Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
687/24.9T8AVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RP20240710687/24.9T8AVR-A.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A alegação da possibilidade de se adoptar um procedimento negocial mais favorável a uma das partes, num negócio de aquisição do remanescente do capital social de uma sociedade, bem como de virem a poder ser aplicados critérios de determinação do preço de aquisição com um desconto pré-determinado, em consequência da declaração de verificação de determinada condição, é suficiente para consubstanciar a alegação de dano apreciável, previsto como pressuposto da tutela cautelar de suspensão de uma deliberação social.
II - Nessas circunstâncias, não se justifica o indeferimento liminar do requerimento inicial da providência cautelar, por impossibilidade absoluta de se vir a ter por preenchido esse pressuposto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º 687/24.9T8AVR-A.P1Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Comércio de Aveiro - Juiz 3

REL. N.º 887
Juiz Desembargador Relator: Rui Moreira
1º Adjunto: Juíza Desembargadora: Lina Castro Baptista
2º Adjunto: Juiz Desembargador: João Proença
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1 - RELATÓRIO

A..., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA, NIPC ..., com sede na Avenida ..., ..., Lisboa, intentou o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, contra B... LDA, NIPC ..., com sede no ..., ..., Zona Industrial ..., pedindo que fosse suspensa a execução das deliberações sociais tomadas na assembleia geral da sociedade requerida realizada no dia 19/01/2024, onde foi deliberado:
(i) a destituição, com justa causa, de AA do cargo de CEO (“Chief Executive Officer”) da Sociedade, com fundamento em comportamentos de assédio moral aos trabalhadores da Sociedade; e
(ii) a revogação do contrato de mandato celebrado no dia 21 de outubro de 2021 entre a Sociedade e AA, que é titular único do capital social da Requerente.
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O procedimento cautelar foi indeferido liminarmente.
Afirmou a decisão liminar agora sob recurso que “Como a generalidade das providências cautelares, a aplicação da suspensão das deliberações exige, assim, a verificação de dois requisitos essenciais: a) o tradicionalmente designado pelo fumus boni juris, ou seja, a aparência suficiente da titularidade do direito que, no caso, reside na qualidade de sócio, e b) o apelidado pela doutrina de periculum in mora, que radica na criação, ou forte possibilidade de tal acontecer, de perigo para os bens jurídicos a defender se a decisão aguardar o decurso da acção comum destinada a declarar a nulidade ou anulabilidade das deliberações.
Ora, é neste segundo requisito que se enquadra a exigência legal, acima referida e extraída da parte final do art. 380.º/1 do CPC, de que o requerente mostre que a execução das deliberações pode causar dano apreciável.”
Sucessivamente, considerou que “Todavia, se bem pensamos, os factos alegados pela Requerente são claramente insuficientes para caracterizar o referido dano apreciável.”
Assim, depois de o justificar, o tribunal concluiu “…que de nada adiantaria a produção de prova sobre os factos alegados na petição inicial, pois em qualquer caso isso não alteraria a inviabilidade da providência requerida, por não terem sido invocadas circunstâncias de facto capazes de demonstrar, em concreto, que as deliberações possam causar prejuízo significativo à Requerente ou à sociedade Requerida.”
Impugnando esta decisão, veio A..., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA, interpor recurso de apelação, que concluiu nos seguintes termos:
“A. O Tribunal a quo entendeu, na análise do periculum in mora, que não foram alegados factos que permitissem concluir sobre a necessidade do recurso ao procedimento cautelar.
B. Em primeiro lugar, entendeu que a Recorrente não alegou nenhum facto levaria a crer que a C... pudesse exercer um direito de aquisição antecipada das participações sociais detidas pela Sociedade Recorrente na Sociedade Recorrida.
C. No entanto, fez uma interpretação errada do requerimento apresentada, de onde resulta alegada a possibilidade de a C... exercer o direito de compra antecipado (cfr. artigos 20.º, 58.º, 59.º e 60,º do requerimento inicial).
D. Tal possibilidade pode ser aferida com bastante clareza pela leitura do Anexo 5.2 do Acordo Parassocial junto como documento 5 ao Requerimento inicial).
E. Do referido documento resulta que, caso AA deixe de exercer um cargo na Recorrida, a C... ficará possibilitada a (i) adquirir antecipadamente a totalidade das participações detida pela Recorrente na Recorrida; (ii) a um peço substancialmente inferior.
F. A proposta apresentada no dia 11/12/2023 pela C... à Recorrente era isso mesmo: uma proposta de aquisição das participações sociais, nada contendo com qualquer exercício do direito de executar as promessas de venda das participações sociais, até porque, nessa data, os requisitos para a venda antecipada não estavam cumpridos.
G. A C..., após o prazo para apresentação do procedimento cautelar, enviou à Recorrente uma carta explicando que, no seu entendimento, estão reunidos os requisitos necessários ao exercício da opção de compra antecipada das participações sociais, documento que, dada a relevância, se requer a sua junção.
H. Não há, por isso, dúvidas que o requisito do periculum in mora está cumprido, sem prejuízo, se se entender que a Recorrente não concretizou os factos necessários à apreciação da causa, então caberia ao Tribunal a quo convidar a Recorrente ao aperfeiçoamento. Não o fazendo, violou um dever legalmente exigido, pelo que a decisão padecerá de nulidade, o que se invoca.
I. Num segundo momento, o tribunal a quo entendeu que a Recorrente não alegou a situação económica e patrimonial da Recorrida, para este, condição de aferição da existência de dano.
J. Não se concede tal entendimento. O perigo de espera pelo decorrer da acção principal concretiza-se na aquisição antecipada da totalidade do capital social a um preço reduzido, não podendo nem devendo ser levada em consideração a maior ou menor solvabilidade da Recorrente.
K. Ademais, sendo uma redução do preço e não uma obrigação de pagamento, a Recorrente sempre terá dano, independentemente do maior ou menor efeito dessa redução na sua tesouraria.
L. Sem prejuízo, uma vez alegado, mas (supostamente) não concretizado, sempre deveria o Tribunal a quo ter convidado ao aperfeiçoamento, não o fazendo, padece de nulidade a sentença, o que se invoca.
M. Em terceiro lugar, o Tribunal a quo entende que não foi concretizado o risco de AA deixar de exercer funções de CEO, sendo substituído por uma nova trabalhadora.
N. Refuta-se tal conclusão uma vez que, no que respeita à primeira parte da alínea anterior, aqueles factos foram alegados e consubstanciados (cfr. artigos 105.º e 109.º do Requerimento Inicial).
O. Quanto à segunda parte, sendo a nova trabalhadora só agora contratada, apenas através dos meios de prova se poderia aferir da sua (in)competência.
P. Por último, o Tribunal a quo entende que nada leva a crer que a C... fará uma gestão ruinosa da Sociedade Recorrida.
Q. Não se aceita tal entendimento pelas seguintes razões (i) o preço de venda das participações detidas pela Recorrente é calculado em função dos resultados obtidos pela Sociedade Recorrida – pelo que a C... tem todo o interesse que estes não sejam os melhores; (ii) o grupo C... é cliente da Sociedade Recorrida (cfr. artigo 104.º do Requerimento inicial) tendo, por isso, todo o interesse em diminuir o preço de aquisição dos bens e, consequentemente, as margens da Sociedade Recorrida.
R. Pelo exposto, cumpridos que estão os requisitos dos artigos 380.º e ss do CPC, deverá a decisão ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos.
S. Caso assim não se entenda, deverá a decisão ser revogada e substituída por outra que convide a Recorrente ao aperfeiçoamento, nos termos da alínea b) do n.º 2 e do n.º 4 do artigo 590.º do CPC, e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 195.º do mesmo diploma, nulidade que aqui se argui.
Nestes termos, e nos melhores de direito, que vossas excelências doutamente suprirão, deverá o recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, ser revogada a sentença “a quo”, com as demais consequências legais.”
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A requerida, citada para os termos da providência cautelar e para os termos do recurso, ofereceu resposta, defendendo a confirmação da decisão recorrida.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e feito suspensivo.
O tribunal recorrido rejeitou a ocorrência da nulidade arguida.
Cumpre decidir.
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Importa, todavia, ainda antes da apreciação do mérito do recurso, decidir do requerimento de oferecimento de um documento que a apelante pretende que acompanhe as suas alegações de recurso.
Tal documento, oferecido a 19/2/2024, é constituído por uma carta dirigida pela C... à requerente, ora apelante, e a AA, conferindo-lhe a apelante, nos termos do presente recurso, uma interpretação tendente a sustentar a sua tese quanto à motivação daquela C... que estaria na origem das deliberações cuja suspensão se pretende.
Acontece, porém, que apesar de tal carta ser aparentemente ulterior à data da entrada do procedimento cautelar em juízo, o que tornaria a sua junção aos autos admissível em face do disposto nos arts. 651, nº 1 e 425º do CPC, este acto é impertinente e inadmissível na situação sub judice.
Com efeito, não pode pretender-se, por via de um acto de natureza instrutória como é o caso, aditar-se qualquer factualidade ao processo. A adição factual de elementos novos e complementares de outros que integrem a causa de pedir só pode ter lugar por via do expediente previsto no art. 5º, nº 2, ou por via de articulado superveniente, nos termos do art. 588º, ambos do CPC.
Nenhuma das hipóteses é admissível, neste caso, em que o recurso é interposto de uma decisão de indeferimento liminar.
A não ser vocacionado para o complemento da factualidade alegada, então o documento teria uma natureza verdadeiramente instrutória.
Porém, o objecto do recurso não é constituído pelo apuramento da realidade de qualquer dos factos anteriormente alegados, mas sim pela aferição da suficiência da alegação. Ou seja, não cabe, nesta fase, fazer prova – designadamente através da junção de um documento - de qualquer facto alegado, pois que o recurso tem apenas por objecto decidir se os factos alegados serão suficientes –admitindo-se que poderão ser demonstrados ulteriormente, pois que se o não forem isso já será uma questão de mérito do procedimento – para o preenchimento da norma que prevê a tutela cautelar pretendida.
Assim sendo, a produção de prova, nesta fase de recurso e atento o seu objecto, é inútil, o que exclui a admissibilidade do documento oferecido, em face do disposto no citado art. 651º nº 1, do CPC.
Em conclusão, rejeita-se a admissão do documento cuja junção foi requerida em 19/2/2024.
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2- FUNDAMENTAÇÃO

Não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
No caso, cabe decidir se foram alegados factos adequados ao preenchimento dos requisitos de priculum in mora e da eventualidade de um dano apreciável para a requerente, imprescindíveis para a tutela cautelar pretendida; em caso de resposta negativa, se cabia ao tribunal convidar o requerente ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, incorrendo em nulidade da decisão, por omissão desse convite; se a condição económica da requerida é indiferente para a identificação do eventual dano e se, em caso de tida por necessária, deveria o tribunal ter convidado a requerente a aperfeiçoar a sua alegação, incorrendo em nulidade por não o ter feito; se a requerente não alegou o perigo de uma gestão ruinosa da requerida, como causa para um eventual dano para o requerente.
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Dispõe o art. 380º, nº 1 do CPC: “Se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.”
É recorrente apontarem-se três requisitos para o deferimento da providência em causa: (1) ser o requerente sócio da sociedade que a tomou; (2) ser essa deliberação contrária à lei ou ao pacto social e (3) resultar da sua execução dano apreciável (ex: ac. do TRC de 6/11/2011, proc. nº 158/10.0T2AVR-A.C2).
Na situação em apreço, o indeferimento liminar do procedimento cautelar foi referido àquele terceiro requisito. Quanto a ele, refere o mesmo acórdão: “A exigência legal de demonstração de que a execução da providência pode causar “dano apreciável” reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade. O “dano apreciável” não é toda ou qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da acção de anulação, pois a providência cautelar visa prevenir o “periculum in mora”, ou seja, acautelar a utilidade prática da sentença de anulação da deliberação social contra o risco da duração do respectivo processo. O “dano apreciável” tanto pode referir-se a danos morais, como a danos patrimoniais, sejam eles da sociedade ou dos sócios.”
Em qualquer caso, como se refere noutro acórdão do mesmo TRC, de 09-11-2021 (proc. nº 857/21.1T8ACB.C1, em dgis.pt) “O dano apreciável é aquele que não sendo insignificante, irrisório, também não é grave e dificilmente reparável.”
Na situação sub judice, não está ainda em causa averiguar se a deliberação que destituiu AA do cargo de CEO da B... LDA e revogou o contrato de mandato com ele celebrado é susceptível de gerar um dano apreciável para a requerente A..., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA (sócio da requerida), caso seja imediatamente executada e se mantenha durante o tempo que possa durar a acção tendente à anulação dessa mesma deliberação. Apenas está em causa descortinar se o requerimento inicial identificou a probabilidade de ocorrência de factos que venham a consubstanciar um tal dano apreciável, ou, pelo menos, se a tal aludiu em termos que justifiquem uma oportunidade de complementação do alegado.
Procura-se, em suma, a razão invocada para se suspender a deliberação que destituiu AA do cargo de CEO da B..., devendo ela ser constituída pela alegação de factos dos quais resulte que o seu afastamento dessas funções de CEO, até que seja decidida a acção de anulação da mesma deliberação, pode causar um dano apreciável à requerente A..., sócia da B..., ou à própria B....
Analisando o teor do requerimento inicial, vejamos o que a esse propósito foi alegado:
Art. 20º: a C... (sócia da B... com 55% do capital, o qual é detido, nos restantes 45%, pela requerente) tem como fim último diminuir o poder negocial da Requerente no processo de aquisição do capital social da B..., ao abrigo das promessas de vendas acordadas e do processo de venda acelerada previsto;
Art. 21º: com as deliberações, a C... pretendeu resolver o contrato que permitia a AA determinar o curso dos negócios da B...;
Art. 28º: no próprio dia das deliberações – 19/1/2024 - os gerentes nomeados pela C... cortaram o acesso de AA à sua caixa de correio electrónica institucional e poucos dias depois, pretenderam que o mesmo entregasse a viatura da empresa que lhe está destinada
Art 31º: foram substituídas as fechaduras das instalações da Requerida (quer da parte da produção, quer da parte administrativa, com o propósito de que AA não pudesse aceder às mesmas;
Arts. 34º a 37º: substituição de AA por BB, para exercer as funções de Directora Geral, com as funções ali descritas;
Arts. 50º a 55º: acordo parassocial e seus anexos (alegação documental) de venda à C..., a longo prazo, da totalidade do capital social da B... que ainda detém (45%), nos termos do qual o preço a pagar pela LMVH à Requerente depende do desempenho empresarial que a B... tenha no momento em que as opções de compra e / ou de venda sejam exercidas, em razão do que AA tem interesse em continuar “a controlar e a determinar, nos termos acordados no pacto social e no acordo parassocial, os destinos da Requerida”.
Arts. 58º a 67º: a motivação da deliberação consubstancia uma situação de “Má Saída” que, nos termos do Anexo 5.2 do Acordo Parassocial permitirá à C... adquirir as participações da Requerida com um desconto significativo (20%, 25% ou 30%) sobre o “Valor de Mercado da Acção sob Promessa de Venda de Saída”.
Arts. 68º a 77º: proposta da LMVH de aquisição dos 45% de capital por 15 milhões de euros, contra a avaliação da requerente, de 48 milhões de euros.
Arts. 101ª a 108º: relevância da actividade de AA para o crescimento da B....
Art. 109º: o afastamento de AA colocará em risco “esta trajectória” da B....
Art. 112º: Se a B... “diminuir o seu desempenho, o valor a pagar à Requerente pelas promessas assumidas nos acordos atrás juntos será menor”.
A restante matéria articulada no requerimento inicial respeita à arguição da invalidade das deliberações impugnadas, por nulas ou anuláveis, não respeitando já à concretização do pressuposto do procedimento cautelar de que nos ocupamos.
Atentando na decisão recorrida, nas alegações da apelante e na resposta da apelada, identificam-se três ordens de razões em função das quais a apelante sustentaria a justificação para a suspensão das deliberações em questão:
1ª- A referente à aquisição dos 45% da B... detidos pela requerente;
2ª- A referente à relevância dos termos desse negócio para poder redundar numa lesão relevante para a situação económica da requerente, situação esta que não é minimamente ilustrada, pelo que é impossível concluir que aquela relevância seja negativa e apreciável;
3ª- A referente ao efeito que a saída de AA da direcção dos destinos da B... pode provocar na trajectória económica, financeira e comercial desta.
No que respeita à 3ª ordem de razões, só pode concordar-se com a decisão recorrida.
Com efeito, a esse propósito, a requerente, nos arts. 101 a 109º e 112º do requerimento inicial, limitou-se a alegar a importância de AA para o crescimento da actividade e do próprio valor da B..., mas nada de factual e concreto alegou que possa sustentar a sua conjectura de que a sua substituição nas funções que exercia irá conduzir, com um mínimo de probabilidade, a uma evolução negativa da empresa. Não referiu minimamente actividades que possam será abandonadas, negócios que possam ser perdidos, custos que hajam de ser incrementados, resultados que venham a ser diminuídos. De resto, isso é mesmo evidenciado pelos conceitos quase abstractos e absolutamente conclusivos de que lança mão, para invocar o que se lhe afigura poderá vir a ser um dano: o de “trajectória” e o de “desempenho”.
Tal como o entendeu o tribunal recorrido, esta alegação de um eventual decréscimo do valor da requerida, por privação dos serviços de AA enquanto CEO da B..., é tão absolutamente desprovida de factualidade que consubstancie a causa de pedir, nessa parte, que não tem fundamento a prolação de um convite ao respectivo aperfeiçoamento, como se da necessidade de mera complementação de uma alegação insuficiente se tratasse, tal como dispõe a al. b) do nº 2 do art. 590º do CPC.
Com efeito, da alegação da requerente, na parte em questão, não ressuma mais do que uma conjectura, uma apreciação subjectiva da importância de AA para a condução da actividade da B..., para justificar a afirmação de que a sua ausência irá prejudicar essa mesma actividade e os seus resultados.
Assim, para além de tal afirmação subjectiva e conclusiva, nada mais consta que possa levar à conclusão de que a ausência de AA redundará num dano apreciável para a própria B....
Em consequência, temos por insusceptível de crítica a decisão recorrida, na parte em que indeferiu liminarmente a pretensão de tutela cautelar em razão de um tal fundamento.
Diferentemente, porém, a conclusão quanto à alegação de factos passíveis de resultar num dano apreciável para a requerente, da implementação imediata das deliberações impugnadas.
Com efeito, alegou a requerente que tais deliberações têm duas virtualidades: potenciar, nos termos do contrato, o desenvolvimento do processo de aquisição da parte do capital da B... detido pela A...., em condições mais vantajosas, por permitirem a determinação de um preço a pagar por valor inferior, entre 20% a 30%, àquele que que corresponderia ao “Valor de Mercado da Acção sob Promessa de Venda de Saída”.
Assim, alegou, no art. 20º do requerimento inicial, que a sua saída, nos termos em que resulta das deliberações, permitirá o recurso a uma solução prevista contratualmente, como “processo de venda acelerada”. E que, com a motivação dessa saída do cargo de CEO usada nas deliberações, subsumível à figura prevista no contrato de “Má saída”, permitirá a definição de um preço inferior, como referido, o que já fundou uma proposta de aquisição por valor inferior ao adequado (arts. 50º a 55º, 58º a 67º e 68º a 77º).
Ora, não cabendo aqui apreciar se os factos em causa estão demonstrados nos meios de prova já constituídos, ou sequer se são verosímeis, pois que isso será um juízo sobre o mérito da providência e não sobre a sua admissibilidade, o que cumpre reconhecer desde já é que os factos invocados são susceptíveis de configurar a figura de dano apreciável para a requerente, que é pressuposto da tutela cautelar e que a decisão recorrida declarou não identificar.
Por um lado, a possibilidade de as deliberações descritas poderem suscitar o recurso a um expediente de venda acelerada, e, por outro, a possibilidade de o preço de aquisição dos 45% da B... baixar 20%, 25% ou 30%,- segundo a alegação da requerente, consubstanciam de per si e sem mais – num negócio que já se indicia haverá de ascender, pelo menos, a 15 milões de euros – um dano apreciável para a alienante.
Com efeito, independentemente da condição económica da requerente, a possibilidade de realização de um tal negócio em condições tão menos favoráveis, como as que resultam da aplicação de um desconto nos termos referidos, constitui um óbvia hipótese de incursão num dano considerável.
Saber se, face ao contrato e à continuação de AA como gerente da empresa, mau grado a perda das funções executivas de CEO – como alega a apelada – inviabiliza o recurso ao processo de venda acelerada, bem como saber se as circunstâncias em causa permitem a referida redução de preço, ou que este não possa vir a ser desfavorável como vem alegado, é matéria que já será apreciada em sede de decisão de mérito da providência cautelar. Porém, o que releva no âmbito do presente recurso, é que essa matéria foi alegada e que, segunda a tese da requerente, é adequada a preencher o requisito do dano apreciável que está em análise.
Conclui-se, pois, que inexiste fundamento para o indeferimento liminar decretado, porquanto a matéria alegada, pelo menos no respeitante aos dois pressupostos que acabámos de analisar, é apta a permitir, em momento ulterior e sendo caso disso, o preenchimento do conceito de dano considerável exigido pelo art. 380º, nº 1 do CPC.
De resto, como é recorrente afirmar-se na jurisprudência, o indeferimento liminar de uma petição inicial apenas se mostra previsto para situações particularmente gravosas, nas quais não se mostram alegados de todo os factos essenciais que permitam a procedência do pedido formulado (cfr., entre muitos, o Ac. do TRE de 22/9/2022, proc. nº 956/22.2T8TMR.E1). Ora, como vem de afirmar-se, esse não é o caso dos autos.
Pelo exposto, na procedência da apelação, revoga-se o despacho de indeferimento liminar recorrido, devendo o processo prosseguir os seus termos, conforme for tido por adequado.
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Sumário:
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3 - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao presente recurso, com o que, revogam o despacho de indeferimento liminar proferido, determinando que o processo prossiga os seus termos segundo o que for tido por adequado.
Custas pela apelada.
Registe e notifique.
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Porto, 10 de Julho de 2024
Rui Moreira
Lina Baptista
João Proença