína de um edifício ou obra é um facto que indicia só por si o incumprimento de deveres relativos à construção ou conservação dos edifícios, não se justificando por isso que recaia sobre o lesado o ónus suplementar de demonstrar a forma como ocorreu esse incumprimento.”
[4] Ob citada, nota anterior
[5] Pereira Coelho in Obrigações, Coimbra, polic. 1967, pág. 184-185 e Menezes Leitão, ob. cit., pág. 364.
[6] António Abrantes Geraldes (in Temas Judiciários, Vol. I, Almedina, pág. 240