Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | CARLOS PORTELA | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO RENOVAÇÃO PRAZOS NATUREZA IMPERATIVA CLÁUSULA NULA | ||
Nº do Documento: | RP201910122848/18.0YLPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 12/10/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Nos contratos com prazo certo tanto o senhorio como o inquilino podem impedir a renovação automática do contrato, nos termos do disposto nos artigos 1096º a 1098º do Código Civil. II - A oposição à renovação é, por natureza, um instituto específico dos contratos dotados de prorrogação automática. III - Os prazos previstos nas várias alíneas do nº1 do art.º1097º do Código Civil têm natureza imperativa. IV - Assim é nula a cláusula contratual que fixa um prazo substancialmente menor do que o expressamente previsto na alínea a) do supra referido artigo, para a oposição à renovação do contrato por parte do senhorio. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Apelação nº2848/18.0YLPRT.P1 Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia Relator: Carlos Portela (978) Adjuntos: Des. Joaquim Correia Gomes Des. António Paulo Vasconcelos Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto B… SA com sede na Rua …, n. .., Vila Nova de Gaia, veio requerer procedimento especial de despejo contra C…, residente na Avenida …, …, …, em Vila Nova de Gaia, pedindo, além do despejo, por cessação do contrato por oposição à renovação pelo Senhorio/Requerente.I. Relatório: O Requerido deduziu oposição, invocando, por um lado, que o contrato de arrendamento em vigor entre as partes é um contrato sem prazo certo e, por isso, não sujeito ao regime de denúncia pelo Senhorio, por oposição à sua renovação, defendendo também que, ainda que se considerasse tratar-se de um contrato com prazo certo, a oposição à renovação seria ineficaz, por não ter sido feita com a antecedência mínima legal de 240 dias relativamente ao termo do contrato. Mais requereu, para a hipótese da procedência do despejo, o diferimento da desocupação do locado pelo período de 5 meses. Por despacho entretanto proferido nos autos, indeferiu-se liminarmente o pedido de desocupação do locado por se entender que os fundamentos invocados não se ajustam a qualquer um dos referidos nas alíneas a) e b) do nº2 do artigo 15º-N do NRAU. Realizou-se uma tentativa de conciliação, a qual não teve sucesso, mantendo as partes as posições vertidas nos seus articulados. Os autos prosseguiram os seus termos, acabando por ser proferida sentença na qual se julgou totalmente improcedente o presente procedimento especial de despejo e, em consequência, se absolveu o Requerido/Arrendatário do pedido. A requerente veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos, as suas alegações. Não foram apresentadas contra alegações. Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo. Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.II. Enquadramento de facto e de direito: É consabido que o objecto do presente recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela requerente/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC). E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões: A) O presente recurso tem como objecto a matéria de facto e de direito da sentença condenatória proferida nos presentes autos, a qual julgou improcedente o presente procedimento especial de despejo e absolveu o Requerido do pedido.(Matéria de Facto) B) Na douta sentença de que se recorre (vide ponto 1. dos factos assentes) o Tribunal a quo deu como provado: - Que o contrato de arrendamento em questão nos autos foi "...subscrito pela Requerente, na qualidade de senhoria…"; - Que "…Por carta datada de 23 de Março de 2008…" a aqui Recorrente comunicou ao Recorrido a sua oposição à renovação do contrato; - Que, nos termos da "...cláusula 1ª do contrato", este foi celebrado pelo período de um ano, podendo ser renovado se nenhuma das partes o denunciasse com antecedência mínima de 90 dias. C) Contudo, face aos meios probatórios constantes nos autos, tais factos não deveriam, nem poderiam, ter sido dados como provados. D) O contrato de arrendamento em questão nos autos não foi celebrado entre a Recorrente e o Recorrido, nem subscrito por aquela. E) A Recorrente adquiriu o imóvel, objecto do presente contrato, em 21 de Abril de 2017 (vide doc. de fls.17v., dos autos). F) Enquanto o contrato de arrendamento dos autos foi celebrado a 01 de Setembro de 2008 (vide doc. de fls.4v. e 5, dos autos e ponto 1. dos Factos Assentes da douta sentença). G) Tendo o contrato em questão sido celebrado entre os anteriores proprietários do imóvel, D… e sua mulher, E…, na qualidade de senhorios, e o inquilino/Recorrido, C… (vide doc. de fls.4v. e 5, dos autos). H) Igualmente, a data da comunicação da oposição à renovação do contrato teve lugar a 23 de Março de 2018 e não a 23 de Março de 2008, como consta em 2. Dos factos assentes, da douta sentença (vide doc. de fls.5v. a 7, dos autos). I) Finalmente, o prazo de duração do contrato e respectivos termos da sua renovação, constam na cláusula 2ª do contrato de arrendamento (vide doc. de fls.4v., dos autos) e não na cláusula 1ª, como vem afirmado na douta sentença (vide ponto 1. dos Factos Assentes). J) Ao dar como provados tais factos, isto é, (i) que a Recorrente subscreveu o contrato de arrendamento dos autos, (ii) que o prazo de duração do mesmo e os termos da sua renovação constam da sua cláusula 1º do contrato, (iii) e que a comunicação de oposição à renovação, feita ao inquilino, teve lugar no dia 23 de Março de 2008, o Tribunal a quo julgou incorrectamente a matéria de facto e, em violação do disposto no art.607º, nº4, do CPC, não tomou em consideração os factos documentalmente provados e constantes dos autos. K) Pelo que deverão tais factos incorrectamente julgados, ser substituídos por aqueles outros, provados por documentos e admitidos por acordo porque não contestados, sugerindo-se a seguinte redacção: "1. A senhoria, B…, SA. requer o despejo com base na oposição à renovação do contrato de arrendamento, cuja cópia consta a fls.4verso/5, relativo à habitação situada na Travessa …, nº..., …, casa …, artigo matricial 55 da freguesia do …, concelho de Vila Nova de Gaia, datado em 1 de Setembro de 2008, subscrito por D… e mulher, E… na qualidade de senhorios e pelo Requerido C… na qualidade de arrendatário, no qual consta ser o arrendamento temporário e feito pelo período de um ano, com início a 01.09.2008 e termo a 31.08.2009, o qual poderia ser renovado por iguais períodos, se nenhuma das partes o denunciasse com a antecedência mínima de 90 dias (cláusula 2º do contrato). 2. Por carta datada de 23 de Março de 2018, registada, com aviso de recepção, que o Requerido/arrendatário recebeu em 29.03.2018, a Senhoria comunicou, invocando o disposto nos artigos 1096º, n.3 e 1097º do Código Civil, a sua oposição à renovação do referido contrato de arrendamento, solicitando a entrega do imóvel até ao dia 1 de Setembro de 2018, por considerar que nessa data o arrendamento cessaria os seus efeitos - cf. documentos de fls.5 verso a 7." (Matéria de Direito) L) Na douta sentença de que ora se recorre, o Tribunal a quo introduziu dúvida sobre o tipo de contrato de arrendamento em questão nos autos e considerou ineficaz a comunicação de oposição à renovação do contrato, deduzida pela Recorrente, julgando improcedente o presente procedimento especial de despejo e absolvendo o Recorrido do pedido. M) Ao assim ter julgado e decidido, o Tribunal a quo fez incorrecta interpretação e aplicação da lei, violando o disposto nos arts. 1094º, nº1, 1095º, nº1 e 1097º, nº1, alínea b), todos do Código Civil. N) À matéria de facto, Tribunal a quo deu como provado que o contrato de arrendamento dos autos é um contrato com prazo, celebrado pelo período de um ano, com início a 01-09-2008 e termo a 31-08-2009 (vide ponto 1. dos factos assentes). O) Porém, na apreciação da matéria de direito, o Tribunal a quo introduz a dúvida (se não a possibilidade) de se tratar de um contrato celebrado por duração indeterminada (vide §1º da matéria de direito). P) E fá-lo nos termos que se transcrevem: "Independentemente da discussão e apreciação da questão suscitada pelo Requerido, de o contrato de arrendamento em vigor ser ou não um contrato com prazo certo, ainda que se considere que tal contrato é um contrato com prazo certo, nem por isso será de considerar válida a oposição à sua renovação, de acordo com a causa de pedir invocada pela Senhoria." Q) No caso vertente, estando em causa a eficácia da comunicação de oposição à renovação deduzida pelo senhorio, importa que não fiquem dúvidas sobre o tipo de contrato de arrendamento. R) O contrato de arrendamento dos autos cumpre o estipulado no art.1095º, nº1 do CC., contendo uma cláusula escrita sobre a sua duração, início e termo (vide cl.2ª do contrato de fls.4v., dos autos). S) O próprio Tribunal a quo assim o considera, ao afirmar em 1. dos Factos assentes, da douta sentença, que nesse contrato "…consta ser o arrendamento temporário e feito pelo período de um ano, com início a 01.09.2008 e termo a 31.08.2009…". T) Por isso, ao considerar a possibilidade de o contrato de arrendamento dos autos ter sido celebrado por duração indeterminada, depois de ter dado como provado que o mesmo é um contrato com prazo certo, o Tribunal a quo, para além de introduzir incompreensível insegurança na decisão, faz incorrecta aplicação do disposto no art.1094º, nº1 e 1095º, ambos do CC.. U) Devendo, em consequência o texto do 1º§ da matéria de direito da douta sentença ser substituído por outro que, retirando a dúvida introduzida pelo Tribunal a quo, inequivocamente afirme que o contrato de arrendamento dos autos é um contrato celebrado com prazo certo. V) Nos termos do disposto no art.1097º, nº1, alínea b), do CC., o senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com antecedência mínima de "…120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação (sublinhado nosso) for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos". W) Pelo que, no caso vertente e no que à oposição à renovação deduzida pelo senhorio respeita, tratando-se de um contrato de arrendamento com prazo certo de um ano renovável por períodos sucessivos de igual duração, o prazo de antecedência mínima para a respectiva comunicação é 120 dias. X) Prazo que a Recorrente cumpriu, tendo efectuado essa comunicação em 23 de Março de 2018, com 155 dias de antecedência, portanto, face ao termo da renovação em curso, que ocorreria a 31-08-2018. Y) Porém, o Tribunal a quo assim não entendeu e julgou ineficaz a comunicação efectuada pela Recorrente com o fundamento de que, no caso, o prazo de antecedência mínima a respeitar seria de 240 dias, exigidos pelo disposto no art.1097º, nº1, alínea a), do CC.. Z) Ao assim ter considerado, julgando improcedente o requerido despejo e absolvendo o Réu/Recorrido do pedido, incorreu o Tribunal a quo em errónea interpretação e aplicação da lei. AA) E violou o disposto nos artigos 1094º, nº1, 1095º, nº1 e 1097º, n1, alínea b), todos do Código Civil. Termos em que, com o douto suprimento do omitido, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, julgada improcedente a oposição e decretado o despejo, com todos os efeitos legais decorrentes Assim fazendo V. Exas. Justiça * Perante o acabado de expor, resulta claro serem as seguintes as questões suscitadas neste recurso:1ª) A impugnação da decisão da matéria de facto; 2ª) A definição do tipo de contrato em apreço nos autos; 3ª) A tempestividade e eficácia da comunicação (de oposição à renovação do contrato), efectuada pela requerente/apelante ao requerido/apelado. * É o seguinte o conteúdo da decisão de facto que foi proferida:Factos assentes: 1. A Senhoria, B…, SA, requer o despejo com base na oposição à renovação do contrato de arrendamento, cuja cópia consta a fls. 4 verso/5, relativo à habitação situada na Travessa …, n. .., …, casa 2, artigo matricial 55 da freguesia do …, concelho de Vila Nova de Gaia, datado em 1 de setembro de 2008, subscrito pela Requerente, na qualidade de senhoria e pelo Requerido C…, na qualidade de arrendatário, no qual consta ser o arrendamento temporário e feito pelo período de um ano, com início a 01.09.2008 e termo a 31.08.2009, o qual poderia ser renovado por iguais períodos, se nenhuma das partes o denunciasse, com a antecedência mínima de 90 dias (cláusula 1ª do contrato).2. Por carta datada de 23 de Março de 2008, registada, com aviso de recepção, que o Requerido/arrendatário recebeu em 29.03.2018, a Senhoria comunicou, invocando o disposto nos artigos 1096º, n.º3 e 1097º do Código Civil, a sua oposição à renovação do referido contrato de arrendamento, solicitando a entrega do imóvel até ao dia 1 de Setembro de 2018, por considerar que nessa data o arrendamento cessaria os seus efeitos – cfr. documentos de fls. 5 verso a 7. * Como todos já vimos, neste seu recurso a requerente /apelante começa por impugnar a decisão de facto antes proferida, requerendo que os pontos 1) e 2) dos Factos Assentes sejam alterados nos termos propostos na conclusão K) das suas alegações.Vejamos, pois: Segundo o disposto no nº1 do art.º662º do CPC, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”. Segundo o que foi feito constar na decisão recorrida e o que claramente resulta dos autos, a decisão de facto antes proferida e agora impugnada, teve apenas como fundamento a prova documental que consta do processo, prova essa que as partes não puseram em causa por qualquer meio processualmente admissível. A ser assim e porque nenhuma outra prova foi produzida nos autos, bem decidiu o Tribunal “a quo” quando justificou a decisão da matéria de facto na referida prova documental, nomeadamente na cópia do Contrato de Arrendamento junta a fls. 4 verso e 5 e nas cópias da correspondência trocada entre a requerente e o requerido que foi junta a fls.5 verso, 6 verso e 7. No entanto, o que se verifica é que o consignado nos aludidos pontos 1) e 2) dos Factos Assentes não espelha devidamente o que de tais documentos resulta. A este propósito importa também considerar o que resulta dos documentos juntos a fls.17 a 20 dos autos (a certidão emitida pela AT em 4.01.2019, a cópia da declaração de retenção da fonte de D… recebida em 23.01.2009 e a certidão permanente do Registo Predial do imóvel objecto do contrato de arrendamento dos autos disponibilizada em 04.01.2019). Ou seja, da análise mais atenta de tais documentos o que resulta é que tem de facto razão a requerente/apelante nesta sua pretensão. Concretizando, está documentalmente provado o seguinte: - O contrato de arrendamento em questão nos autos não foi celebrado entre a Recorrente e o Recorrido, nem subscrito por aquela; - A Recorrente adquiriu o imóvel, objecto do presente contrato, em 21 de Abril de 2017; - O contrato de arrendamento dos autos foi celebrado a 01 de Setembro de 2008; - O contrato em questão foi celebrado entre os anteriores proprietários do imóvel, D… e sua mulher, E…, na qualidade de senhorios, e o inquilino/Recorrido, C…; - A data da comunicação da oposição à renovação do contrato teve lugar a 23 de Março de 2018 e não a 23 de Março de 2008; - O prazo de duração do contrato e respectivos termos da sua renovação, constam na cláusula 2ª do contrato de arrendamento e não na cláusula 1ª, como vem afirmado na douta sentença. Sendo assim verificados os pressupostos previstos no supra citado art.º662º, nº1 do CPC, concede-se, nesta parte, provimento ao recurso aqui interposto e altera-se nos seguintes termos a decisão de facto: Factos Assentes: 1) A senhoria, B…, SA. requer o despejo com base na oposição à renovação do contrato de arrendamento, cuja cópia consta a fls.4 verso/5, relativo à habitação situada na Travessa …, nº52, 1º, casa 2, artigo matricial 55 da freguesia do …, concelho de Vila Nova de Gaia, datado em 1 de Setembro de 2008, subscrito por D… e mulher, E… na qualidade de senhorios e pelo Requerido C… na qualidade de arrendatário, no qual consta ser o arrendamento temporário e feito pelo período de um ano, com início a 01.09.2008 e termo a 31.08.2009, o qual poderia ser renovado por iguais períodos, se nenhuma das partes o denunciasse com a antecedência mínima de 90 dias (cláusula 2º do contrato).2) Por carta datada de 23 de Março de 2018, registada, com aviso de recepção, que o Requerido/arrendatário recebeu em 29.03.2018, a Senhoria comunicou, invocando o disposto nos artigos 1096º, n.3 e 1097º do Código Civil, a sua oposição à renovação do referido contrato de arrendamento, solicitando a entrega do imóvel até ao dia 1 de Setembro de 2018, por considerar que nessa data o arrendamento cessaria os seus efeitos - cf. documentos de fls.5 verso a 7." * É pois com tais factos que devem ser apreciadas e decididas as restantes questões aqui suscitadas, as quais ficaram já antes melhor identificadas.Contrariamente ao que defende a requerente/apelante nas suas alegações, o Tribunal “a quo” acabou por encontrar a solução correcta para a questão em litígio. No entanto, manifestamos desde já a nossa divergência quanto aos fundamentos de direito em que tal decisão se sustentou. Vejamos, pois: Como está provado nos autos o contrato em discussão foi celebrado em 01 de Setembro de 2008 para entrar em vigor de imediato. Como é sabido aos contratos é aplicável em regra o regime jurídico vigente à época da sua celebração. A ser assim seria pois de concluir que ao mesmo seriam aplicáveis as regras da Lei nº6/2006 de 27.02 que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) e que entrou em vigor em 27 de Junho de 2006. No entanto, a comunicação da requerente senhoria data de 23 de Março de 2018, altura em que já vigorava o artigo 1098º do CC na versão da Lei nº 31/2012, de 14/08. Esta versão do artigo 1098º do CC já se aplica ao contrato dos autos porque regula sobre o conteúdo da relação jurídica do arrendamento e, por isso, se aplica às relações de arrendamento já constituídas – artigo 12º, 2 do CC, 2ª parte. Ou seja, não resulta da lei qualquer impedimento a que esta interpretação ocorra, e não se vê outro argumento ou razões ponderosas para que seja diferente o entendimento a subscrever. Aliás, quer a oposição à renovação, quer a denúncia do contrato, contêm um regime especial no arrendamento habitacional, ora justificado para dificultar a cessação do arrendamento pelo senhorio, beneficiando o inquilino, ora justificado para conferir ao vínculo contratual alguma estabilidade, levando as partes a cumprir o prazo do contrato fixado de acordo com as conveniências mútuas. Ora da leitura mais atenta do contrato em questão nos autos, pode concluir-se que as partes sujeitaram o mesmo às regras dos artigos 1095º a 1098º do Código Civil. Assim sendo e atenta a redacção dos artigos 1094º e 1095º do CC, estamos pois perante um contrato com prazo certo, por um ano, renovável por sucessivos e iguais períodos, por oposição aos contratos de duração indeterminada previstos nos artigos 1099º a 1103º do CC. Nos contratos com prazo certo tanto o senhorio como o inquilino podem impedir a renovação automática do contrato, nos termos do disposto nos artigos 1096º a 1098º do Código Civil. A oposição à renovação é, por natureza, um instituto específico dos contratos dotados de prorrogação automática; logo, quanto ao arrendamento de prédios urbanos, é privativo dos contratos com prazo certo (cf. Pinto Furtado, in Manual de Arrendamento Urbano, 4ª ed. actualizada, vol. II, Almedina, pág. 899). Ou seja, relativamente aos arrendamentos habitacionais com prazo certo, vigora o instituto da oposição à renovação, previsto no artigo 1098º, nºs 1 e 2 do CC, e vigora o instituto da denúncia, no que se entendia por revogação unilateral, com sede no artigo 1098º, nºs 3 e 5 do Código Civil, ambos de natureza imperativa. Já vimos que o contrato dos autos tinha prazo certo, e renovava-se a partir de 31 de Agosto de 2009, caso não operasse oposição à renovação. Por carta datada de 23 de Março de 2018, junta a fls.14 v, a requerente senhoria, comunicou ao requerido inquilino a sua oposição à renovação do contrato que havia sido celebrado em 1 de Setembro de 2008. No mesmo contrato ficou estipulado pelas partes o seguinte: “2º Este arrendamento temporário é feito pelo período de uma ano, com início a 1/09/2008 e termo a 31/082009, o qual poderá ser renovado por iguais períodos, se nenhuma das partes o denunciar, com a antecedência mínima de 90 dias.” (sublinhado nosso) Na decisão recorrida foi considerado que tal cláusula é nula, por contrariar os prazos previstos no nº1 do art.º1097º do Código Civil, atenta a natureza imperativa que resulta da mesma, face ao disposto no art.º1080º do mesmo diploma legal. E tem razão a Sr.ª Juiz “a quo” quando ali afirma que no caso estamos perante uma imperatividade relativa, já que o prazo pode ser aumentado por acordo das partes, mas não pode ser diminuído. Para justificar tal entendimento, que subscrevemos, valem os argumentos tecidos pelo Desembargador Fernando Baptista de Oliveira, A Resolução do Contrato no Novo Regime do Arrendamento Urbano, Almedina. página 21 e 22, e que são os seguintes: “E por esta disposição (a do art.º 1080º) se fica sabendo que as normas contidas nessas bolsas mais resguardadas, facilmente localizáveis no percurso do regime da relação negocial locatícia, se impõem ao próprio acordo das partes em sentido contrário. Mas como, por outro lado, a intenção do legislador ao proclamar solene e abertamente a natureza imperativa destes pequenos condados normativos, não é positivamente a de criar tabus da lei ou de implementar dogmas em certas ilhas do instituto, antes é apenas, por via de regra, a de proteger de modo especial os interesses de uma ou outra das partes mais dignos de tutela, caberá naturalmente ao intérprete inquirir, junto de cada norma compreendida nesses pequenos santuários, qual o interesse que o legislador pretendeu salvaguardar (não se excluindo obviamente a possibilidade de uma ou outra norma proteger de modo especial interesses de terceiros ou até interesses gerais de contratação). E, uma vez feito esse levantamento, poder-se-á algumas vezes concluir com segurança pela nulidade das cláusulas contratuais que não respeitem a tutela mínima que a lei pretendeu conceder ao interesse visado, (…). Ora é manifestamente o que se verifica no caso dos autos. Ou seja, o que ficou fixado na cláusula 2ª do contrato dos autos não respeita desde logo o que o legislador entendeu por bem definir quanto ao prazo mínimo para a oposição à renovação a deduzir pelo senhorio. Mais, tal cláusula não respeita a tutela mínima que alei pretender ao interesse visado com a referida norma, razão pela qual não se pode considerar válida e aqui aplicável. Assim sendo, no caso, a antecedência mínima para a comunicação pela senhoria da sua oposição à renovação do contrato, era de 240 dias, pelo facto de o contrato, celebrado em 2008, ter durado mais de 6 anos (cf. art.º1097º, nº1, alínea a) do CC). Ora, tal prazo não se mostra de todo observado, pois a comunicação da oposição à renovação foi feita em 29.03.2018 e o termo do contrato teria lugar a 31.08.2018. Deste modo e porque a comunicação da oposição à renovação é claramente ineficaz, impõe-se concluir pela manifesta improcedência do pedido formulado pela senhoria B… S.A. Improcede assim o recurso que a mesma aqui veio interpor. * ..........................................................Sumário (cf. art.º663º, nº7 do CPC): .......................................................... .......................................................... * Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e confirma-se a decisão recorrida.III. Decisão: * Custas a cargo da requerente/apelante (cf. art.º527º, nºs 1 e 2 do CPC).* Notifique.* Porto, 10 de Dezembro de 2019Carlos Portela Joaquim Correia Gomes António Paulo Vasconcelos |