Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JUDITE PIRES | ||
Descritores: | COMPENSAÇÃO ADMISSIBILIDADE RECONVENÇÃO CONDICIONAL | ||
Nº do Documento: | RP20200618586/19.6T8VNG-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/18/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Quem pretende liberar-se de uma obrigação com recurso à compensação tem necessariamente de admitir a preexistência de um crédito por parte daquele a quem se acha juridicamente vinculado e que o demanda para tornar efectivo esse crédito, devendo o devedor, para tanto, efectuar declaração no sentido de que pretende operar a compensação com o crédito que também tem sobre aquele. II - Não é admissível reconvenção condicional ou subsidiária, para a hipótese de procedência da acção, libertando-se o réu, por meio de compensação, da obrigação que o vinculava ao autor, tendo ele negado a existência do crédito que este tinha sobre si. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 586/19.6T8VNG-A.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO. 1. B…, UNIPESSOAL, LDA, NIPC ………, com sede na Av. …, n.º …/…, Maia, propôs acção, sob a forma de processo comum, contra C…, S.A., NIPC ………, com sede na Travessa …, n.º .., freguesia de …, …. - … Vila Nova de Gaia, pedindo que seja esta condenada a pagar-lhe:a) a quantia de 400.000,00€; b) os juros moratórios vencidos até 18/1/2019, à taxa de 8%, no montante de 6.224,66€; c) os juros moratórios vincendos, até efectivo e integral pagamento, por incumprimento culposo da ré do contrato celebrado entre ambas a 19 de Setembro de 2016, pelo qual a autora se obrigou a desenvolver, por conta e no interesse da daquela, o negócio de implantação do supermercado “D…” no terreno com a área total de 10.660 m2, melhor identificado na planta anexa ao contrato constante dos autos. Contestou a acção a ré, pedindo a improcedência da acção. No mesmo articulado, acautelando a possibilidade de a acção proceder, deduziu reconvenção, condicional, contra a autora, pedindo que “condicionalmente, para a eventualidade de a ação ser julgada total ou parcialmente procedente, deverá ser julgado procedente o pedido reconvencional aqui formulado e ser declarado extinto qualquer direito de crédito da autora sobre a ré, na parte correspondente, mediante a compensação que aqui se invoca, com o crédito de valor superior que detém a ré contra a autora”. Na réplica a autora sustentou a inadmissibilidade da reconvenção, tal como foi deduzida pela ré. Em sede de audiência prévia, pronunciou-se a ré, advogando nenhum obstáculo existir quanto à invocação de compensação em sede de reconvenção condicional. Sobre a controversa questão foi no mesmo acto proferido o seguinte despacho: “2 – Da admissibilidade do pedido reconvencional. Em sede de réplica, veio a autora sustentar que a reconvenção formulada pela ré não é admissível, sustentando, para o efeito, que a reconvinte não pode alegar a compensação se nega a existência do crédito invocado pela ora reconvinda, compensação que, de qualquer forma, sempre seria ineficaz, uma vez que foi feita sob condição. A autora pronunciou-se sobre a invocada inadmissibilidade, nos termos supra expostos. Salvo melhor entendimento, a possibilidade de invocar a compensação, por via reconvencional, não se verifica no caso em apreço, dado que, como bem referiu a autora, a ré, por um lado, nega a existência do crédito que é peticionado no articulado inicial e, por outro, deduz uma pretensão a título reconvencional que pressupõe que o crédito anteriormente negado exista na esfera jurídica da reconvinda. Tal significa que estamos perante uma declaração feita a título condicional, o que acarreta a ineficácia da mesma, atento o disposto no art. 848º, nº 2, do Código Civil. Termos em que não se admite o pedido reconvencional deduzido, condenando-se a ré/reconvinte no pagamento das custas a que deu causa (sendo o valor, para este efeito, quatrocentos e seis mil duzentos e vinte e quatro euros e sessenta e seis cêntimos). 2. Não se conformando com o decidido, interpôs a ré recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões: 1 - Vem o presente recurso interposto do despacho proferido na audiência prévia de 16 de outubro de 2019 no qual o Mmo. Juiz do Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia não admitiu o pedido reconvencional formulado nestes autos pelo recorrente. 2 – A recorrente não se conforma com a decisão, e entende que a compensação invocada em reconvenção tem indubitavelmente enquadramento legal na situação em apreço, conforme espera demonstrar. 3- Conforme resulta de forma clara do posicionamento assumido pela ré, a compensação que pretende exercer nada tem de condicional ou eventual, na medida em que a mesma não está a ser exercida no momento processual em que a ré reconvém, momento esse no qual a ré não assume existir qualquer crédito da autora para consigo: a compensação é alegada através desse meio processual por forma a prevenir a eventualidade futura de existir uma decisão judicial contrária à sua pretensão, ou seja, que a condene a liquidar uma qualquer quantia à autora. 4- Verificando-se esse facto, nesse momento, é então exercida a compensação, que naturalmente não estará sujeita a qualquer condição ou termo, sendo antes exercida em toda a sua plenitude perante um crédito que o tribunal entendeu existir e ser exigível. 5 - Resumindo: condicional ou eventual é o meio processual utilizado para alegar a compensação – a reconvenção, e não a compensação propriamente dita. 6 - Como tal, não será de rejeitar o pedido reconvencional com base no normativo do art 848º, nº 2 do Cód. Civil, já que este que em nada colide com a reconvenção formulada pela ré, que não obstante seja formulada processualmente a titulo condicional (através do meio e no momento processual previsto na lei, a reconvenção – art 266º, nº 1 e 2 c) do CPC), contém em si mesma uma invocação de compensação, de natureza substantiva, que nada possui de incerto ou de condicional, tornando-se efetiva mediante a mera declaração de uma parte à outra ( art 848º do cod. civil) logo que o tribunal venha a entender existir um qualquer crédito da ré para com a autora, se tal suceder. 7 - Uma tal interpretação da natureza da compensação como a que resulta do entendimento do tribunal a quo inviabilizaria in totum toda e qualquer hipótese de compensação em situações em que o crédito do Autor constituísse matéria controvertida nos autos, quer porque a sua existência é impugnada pelo réu/reconvinte, quer porque este último invoca contra o autor uma qualquer exceção perentória (por exemplo, a prescrição) como forma de extinguir a sua obrigação. 8 - Tal subverteria o regime da compensação, cujo intuito primordial é o de simplificar a situação jurídica das partes, permitindo que ambas, naturalmente dentro das limitações previstas no art 847º do Cód. Civil, possam numa mesma ação judicial, efetuar o “acerto de contas” entre si, mediante a possibilidade concedida ao demandado de contrapor um outro crédito que possui contra o demandante como forma de extinguir, ainda que parcialmente, a sua própria obrigação para com este. 9 - A ser assim, nada mais restaria aos eventuais demandados nesta situação senão intentar a sua própria ação judicial, autónoma, por forma a exigir a totalidade do seu crédito, o que sempre levaria á proliferação de ações independentes, quer de natureza declarativa, quer executiva. 10 - A amplitude da liberdade concedida ao reconvinte tem como medida a liberdade concedida ao autor na PI, pelo que este tipo de reconvenção não pode ser rejeitada com o fundamento de que para formular um pedido compensatório a ré teria que previamente assumir a existência de um crédito da autora já que «No exercício do pedido reconvencional goza o réu da mesma liberdade que a lei concede ao autor. Pode, pois, deduzir pedidos alternativos, subsidiários, cumulados, líquidos ou ilíquidos.» (Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol.I, p.176) 11 – A subordinação da compensação á existência de um crédito do autor não é mais do que a consequência do próprio regime da compensação, já que o exercício da compensação, em qualquer caso, está sempre dependente da existência da existência de um crédito do Autor 12 - Por isso, não estamos a falar de condição do exercício da compensação, mas de um requisito da mesma: se inexistirem os dois créditos em confronto, não é a declaração de compensação que os vai criar. (vide Prof Vaz Serra, in Compensação ( no Boletim do Ministério da Justiça, no 31 pág 186 e seguintes) e, também neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado Volume II, 4ª edição, Coimbra Editora, pág 136, em anotação ao art 848º ponto 5 e Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume II, 7ª edição, Almedina, pág. 215, vide ainda no sentido aqui propugnado, a fundamentação patente no voto de vencido do Cons. Mário Brito ao decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no Ac. de 10/2/1983 BMJ-324, pag. 513 a 516 e Prof. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II Direito das Obrigações, Tomo IV, Almedina, 2010, a pag. 471, nota 1152, e Prof. Menezes Cordeiro em Da Compensação no Direito Civil e no Direito Bancário, Almedina, 2014 - reimpressão da edição de Maio de 2003- pags. 133, nota 314.) 13 - Ainda contra o entendimento plasmado no despacho recorrido há que atender á circunstância de que, na prática, sendo inacessível à ré, em sede de ação declarativa, a invocação de compensação mediante reconvenção, a mesma compensação sempre seria invocável em sede de oposição à execução da sentença que viesse a condenar a ré nos termos peticionados pelo autor – art 729 h) do CPC. 14 - Tal solução, não obstante processualmente díspar, já que remeteria o direito a compensar apenas para sede executiva, conduziria à mesma conclusão que é aqui retirada: a de que, no momento em que a compensação poderia ser exercida na execução, ou seja, apos uma eventual sentença que viesse a condenar a ré a pagar uma qualquer quantia ao autor, a ré teria ao seu alcance a invocação da compensação como meio de extinguir o crédito do autor sendo certo que, nesse momento, a compensação nada teria de incerto ou condicional sendo antes absolutamente eficaz, certa e determinada. 15 - Exatamente o mesmo que se poderá dizer nesta fase processual, em que – repise-se – a invocação da compensação é efetuada processualmente em reconvenção, como manda a lei, embora para ser exercida de facto no momento de uma eventual condenação da ré. Pelo exposto, deverá o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente deverá o despacho recorrido ser substituído por outro que admita a reconvenção formulada pela recorrente. Não foram apresentadas contra-alegações. Colhidos os vistos, cumpre apreciar. II. OBJECTO DO RECURSO. A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar a questão da admissibilidade de reconvenção condicional – acautelando a hipótese de a acção proceder -, na qual a reconvinte, que impugnando a acção, nega o crédito da autora, pretende que seja declarado extinto qualquer direito que esta possa ter sobre aquela, mediante compensação, que, para o efeito, invoca. III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. Os factos/incidências processuais relevantes ao conhecimento do objecto do recurso são os narrados da antecedente exposição introdutória.IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. 1. Da admissibilidade da reconvenção deduzida pela ré, aqui apelante.Demandou a autora a ré, pretendendo que, por via judicial, seja esta condenada a pagar-lhe a quantia de 400.000,00€ (além de juros moratórios vencidos e vincendos), invocando, para tanto, a existência de um crédito nesse montante decorrente do incumprimento culposo por parte da ré de um contrato celebrado por ambas as partes, que se encontra junto aos autos. Citada, contestou a ré, que, por impugnação, ao longo de extenso articulado nega a existência do crédito de que se arroga titular a autora, mas, em simultâneo, deduz “reconvenção condicional”, peticionando, a final que “condicionalmente, para a eventualidade de a ação ser julgada total ou parcialmente procedente, deverá ser julgado procedente o pedido reconvencional aqui formulado e ser declarado extinto qualquer direito de crédito da autora sobre a ré, na parte correspondente, mediante a compensação que aqui se invoca, com o crédito de valor superior que detém a ré contra a autora”. Alega, para o efeito, entre o mais, que, em virtude do comportamento, que qualifica de culposo, da autora, “...sofreu uma perda patrimonial que se quantifica mediante a diferença entre a situação que existiria não fosse a atuação danosa – projeto inicial com lotes com um valor global de 12.885.000€ - e a situação existente – projeto alterado em função do Hotel, com lotes com um valor global de 10.590.000€” – artigo 124.º -, “sendo a diferença entre a situação atual e a que existiria caso não tivesse existido lesão a de 2.295.000€ será essa a medida do prejuízo da ré, e deverá nessa medida ser indemnizada pela autora” – artigo 125.º da contestação/reconvenção. Segundo a ré/reconvinte, em virtude da alegada obrigação indemnizatória da autora, é aquela titular de um crédito sobre a segunda de valor superior ao reclamado pela mesma na acção que propôs, “assistindo-lhe, por isso, ao direito a invocar a compensação de créditos, por forma a extinguir, na parte correspondente, qualquer eventual crédito a favor da autora que venha a resultar da procedência desta ação” – artigo 126.º -, informando ainda que “exercendo a compensação apenas na parte correspondente ao crédito em abstrato que possa vir a ser atribuído à autora, e naturalmente apenas no caso de procedência da ação a ré reserva-se o direito a exigir, em ação autónoma contra a autora, o remanescente do valor do seu crédito” – artigo 127.º. A compensação constitui uma causa extintiva das obrigações, distinta do cumprimento das mesmas: artigo 847.º do Código Civil. Trata-se de “uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, como sub-rogado dele, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor. Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida, o compensante realiza o seu crédito, por uma espécie de acção directa”[1]. Dispõe o artigo 848.º, n.º 1 do mencionado diploma que “a compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra”. Ao longo dos tempos tem-se debatido, essencialmente na doutrina,[2] a questão de se saber se a compensação deve sempre ser invocada sob a forma de pedido reconvencional , ou se apenas deve revestir esta forma quando o montante da dívida invocada pelo réu exceda o valor peticionado pelo autor e aquele pretenda que o autor seja condenado no pagamento às diferença. A compensação deve, naturalmente, ser invocada em pedido reconvencional sempre que o contra-crédito, alegado pelo réu, tenha valor superior ao do débito que tem para com o autor e o réu pretenda a condenação daquele na diferença ou quando, sendo ilíquido o contra-crédito, o réu pretenda que na acção sejam efectuadas as operações necessárias à sua liquidação. A terceira hipótese configura-se para o caso de o contra-crédito ter valor igual ou inferior ao crédito reclamado peio autor: nesta situação, “a compensação constitui um meio processual (de defesa) sui generis, de natureza mista, híbrida ou heterogénea. Por um lado, no que toca à sua estrutura, a compensação traz ao conhecimento, apreciação e julgamento do tribunal uma relação jurídica nova, distinta da relação material invocada pelo autor, e que apenas tem de comum com ela a identidade dos sujeitos; por outro lado, essa relação é funcionalmente invocada apenas com o fim de repelir, no todo ou em parte, a pretensão deduzida pelo autor. No primeiro aspecto, a compensação assemelha-se à uma nova relação material, embora conexa com a que serve de base pedido formulado pelo autor; no segundo aspecto, a compensação identifica-se com a excepção peremptória, que também visa somente obter a improcedência total ou parcial da acção”[3]. Entendeu o Supremo Tribunal de Justiça que “a exigência do expediente da reconvenção para obter a compensação pura e simples representaria um formalismo inútil e aberrativo do princípio geral estabelecido nos artigos 487º e 489º do Código de Processo Civil, que dispensam da dedução do pedido reconvencional a invocação de quaisquer excepções peremptórias”[4]. Dispõe actualmente o artigo 266.º do Código de Processo Civil: 1 - O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor. 2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos: a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa; b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter. [....] Apesar da preocupação espelhada no normativo em causa quanto à clarificação da controvérsia relativa à forma de processualmente operar a compensação – por meio de reconvenção ou por via de excepção -, ainda hoje não se alcançou entendimento uniforme quanto à questão em causa. Segundo E…[5] “…veio impor-se ao réu que pretenda tão só opor uma exceção material, para obstar à procedência do peticionado pelo autor, que o faça numa autónoma petição de reconvenção. Lateralmente, a compensação passaria a ser assim a única exceção perentória que ainda merece réplica, ao abrigo do art. 584º, nº 1. Todavia, supomos que continua a estar no âmbito da disponibilidade do réu pretender o reconhecimento de um crédito para obter compensação. Se ele não pretender esse reconhecimento, pode deduzir a compensação, sem valor de caso julgado, nos termos do art. 91º”. Já Lebre de Freitas[6] sustenta, por sua vez: ”Daqui se retirará que o réu passou a ter, no caso da compensação, o ónus de reconvir, formulando pedido de mera apreciação da existência do contra-crédito, com base no qual pode fazer valer, em exceção, a extinção do crédito do autor.” A questão de cuja equação se ocupa este recurso é, no entanto, a de saber se pode a ré invocar a compensação por via de reconvenção, a título condicional ou subsidiário, negando a existência do crédito de que a autora sobre ela se arroga titular. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.09.2010[7] responde peremptoriamente a tal questão: “...quem pretende liberar-se de uma obrigação com recurso à compensação tem necessariamente de admitir a preexistência de um crédito por parte daquele a quem se acha juridicamente vinculado e tornar essa compensação efectiva através de uma declaração deste último. Ora, o recurso à compensação, enquanto excepção dilatória, postula, como sucede no direito substantivo, o reconhecimento de um crédito, a confrontar com um contra-crédito, pelo que o reconvinte não pode alegar a compensação se nega a existência do crédito invocado pelo reconvindo”. Igualmente o longínquo acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça de 10.02.1983[8] já então sustentava que “A pessoa que pretende liberar-se ou desobrigar-se, pelo recurso à compensação, tem, necessariamente, de admitir a preexistência de um crédito por banda daquele a quem se acha juridicamente vinculado.” E acrescentava: “O declarante tem de admitir que se encontra obrigado para com outrem, procurando desvincular-se ou desobrigar-se e opondo o seu crédito”. Não acolheu unanimidade o decidido no referido acórdão, tendo o Conselheiro Mário Brito, em voto de vencido que subscreveu, defendido entendimento convergente com a admissibilidade da invocação a título subsidiário ou eventual, posição que o Prof. Menezes Cordeiro[9] veio a reputar de “adequada”. O mencionado voto de vencido adere à posição defendida pelo Prof. Vaz Serra, no Estudo que elaborou enquanto Presidente da Comissão encarregada de preparar o Projecto de Novo Código Civil, e ao Prof. Antunes Varela, nas suas “Das Obrigações em Geral”. No referido estudo, publicado no BMJ nº 31, de 1952, a págs. 13 a 210, em que o autor expõe os fundamentos do entendimento que perfilha, convocando idênticas opções de outros ordenamento jurídicos de então, chega o mesmo a propor a inclusão de um artigo 18.º, epigrafado de “Compensação em Juízo, Compensação eventual” com um n.º 6 com a seguinte redacção: ”Pode uma das partes declarar em juízo ou fora dele a compensação para o caso de existir o crédito da outra parte ou de não serem procedentes as excepções invocadas contra ele…”. O Prof. Antunes Varela[10], amparando-se no mesmo Estudo do Prof. Vaz Serra, também admite que “Isso não obsta, porém, a que a compensação possa ser invocada apenas subsidiária ou eventualmente no processo”. Porém, aquela proposta legislativa do Prof. Vaz Serra, que ficou vertida no Anteprojecto do Novo Código Civil - artigo 479º-4 da Proposta reduzida e artigo 668º-5 da Proposta extensa - , foi eliminada logo na 1.ª Revisão Ministerial do Anteprojecto que, eliminando as excepções previstas no artigo 665,º-3 da Proposta extensa para o caso de compensação feita sob condição, determinou no artigo 831.º-2 que “A declaração é ineficaz, se for feita sob condição ou a termo”. E a 2ª Revisão Ministerial manteve a eliminação da compensação eventual e fez constar um artigo 848º-2, onde dispõe que “A declaração é ineficaz, se for feita sob condição ou a termo”, redacção que tem actualmente consagração no Código Civil. Do exposto parece assim resultar que o legislador optou claramente por não verter em letra de lei a proposta do Prof. Vaz Serra, indo mesmo mais longe, proibindo expressamente a declaração de compensação feita sob condição, até sem a escapatória prevista no artigo 665º-3 da Proposta extensa do Anteprojecto, ou seja, que a declaração de compensação feita sob condição é ineficaz a não ser que “não deem lugar a uma insegurança na situação jurídica da outra parte que prejudique os legítimos interesses desta…”. Na previsão do artigo 847.º do Código Civil, a compensação mais não é do que uma forma de extinção das obrigações, quando o devedor também dispõe de um crédito sobre o seu credor. Sendo ambas as partes, reciprocamente, credor e devedor, operando-se a compensação – que, em linguagem corrente, traduz um “encontro de contas” – permite ao compensante, quando demandado ou interpelado para cumprir, exonerar-se do seu débito através da realização do seu crédito. Como destaca o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.01.2011[11], “Na sua essência, está a economia de meios jurídicos não obrigando por força de uma fonte obrigacional a uma prestação que teria, mais tarde, de ser repetida, por força de outra obrigação. O legislador substantivo contempla a compensação legal que não é automática (por não operar “ope legis”) mas sempre potestativa (tem de haver declaração de vontade, ou pedido, para compensar, como resulta do n.º 1 do artigo 848.º do Código Civil)”. Sendo requisitos da compensação a exigibilidade judicial do contra crédito sem que contra ele proceda excepção peremptória ou dilatória, de direito material e terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade[12], a montante terão sempre de ser considerados os pressupostos da validade do crédito principal e da reciprocidade creditícia. Ora, negando o compensante o crédito da parte activa na acção, jamais poderá contra ela fazer valer o contra-crédito, através do instituto da compensação que, como se disse, pressupõe, antes de tudo, a reciprocidade de créditos. Aliás, é, no mínimo, incongruente, no caso dos autos, a posição sustentada pela ré que, afirmando peremptoriamente nada dever à autora, não tendo qualquer obrigação para com ela, venha, a final, para o caso de eventual procedência da acção, peticionar que a totalidade do crédito reclamado pela parte activa na acção seja compensado pelo crédito de que a ré se arroga também titular sobre aquela, extinguindo-se, por via da compensação, a obrigação que tinha para com a primeira. Como precisa a decisão sob recurso, “...a possibilidade de invocar a compensação, por via reconvencional, não se verifica no caso em apreço, dado que, como bem referiu a autora, a ré, por um lado, nega a existência do crédito que é peticionado no articulado inicial e, por outro, deduz uma pretensão a título reconvencional que pressupõe que o crédito anteriormente negado exista na esfera jurídica da reconvinda. Tal significa que estamos perante uma declaração feita a título condicional, o que acarreta a ineficácia da mesma, atento o disposto no art. 848.º, n.º 2, do Código Civil”. Sendo o momento subsequente à dedução da reconvenção o processualmente ajustado para se indagar acerca da sua admissibilidade, é nesse quadro temporal que, fundando-se a reconvenção em compensação invocada pela reconvinte, se aquilatará se estão verificados os respectivos pressupostos, designadamente a reciprocidade de créditos. A parte que é demandada por quem afirma ter sobre ela um crédito - que, por via judicial, pretende ver satisfeito -, poderá, por meio de reconvenção, extinguir a obrigação que tem para com a demandante, desde que contra ela tenha um contra-crédito, declare pretender operar a compensação, o que, naturalmente, pressupõe a existência do crédito do lado activo. A formação do juízo liminar acerca da reconvenção não pode ser diferida para ulterior momento, de forma a que, conhecido o mérito da causa, e procedendo a pretensão da autora, reconhecendo-se ser ela afinal titular de um direito de crédito sobre a demandada, apesar de negado por esta, venha então a concluir-se estarem reunidos os requisitos da admissibilidade da reconvenção deduzida com fundamento na invocada compensação. Ou a ré aceita que a autora tem sobre si um direito de crédito, podendo, nesse caso, deduzir contra ela reconvenção, operando, através dela, a compensação para extinguir a obrigação que tem para com aquela, desde que reunidos os demais pressupostos, ou, negando o crédito, não poderá formular, subsidiariamente ou sob condição, pedido reconvencional de modo a operar a compensação para o caso de a pretensão da autor vir a obter vencimento. Embora haja jurisprudência que reconheça que “a reconvenção pode ser deduzida condicionalmente para a hipótese de procedência da acção, sendo nela admissível a dedução de pedido subsidiário”[13], a mesma versa sobre casos distintos, não estando em causa reconvenção deduzida com fundamento em compensação. Improcede, assim, o recurso, confirmando-se o despacho recorrido que não admitiu a reconvenção deduzida pela ré. * ..........................................................Síntese conclusiva: .......................................................... .......................................................... * Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, em, julgando improcedente a apelação, confirmar a decisão recorrida.Custas: pela apelante. Porto, 18.06.2020 Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária. Judite PiresAristides de Almeida Francisca Mota Vieira __________________ [1] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. II, pág. 117. [2] Nomeadamente, Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 3.ª ed., II, pág. 179 e segs.; Vaz Serra, RLJ, ano 109.º, págs. 145 e segs. [3] Pires de Lima/Antunes Varela, ob. cit. Pág. 121; também neste sentido, Manuel de Andrade, “Noções Elementares…”, pág. 130 [4] Acórdão de 4.04.78, RLJ, ano 111º, pág. 323. [5] “Notas ao Código de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1.ª ed., 2014, pág. 168. [6] “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora, 3.ª ed., 2014, Vol. I, pág. 522. [7] Processo nº 652/07.0TVPRT.P1.S1, www.dgsi.pt. [8] BMJ-324, págs. 513 a 516. [9] “Tratado de Direito Civil Português”, II Direito das Obrigações, Tomo IV, Almedina, 2010, pág. 471, nota 1152 e “Da Compensação no Direito Civil e no Direito Bancário”, Almedina, 2014 - reimpressão da edição de Maio de 2003- págs. 133, nota 314. [10] “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, Almedina, 3.ª ed., pág. 179. [11] Processo n.º 2226/07 – 7TJVNF.P1.S1, www.dgsi.pt. [12] Artigo 847.º, n.º 1 do Código Civil. [13] Entre outros, acórdãos da Relação do Porto de 22.02.2011, processo n.º 1765/09.0TBVNG-A.P1; de 21.11.2019, processo n.º 1414/18.5T8PVZ.P1, ambos em www.dgsi.pt. |