Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
144/05.2TVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO RAMOS LOPES
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
RATEIO
NOTIFICAÇÃO
PUBLICAÇÃO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO TRIBUNAL DE RECURSO
Nº do Documento: RP20240710144/05.3TYVNG.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A deficiência da decisão sobre a matéria de facto (falta de pronúncia sobre factos juridicamente relevantes) não determina a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, antes consubstancia patologia que, mesmo oficiosamente, à Relação se impõe conhecer, em vista de a suprir (a partir dos elementos constantes do processo) ou, tal não sendo possível, de determinar a anulação da decisão para ampliação da matéria de facto (art. 662º, nº 2, c) do CPC).
II - Não se verifica existir nulidade secundária:
- se a proposta do mapa de rateio apresentada pelo administrador da insolvência, ao invés de notificada aos interessados, é publicada nos termos do nº 3 do art. 182º do CIRE,
- se a sentença de verificação e graduação de créditos não é notificada a quem era estranho ao apenso da reclamação, por não ter a qualidade de credor, reconhecido e/ou reclamante.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 144/05.2TYVNG.P1
Relator: João Ramos Lopes
Adjuntos: Rodrigues Pires
                Maria Eiró

*

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

RELATÓRIO


*

Apelantes: AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, YY, ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD, EEE, FFF, GGG, HHH, III, JJJ, KKK, LLL, MMM, NNN, OOO, PPP, QQQ, RRR, SSS, TTT, UUU, VVV, WWW, XXX, YYY, ZZZ, AAAA, BBBB, CCCC, DDDD, EEEE e FFFF (reclamantes).

Insolvente: A..., Ld.ª

Juízo de comércio de Vila Nova de Gaia (lugar de provimento de Juiz 1) – Tribunal Judicial da Comarca do Porto.


*

Nos presentes autos de insolvência, tramitado o apenso da reclamação de créditos (não constando os reclamantes como credores na relação de créditos reconhecidos apresentada nos termos do art. 129º do CIRE) e aí proferida sentença de verificação e graduação, publicitado nos termos do art. 182º, nº 3 do CIRE o mapa de rateio apresentado (em 23/11/2022) pelo administrador da insolvência e decidida reclamação apresentada por interessado, efectuados os pagamentos e as sobras atribuídas ao IGFEJ, depois de declarado o encerramento do processo nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 230º do CIRE (despacho de 3/10/2023), apresentaram-se os agora apelantes, alegando créditos laborais sobre a insolvente, a reclamar do mapa de rateio por dele não constarem, não tendo do mesmo sido notificados, sendo que também não foram notificados da sentença de graduação de créditos proferida nos autos, pedindo a revogação do mapa de rateio e substituição por outro que ‘proceda à liquidação dos créditos reclamados sob condição’ e, caso assim não se entenda, se declare a ‘nulidade de omissão de notificação da sentença de graduação de créditos e anulado o processado’ subsequente, com a notificação dos reclamantes, ou, por uma questão de celeridade, se declare a nulidade da mesma sentença nos termos dos artigos 616º nº 2 b) do CPC e 136º nº 5 do CIRE.

O administrador da insolvência (alegando, além do mais, que os requerentes não constam na relação de créditos reconhecidos apresentado nos termos do art. 129º do CIRE, não tendo feito prova de que reclamaram os seus créditos junto do administrador em exercício de funções à data) e o Ministério Público pronunciaram-se pelo indeferimento da pretensão.

Apreciando a reclamação, foi proferido o seguinte despacho:

Requerimento dos trabalhadores refª 36975147 de 17.10., promoção do Mº Pº de 14.11. e email do A.I de 09.11.2023:

Vieram os trabalhadores identificados no requerimento em epigrafe apresentar Reclamação ao Mapa de Rateio, alegando, em síntese que, apesar de realizadas algumas diligências, no sentido de obter o pagamento dos seus créditos salariais, não foi possível aos Reclamantes obter o pagamento da totalidade dos seus créditos, não constando os mesmos do Mapa de Rateio na presente Insolvência e do qual não foram os Reclamantes notificados, nem o tinham sido da Sentença de Graduação de Créditos. Não receberam da Insolvente em sede de Rateio. Concluem pedindo seja revogado o mapa de rateio e substituído por outro que determine a sua correcção e proceda à liquidação dos créditos reclamados sob condição e, caso assim não se entenda, deverá declarada a nulidade de omissão de notificação da sentença de graduação de créditos e anulado o processado com a notificação dos Reclamantes, ou, por uma questão de celeridade, deve ser declarada a nulidade da mesma sentença nos termos dos artigos 616º nº2 b) do CPC e 136º nº5 do CIRE.

Com vista nos autos, o MºPº promoveu o indeferimento do pedido.

O A.I. pronunciou-se em 09.11.2023.

Vejamos.

Através do seu requerimento, pretendem as requerentes reclamar do rateio nos termos do art.º 616.º/2 b) do CPC, e, subsidiariamente, alegam a nulidade decorrente da falta de notificação da sentença de verificação e graduação de créditos aos credores.

Quanto ao mapa de rateio elaborado em 23.11.2022, referem os requerentes que dele não foram notificados, porém, o mesmo foi devidamente publicitado nos termos do disposto no artº 182º, n.º 3 do CIRE dispondo os credores de 15 dias, contados desde a data da publicação, para se pronunciarem sobre a mesma.

In casu, os requerentes não apresentaram reclamação ao mapa de rateio dentro daquele prazo e, após decisão de reclamação de outro interessado, foi aprovado e pago, tendo o processo sido encerrado nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE, por despacho proferido a 03/10/2023, transitado em julgado, e as sobras do rateio foram atribuídas ao IGFEJ, pelo que nenhuma quantia existe sequer para distribuição.

Assim, considerando a data do despacho que aprova o mapa de rateio (09/06/2023) e a data desta reclamação (17/10/2023), s.m.o., a mesma é extemporânea.

Quanto à invocada nulidade decorrente da falta de notificação da sentença de verificação e graduação de créditos aos credores, verifica-se que os ora reclamantes não constam da relação de créditos reconhecidos ao abrigo do artº 129º do CIRE junta aos autos em 28/08/2006, nem os mesmos alegaram ou provaram terem reclamado os seus créditos junto do Administrador de Insolvência em funções naquela data, Dr. GGGG, pelo que, s.m.o., não existe qualquer nulidade.

Deste modo e pelo exposto, indefere-se ao requerido.

Inconformados, apelam os reclamantes, pretendendo seja o despacho apelado substituído por outro que defira o requerido e, ‘consequentemente, admita a reclamação apresentada e determine a correcção total do mapa de rateio, com a consequente liquidação dos créditos’ aos apelantes, terminando as alegações com a formulação das seguintes conclusões:

1- O Tribunal a quo, fundou o seu mui douto despacho recorrido, não atendendo a factos alegados pelos aqui Recorrentes e proferindo assim, decisão de indeferimento.

2- Deixando de apreciar factos alegados pelos Recorrentes que legitimavam o seu direito e o pedido formulado.

3- Pelo que a decisão é nula.

4- O estabelecimento que integra a massa insolvente, onde os aqui Recorrentes trabalharam, foi prometido vender no âmbito do presente processo de insolvência a uma terceira sociedade, tendo existido por aquela cedência da sua posição contratual à sociedade B..., que não cumpriu o contrato.

5- Pelo que, o estabelecimento fabril, nunca tendo saído da propriedade da Insolvente, regressou porém, à sua posse.

6- O encerramento da Insolvente causou prejuízos aos Recorrentes, bem com, aos demais credores.

7- Os Recorrentes, só tomaram a posteriori, conhecimento através de terceiros, das diligências desenvolvida para a liquidação do activo.

8- Em consequência da liquidação do activo, foram pagas as quantias relativas a créditos salariais a um conjunto de antigos colegas de trabalho, a título de privilégio imobiliário especial e não aos Recorrentes que também foram trabalhadores da Insolvente.

9- Que, o Mapa de rateio apresentado pelo Ilustre Senhor A.J., e passível de Reclamação.

10- Até porque, os Recorrentes, nunca foram notificados da mui douta Sentença de   Graduação de Créditos proferida por esse mui douto Tribunal e, igualmente, em momento algum foram também notificados do mui douto Mapa de Rateio, daí o seu total desconhecimento.

11- Além disso, a proposta de rateio apresentada pelo Senhor AJ, não tendo sido notificada a qualquer dos ora Recorrentes, não lhes permitiu exercer o contraditório dentro do prazo.

12- O mapa de rateio e a sentença de graduação de créditos, foram elaborados de acordo com a relação de créditos reconhecidos pelo Senhor AJ, nos termos do artigo 154º do CIRE.

13 - Devia aí constar a existência/reconhecimento dos créditos dos aqui Recorrentes, resultante da cessação dos seus contratos de trabalho.

14- Além disso, nos exactos termos em que a sentença de verificação e graduação créditos foi elaborada, salvo melhor opinião, devia conter um dever de “apreciação”, de compulsar todos os elementos dos autos, prever a liquidação dos créditos dos Recorrentes, nos termos do artigo 181º do CIRE.

15- Impunha-se assim, decisão diversa da que foi Reclamada, devendo aquela ser revogada e substituída por outra que admitisse a reclamação apresentada e determinasse a correcção total do mapa de rateio,

16- Assim, do mui douto despacho recorrido, não se tendo apurado a nulidade decorrente da omissão da notificação da sentença de verificação e de graduação de créditos aos Reclamantes, aqui Recorrentes, permitiu-se a manutenção de uma nulidade insanável, nos termos do artigo 195º do C.P.C.

17- O Tribunal, devia ter decido pela declaração de nulidade da sentença de graduação de créditos, nos termos dos artigos 615º nº 1 d) e 616º nº 2 b), ambos do CPC.

18- Além de, dever ter sido revogado o mapa de rateio e substituído por outro que determinasse a correcção e se procedesse à liquidação dos créditos dos Recorrentes,

19- Caso assim não se entendesse, ser declarada a nulidade de omissão de notificação da sentença de graduação de créditos e anulado o processado com a notificação dos aqui Recorrentes, ou, em alternativa, ser declarada a nulidade da mesma sentença nos termos dos artigos 616º nº 2 b) do CPC e 136º nº 5 do CIRE, o que não se verificou.

20- Assim, deve o despacho recorrido ser substituído por outro que deferida o requerido e, consequentemente, admita a reclamação apresentada e determine a correcção total do mapa de rateio, com a consequente liquidação dos créditos aos Recorrentes.

Não foram apresentadas contra-alegações.


*

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

*

Delimitação do objecto do recurso.

Considerando, conjugadamente, a decisão recorrida (que constitui o ponto de partida do recurso) e as conclusões das alegações, identificam-se como questões colocadas à apreciação deste tribunal:

- a nulidade da decisão, por desconsiderar (e deixar de apreciar) factos alegados pelos reclamantes apelantes (conclusões 1ª a 3ª),

- as nulidades de procedimento decorrentes da falta de notificação i) da proposta de rateio apresentada nos autos pelo administrador e ii) da sentença de graduação de créditos.


*

FUNDAMENTAÇÃO

*


Fundamentação de facto

A matéria a considerar é a que se deixa exposta no relatório que precede, sendo de sublinhar que o despacho apelado não elencou matéria provada e/ou não provada.


*

Fundamentação de direito

A. Da nulidade da decisão – desconsideração (falta de apreciação) de factos alegados pelos reclamantes apelantes.

Patente a improcedência da arguição.

Imputam os apelantes à decisão o vício da nulidade por omissão de pronúncia sobre factos relevantes - omissão de conhecimento (omissão de apreciação) sobre matéria que legitimava o seu invocado direito e pedido (reclamação) formulado (art. 615º, nº 1, d) do CPC, aplicável também aos despachos, ex vi art. 613º, nº 3 do CPC).

Não se desconhece o entendimento que sustenta que a falta de pronúncia sobre factos juridicamente relevantes, porque tal pronúncia também integra actualmente o objecto da decisão sentença, constitui (para lá do error in judicando sobre a questão de facto), nulidade da decisão por omissão de pronúncia [o tribunal incorre na falha de não decidir sobre factos relativamente aos quais se impunha decidir, pois dever ‘emitir pronúncia sobre todos os factos essenciais alegados carecidos de prova (arts. 607º, nº 3 e 608º, nº 2), sob pena de ocorrer uma omissão de pronúncia no julgamento da questão de facto’, geradora da nulidade da sentença[1]].

Noutra abordagem, sustenta-se que a falta de pronúncia sobre factos juridicamente relevantes integra uma violação do disposto no art. 607º, nº 4 do CPC e, assim (não integrando a matéria de facto as questões a decidir, nos termos do art. 608º, nº 2 do CPC, pois que circunscritas estas às questões de direito, substantivas), não constituindo vício na construção da decisão passível de integrar a nulidade por omissão de pronúncia, integra patologia a sindicar (mesmo oficiosamente) nos termos do art. 662º, nº 2, c) do CPC, enquanto deficiência da matéria de facto[2].

Esta segunda perspectiva da questão é a que se nos afigura conforme ao nosso ordenamento jurídico-processual – quer nos casos de falta absoluta de fundamentação de facto, quer nos casos de deficiência parcial (por falta de pronúncia sobre factos relevantes – essenciais ou complementares), a Relação deve, mesmo oficiosamente (sem prejuízo da possibilidade das partes impugnarem a decisão da matéria de facto), suprir o vício se tiver disponíveis os elementos para tanto ou, assim não sendo, determinar a ampliação da matéria de facto, com anulação da decisão[3]. Assim que a par dos demais vícios da matéria provada (como a obscuridade e a contraditoriedade), a deficiência resultante da falta de pronúncia (por omissão de tomada de posição, de julgamento) sobre factos relevantes à decisão da causa deve ser impugnada nos termos do art. 640 e 662º do CPC, não sendo a consequência desses vícios a anulação do acto[4] (podendo o vício ser conhecido oficiosamente pela Relação – faculdade que não vale para os casos de nulidade da decisão, salvo o caso específico da falta de assinatura, como resulta do art. 615º, nº 1, a) e nº 2 do CPC).

Assim que se considera que o invocado vício não integra as causas de nulidade da sentença – a eventual deficiência da decisão sobre a matéria de facto (por falta de pronúncia sobre factos relevantes) integrará, a verificar-se, patologia que, a apreciar oficiosamente pela Relação, poderá esta suprir (a partir dos elementos constantes do processo) ou, tal não sendo possível, determinando a anulação para ampliação da matéria de facto, nos termos do art. 662º, nº 2, c) do CPC.

De recusar, pois, a nulidade da decisão à luz do art. 615º, nº 1, d), ex vi art. 613º, nº 3, ambos do CPC.

B. Da verificação das invocadas nulidades de procedimento – a falta de notificação aos reclamantes apelantes i) da proposta de rateio apresentada nos autos pelo administrador e ii) da sentença de graduação de créditos.

Patente a improcedência da arguição, pois as invocadas irregularidades de procedimento (irregularidades que, contendendo com o princípio do contraditório, se enquadram no nº 2 do art. 630º do CPC – e por isso que a decisão apelada, apreciando-as e decidindo-as, é susceptível de recurso) não se verificam.

As invocadas irregularidades (falta de notificação dos reclamantes apelantes da sentença de graduação de créditos proferida no respectivo apenso e da proposta de rateio apresentada nos autos pelo administrador de insolvência) não se enquadram em qualquer das nulidades principais legalmente previstas (ineptidão da petição – art. 186º do CPC –, falta de citação dos executados – art. 187º, a), 188º, 189º e 190º do CPC –, erro na forma do processo – art. 193º do CPC – e falta de vista ao Ministério Público – art. 187º, b) e 194ºdo CPC), reconduzindo-se às nulidades secundárias, cujo regime é inteiramente inspirado, nos vários aspectos em que se desdobra, por um são princípio de economia processual[5] – a nulidade verificar-se-á quando, praticando-se acto que a lei não admita ou omitindo-se acto ou formalidade que a lei prescreva, a lei o declare (quando a lei comine a prática ou omissão como nulidade) ou quando a irregularidade possa influir no exame ou decisão da causa (art. 195º, nº 1 do CPC).

Na situação trazida em apelação, nenhum acto (ou formalidade) prescrito na lei foi omitido (nem foi praticado acto não admitido):

- a lei determina que a proposta de distribuição de rateio final é publicada na Área de Serviços Digitais dos Tribunais (nº 3 do art. 182ª do CIRE – na redacção introduzida pela Lei 9/2022, de 11/01, em vigor à data da prática do acto e a ele aplicável, como decorre dos arts. 10º, nº e 12º da referida Lei 9/2022), não prevendo a sua notificação aos interessados – e assim, ainda que os agora apelantes houvessem reclamado créditos no âmbito do processo não tinham que ser notificados do rateio: para dar conhecimento do acto a lei estabelece a sua publicação digital, formalidade que nos autos foi observada;

- a notificação das sentenças está prevista para quem por elas seja afectado (art. 220º, nº 1 do CPC), designadamente, no caso das sentenças de graduação de créditos, e no que releva, para quem haja reclamado créditos, em ordem a que, verificados e graduados com os demais, possam obter pagamento no processo de insolvência (vejam-se os artigos 128º a 140º do CIRE). A notificação está prevista para as decisões que incidam sobre pretensões das partes, que as privem de poderes processuais de que se tenham previamente arrogado ou sobre direitos das partes[6]. Os reclamantes apelantes, que não foram incluídos pelo administrador na relação de credores reconhecidos apresentada nos termos do art. 129º do CIRE, nem demonstram ter reclamado os seus créditos junto do administrador de insolvência, eram estranhos ao apenso da reclamação (não tendo qualidade de credores, reconhecidos e/ou reclamantes) e por isso não tinham de ser notificados da sentença de verificação e graduação de créditos proferida; não foi, pois, omitido qualquer acto que, no caso, a lei prescrevesse.

De concluir, assim, não se verificar qualquer das apontadas irregularidades de procedimento.

Refira-se, ex abundanti (atente-se que a sentença de graduação de créditos não é objecto da presente impugnação recursória), a propósito do argumento aduzido pelos apelantes nas conclusões 12ª a 14ª (a não consideração oficiosa, na sentença de graduação de créditos e, consequentemente, no mapa de rateio, dos créditos dos recorrentes resultantes da cessação dos contratos de trabalho – argumentam que a sentença de verificação e graduação de créditos deveria ter previsto a liquidação dos seus créditos por se impor um dever de apreciação e de compulsar todos os elementos dos autos), que no âmbito do apenso da reclamação de créditos vigora o princípio do dispositivo [o inquisitório consagrado no art. 11º do CIRE funciona tão só quanto ao processo (principal) de insolvência  embargos e incidentes de qualificação, não valendo já quanto aos demais incidentes e outros processos, designadamente quanto à reclamação e verificação de créditos – o art. 11º do CIRE elenca de forma expressa os processos e incidentes em que vale o inquisitório e a comparação com o art. 9º, nº 1 do diploma impõe se conclua que se trata de enunciação taxativa[7]] e, por isso, está vedado ao juiz conhecer de questões não suscitadas pelas partes (salvo as de oficioso conhecimento que importem à decisão das concretas controvérsias centrais a dirimir, resultantes do objecto do processo traçado pelos intervenientes processuais – administrador, credores reclamantes e credores impugnantes) ou extravasar os limites das pretensões formuladas (limites aqui reportados aos créditos que se devem ter por reclamados para conhecer, verificar e graduar), não lhe sendo lícito adquirir, para valorizar, factos essenciais não alegados (art. 5º, nº 1 do CPC) nem tão pouco verificar e graduar créditos não incluídos na lista de créditos reconhecidos pelo administrador nem reclamados pelos credores.

C. Síntese conclusiva.

Do exposto resulta a improcedência da apelação, podendo sintetizar-se a argumentação decisória (nº 7 do art. 663º do CPC) nas seguintes proposições:

………………………………

………………………………

………………………………


*

DECISÃO

*


Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, em consequência, manter o despacho apelado.

Custas pelos apelantes.


*
Porto, 10/07/2024
João Ramos Lopes
Rodrigues Pires
Maria Eiró

(por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)
__________________
[1] Assim, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume I, 2014, 2ª edição, pp. 606/607. Também Miguel Teixeira de Sousa, em comentários publicados no blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.com) em 30/07/2015 ao acórdão da Relação de Lisboa de 17/06/2015 e em 16/10/2017 ao acórdão do STJ de 23/03/2017 (acedido em Junho de 2024).
[2] Assim o acórdão da Relação do Porto de 14/12/2017 (Carlos Gil), no sítio www.dgsi.pt.
[3] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pp. 306/307.
[4] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ª edição, p. 734.
[5] A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, p. 391.
[6] Alberto dos Reis, Comentário do Código de Processo Civil, Vol. 2º, p. 596, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral do Processo de Declaração, 2018, p. 253 e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 4ª edição, p. 435.
[7] Neste sentido, Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, 2015, p. 120.