Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | EUGÉNIA PEDRO | ||
Descritores: | ONEROSIDADE DO PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA NULIDADE DE CLÁUSULA QUE PERMITE AO EMPREGADOR RENUNCIAR UNILATERALMENTE AO PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA ACORDADO NO CONTRATO DE TRABALHO | ||
Nº do Documento: | RP202406287224/21.5T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/28/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO SOCIAL | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I – O pacto de não concorrência tem natureza onerosa e bilateral; tem que prever o pagamento de uma compensação económica ao trabalhador destinada a compensá-lo pelo prejuízo que poderá sofrer pela limitação da sua liberdade de trabalho no período acordado. II – É nula e de nenhum efeito a estipulação que permita ao empregador por ocasião da cessação do contrato de trabalho renunciar unilateralmente ao pacto de não concorrência acordado no contrato de trabalho, por violação do princípio pacta sunt servanda, consagrado no art. 406º do C.Civil e da exigência legal de onerosidade do pacto de não concorrência prescrita no artigo 136.º, n.º 2, alínea c) do Código do Trabalho. (da responsabilidade da Relatora) | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Apelação-Proc. 7224/21.5T8PRT.P1 Juízo do Trabalho do Porto- J2 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório Na presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, em que é Autor AA, residente na Rua ..., Porto, e Ré A..., Lda.”, com sede na Estrada ..., ..., ..., o primeiro peticionou a condenação desta a pagar-lhe as seguintes quantias: a) €7.628,48, relativo a 13 meses de pagamento de compensação por pacto de não concorrência; b) Os restantes 11 meses de pagamento de compensação por pacto de não concorrência, de junho de 2021 a maio de 2022, pelo incumprimento por parte da ré de obrigação contratual, no montante de € 6.454,80; c) Juros quanto às quantias já vencidas e não pagas até efetivo e integral cumprimento das mesmas por parte da ré. Mais requereu que fosse decretada a nulidade do mecanismo contratual, introduzido no n.º 2 e n.º 3 da cláusula 18ª pela ré, não prejudicando a validade do pacto de não concorrência. A fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, o seguinte: - Em 5 de novembro de 2018 celebrou com a ré um contrato de trabalho a termo certo pelo período de 6 meses, para o exercício das funções correspondentes à categoria de Vendedor, grau III. - Na sua cláusula 18.ª, tal contrato previa um pacto de não concorrência, obrigando o autor a não desenvolver, prosseguir ou participar em qualquer atividade concorrente à prosseguida pela ré, por conta própria ou alheia, ao abrigo de um contrato de trabalho, contrato de prestação de serviços, desempenho de funções em cargos sociais societários ou de qualquer outro tipo contratual, por si ou por interposta pessoa, em Portugal ou em quaisquer países em que a ré desenvolva a sua atividade ou esteja a estudar, avaliar ou ponderar desenvolver, durante o período de 24 meses a contar da data da cessação do contrato de trabalho. Mais previa o n.º 2 de tal cláusula que após a cessação do contrato de trabalho, e se não prescindir da aplicação do pacto, a ré pagará mensalmente ao autor uma compensação equivalente a 60% da última retribuição base mensal do mesmo. Nos termos do n.º 3 “A primeira outorgante (Ré) poderá, no momento da cessação do contrato de trabalho, prescindir da aplicação do Pacto de Não Concorrência ou optar por alterar o período de vigência do pacto, podendo reduzir o tempo de vigência dentro do limite de 24 meses previsto no nº1”. Finalmente, prevê a referida cláusula, no seu nº 5 uma cláusula penal no montante de €50.000,00, em caso de incumprimento por parte do trabalhador. - Em 14/04/2020, a Ré decidiu não renovar o contrato de trabalho com o Autor, enviando-lhe carta para o efeito, informando-o da caducidade do contrato de trabalho em 04/05/2020. - O Autor conformou-se com a decisão da Ré de não renovação do contrato de trabalho a termo certo e aguardou o pagamento da remuneração mensal relativa ao último mês do contrato, abril, e de 4 dias do mês de maio 2020. - Na data de caducidade do contrato, nos dias que a antecederam, e nos dias e semanas seguintes não houve qualquer contacto ou reunião entre a Ré e Autor, nunca tendo a Ré abordado com o Autor a questão do pacto de não concorrência. - A Ré nunca prescindiu, assim, da aplicação do pacto de não concorrência. E, mesmo que o pretendesse fazer, não teria legitimidade para o fazer unilateralmente, pois que, apesar de a compensação pela não concorrência não revestir natureza retributiva, goza da proteção que a lei desenha para a retribuição do trabalho, gerando a sua estipulação expectativas legítimas que não podem ser ignoradas, pelo que não é razoável permitir que as mesmas possam ser unilateralmente frustradas pelo empregador. - O autor por email datado de 27/10/2020, interpelou a ré em virtude de não ter recebido ainda qualquer pagamento relativo à compensação mensal relativa a Pacto de Não concorrência. A tal email respondeu a ré, por email de 05/11/2020, escrevendo que: “como sabe, a A... LDA. prescindiu da aplicação do pacto de concorrência, pelo que nenhum valor é devido. Se assim não fosse, teríamos de ter contratualizado consigo tal opção, o que nunca ocorreu.” O autor insurgiu-se, enviando novo email, onde referiu detalhadamente que a obrigação de pagamento de compensação, durante 24 meses após a cessação do contrato de trabalho, relativa a pacto de não concorrência estava inserida no próprio contrato de trabalho, e era do conhecimento da Ré, a qual nunca havia revogado, recusado, prescindido ou alterado a dita cláusula, sendo que a mesma permaneceu sempre conforme descrita no contrato de trabalho outorgado em 05/11/2018. - O autor teve uma proposta, em 2020, após a cessação por caducidade, do contrato de trabalho que mantinha com a Ré, para desempenhar funções de vendedor ao domicílio, numa empresa concorrente da Ré, que opera no mesmo ramo, e nos mesmos territórios, com um salário base de €1.000,00 acrescido de comissões sobre as vendas, e teve que recusar essa proposta de trabalho, pois que se encontrava restringido pelo pacto de não concorrência. - A ré impediu o Autor, por meio de cláusula contratual de pacto de não concorrência a obter trabalho considerado concorrente com a sua área de intervenção, durante 24 meses, e bem sabendo que seria virtualmente impossível a sua obtenção de trabalho noutras áreas, tal era a especificidade da sua formação, know-how e experiência na área das vendas de aparelhos auditivos. - O autor nunca mais desenvolveu qualquer atividade profissional, nem por conta própria, nem por conta de outrem, nem concorrente da atividade desenvolvida pela Ré, e nem noutra área de negócios.´ Finalizou formulando o pedido acima enunciado. Realizou-se a audiência de partes, na qual estas não se conciliaram. Regulamente notificada, a ré contestou, impugnando parcialmente os factos alegados pelo A. e, por excepção, invocando a prescrição do direito de crédito peticionado nos autos e o abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, uma vez que o autor tomou uma posição em reunião final com a ré para, depois, vi alegar uma convicção contrária em juízo e, ainda, por ter mantido completo silêncio e inércia durante seis meses para vir depois fabricar uma interpelação relativa à compensação da não concorrência. Terminou, pugnando pela improcedência da ação. O A. respondeu à contestação. Fixou-se à causa o valor de € 14.083,20; foi proferido despacho saneador, no qual se afirmou a validade e regularidade da instância e foi dispensada a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova. Seguindo os autos os seus trâmites, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, no termo da qual foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “Por tudo quanto se expôs, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de € 10.224,00 (à razão mensal de €710,00 desde 04/05/2020), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data de vencimento de cada uma das prestações e até efetivo e integral pagamento. Custas por autor e ré, na proporção do vencimento-decaimento. Registe e notifique” * Inconformada com o decidido, a Ré apelou da sentença, terminando as suas alegações, com as seguintes conclusões que se transcrevem: 1. Vem a Recorrente interpor Recurso da sentença proferida pelo tribunal a quo, por não concordar com a mesma, nomeadamente quanto à matéria de facto dada como provada nos factos 20, 21, 22 e 28 da douta decisão, bem como nos factos m) e n) dados como não provados. 2. No demais, interpõe também recurso quanto à matéria de direito, nomeadamente quanto ao entendimento do douto tribunal a quo, relativamente à interpretação da norma de direito aplicável ao direito de renúncia, por parte da entidade empregadora, ao pacto de não concorrência, 3. E bem assim, quanto ao entendimento de que o Recorrido não actuou em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium. 4. No que concerne à factualidade dada como provada, determinou o douto tribunal a quo que se provou que a Recorrente nunca abordou, perante o Recorrido, a questão do pacto de não concorrência. 5. Sucede, porém, que pela prova testemunhal produzida nos autos, é vítreo que, pese embora as partes nunca tenham abordado expressamente a questão do pacto de não concorrência, sabiam e quiseram, prescindir do mesmo, aquando da caducidade do contrato de trabalho. 6. De facto, em Abril de 2020, entre a Recorrente e Recorrido, foi realizada uma reunião, na qual interveio a testemunha BB, e na qual foi expressamente, abordada a questão dos pagamentos devidos no âmbito do contrato de trabalho, nos quais, naturalmente, estavam incluídos os valores devidos pelo pacto de não concorrência. 7. Foi taxativamente transmitido na reunião havida que, após o apuramento dos valores devidos pela caducidade do contrato, nada mais o Recorrido teria a haver da Recorrente no âmbito da relação contratual existente. 8. Confira-se, a esse propósito, o depoimento da testemunha BB, aos minutos 00:18:30, 00:22:00 a 00:22:52 e 00:24:02 a 00:25:40 gravado no ficheiro áudio com a denominação 20220629104705_15948746_2871474. 9. Conspicuamente se conclui, do depoimento da testemunha BB, que o Recorrido compreendeu, perfeitamente, que nenhum outro valor lhe era devido (aqui incluída qualquer compensação devida pelo pacto de não concorrência), tendo liberdade para procurar outras oportunidades de emprego em qualquer lugar, nomeadamente em empresas concorrente, como aliás já o tinha feito anteriormente. 10. O que foi corroborado pela testemunha CC, ao minuto 00:03:08 a 00:03:29 e 00:05:31a00:06:23, gravado no ficheiro áudio com a denominação 20220629112127_ 15948746_ 2871474. 11. Tanto assim que ficou provado pelo douto tribunal a quo de que, até à comunicação de 27 de Outubro de 2020, não existiam razões para a Recorrente crer que o Requerido pretendia outra coisa que a não aplicação do pacto de não concorrência. 12. Consequentemente, determinou o douto tribunal considerar como não provada a alegada convicção do Recorrido de que iria receber qualquer compensação derivada da aplicação do referido pacto. 13. Assim, não tendo a Recorrente razões para crer que o Recorrido pretendia a vigência do pacto de não concorrência, e que este último não tinha qualquer convicção de que lhe iria ser liquidada qualquer compensação a esse título, apenas se pode inferir que as partes prescindiram da aplicação do respectivo pacto de não concorrência, na reunião de Abril de 2020. 14. Tal facto é também demonstrado pela conduta do Recorrido que, quando foi contactado para regressar à empresa – em Junho de 2020 -, preteriu in totum o convite apresentado, não tendo, sequer - como se comprometeu -, retornado o contacto para facultar uma resposta. 15. Ora, o Recorrido afirmou na sua petição que: a. o seu know-how e anos de experiência o vocacionam a trabalhar, em exclusivo, no negócio de compra e vendas de aparelhos auditivos; b. a Recorrente, através da cláusula do pacto de não concorrência, o impediu de encontrar trabalho nessa mesma actividade profissional; c. o pagamento do valor mensal referente à compensação pelo pacto de não concorrência – equivalente a 60% da remuneração base, ou seja, € 460,00 (quatrocentos e sessenta euros) eram a sua única fonte de rendimento; 16. Perante tais afirmações, não é verosímil que o Recorrido, perante a proposta apresentada para Recorrente, (i) tivesse recusado a mesma, ou (ii) não tivesse exigido, no imediato, o pagamento do valor devido, o qual não estava a receber atempadamente. 17. E ainda menos verosímil se torna tal narrativa quando o Recorrido mantém a inércia na interpelação à Recorrente por mais 5 (cinco) meses. 18.Tais ilações são, conspicuamente, baseadas nas regras de experiência comum e dos padrões exigíveis ao bonus pater familias, e consubstanciadas na conjugação dos depoimentos das testemunhas BB – minutos 00:18:30 e 00:20:42 do depoimento gravado no ficheiro áudio com a denominação 20220629104705_15948746_2871474 - e DD - minutos 00:05:08 a 00:05:54 do ficheiro áudio com a denominação 20220629112852_15948746_2871474. 19. Termos em que, deverá o facto 20 da douta sentença ser alterado, considerando-se como provado que a Recorrente abordou, perante o Recorrido, a questão do pacto de não concorrência, na reunião de comunicação da caducidade do contrato. 20. Consequentemente, deverá o facto 21 da douta sentença ser alterado no sentido de se considerar provado que as partes prescindiram da aplicação do pacto de não concorrência no momento da cessação do contrato. 21. Relativamente ao facto 22 dado como provado na sentença proferida pelo tribunal a quo, também o mesmo deverá ser alterado, porquanto é diametralmente incompatível, como o facto 28 dado como provado. 22. Ora, e se temos de considerar como provado que as partes prescindiram do pacto de não concorrência, na reunião havida em Abril de 2020, forçosamente terá de se considerar o facto m) e n) dado como não provado, em sentido contrário. 23. Se na reunião supra, as partes prescindiram da aplicação do pacto, 24. E se a testemunha BB, como já se demonstrou, provou ter sido acordado, entre as partes, que após o apuramento dos valores referentes à caducidade do contrato, nada mais era devido, fosse a título fosse, relativamente ao contrato de trabalho, 25.Terão os factos m) e n) da matéria dada como não provada, de ser alterados em conformidade, integrando os mesmos a matéria dada como provada, com as consequências que daí advém. 26. No que concerne à decisão quanto à matéria de direito, não pode a Recorrente aceitar a interpretação do douto tribunal a quo, quando determina que a entidade empregadora não denunciou o pacto de não concorrência. 27. Preconiza o n.º 2 do artigo 136.º do Código do Trabalho que “É lícita a limitação da actividade do trabalhador durante o período máximo de dois anos subsequente à cessação do contrato de trabalho, nas seguintes condições: a) Constar de acordo escrito, nomeadamente de contrato de trabalho ou de revogação deste; b) Tratar-se de actividade cujo exercício possa causar prejuízo ao empregador; c) Atribuir ao trabalhador, durante o período de limitação da actividade, uma compensação que pode ser reduzida equitativamente quando o empregador tiver realizado despesas avultadas com a sua formação profissional.” 28. Assim, o pacto de concorrência consiste na possibilidade de se estipular a obrigação de o trabalhador não exercer, no período máximo de 2 anos subsequentes à cessação do contrato, actividade cujo exercício possa efectivamente causar prejuízo ao empregador, com a atribuição ao trabalhador de uma compensação adequada durante o período convencionado. 29. Verificou-se, na questão em crise, que no contrato celebrado entre a Recorrente e Recorrido, foi consagrado, de início, um pacto de não concorrência. 30. Sucede que, e como já supra se expôs, foi acordada, aquando da reunião final entre Recorrido e Recorrente, a não aplicação daquele pacto! 31. Importa salientar que o fim ou objectivo de um pacto de não concorrência não é garantir um valor remuneratório/compensatório ao trabalhador; com efeito, o valor que é recebido pelo trabalhador a este título é apenas uma contrapartida, exigível na medida em que vê a sua liberdade de trabalho ser condicionada. 32. Dessa forma, a partir do momento em que o empregador liberta o trabalhador da restrição ao trabalho – o que, no caso, ocorreu na já mencionada reunião de Abril de 2020 -deixa de existir qualquer contrapartida que justifique o recebimento de uma quantia em dinheiro a título de compensação/retribuição por pacto de não concorrência. 33. De facto, da reunião existente entre Recorrente e Recorrido, ficou claro para este último que: a) teria total liberdade para trabalhar em qualquer local – como aliás já tinha feito anteriormente, b) após o cálculo dos créditos laborais devidos pela caducidade do contrato de trabalho, nada mais tinha a haver por parte da Recorrente, fosse a que título fosse (aqui incluído, naturalmente, qualquer contrapartida pelo pacto de não concorrência). 34. seja, ambas as partes sabiam e assim pretenderam, não accionar o pacto de não concorrência. 35. Sem prescindir, equacionemos, a título de exercício meramente teórico e por dever de patrocínio, que o Recorrido não havia acordado na renúncia do pacto de não concorrência. 36. No decorrer da relação laboral, o prejuízo que o pacto de não concorrência visa acautelar – na esfera jurídica da entidade empregadora – pode variar, aumentando, diminuindo ou tornando-se mesmo inexistente. 37. Se assim é, e parece razoável que seja, é perfeitamente possível que o empregador conclua, a dado momento, pela inexistência de risco de uma concorrência diferencial. 38. Daí que diversa jurisprudência se distancie da interpretação absolutista e paternalista que o douto tribunal a quo expende, a propósito da possibilidade de renúncia pela entidade empregadora ao pacto de não concorrência, conforme aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 30.04.2014, no processo 2525/11.3TTLSB.L1.S1, que a título de exemplo, por todos, se cita seguidamente: “Não permitir que o possa declarar/comunicar ao trabalhador de forma unilateral, com todas as suas consequências, consubstancia-se numa contradição jurídica na exacta medida em que é a própria lei que exige, para a validade do pacto de não concorrência, um risco efectivo e especialmente atendível (alegado e demonstrado pelo empregador) de prejuízos para este”, “Por outro lado, o argumento formal que o autor invoca, da bilateralidade e natureza sinalagmática do Aditamento onde está incluído o pacto de não concorrência, não pode significar, e salvo o devido respeito, a impossibilidade de qualquer das partes renunciar/revogar, ainda que unilateralmente, ao pacto de não concorrência”. 39. Termos em que, sempre com o devido respeito que as decisões judicias nos merecem, mal andou o tribunal ao quo quando entendeu não ser defensável ao empregador a enúncia do contrato. No demais, sempre se dirá que, 40. A última passagem do supra citado Acórdão traz-nos a mais um aspecto fulcral: o trabalhador pode, segundo tem sido entendimento pacífico no nosso ordenamento jurídico, livremente revogar aquilo que consubstancia uma limitação voluntária e excepcional ao exercício do direito ao trabalho, nos termos do n.º 2 do artigo 81.º do Código Civil. 41. Faculdade que, incrivelmente, o Recorrido nunca ponderou utilizar! 42. Nem mesmo quando, alegadamente, em 2020, recebeu uma proposta de trabalho (que não logrou provar ter existido), para o mesmo ramo de negócio, com um valor de retribuição base de € 1.000,00 (mil euros) – um valor 46% superior ao montante que, alegadamente, teria direito a receber por parte da Recorrente a título de compensação pelo pacto de não concorrência! 43. Termos em que, face a todo o exposto, apenas se pode concluir que o referido pacto foi afastado por ambas as partes, em reunião ocorrida em Abril de 2020, nada sendo devido ao Recorrido a este título. 44. Ainda que assim não se entendesse, o que, uma vez mais, apenas se considera para efeitos meramente teóricos. 45. A Recorrente veio a reiterar a renúncia ao pacto por e-mail enviado ao Recorrido em 5 de Novembro de 2020, conforme se encontra provado no facto 24 da douta sentença. 46.O que consubstancia que o putativo direito ao pagamento da compensação pelo pacto de não concorrência, apenas seria devido, no limite, até ao dia 5 de Novembro de 2020. 47. Razão pela qual, também mal andou o douto tribunal a quo, ao condenar a Recorrente no pagamento do valor total da duração estipulada para o pacto de não concorrência – na eventual possibilidade de se considerar a não renúncia ao pacto, o que não se aceita, e apenas se equacionou teoricamente! 48. Mas o douto tribunal a quo foi ainda mais longe, e entendeu que, pese embora toda a matéria dada como provada e já aqui exposta, o Recorrido não actuou em claro abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium. 49. Conclusão com a qual, naturalmente, a Recorrente não se poderá conformar. 50. É que, como já se demonstrou, Recorrente e Recorrido prescindiram do pacto de não concorrência na reunião de Abril de 2020. 51. Tanto assim que, quando contactado para regressar à empresa, o Recorrido nada fez, tampouco deu qualquer relevância ao contacto efectuado. 52. Tendo aguardado cerca de 6 (seis) meses para interpelar a Recorrente para o pagamento de uma compensação que, alegadamente, lhe era devido – a crer na versão carreada aos autos por aquele. 53. Comportamentos em nada compagináveis com a precária situação laboral e económica vivenciada pelo Recorrido. 54. O princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; está presente, desde logo, na norma do artigo 334.º do Código Civil, que, ao falar nos limites impostos pela boa-fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a protecção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte. 55. No mencionado artigo 334.º do Código Civil, adopta-se uma concepção objectiva do abuso de direito, não sendo, por isso, necessária a consciência de se atingir, com o seu exercício, a boa-fé, os bons costumes ou o fim social e económico do direito conferido; basta que os atinja – cfr. Professores Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 1967, Vol., p. 217. 56. O abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, caracteriza-se, pois, pelo exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente. 56. É vítreo, por tudo quanto já se disse e que aqui se reitera ao abrigo do princípio da economia processual, que o comportamento do Recorrido é contrário a todas as regras de senso comum e razoabilidade existentes no mercado de trabalho. 58. Não é crível, quer pelo princípio da razoabilidade, quer pelos padrões que seriam exigidos a um bom pai de família, que se o Recorrido não soubesse, e disso não tivesse plena convicção, que teria renunciado ao pacto de não concorrência na reunião de Abril de 2022, 59.Não tivesse, desde logo, interpelado a Recorrente para o pagamento da compensação que lhe era devida, ou, no limite, o tivesse feito, aquando o contacto para regressar à empresa. 60. Porém, aguardou 6 (seis) meses para o fazer! 61. Com efeito, segundo o artigo 334.º do Código Civil, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico dum direito. 62. Ora, contrariamente ao que entendeu o douto tribunal a quo, ficou demonstrado e provado que toda a narrativa construída pelo Recorrido é perniciosa, e visa, unicamente, prejudicar a Recorrente, obtendo desta uma vantagem patrimonial que o Recorrido sabe ser indevida. 63. Assim, deveria o douto tribunal ter considerado como provado que o Recorrido actuou em claro abuso de direito! Terminou pugnando pela revogação da sentença recorrida e respetiva substituição por acórdão que determine a improcedência do pedido, absolvendo-se a Recorrente do petitório. Não foram apresentadas contra-alegações. O recurso foi admitido como apelação a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo. O Digno Procurador Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, quer no que concerne à impugnação da matéria de factos, quer relativamente às questões de direito, sustentando que os tribunais superiores se têm pronunciado negativamente quanto à admissibilidade da renúncia pelo empregador ao pacto de não concorrência, concluindo pela confirmação da sentença. * Foram cumpridos os vistos legais. * Nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir. II. Delimitação do objecto do recurso/ Questões a decidir Como decorre do disposto nos artigos 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 3 e 639º, nº 1 todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art. 87º, nº1 do C. Proc. Trabalho, são as conclusões formuladas pelos recorrente que delimitam o objecto do recurso, sem prejuízo das questões do conhecimento oficioso que não se mostrem precludidas. Assim, considerando as conclusões da recorrente as questões a apreciar e decidir são: - saber se o Tribunal a quo errou na decisão da matéria de facto - saber se é válida a previsão contratual que permite à R. prescindir /renunciar unilateralmente ao pacto de não concorrência. - saber se o A. tem direito à compensação estipulada. - saber se a conduta do Autor configura abuso de direito. III. Fundamentação O Tribunal a quo decidiu assim a matéria de facto: A – Factos provados 1 – Por contrato de trabalho denominado “a termo certo” o Autor foi admitido em 5 de novembro de 2018 pela Ré para o exercício das funções correspondentes à categoria de Vendedor, grau II, pelo período de 6 meses. 2 – A sociedade comercial “A... Lda.” tem como objeto o comércio de aparelhos auditivos e respetivos acessórios, prestando também serviços de assistência técnica e reparação desses produtos, operando através de vários estabelecimentos comerciais localizados em várias capitais de Distrito, e também apostando no segmento das vendas ao domicílio. 3 – O Autor tinha experiência no ramo de atividade de vendas de aparelhos auditivos, antes de iniciar a sua prestação de trabalho a favor da Ré, em 05/11/2018. 4 – Este facto era do conhecimento da ré. 5 – As funções profissionais do A., na prestação do seu trabalho a favor da R., consistiam essencialmente em promover e vender equipamentos e serviços relativos a equipamentos auditivo junto de clientes; prestar assistência; realizar testes de audição; vender produtos e serviços auditivos ao domicílio; explicar ao cliente o modo de funcionamento dos produtos e preencher e entregar a documentação relativa à venda, conforme descrito na cláusula 2ª do contrato de trabalho. 6 – No contrato de trabalho outorgado pela R. e o A., em 2018, ficou convencionado que a Ré pagaria ao Autor a retribuição mensal de €660,00 acrescida da retribuição devida por isenção de horário de trabalho no montante de €170,00, e ainda subsídio de refeição diário de €7,00, despesas de viagens, comissões e subsídios de férias e de natal, respeitante a um período de trabalho semanal de 40 horas em 5 dias. 7 – A retribuição mensal do Autor, em 2019, era de €675,00, e em 2020 passou a ser de €710,00, mantendo-se sempre a retribuição devida por isenção de horário de trabalho, €170,00, o subsídio de refeição diário no montante de €7,00, as comissões e as despesas de viagens/deslocações. 8 – O contrato de trabalho a termo certo outorgado entre A. e R., previa uma Cláusula de lealdade e exclusividade, na sua cláusula 15.ª, pelo que o A. se obrigou a prestar o seu trabalho a título de exclusividade para com a R., não podendo desenvolver qualquer outra atividade profissional além da prestada a favor da R., e também não podendo realizar qualquer outra atividade concorrente com a desenvolvida pela Ré. 9 – O contrato de trabalho continha também uma cláusula de dever de sigilo, cláusula 16.ª, relativamente a dados, informações, documentos, projetos, contabilidade, segredos comerciais, estudos, metodologia comercial, nomes, endereços e informações de clientes, investidores e colaboradores, estando o A. proibido de utilizar, divulgar, ceder a quaisquer terceiros, qualquer informação ou dado a que tivesse tido acesso no âmbito da prestação do seu trabalho a favor da Ré. 10 – Este dever de sigilo estendia-se ao período pós-contratual: “compromete-se a cumprir estes deveres mesmo após a cessação do contrato de trabalho”, estando prevista a cláusula penal de €100.000,00 em caso de incumprimento. 11 – O contrato de trabalho, apesar de ser a termo certo, por 6 meses, tinha uma cláusula de pacto de permanência pelo período mínimo de 12 meses, na sua cláusula 17.ª. 12 – Na sua cláusula 18.ª, previa o contrato de trabalho, um Pacto de Não Concorrência, na qual acordaram A. e Ré que o trabalhador se obrigava a não desenvolver, prosseguir ou participar em qualquer atividade concorrente à prosseguida pela R., remunerada ou não remunerada, por conta própria ou alheia, ao abrigo de contrato de trabalho, contrato de prestação de serviços, desempenho de funções em cargos sociais societários ou de qualquer outro tipo contratual, por si ou por interposta pessoa, em Portugal ou em quaisquer países em que a R. desenvolva a sua atividade ou esteja a estudar, avaliar ou ponderar desenvolver, durante o período de 24 meses a contar da data da cessação do contrato de trabalho. 13 – Previa o nº2 da cláusula 18.ª do contrato de trabalho que após a cessação do presente contrato de trabalho, e se não prescindir da aplicação do presente Pacto, a “R.” pagará mensalmente ao “A.” uma compensação equivalente a 60% da última retribuição base mensal do mesmo. 14 – No n.º 3 da referida cláusula contratual estatui-se que “A primeira outorgante (Ré) poderá, no momento da cessação do contrato de trabalho, prescindir da aplicação do Pacto de Não Concorrência ou optar por alterar o período de vigência do pacto, podendo reduzir o tempo de vigência dentro do limite de 24 meses previsto no nº1”. 15 – A referida cláusula prevê no seu nº 5 uma cláusula penal no montante de €50.000,00, em caso de incumprimento por parte do trabalhador. 16 – O contrato de trabalho, e a relação laboral entre Autor e Ré decorreu com a normalidade que seria expectável, pelo que o contrato de trabalho foi renovado em 04/05/2019 (por carta de renovação enviada pela Ré em 11/04/2019) e também em 05/11/2019 (por carta de renovação enviada pela Ré em 17/10/2019). 17 – Em 14/04/2020, a Ré decidiu não renovar o contrato de trabalho com o Autor, enviando carta para o efeito, informando da caducidade do contrato de trabalho em 04/05/2020. 18 – O Autor conformou-se com a decisão da Ré de não renovação do contrato de trabalho a termo certo, e aguardou o pagamento da remuneração mensal relativa ao último mês do contrato, abril, e de 4 dias do mês de maio 2020. 19 – O Autor recebeu o recibo de vencimento do mês de abril 2020, em 2 exemplares: um recibo relativo ao período de Lay-off, no montante de €565,15, e o outro recibo relativo aos proporcionais de subsídio de férias e de subsídio de natal, no montante de € 118,53. 20 – A Ré nunca abordou com o Autor a questão do pacto de não concorrência, nem no dia em que se verificou a caducidade do contrato de trabalho (04/05/2020), nem nos dias antecedentes. 21 – A Ré, no momento da cessação do contrato de trabalho, não prescindiu da aplicação do pacto de não concorrência, e nem optou por alterar o período de vigência do pacto de não concorrência. 22 – A Ré, até 27/10/2020, nunca falou, escreveu, ou interpelou o Autor sobre o assunto do Pacto de não concorrência, e da compensação mensal associada ao mesmo. 23 – Por email datado de 27/10/2020, o Autor interpelou a Ré para o facto de não ter recebido ainda qualquer pagamento relativo à compensação mensal relativa a Pacto de Não Concorrência (Doc.9). 24 – A Ré veio responder a este email do A. em 05/11/2020, através da sua funcionária EE, por via de email enviado ao A., escrevendo que: “como sabe, a A... LDA. prescindiu da aplicação do pacto de concorrência, pelo que nenhum valor é devido. Se assim não fosse, teríamos de ter contratualizado consigo tal opção, o que nunca ocorreu.” (Doc.9). 25 – No mesmo dia o autor respondeu por email, nos seguintes termos: “1º O respetivo pagamento já está contratualizado, no contrato de trabalho assinado a 05 de Novembro de 2018 (cláusula 18ª alínea 2)), não tendo sido anulado, nem modificado e nenhuma das renovações seguintes. 2º No contrato assinado a 05 de Novembro de 2018 na Cláusula 18ª alínea 3), consta e passo a citar “A primeira contraente poderá, no momento da cessação do contrato de trabalho, prescindir da aplicação do pacto de não concorrência ou optar por alterar o período de vigência do pacto, podendo reduzir o tempo de vigência dentro do limite de 24 meses previsto no número 1 da presente cláusula”. 3º Assim sendo a carta de 14 de Abril de 2020, carta essa de comunicação da caducidade do contrato de trabalho, a primeira contraente (A...) não efetuou qualquer alteração à cláusula em causa, por qualquer meio. 4º Sendo assim os factos descritos anteriormente, a meu ver o pagamento é devido. Mais informo que agradeço que os valores em atraso sejam regularizados no prazo de 14 dias, ou serei obrigado a agir de conforme”. 26 – No seguimento da caducidade do contrato de trabalho, foi realizada uma reunião entre autor e ré, no sentido de abordar junto deste último os efeitos da cessação do contrato, designadamente os valores a si devidos como consequência do término da relação laboral. 27 – Na referida reunião, ficaram acordados os montantes a pagar a título de créditos laborais e ficou assente que nada mais era devido. 28 – Nessa reunião e até ao email de 27/10/2020, o autor não teve qualquer ato expresso ou implícito que levasse a ré a crer que aquele tinha intenção, convicção ou interesse em qualquer outro sentido que não fosse o da não vigência de qualquer pacto de não concorrência. 29 – A ré é uma sociedade que se dedica, primordialmente, à compra e venda de aparelhos auditivos, respetivos acessórios e quaisquer outros produtos direta ou indiretamente relacionados. 30 – Dos recibos de vencimento do autor datados de 11/05/2020e 31/05/2020 consta, respetivamente, o valor de € 531,17 (a título de comissões, comissões subsídio de férias e comissões subsídio de natal) e € 1.883,53 (a título de vencimento base, isenção de horário, prop. Subsídio de férias, proo. Sub. Férias, férias n gozadas 2019, férias n gozadas 2020, subsídio de natal e compensação caduc. Contr.). E ainda: 31 – A presente ação deu entrada em juízo em 04/05/2021. 32 – O despacho que determinou a citação da ré foi proferido em 19/05/2021. 33 – A ré foi citada em 20/05/2021. B – Factos não provados a – A ré contratou o autor pelo conhecimento de mercado e know-how que este tinha e que reconhecia. b – A decisão de não renovação do contrato de trabalho por parte da Ré apanhou o Autor desprevenido, pois que havia sempre trabalhado com afinco, diligência, motivação comercial, profissionalismo, competência e responsabilidade. c – Na data da cessação do contrato, nos dias que a antecederam, e nos dias e semanas seguintes não houve qualquer contacto ou reunião entre a entidade patronal, a Ré, e o trabalhador, o Autor. d – Era convicção do Autor (conforme negociações prévias à celebração do contrato, e explicações relativas ao Pacto de Não Concorrência, que ocorreram na data da celebração do contrato de trabalho com a Ré, em 05/11/2018) que, após o fim do contrato, isto é, após 04/05/2020, a Ré, se obrigava a pagar-lhe mensalmente uma compensação equivalente a 60% da sua última retribuição base mensal, durante o período de 24 meses, para que ele, o aqui Autor, não desempenhasse, durante esse período, atividade profissional concorrente com a desenvolvida pelo seu empregador, a aqui Ré. e – A cláusula contratual relativa a pacto de não concorrência, que constava do contrato de trabalho celebrado entre A. e Ré, não visava, única e exclusivamente, impedir o A. de exercer a sua atividade para empresas, direta ou indiretamente concorrentes da R., mas, igualmente, premiar o A. pela sua atividade para a R., após a cessação do seu contrato de trabalho, pelo que, também o A. celebrou tal contrato, com esse pacto, no seu próprio interesse. f – Em 05/11/2020, o A. ficou bastante nervoso e transtornado com a resposta da sua ex-entidade empregadora. g – O A. sempre teve legítimas expectativas de vir a receber da parte da R. à compensação mensal devida pelo pacto de não concorrência, até 04/05/2022. h - Vinculado ao contratado no dito contrato de trabalho, relativamente a pacto de não concorrência, com a duração de 24 meses, o Autor nunca mais desenvolveu qualquer atividade profissional, nem por conta própria, nem por conta de outrem, nem concorrente da atividade desenvolvida pela Ré, e nem noutra área de negócios. i – Devido ao Know-How e competências específicas adquiridas pelo A. no ramo de atividade dos aparelhos auditivos e serviços conexos, foi-lhe impossível arranjar trabalho noutras áreas ou empresas não concorrentes da Ré. j – Bem sabia a Ré que o Autor estava vocacionado profissionalmente e especificamente, por know-how e anos de experiência profissional, à área de negócios de vendas de aparelhos auditivos e serviços conexos, e que seria muito difícil, após o fim do contrato de trabalho, o Autor vir a arranjar trabalho noutra área. k – A Ré impediu o Autor por meio de cláusula contratual de pacto de não concorrência a obter trabalho considerado concorrente com a sua área de intervenção, durante 24 meses, e bem sabendo que seria virtualmente impossível a sua obtenção de trabalho noutras áreas, tal era a especificidade da sua formação, know-how e experiência na área das vendas de aparelhos auditivos. l – O A. teve uma proposta, em 2020, após a cessação por caducidade, do contrato de trabalho que mantinha com a Ré, para desempenhar funções de vendedor ao domicílio, numa empresa concorrente da Ré, que opera no mesmo ramo, e nos mesmos territórios, com um salário base de €1.000,00 acrescido de comissões sobre as vendas, e teve que recusar essa proposta de trabalho, pois que se encontrava restringido pelo pacto de não concorrência. m – Na reunião referida em 28) ficou claro para ambas as partes que nem ré, nem o autor tinham intenção ou interesse em acionar o pacto de não concorrência. n – Em tal reunião, foi acordado entre as partes que nada mais era devido ao autor, inclusive qualquer valor resultante do pacto de não concorrência. o – A ré nunca exigiu ao autor qualquer obrigação de não concorrência. Não se pronuncia o tribunal quanto ao demais alegado pelas partes por se tratar de matéria de direito e/ou conclusiva. - Da impugnação da matéria de facto Como é sabido, para que os Tribunais da Relação reapreciem a decisão da matéria de facto, o recorrente/ impugnante tem de observar determinados requisitos fixados pelo legislador no art. 640º do C.P.Civil, que preceitua: 1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. A doutrina e a jurisprudência foram explicitando tais requisitos, distinguindo, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada; já quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justificará nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso, valendo aqui os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aferir se é de conhecer ou rejeitar da impugnação. No que concerne à forma como o recorrente/impugnante deve dar cumprimento a tais ónus legais na estrutura do recurso o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/10/2015, Proc. nº824/11.3TTLRS.L1.S1, relatado por Ana Luísa Geraldes, explicitou o seguinte: “I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. II - Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. “ Este entendimento que era largamente maioritário mas não totalmente pacífico veio a ser acolhido no acórdão do STJ nº12/2023, publicado no DR nº220/2023, Série I, de 14-11-2023 que decidiu uniformizar a jurisprudência, nos seguintes termos:” Nos termos da alínea c), do nº1 do art. 640º do C.P.Civil, o recorrente que impugna a decisão da matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”. Analisando o corpo das alegações e as conclusões, entendemos que a recorrente cumpriu suficientemente os ónus legais. Apesar de não fazer, como devia, a correspondência entre os meios probatórios indicados, designadamente as passagens dos depoimentos das testemunhas que localiza na gravação, e cada um dos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, estando em causa um pequeno número de factos relacionados entre si, apreciar-se-á a impugnação, rejeitando-se apenas relativamente ao ponto 22 dos factos provados, porquanto relativamente a este a recorrente limita-se a afirmar que deve ser alterado porque é diametralmente oposto ao ponto 28, mas em lugar algum indica a decisão alternativa a proferir, como impõe a alínea c) do nº1 do art. 640º, sem prejuízo da apreciação oficiosa, nos termos do nº2 do art. 662º do C.P. Civil. Na sentença recorrida, a Srª Juíza a quo refere que firmou sua convicção na análise crítica e conjugada que dos meios de prova, tendo consignado o seguinte. “Assim, e desde logo, foram dados como demonstrados os factos alegado pelo autor na sua petição inicial e expressamente aceites pela ré na sua contestação. Consideram-se ainda os vários documentos juntos aos autos e não impugnados pelas partes, a saber: contrato de trabalho celebrado entre autor e ré, onde se inclui a cláusula 18ª; as renovações de tal contrato; a comunicação de caducidade do mesmo; os recibos de vencimento juntos por ambas as partes; as comunicações trocadas entre as partes. Atendeu-se ainda aos depoimentos das testemunhas inquiridas. Assim, a testemunha BB, responsável de vendas da ré desde de 2016, logo referiu que alguns dos contratos de trabalho têm a cláusula referente ao pacto de não concorrência, acrescentando que, no entanto, é normal os colaboradores saírem para a concorrência, nunca a tal se tendo oposto a ré. Aliás, o próprio autor já tinha trabalhado para a empresa, tinha saído e regressado. A mesma testemunha relatou ao tribunal que esteve presente na reunião ocorrida aquando da comunicação da caducidade do contrato e aí foram apurados os créditos laborais devidos pela cessação do contrato, tendo sido dito ao autor que quando a empresa voltasse ao ativo poderia sempre regressar. Contudo, nenhuma das partes abordou a questão do pacto de não concorrência. Referiu desconhecer quais os trabalhadores que tinham no seu contrato a cláusula em questão, desconhecendo mesmo o próprio se o seu contrato a tem. A testemunha CC, encarregada de proteção de dados na ré desde fevereiro de 2015, relatou ao tribunal que fez parte do recrutamento do autor. Confirmou ainda que o autor já havia trabalhado na ré, saído e voltado. Sabe que a cláusula do pacto existe, mas desconhece em que contratos. A testemunha DD, técnica de recursos humanos na ré desde abril de 2016, com relevância, também confirmou que o autor fazia parte da lista de trabalhadores para serem contactados e voltarem a trabalhar, pelo que, em junho o contactou para o efeito, tendo o mesmo se mostrado indeciso, não dando qualquer resposta concreta, tendo o assunto ficado por aí. Esta testemunha, como as outras duas já referidas, afirmou ser normal a flutuação de trabalhadores entre empresas. Os factos não provados ficaram a dever-se à insuficiência ou inexistência de prova produzida no sentido da sua demonstração, ou mesmo à prova do seu contrário.” A recorrente considera incorrectamente julgados os factos constantes dos pontos 20 e 21 dos factos provados, cujo teor é o seguinte: 20 – A Ré nunca abordou com o Autor a questão do pacto de não concorrência, nem no dia em que se verificou a caducidade do contrato de trabalho (04/05/2020), nem nos dias antecedentes. 21 – A Ré, no momento da cessação do contrato de trabalho, não prescindiu da aplicação do pacto de não concorrência, e nem optou por alterar o período de vigência do pacto de não concorrência. E propõe a seguinte decisão alternativa: 20. A Ré abordou com o A. na reunião de comunicação da caducidade do contrato a questão do pacto de concorrência. 21. As partes prescindiram da aplicação do pacto de não concorrência no momento da cessação do contrato. Por outro lado, impugna a decisão dos factos vertidos nas alíneas m) e n) dos factos não provados, sustentando que os mesmos devem ser considerados como provados. m – Na reunião referida em 28) ficou claro para ambas as partes que nem ré, nem o autor tinham intenção ou interesse em acionar o pacto de não concorrência. n – Em tal reunião, foi acordado entre as partes que nada mais era devido ao autor, inclusive qualquer valor resultante do pacto de não concorrência. E baseia a pretendida alteração em passagens dos depoimentos das suas testemunhas, BB, director comercial desde 2016, e DD, técnica de recursos humanos também desde 2016 que localiza e transcreve. Procedeu-se à análise dos documentos juntos aos autos e à audição integral dos depoimentos de tais testemunhas que grosso modo dizerem o que consta na súmula feita pelo Tribunal a quo. Em primeiro lugar, importa lembrar que, fora do domínio da prova vinculada, como é o caso, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção (cfr. art. 607º, nº5 do C.P.Civil). E a prova exige a certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, um alto grau de probabilidade de verificação do mesmo, suficiente para as necessidades práticas da vida. Isto significa desde logo que não basta a parte/testemunha afirmarem determinado facto para que o mesmo fique provado, tal só sucederá quando o julgador forme convicção nesse sentido, numa análise crítica que pondere todos os elementos de prova - cfr. Ac. desta Secção de 04-05-2022, proc. 1166/20.9T8MTS.P1, disponível in www.dgsi. E como se refere no Ac. do STJ de 27/05/2010, processo 182/2001.S1, in www.dgsi.pt. “Na livre apreciação das provas, o juiz julga segundo a sua livre e prudente consciência a respeito de cada facto, removendo, muitas vezes, um “nevoeiro” que afasta a clara visibilidade de um determinado ângulo (depoimento limpo), socorrendo-se para tal da força da impressão que lhe causaram todas as provas, isoladamente ou no seu conjunto, numa visão prudente face à normalidade dos fenómenos.” A recorrente não apontou à motivação expressa pelo Tribunal qualquer erro ou violação das máximas da experiência, limita-se a indicar passagens dos depoimentos das testemunhas que, em seu entender, suportam a alteração pretendida. No entanto, tais passagens têm que ser contextualizadas, apreciando-se os depoimentos no seu todo, e valoradas criticamente no confronto com os demais meios de prova, à luz das máximas da experiência. E fazendo a apreciação crítica de tais depoimentos desde já adiantamos que não permitem a alteração do julgamento dos factos no sentido preconizado pela recorrente. O depoimento da testemunha DD, assume diminuta relevância, pois apesar de ser técnica de recursos humanos na R. desde 2016, disse desconhecer o contrato de trabalho do A., não tendo tido qualquer intervenção no seu recrutamento, nem aquando da cessação do contrato aqui em apreço. Referiu apenas que, em junho de 2020, após o período de lay-off, a R. deu-lhe uma lista de trabalhadores para contactar no sentido de voltarem para a empresa, da qual fazia parte o Autor a quem telefonou, tendo-se este nessa ocasião mostrado indeciso, não o tendo voltado a contactar, e que o A. já anteriormente tinha trabalhado para R., havia saído para a concorrência e, algum tempo depois, regressado. Por seu turno, a testemunha BB, responsável de vendas da R. desde 2016, referiu que aquando da cessação do contrato do A. que ocorreu no contexto da pandemia de Covid 19 teve uma reunião presencial com ele em ..., com o intuito de lhe comunicar a não renovação do contrato, tendo-lhe dito que o contrato terminava e que os recursos humanos iam calcular os seus créditos, ficando saldadas após o pagamento as contas entre ele e a empresa, nada mais lhe sendo devido, e que quando a empresa voltasse ao activo podia regressar; mais referiu que tem conhecimento que os contratos de alguns trabalhadores têm uma cláusula de não concorrência mas essa questão “não foi falada” na reunião; disse ainda que é habitual os trabalhadores mudarem para empresas concorrentes, que o A. já anteriormente havia trabalhado para a R., tinha saído e mais tarde voltado e que não tinha conhecimento de a R. ter alguma vez aplicado a cláusula de não concorrência. Perguntado pela mandatária da R., ao minuto 22, se tendo em conta essa reunião, o A., no seu entendimento, tinha ficado com a percepção de que não se ia aplicar o pacto de não concorrência e que estava livre para poder trabalhar onde quisesse, respondeu afirmativamente, acrescentando“na medida que lhe foi falado que, após as contas feitas, nada mais havia a receber, portanto, eu deduzo, que ficou claro nesse sentido, mas é a minha, dedução, como é obvio, não é ?”. E repetida a pergunta mais duas vezes de forma sugestiva, foi respondendo: “Sim, sim, sim” Com o devido respeito, nada constando na carta de comunicação da caducidade do contrato remetida ao A. sobre a cláusula de não concorrência e tendo a testemunha BB afirmado que na reunião que teve com o A. a questão do pacto de não concorrência não foi falada, é evidente a ausência de prova, quer dos factos alegados pela R. vertidos nas alíneas m)e n), quer dos factos que a mesma pretendia que fossem considerados como provados nos pontos 20 e 21. Do acerto de contas relativo aos créditos laborais apalavrado entre a testemunha BB e o A. não se pode deduzir qualquer intenção das partes relativamente ao acionamento ou não do pacto de não concorrência e, muito menos, que tenha ficado acordado entre as partes que nada era devido ao autor em virtude de tal pacto. Assim, improcede totalmente a impugnação da decisão da matéria de facto. E não vemos que exista incompatibilidade ou contradição entre os factos constantes nos pontos 22º e 28º dos factos provados. O que decorre da conjugação de ambos e resultou da prova produzida é que até 27/10/2020, não houve qualquer tomada de posição nem da parte do A., nem da parte da R., quanto ao pacto de não concorrência, sendo estes os factos objectivos relevantes para a decisão. Pelo exposto, mantém-se inalterada a decisão da matéria de facto do tribunal a quo. O Direito aplicável O caso subjudice remete-nos para a figura jurídica do pacto de não concorrência que presentemente está regulado no art. 136º do C.Trabalho que preceitua: «1 – É nula a cláusula de contrato de trabalho ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que, por qualquer forma, possa prejudicar o exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato. 2 – É lícita a limitação da liberdade do trabalhador durante o período máximo de dois anos subsequente à cessação do contrato, nas seguintes condições: a) Constar de acordo escrito, nomeadamente de contrato de trabalho ou de revogação deste; b) Tratar-se de atividade cujo exercício possa causar prejuízo ao empregador; c) Atribuir ao trabalhador, durante o período de limitação da atividade, uma compensação que pode ser reduzida equitativamente quando o empregador tiver realizado despesas avultadas com a formação profissional. 3. Em caso de despedimento declarado ilícito ou de resolução com justa causa pelo trabalhador com fundamento em acto ilícito do empregador, a compensação a que se refere a alínea c) do número anterior é elevada até ao valor da retribuição base à data da cessação do contrato, sob pena de não poder ser invocada a limitação da actividade prevista na cláusula de não concorrência. 4. São deduzidas do montante da compensação referida no número anterior as importâncias auferidas pelo trabalhador no exercício de outra actividade profissional, iniciada após a cessação do contrato de trabalho, até ao valor decorrente da aplicação da alínea da alínea c) do nº2. 5 – Tratando-se de trabalhador afeto ao exercício de atividade cuja natureza suponha especial relação de confiança ou que tenha acesso a informação particularmente sensível no plano da concorrência, a limitação a que se refere o n.º2 pode durar até três anos». O regime decorrente deste normativo é tributário do princípio geral consagrado no nº1 do art. do artigo 47.º da Constituição da República Portuguesa, de acordo com o qual «todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade». Destarte, sendo a regra a liberdade de trabalho a regra, o legislador no nº1 do art. 136º cominou com a nulidade a cláusula de contrato de trabalho ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que, por qualquer forma, possa prejudicar o exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato . No entanto, permitindo o preceito constitucional restrições a essa liberdade em função do interesse colectivo ou inerentes à própria capacidade do trabalhador, no nº2 do art. 136º, o legislador fixou as condições de admissibilidade de tais pactos, considerando que os interesses de gestão ligados ao dever de não concorrência podem justificar a admissibilidade destes pactos de não concorrência, desde que as restrições à liberdade de trabalho do trabalhador tenham uma justificação objetiva e sejam limitadas no tempo. Assim, nos termos do n.º2 do artigo 136.º do Código do Trabalho, os pactos de não concorrência relativos ao período subsequente à cessação do contrato de trabalho só são lícitos mediante a verificação cumulativa dos requisitos: - o tempo de limitação da atividade do trabalhador não pode exceder dois anos após a cessação do contrato (podendo este período ser excecionalmente alargado até três anos nos casos do n.º5); - a cláusula de limitação da atividade do trabalhador tem que constar, sob forma escrita, do contrato de trabalho ou do respetivo acordo de cessação; - a atividade laboral que é objeto de limitação tem de ser uma atividade cujo exercício pelo trabalhador, após a cessação do contrato, possa, efetivamente, causar prejuízo ao empregador; - - tem de ser atribuída ao trabalhador uma compensação durante o período de limitação da sua atividade. O Autor e Ré convencionaram um pacto de não concorrência, na cláusula 18ª do contrato de trabalho, nos seguintes termos: 1- O segundo outorgante (autor) obriga-se a não desenvolver, prosseguir ou participar em qualquer atividade concorrente à prosseguida pela primeira outorgante (a ré) remunerada ou não remunerada, por conta própria ou alheia, ao abrigo de contrato de trabalho, de contrato de prestação de serviços, desempenho de funções em cargos sociais societários ou de qualquer outro tipo contratual, por si ou por interposta pessoa, em Portugal ou em quaisquer países em que a ré desenvolva a sua atividade ou esteja a estudar, avaliar ou ponderar desenvolver, durante o período de 24 meses a contar da cessação do contrato de trabalho. 2- Após a cessação do contrato de trabalho, e se não prescindir da aplicação do Pacto, a Primeira outorgante pagará mensalmente ao autor uma compensação equivalente a 60% da sua última retribuição base mensal do mesmo. 3- A primeira outorgante poderá no momento da cessação do contrato de trabalho, prescindir da aplicação do pacto de não concorrência ou optar pela alteração do seu período de vigência dentro do limite de 24 meses. 4- Todos os montantes previstos no presente Pacto de não Concorrência devidos pela Primeira Outorgante ao Segundo Outorgante são valores ilíquidos, estando sujeitos os mesmos aos descontos e deduções legais. 5- A violação desta cláusula pelo Segundo Outorgante implica para o mesmo, o pagamento de uma indemnização não inferior a € 50.000,00(cinquenta mil euros), sem prejuízo do ressarcimento de danos emergentes e lucros cessantes que excedam o referido valor. 6- O Segundo Contraente declara ter plena consciência do significado de todas e cada uma dascláusula do presente Pacto de não concorrência, mais declarando que recebeu da Primeira Outorgante todas as explicações que solicitou sobre o seu conteúdo e alcance.” Na sentença recorrida decidiu-se que ao A. assistia o direito à compensação convencionada, com a seguinte argumentação: «Para darmos resposta à questão de saber se ao autor é devida a compensação que ora peticiona, importa aferir da validade de tal Pacto, pois que, se concluirmos pela sua ilicitude, estamos perante uma nulidade, nos termos previstos no artigo 136.º/1 do Código do Trabalho, invocável nos termos gerais do artigo 286.º do Código Civil, o qual dispõe que «a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal». Dúvidas não existirão que se mostram preenchidos os requisitos das alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 136.º do Código do Trabalho. Maiores dificuldades surgem, porém, no que respeita à exigência da alínea b). Cumpre, pois, analisar se a atividade laboral que é objeto de limitação pelo Pacto é uma atividade cujo exercício pelo trabalhador, após a cessação do contrato, possa, efetivamente, causar prejuízo ao empregador, o que implica a apreciação da questão de saber o que são, afinal, atividades objetivamente concorrentes. Considera Júlio Vieira Gomes que existe um cenário de concorrência objetiva entre atividade quando estas «se prestam em sectores económicos conexos ou pertencentes à mesma zona industrial e são coincidentes do ponto de vista espacial» (As cláusulas de não concorrência, pág. 21). Assim, mais importante do que a identidade do produto ou serviço resultante do desempenho da atividade é a necessidade que esses bens (tenham eles a natureza que tiverem) visam satisfazer – o empregador só terá realmente prejuízo nos mercados em que o trabalhador realmente puder concorrer diferencialmente com ele, de entre todos os mercados em que efetivamente atue. Caso contrário, o empregador estará a proteger-se de “nada” e operará o n.º 1 do artigo 136.º do Código do Trabalho. No caso em apreço, afigura-se-nos que, efetivamente, o autor, caso fosse prestar a sua atividade para uma empresa concorrente da ré poderia causar prejuízo a esta, na medida em que, atenta a atividade contratada com a ré (cláusula 2ª do contrato de trabalho) poderia, pelo menos potencialmente, aproveitar-se dos conhecimentos e Know How adquiridos na ré no que respeita ao produto, aos serviços, à clientela, aos fornecedores, etc. Refira-se, a talhe de foice, que o ónus da prova, no caso presente, da inexistência do interesse sério da ré em limitar temporariamente a atividade do autor, sobre aquela recaía, uma vez que se trata de um facto impeditivo do direito que este pretende fazer valer, e não foi alcançado. Claro está que é decisivo para a validade do pacto que o interesse sério do empregador exista ou persista no momento em que o pacto deve começar a produzir os seus efeitos, independentemente do momento em que haja sido celebrado, pois que será nesse momento que a sua existência ou persistência deve ser verificada pelas partes. Na verdade, o interesse sério do empregador, a justeza da compensação a atribuir ao trabalhador, a circunscrição territorial em que o trabalhador fica impedido de realizar uma atividade concorrente com a do empregador, o elemento temporal, todas estas realidades estão sujeitas a mutações que podem derivar do decurso do tempo e/ou do desenvolvimento da relação contratual e quando celebrado antes da cessação do contrato, o pacto de não concorrência não dá ou pode não dar a devida cobertura a tais situações. Há que «… fazer uma avaliação atualizada do seu interesse na manutenção da cláusula» (Ricardo Nascimento, Da cessação do contrato de trabalho, pág. 361). Se o empregador já não tira o mesmo proveito, ou se já não tira, de todo, proveito da inatividade do trabalhador, para quê manter os termos daquele encargo financeiro, ou para quê manter o próprio pacto? Por outro lado, o trabalhador também pode ter a ganhar com a não sujeição ao pacto, recuperando mais uma parte ou mesmo o pleno exercício dos seus direitos fundamentais. Nestes casos, há que admitir a modificação ou revogação do pacto de não concorrência, por alteração superveniente das circunstâncias (artigo 437.º do Código Civil). Parece-nos, contudo, que não é defensável que o empregador possa denunciar o pacto de não concorrência celebrado com o trabalhador até ao momento em que o contrato de trabalho cessa ou em período de tempo mais ou menos curto depois disso ou, ainda, que possa optar pela manutenção ou não do pacto de não concorrência naquele momento da cessação. E assim é porque no nosso ordenamento tal possibilidade de opção não se encontra prevista. Tal significa que o n.º 3 da cláusula 18.ª do contrato de trabalho se há considerar como nulo, não só porque o efeito prático de limitação da liberdade de vinculação já se produziu e o empregador pode assim mais tarde furtar-se à prestação de qualquer contrapartida, mas também porque permitir uma tal solução seria legitimar a criação de um clima de incerteza absoluta para a vida e futuro profissional do trabalhador. De todo modo, e não obstante o contratualizado, o certo é que no momento da cessação do contrato de trabalho a ré não se fez valer daquele n.º 3, só o vindo a fazer em 27/10/2020, em resposta à interpelação do autor. Ante o que se acabou de expor, afigura-se-nos, sempre com a salvaguarda de outro e melhor entendimento, que a presente ação haverá de proceder.» A Ré/recorrente insurgiu-se contra o decidido, impugnando a decisão da matéria de facto, pretendendo que se considerasse provado que aquando da cessação do contrato de trabalho ficou claro para as ambas as partes, que nenhuma delas tinha intenção ou interesse em acionar o pacto de não concorrência, tendo logo acordado que nada era devido ao autor mercê de tal pacto. E mesmo para o caso de tal impugnação improceder, como veio a suceder, e não se considerar que o pacto foi afastado por ambas as partes em reunião ocorrida em Abril de 2020, a recorrente defende que no e-mail de 5 de novembro de 2020 reiterou a renúncia a tal pacto, pelo que, o direito do A. à compensação apenas seria devido, no limite, até ao dia 5.11.2020, pelo que mal andou o Tribunal ao condená-la no pagamento do valor correspondente à duração total estipulada para o pacto de concorrência, discordando da posição seguida na decisão recorrida que considerando indefensável a renúncia unilateral do pacto pelo empregador, considerou nulo o nº3 da cláusula 18ª do contrato que concedia à R. tal faculdade (Conclusões 44 a 48). Entende a recorrente que é perfeitamente possível que o empregador conclua, a dado momento, pela inexistência de risco de uma concorrência diferencial, justificando-se nessa caso a renúncia ao pacto de não concorrência e para estribar a sua posição refere existir diversa jurisprudência que se distancia da interpretação absolutista e paternalista do Tribunal, a propósito da possibilidade de renúncia pela entidade empregadora ao pacto de não concorrência, citando as seguintes passagens do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.04.2014, no processo 2525/11.3TTLSB.L1.S1: “Não permitir que o possa declarar/comunicar ao trabalhador de forma unilateral, com todas as suas consequências, consubstancia-se numa contradição jurídica na exacta medida em que é a própria lei que exige, para a validade do pacto de não concorrência, um risco efectivo e especialmente atendível (alegado e demonstrado pelo empregador) de prejuízos para este”, […] “Por outro lado, o argumento formal que o autor invoca, da bilateralidade e natureza sinalagmática do Aditamento onde está incluído o pacto de não concorrência, não pode significar, e salvo o devido respeito, a impossibilidade de qualquer das partes renunciar/revogar, ainda que unilateralmente, ao pacto de não concorrência”. Ora, lendo tal acórdão, vemos que as passagens transcritas pela recorrente são da fundamentação da sentença proferida no referido processo na 1ª instância, sentença essa que foi objecto de recurso por parte do A., tendo sido revogada por acórdão da Relação de Lisboa, que considerou inadmissível a renúncia unilateral do pacto de não concorrência por parte do empregador, acórdão que foi confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, que sumariou assim o seu aresto:. “I - O pacto de não concorrência tem obrigatoriamente carácter oneroso e é sinalagmático (gera uma obrigação de non facere para o trabalhador e uma obrigação compensatória para o empregador), constituindo parte integrante do conjunto do contrato de trabalho (trata-se de uma cláusula acessória, conformadora de um efeito acessório da cessação do contrato). II - Os pactos de não concorrência, para além de cercearem a liberdade de trabalhar no convencionado prazo de abstenção de concorrência, também limitam a cabal participação do trabalhador no mercado de trabalho nos antecedentes períodos, assim condicionando a sua possibilidade (e o seu interesse) de procurar/equacionar outras alternativas profissionais e de otimizar a gestão da sua carreira, realidade que se traduz mesmo, com frequência, em situações de perda de oportunidade. III - O contrato de trabalho - como qualquer outro contrato - consubstancia um equilíbrio global, um conjunto de “pesos e contrapesos” que lhe conferem uma coerência unitária, o que não se compadece com uma análise compartimentada das diferentes partes que o integram, nomeadamente das cláusulas atinentes ao estatuto remuneratório do trabalhador e das relativas à compensação estipulada como contrapartida da não concorrência. IV - Apesar de a compensação pela não concorrência não revestir natureza retributiva, goza da proteção que a lei desenha para a retribuição do trabalho, gerando a sua estipulação expectativas legítimas que não podem ser ignoradas, pelo que não é razoável permitir que as mesmas possam ser unilateralmente frustradas pelo empregador. V - Assim, e na ausência de disposição legal que o consinta, não pode deixar de concluir-se no sentido da impossibilidade de subtrair os pactos de não concorrência do princípio segundo o qual os contratos livremente celebrados devem ser pontualmente cumpridos e só por acordo dos contraentes podem modificar-se (art. 406.º, n.º 1 do CC). VI - Sendo certo que o A. imediatamente comunicou à R. não aceitar a renúncia ao pacto de não concorrência, nada nos autos evidencia, ou sequer sugere, a verificação de qualquer dos requisitos do abuso do direito invocado por esta.” Destarte, a posição do Supremo Tribunal neste aresto é no sentido da inadmissibilidade da renúncia unilateral do pacto de não concorrência pelo empregador. Igual posição expressa Júlio Gomes, in Direito Do Trabalho, Vol.I, Coimbra Editora, 2007, pág. 613, nota 1551, onde se lê:« Parece-nos que deve ser considerada como nula, a cláusula incluída num contrato de trabalho, nos termos da qual o empregador se reserva a faculdade de decidir, após a ruptura do contrato de trabalho, se impõe ou não ao trabalhador uma obrigação de não concorrência.(…) Tais cláusulas produzem já efeitos durante a duração do contrato, já que o trabalhador hesitará em se desvincular. A jurisprudência alemã tende a considerá-las inválidas embora atribua ao trabalhador um direito de optar pela invalidade ou eficácia da cláusula.» E desconhecemos quaisquer decisões dos Tribunais Superiores no sentido preconizado pela recorrente. A Relação de Lisboa no acórdão de 13-09-2023, proc. 0073/22.4.T8ALM.L1, (Relatora Maria José Costa Pinto), disponível in www.dgsi.pt, apreciou uma situação em que a eficácia do pacto de não concorrência convencionado pelas partes no contrato ficava dependente do envio de uma comunicação pelo empregador ao trabalhador até 15 dias após a cessação do contrato, manifestando a vontade de executar as obrigações decorrentes do mesmo, ou seja, o pacto ficava sujeito uma condição suspensiva, e decidiu pela nulidade de tal condição e pela validade do pacto, tratando a questão de forma exaustiva e esclarecedora, pelo que transcrevemos aqui a parte da fundamentação, que temos como pertinente: «Na matéria do pacto (ou cláusula) de não concorrência, como flui do acima dito, estão em equação e em tensão conflituante liberdades fundamentais, princípios e valores cuja harmonização suscita evidentes dificuldades. (…) [.. Joana Nunes Vicente, a propósito da estipulação de uma cláusula que atribua ao empregador o direito de denunciar o pacto até ao momento em que o contrato de trabalho cessa ou em período de tempo, mais ou menos curto, após esse momento, entende que admitir uma precisão negocial desse tipo “permitiria ao empregador retirar um benefício disfuncional do pacto – já que o empregador acabaria por beneficiar do efeito dissuasor que o pacto produz junto do trabalhador, ao inibi-lo ou desincentiva-lo de denunciar o contrato de trabalho, mas aqui agravado por o trabalhador não saber se nem quando o empregador viria a desistir do pacto de não concorrência – sem ter que suportar o respectivo custo, isto é, desobrigando-se o empregador do pagamento da compensação económica.Nesta linha, é pertinente lançar mão do indicado douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2014.04.30, que versa sobre a situação de renúncia do empregador a um pacto de não concorrência, ainda que sem previsão contratual da possibilidade de renúncia. Também neste aresto se sublinha a natureza bilateral, onerosa e sinalagmática do pacto (à limitação da liberdade de trabalho do trabalhador corresponde uma compensação adequada a cargo do empregador, à obrigação de non facere do trabalhador corresponde a obrigação compensatória do trabalhador), a justiça contratual, a boa fé objectiva que deve nortear o comportamento das partes tendo em consideração os interesses legítimos da contraparte (artigos 239.º, 334.º e 762.º, n.º 2, do Código Civil). Nele se chama também a atenção para que “os pactos de não concorrência, para além de cercearem a liberdade de trabalhar no convencionado prazo de abstenção de concorrência, também limitam a cabal participação do trabalhador no mercado de trabalho nos antecedentes períodos, assim condicionando a sua possibilidade (e o seu interesse) de procurar/equacionar outras alternativas profissionais e de otimizar a gestão da sua carreira, realidade que se traduz mesmo, com frequência, em situações de perda de oportunidade (também doutrinariamente referenciadas com a expressão perda de chance)”. E vem a concluir pelo direito do trabalhador à compensação convencionada na cláusula de não concorrência apesar de o empregador a ela ter renunciado antes da cessação do contrato de trabalho. Especificamente a propósito de cláusulas de não concorrência condicionais em que o trabalhador assume uma obrigação de não concorrência pós-contratual que fica dependente de uma apreciação do empregador no momento da cessação do contrato sobre se lhe é conveniente invocar nesse momento tal obrigação, assinala Júlio Gomes, igualmente citado pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, que desse modo se conseguia “que o trabalhador ficasse imediatamente vinculado enquanto o empregador só ficaria definitivamente vinculado mais tarde”. De acordo com o autor, a doutrina e jurisprudência germânicas têm denunciado tais cláusulas por defraudarem a exigência de onerosidade: “para que o trabalhador fique vinculado por um pacto de não concorrência é necessário que lhe seja assegurada uma contrapartida, ou seja, que nesse momento da celebração do pacto o empregador assuma o compromisso, igualmente definitivo, de lhe pagar tal contrapartida (…)”. Em suma, a aposição ao pacto de não concorrência de uma condição suspensiva tal como a que ficou plasmada no n.º 3, da cláusula 13.ª do contrato de trabalho sub judice, torna possível ao empregador retirar um benefício da cláusula de não concorrência (que dificulta a resolução ou denuncia pelo trabalhador durante a vigência do contrato, limitando a liberdade de desvinculação), sem que tenha que suportar qualquer contrapartida. Esta situação, além de avessa ao princípio da boa fé objectiva, viola a exigência legal de onerosidade prescrita no artigo 136.º, n.º 2, alínea c) do Código do Trabalho. O que implica a nulidade de uma tal cláusula contratual, nos termos do artigo 280.º do Código Civil, por contrária à lei, o que se declara. Cabe agora aferir quais os efeitos dessa nulidade. Resulta das alegações da apelação que a recorrente entende que, por via da indicada nulidade, lhe deve ser reconhecido o direito inerente ao “pacto de não concorrência” definido nos n.ºs 1 e 2 da Cláusula 13.ª do contrato de trabalho assinado entre as partes, conforme o pedido na sua petição inicial. Já nas contra-alegações, a recorrida vem sustentar que, caso se entenda que a condição suspensiva estabelecida é inválida, então estaria afetada a validade do próprio pacto de não concorrência. Invoca o disposto no artigo 271.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, do qual infere que a eventual invalidade da condição suspensiva acarretaria a invalidade do negócio jurídico a que é subordinada a condição (o próprio pacto de não concorrência), pelo que a Autora não estaria vinculada ao cumprimento da obrigação de não concorrência e, por outro lado, a Ré não tinha obrigação de pagamento da compensação prevista, na medida em que no n.º 2, do artigo 271º, do Código Civil, se consignam diferentes efeitos para a condição legalmente impossível: se for suspensiva, o próprio negócio jurídico é nulo, se for resolutiva, tem-se esta por não escrita. Invoca também que no caso vertente não poderia verificar-se uma situação de invalidade parcial do negócio jurídico, com a redução do mesmo nos termos do artigo 292.º do Código Civil, redução que só ocorre nos casos da condição resolutiva impossível. E finalmente sustenta que, a entender-se que estaríamos perante uma situação de invalidade parcial, com a possibilidade de redução do negócio jurídico, então haveria que aferir se se verificaria a condição constante do artigo 292º do Código Civil pois não há redução quando se mostre que o negócio não teria sido concluído sem a parte viciada, pelo que o processo deveria prosseguir para julgamento e apurar a matéria de facto relevante alegada pela R. para aferir se as partes teriam celebrado o pacto de não concorrência se conhecessem a invalidade da condição suspensiva aposta. A questão não é de simples decisão. Com efeito, sendo a solução ditada pelos princípios de Direito Civil a de considerar tais cláusulas nulas, por contrárias a lei imperativa, já quanto às consequências dessa nulidade, as regras de Direito Civil podem levar a soluções que se revelam desajustadas. Júlio Gomes chama a atenção para que, “se é certo que pode interessar ao trabalhador invocar a ilegalidade e recuperar a sua inteira liberdade de contratar, também é certo que num clima de escassez de oferta de emprego pode o trabalhador pretender invocar a cláusula como se fosse válida e receber a contrapartida, e repugna permitir à entidade patronal que deu azo à ilegalidade ao sujeitar a cláusula a uma condição furtar-se à sua responsabilidade invocando a nulidade”[15]. Por isso a doutrina vem ensaiando respostas que não quadram completamente com a lei civil. Assim, Júlio Gomes avança com a hipótese da responsabilidade do empregador por culpa “in contrahendo”, deixando apenas na mão do trabalhador a possibilidade de invocação da nulidade da cláusula contrária à lei, apelando à noção de “nulidade relativa”[16] [17]. Por seu turno Joana Nunes Vicente, no seguimento da doutrina italiana, entende que a nulidade é limitada à cláusula que atribui ao empregador a possibilidade de denúncia, não se estendendo ao pacto de não concorrência em si mesmo[18]. Esta última tese mostra-se consentânea com o regime emergente do artigo 121.º, n.º 2, do Código do Trabalho para os casos de invalidade parcial do contrato de trabalho, ao estabelecer que “[a] cláusula de contrato de trabalho que viole norma imperativa considera-se substituída por esta”. Este regime opera a substituição automática da cláusula inválida pela norma imperativa e constitui lei especial face ao regime comum da redução do negócio jurídico plasmado no artigo 292.º do Código Civil, que faz depender a manutenção do contrato do apuramento do sentido da vontade hipotética ou conjectural das partes acerca da essencialidade do convencionado. No caso em análise, não temos dúvidas quanto à imperatividade da norma que estabelece apertados requisitos e especiais cautelas para que a cláusula de não concorrência possa ser considerada lícita no ordenamento jurídico. A limitação do exercício de liberdades e direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados, como vg. a liberdade de trabalho, impõe a atribuição de uma contrapartida económica ao trabalhador que constitui a compensação pelo sacrifício daquela liberdade fundamental do trabalhador de exercer uma actividade profissional, pelo que as condições expressas no n.º 2, do artigo 136.º do Código do Trabalho, nas quais se inclui a necessidade da atribuição de uma contrapartida financeira ao trabalhador que se vincule através de uma cláusula de não concorrência, se revestem de carácter imperativo. Ora, o estabelecimento da condição constante do n.º 3, da cláusula 13.ª, tem como efeito prático que o trabalhador fica imediatamente vinculado, enquanto o empregador só o fica definitivamente mais tarde, e se quiser, sem assumir na ocasião o compromisso definitivo do pagamento da contrapartida devida pelo pacto. E, como vimos, a obrigação de não concorrência gerada pela cláusula inserta no contrato de trabalho, ainda que se refira ao período posterior à cessação do contrato, é susceptível de gerar um efeito prático anterior, traduzindo-se, nessa medida, num sacrifício da liberdade fundamental de trabalho no período por que perdurou a execução do contrato (sendo certo que no caso sub judice, de acordo com a alegação da petição inicial que se nos afigura despiciendo submeter a instrução, em face daquele sacrifício anterior, terá também sido a trabalhadora sacrificada na sua vinculação ulterior em actividade não concorrente com a da recorrida). Apesar de nula, a cláusula de não concorrência, é susceptível de produzir o efeito prático de desencorajar o trabalhador de se desvincular do contrato por ter consciência de que a sua liberdade de procurar novo emprego ou de desenvolver uma actividade económica estaria limitada pelo período convencionado após a cessação do vínculo[19] Pelo que, em observância do n.º 2, do artigo 121.º do Código do Trabalho, deve considerar-se a cláusula inválida substituída pela norma imperativa, ou seja, deve considerar-se o pacto firmado incondicionável nos termos em que o foi no n.º 3, da cláusula 13.ª, do contrato de trabalho celebrado, valendo nos seus precisos termos o acordados nos n.º s 1 e 2 da mesma cláusula. Uma vez que no n.º 2 da cláusula 13.ª se mostra convencionada uma compensação para a não concorrência nos termos prescritos no artigo 136.º, n.º 2, alínea c) do Código do Trabalho, ao nele se estabelecer que “[e]m contrapartida das obrigações previstas na presente cláusula, o SEGUNDO CONTRAENTE terá direito a receber, durante o período de limitação a actividade previsto no número anterior, uma compensação mensal equivalente a 40% do valor da última retribuição base mensal auferida antes da cessação do contrato”, vale esta convenção como concretização do comando imperativo constante deste preceito da lei substantiva laboral que impõe a compensação económica como condição de validade do pacto de não concorrência. Assim, mantendo-se o contrato sem a parte viciada, independentemente do sentido da vontade hipotética ou real da partes entendemos que a aplicação do regime do n.º 2 do artigo 121.º do Código do Trabalho implica no caso vertente que, simplesmente, se desconsidere o n.º 3 da cláusula 13.ª, mostrando-se a observância da norma imperativa salvaguardada pela aplicação do n.º 2, da cláusula. Deve acrescentar-se que, mesmo à luz da lei substantiva comum, se chegaria a conclusão similar. Com efeito, uma das hipóteses em que se tem considerado que a redução do negócio jurídico prevista no artigo 292.º do Código Civil deve ter lugar, mesmo que a vontade hipotética seja no sentido da invalidade total, é justamente a de a cláusula inválida afrontar uma norma que se destina a proteger uma parte contra a supremacia da outra. Como escreve o Professor Mota Pinto, “quando a invalidade parcial resultar da infracção de uma norma destinada a proteger uma parte contra a outra, haverá redução mesmo que haja vontade, hipotética ou real, em contrário. Trata-se de uma redução teleológica, no sentido de ser determinada pela necessidade de alcançar plenamente as finalidades visadas pela norma imperativa infringida (pois tal finalidade frustrar-se-ia com a procedência da alegação de que nunca se teria celebrado o negócio sem que essa norma, destinada a proteger a outra parte, tivesse sido violada”[20]. Este Professor adianta ainda como hipótese de redução do negócio independentemente da vontade hipotética das partes o caso de, uma vez verificada a invalidade, ser “conforme à boa fé, numa apreciação actual, que o restante conteúdo do negócio se mantenha, ainda que a vontade hipotética, reportada ao momento da conclusão do negócio, fosse diversa”. Invocando a doutrina do Professor Manuel de Andrade, afirma: trata-se de apurar “se é justo (conforme a boa fé contratual) que, uma vez concluído o negócio, se mantenha o seu restante conteúdo independentemente de ser nesse sentido a vontade hipotética das partes”. Esta redução em conformidade com a boa fé funda-se nos critérios constantes dos artigos 239.º e 762.º do Código Civil e, em última análise, na cláusula geral do artigo 334.º[21]. No caso vertente, em que o n.º 3 da cláusula 13.ª do contrato de trabalho se mostra nulo, por permitir a efectiva limitação da liberdade de trabalho da trabalhadora sem a correspondente compensação ao condicionar a eficácia do pacto de não concorrência após a cessação do contrato de trabalho à vontade unilateral da empregadora, seria contrário aos ditames da boa fé que, uma vez produzido – pelo menos – o efeito do pacto que necessariamente se verifica na esfera da trabalhadora em momento anterior à cessação contratual, fosse permitido à empregadora não pagar a compensação devida pela assunção da obrigação de não concorrência com a alegação de que, sem aquela condição, não teria celebrado o pacto. Além disso, cremos que a condição convencionada no n.º 3, da cláusula 13.ª do contrato de trabalho, apesar de se prefigurar como suspensiva nos termos do artigo 270.º do Código Civil, tal como se mostra formulada no texto contratual (a sua verificação importa, segundo nele escrito, a “eficácia das obrigações assumidas”), acaba por ter no momento da cessação do contrato de trabalho, uma vez executado o mesmo, a configuração de uma condição resolutiva, tendo em consideração que, na prática, os efeitos do negócio já se produziram em certa medida na esfera da trabalhadora enquanto perdurou o contrato. A verificação da condição tende assim à destruição – que se revela impossível – desses efeitos negociais na esfera da trabalhadora, com a concomitante não produção dos efeitos negociais compensatórios na esfera da empregadora, pelo que acaba por salvaguardar a empregadora da obrigação de pagamento da compensação convencionada apesar de a trabalhadora ter visto já cerceada a sua liberdade de trabalho com a celebração do pacto. Assim, nos termos prescritos na segunda parte do artigo 271.º, n.º 2, do Código Civil, nesta sua configuração resolutiva, deveria ter-se a condição constante do n.º 3 da cláusula 13.ª do contrato de trabalho por “não escrita”, não se invalidando o próprio negócio. Em suma, entendemos que à recorrente deve ser reconhecido, em face do contrato de trabalho documentado nos autos, uma vez expurgado da cláusula condicional dele constante (n.º 3, da cláusula 13.ª), o alegado direito à compensação prevista no pacto de não concorrência firmado com a recorrida nos termos da cláusula 13.ª, n.º 2, daquele contrato de trabalho, solução que, além de conforme com a boa fé e objectivamente justa, atendendo aos interesses em presença, encontra guarida no regime especial da invalidade emergente do artigo 121.º, n.º 2, do Código do Trabalho.» Acompanhamos inteiramente esta posição que considera válido o pacto de não concorrência expurgado da cláusula condicional que enferma de nulidade, a qual é transponível para o caso que nos ocupa. Lê-se no nº3 da cláusula 18ª do contrato de trabalho celebrado entre o A. e a R.: “A primeira outorgante poderá no momento da cessação do contrato de trabalho, prescindir da aplicação do pacto de não concorrência ou optar pela alteração do seu período de vigência dentro do limite de 24 meses.” Esta estipulação conferia à R./ recorrente o direito de renúncia unilateral do pacto de concorrência no momento da cessação do contrato de trabalho, cujos efeitos são ainda mais gravosos para o trabalhador do que os resultantes da aposição de uma condição suspensiva, pois o A. ficou imediatamente vinculado aquando da celebração do contrato, enquanto a R. podia desvincular-se no momento da cessação do contrato. Assim, pelas razões expendidas, bem decidiu o Tribunal recorrido ao considerar nula tal estipulação e ao condenar a recorrente na compensação acordada. E mercê dessa nulidade ainda que a Recorrente tivesse provado que prescindiu / renunciou ao pacto de concorrência aquando da cessação do contrato, tal não a exonerava do pagamento da compensação acordada. Mas ainda que se tivesse como válida a estipulação do nº3 da cláusula 18ª e assistisse à recorrente o direito à renuncia unilateral do pacto de não concorrência, tal direito teria que ser exercido no momento da cessação do contrato e não posteriormente, pelo que nunca a pretensão da recorrente no sentido de se considerar que prescindiu / renunciou ao pacto de não concorrência através do e-mail de 5.11.2020, sendo apenas devida a compensação ao Autor até essa data, poderia obter acolhimento. Na perspectiva da recorrente ela podia a qualquer momento durante o período de vigência do pacto de não concorrência renunciar ao mesmo e o A. perdia o direito à compensação, posição que viola manifestamente a natureza onerosa e bilateral que tal pacto assume no nosso ordenamento jus-laboral. Em suma, a previsão de renúncia unilateral da R. ao pacto de não concorrência constante do nº3 da cláusula 18ª é nula e com a cessação do contrato, a R. ficou obrigada a pagar ao A. a quantia acordada que serve de compensação pelo prejuízo que este poderá sofrer pela limitação da sua liberdade de trabalho, pois ficou por demonstrar que na reunião final aquando da cessação do contrato tivesse sido acordada entre ambas as partes a não aplicação de tal pacto. Do abuso de direito Na sentença recorrida julgou-se improcedente tal excepção, afirmando-se que da factualidade apurada não resultava provado que o autor tivesse assumido qualquer atuação que, objetivamente considerada, fosse passível de constituir uma ofensa grave e patente das regras da boa-fé e do fim social e económico do direito, designadamente que tivesse renunciado ao seu direito. A Ré em sede de recurso continua a invocar o abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, sustentando, em suma, recorrido, ao reclamar a compensação depois de ter prescindido do aplicação do pacto de não concorrência na reunião realizada de abril de 2020 e fazendo-o apenas cerca de seis meses depois da cessação do contrato, actuou em claro abuso de direito, visando unicamente prejudicar a R. e obter uma vantagem patrimonial que sabe não lhe ser devida. Em primeiro lugar, reitera-se que a recorrente não provou que o recorrido tivesse na reunião ocorrida em Abril de 2020 acordado em prescindir da aplicação do pacto de não concorrência, pois a impugnação da decisão da matéria de facto improcedeu. Caso tal se tivesse provado, o Autor não teria direito à compensação peticionada, mas a situação seria de ausência de direito e não de exercício abusivo do mesmo. E, com o devido respeito, não vemos como o facto de o Autor só ter reclamado o pagamento da compensação acordada cerca de seis meses após a cessação do contrato, possa configurar um exercício abusivo do direito. Lendo o nº2 da cláusula da cláusula 18ª, que estabelece o pagamento mensal de uma compensação equivalente a 60% da última remuneração base do trabalhador, não se retira a necessidade de qualquer interpelação da Ré. Esta, tendo promovido a cessação do contrato de trabalho, após a cessação do mesmo estava imediatamente obrigada ao pagamento da compensação acordada, não se podendo retirar da inércia do A. durante cerca de 6 meses qualquer efeito jurídico, nomeadamente de renúncia ao cumprimento do pacto, a R. é que se constituiu em mora. Destarte, também nesta parte, nenhuma censura merece a sentença recorrida, pois perante o quadro factual apurado, nada permite concluir que o A. tenha exercido abusivamente o seu direito, excedendo, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico dum direito, ficando assim arredada a aplicação do art. 334º do C.Civil. Assim, sucumbindo toda a argumentação recursiva da Ré, impõe-se a confirmação da sentença. * IV. Decisão Pelo exposto, os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, acordam em julgar improcedente a apelação da R., confirmando a sentença recorrida. Custas do recurso a cargo da Ré, nos termos do art. 527º, nºs 1 e 2 do C.P.Civil. Notifique Porto, 28 de Junho de 2024 Os Juízes Desembargadores Relatora: Eugénia Pedro 1º Adjunto: António Luís Carvalhão. 2º Adjunto: Rui Penha |