Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOÃO PROENÇA | ||
Descritores: | PROVA TESTEMUNHAL IMPUGNAÇÃO NULIDADE PROCESSUAL CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS SERVIÇOS MÉDICO-DENTÁRIOS OBRIGAÇÃO DE RESULTADO RECONSTITUIÇÃO NATURAL | ||
Nº do Documento: | RP202409107608/19.9T8VNG.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Tendo sido inquirida uma testemunha a apresentar cujo nome não coincide, apesar de semelhante, com aquele que consta do requerimento probatório, não foi cometida nulidade processual se não tiver sido deduzido incidente da impugnação quando termine o interrogatório preliminar. II - Num contrato de prestação de serviços médicos de Ortodontia, caracterizado por uma dupla vertente, vertente funcional e vertente estética, existe uma obrigação de resultado do médico quanto à melhoria estética desejada, prometida e acordada. III - A falta das qualidades do resultado prometido constitui o devedor na obrigação de reparar o dano, nos termos do artigo 798.º do CCivil IV - Optando o paciente pela reconstituição natural, tal direito só pode ser exercido no confronto do prestador de serviços médicos R., por se tratar de prestação de facto infungível. V - Podendo, em eventual acção de regresso, discutir o reembolso dos custos em que incorreu, designadamente de aquisição de material. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 7608/19.9T8VNG.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Sumário: ……………………. ……………………. ……………………. AA, residente na Avenida ..., ..., ..., ... propôs contra A..., Lda., com sede na Rua ..., ... acção de processo comum pedindo a condenação da ré a: - Proceder/realizar ou mandar proceder imediatamente a expensas suas à reparação/eliminação das anomalias/defeitos assinalados; - Não procedendo ou não realizando tais trabalhos, a expensas suas, pagar ao autora a quantia necessária para ele efectuar a reparação/eliminação dessas mesmas anomalias/defeitos remetendo a fixação do montante de indemnização para execução de sentença; - Pagar ao autor a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros) a título de danos não patrimoniais; Alega, para tanto, e em resumo, que contratou com a primeira Ré a prestação de serviços médico-dentários, consistindo na colocação de facetas, regeneração óssea, e colocação de implantes e prótese fixa. Era desejo do autor ter uns dentes branco frigorifico e, quando escolher u cor das facetas, pediu ao médico que lhe colocasse então o que houvesse de mais branco, tendo-lhe o médico dito que colocariam a cor A1, por ser o mais branco existente. .No entanto, foram colocadas cores distintas na dentição, que está a escurecer. Acresce que os implantes e próteses fixas foram mal colocados: as estruturas protéticas não estão passivas, e a regeneração óssea estar a desaparecer. Citada, a Ré, contestou, no essencial, dizendo, não ter havido qualquer violação das legis artis, tratando-se de uma obrigação de meios e não de resultado, e tendo o A. sido previamente informado dos tratamentos e de que poderia existir uma pequena diferença no resultado final da cor. O A. anuiu e gostou do resultado final da cor. Conclui pela improcedência da acção, pedindo ainda a sua condenação como litigante de má-fé. Mais requereu a intervenção principal provocada da seguradora B..., com fundamento na transferência da responsabilidade civil profissional por contrato por si celebrado, que foi admitida. Citada, a interveniente apresentou contestação, alegando a exclusão da sua responsabilidade por tratamentos estéticos, nos termos da apólice, e impugnando os factos alegados pelo autor e invocando a existência de franquia de 10% do valor dos prejuízos indemnizáveis, com o mínimo de 1 500,00€. A Ré respondeu à contestação da interveniente, sustentando que os serviços por si prestados se encontram cobertos pelo contrato de seguro. Foi dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador tabelar. Foi realizada perícia médico-legal e solicitado parecer ao Conselho Médico-Legal da Ordem dos Médicos Dentistas. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, - Condenou a Ré A..., Lda., a proceder à colocação de 5 facetas nos dentes 3.1 3.2 4.1 4.2 4.3 do autor, eliminado a diferença de cor existente entre as coroas e as facetas, tornando a dentição de cor uniforme, igual à cor das coroas existentes; - Absolvendo-a do demais peticionado. - Absolveu a Ré B..., SA, de todo o peticionado. - julgou improcedente o pedido de condenação do autor por litigância de má-fé. Inconformada, interpôs a ré A..., Lda., recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: A. Nos autos principais, foi intentada uma acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum pedindo a condenação da Recorrente de forma a proceder ou mandar proceder imediatamente a expensas suas à reparação/eliminação das anomalias/defeitos assinalados. Sendo que, caso não proceda a tais trabalhos, condenar a Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia necessária para ele efectuar a reparação/eliminação dessas mesmas anomalias/defeitos, remetendo a fixação do montante de indemnização para execução de sentença. B. Acrescendo o pagamento ao autor a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros) a título de danos não patrimoniais e o de custas e procuradoria condigna, tudo com as consequências legais. C. Nesta medida, foi proferida decisão que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência: D. Condenou a primeira Recorrente a colocar novas facetas nos dentes 3.1, 3.2, 4.1, 4.2 e 4.3, eliminando a diferença de cor existente entre as coroas e as facetas. E. Absolveu a primeira Recorrente do demais peticionado e; F. Absolveu a Seguradora B..., S.A. de todo o peticionado. G. Julgou ainda totalmente improcedente o pedido de condenação por litigância de má-fé do Recorrido. A FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO - NULIDADE DA SENTENÇA: H. Ora, não pode a Recorrente concordar com o teor da sentença proferida, uma vez que Mma. Juiz a quo explanou que a convicção do Tribunal assentou numa análise conjugada das declarações de parte do Recorrido com os depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas por este, fazendo tábua rasa à restante prova existente no processo e às testemunhas indicadas pela Recorrente. I. O que, em pouco ou nada contribuiu o depoimento de parte do Legal Representante da Recorrente, bem com das testemunhas arroladas por si, para a convicção do Tribunal, demonstrando manifesta inclinação para a posição assumida. J. No entender da Recorrente, o Tribunal erradamente desvalorizou a prova indicada por esta e valorou simplesmente a prova em sentido contrário, em detrimento tout court da prova indicada. CONTRADIÇÃO ENTRE OS FACTOS PROVADOS K. Constata-se, também, entre outras incongruências, a contradição entre os factos provados e o teor da fundamentação da sentença. L. No facto 9) dos factos dados como provados diz-se o seguinte: “Nesse seguimento, a ré transmitiu ao autor que se disponibilizava a escurecer as coroas dos implantes para ficarem da cor das facetas.” M. Ainda no facto 13) dos factos dados como provados expõe-se: “A uniformização entre a cor das facetas e das coroas implica a colocação de 5 novas facetas nos dentes 3.1 3.2 4.1 4.2 4.3;” N. Confrontando ambos os factos, não se compreende como é que, com o devido respeito, a Mma. Juiz tenha dado os factos supra-referidos como provados, levando à existência clara de contradição entre eles. Ora, no facto 9 verifica-se a possibilidade de uniformizar a cor, escurecendo as coroas definitivas dos implantes. No entanto, no facto 13, a Mma. Juiz assume que só é possível, essa uniformização, através da colocação de novas facetas. O. Pelo que, o Tribunal a quo não logra um raciocínio lógico e coerente, revelando incertezas quanto à sua convicção. P. Acresce ainda, na página 15 da sentença “a anuência no consultório logo após a colocação e sem que o autor tivesse tido tempo verificar devidamente o serviço, não se pode considerar uma aprovação expressa e de renúncia aos direitos emergentes de eventual incumprimento ou cumprimento defeituoso, pois é perfeitamente normal o paciente se aperceber apenas uns dias depois que não considera os implantes e facetas adequados, no que respeita à cor, passividade e regeneração óssea.”. Q. Já na página 14 da sentença diz-se que “o autor não conhecia, nem tinha de conhecer, que havia probabilidade de a cor das facetas e das coroas não ficar uniforme, (...)”. CONTRADIÇÃO NA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO R. Ora, se o autor não tem “de conhecer a probabilidade de a cor das facetas e das coroas não ficar uniforme”, por ignorância legítima da área, este também não pode nem deve ser pessoa indicada para considerar se o tratamento foi adequado, uma vez que tal conforme refere a Mma. Juiz este não é especialista na área em causa. S. Vejamos e salvo melhor douto entendimento no que respeita à cor, esta não se vai alterar, portanto, no momento da colocação já é a cor definitiva, no máximo, com o passar do tempo vai, naturalmente, escurecer. T. Ademais, sempre se poderá afirmar que a Recorrente não pode garantir que a cor permanece sempre igual, uma vez que esta não consegue controlar os hábitos de higiene oral dos Pacientes e ainda, outros factores que fazem com que a cor se altere. U. A Recorrente apenas alerta para os correctos hábitos de higiene e manutenção depois de efectuados os tratamentos de forma que, por questões de saúde, higiene e estética o resultado do tratamento não se altere. V. Contudo e com o passar do tempo, é natural que a dentição escureça, quanto mais ainda quando não cumprem com as recomendações de higiene, conforme se verificou no caso em apreço, tendo resultado da prova produzida que o Recorrido pelo menos há mais de dois anos não faz nenhuma consulta de manutenção e higienização. W. Ainda a respeito dessa fundamentação da página 15) da sentença, conforme supra-referido, não se pode aceitar o ali descrito tal como está, porquanto não é correcto. X. Vejamos que a passividade só se reporta em relação aos implantes e a regeneração óssea de igual modo, as facetas nada têm que ver com aquelas. Y. Por outro lado, a regeneração óssea, também não é possível de aferir a olho nu, pois somente através da realização de exames radiográficos e da avaliação de especialistas na área é possível a sua averiguação. Z. Isto posto, resta concluir, desde logo, pela contradição ali descrita, uma vez que, se por um lado o Tribunal admite que o Recorrido é pessoa capaz de avaliar se o tratamento foi o adequado, nomeadamente, a passividade e a regeneração óssea, por outro lado, também deveria ter o conhecimento suficiente para conhecer a discrepância na cor das facetas e das coroas definitivas. AA. Além disso, importa ainda esclarecer que não pode a Recorrente concordar com a desresponsabilização da seguradora, como o Tribunal o fez. BB. Vejamos o teor da sentença na fundamentação a este respeito “Considerando que a seguradora assume a responsabilidade civil por actos praticados por uma clínica cuja actividade é a prestação de serviços de medicina dentária, é de concluir que pela expressão “cirurgia estética” não quiseram as partes excluir do objecto do contrato os tratamentos realizados ao autor. Caso contrário, se uma intervenção com a profundidade da dos autos, dividida em diferentes fases e tratamentos distintos, melhor descritos nos factos provados n.ºs 2 e 4, coubesse na expressão “cirurgia estética”, então a actividade da primeira Ré, ou a maior parte dela, reconduzir-se-ia a fins estéticos. O que não sucede, no caso dos presentes autos, cuja intervenção não se limitou unicamente à alteração do aspecto físico do autor, mas ainda ao seu estado de saúde oral, desde logo, considerando, por exemplo, que a sua dentição apenas pode ser aproveitada em parte, o que revela não estarmos na presença de uma intervenção meramente estética na sua aparência mas antes atinente à sua saúde. CC. Donde, não assiste razão à segunda Ré, sendo inaplicável a mencionada cláusula de exclusão, prevista no ponto 6. alínea s).” DD. Na verdade, verifica-se mais uma contradição, pois se a Mma. Juiz considera que não é possível aplicar a cláusula de exclusão prevista no ponto 6. alínea s) do contrato celebrado entre ambas, uma vez que o tratamento não “se limitou unicamente à alteração do aspecto físico do autor, mas ainda ao seu estado de saúde oral”, deve também esta ser responsabilizada. EE. No entanto, o Tribunal a quo também refere que, por se tratar de uma reconstituição natural, a seguradora não deverá ser responsabilizada. FF. Entendimento este que não pode merecer colhimento, desde logo, pelo facto de previamente o Tribunal considerar que não tem aplicação a cláusula de exclusão da responsabilidade, uma vez que o tratamento efectuado redunda além da estética numa questão de saúde oral. GG. É certo que a reconstituição natural, caberá à Recorrente (conforme condenação na sentença a quo), uma vez que esta é uma clínica que presta os aludidos serviços dentários. No entanto, para tal reconstituição é necessário material e a sua aplicação que implica um custo, obviamente. HH. Destarte, esse custo, na medida em que o Tribunal até qualifica o tratamento como um cumprimento defeituoso, deverá, por esse motivo, a Seguradora ser responsabilizada e assegurar os custos que advierem com a reconstrução natural. II. Também por este motivo e mais uma vez se conclui pela incerteza na fundamentação da sentença, pelo que deverá a mesma ser declarada nula. JJ. Por outro lado, este tribunal a quo, na fundamentação, não explica concretamente, o alegado “cumprimento defeituoso” por parte da Recorrente. KK. Denota-se ainda, que a Mma. Juiz explanou que a convicção do Tribunal assentou em depoimentos das testemunhas, concretamente, a BB e a CC. LL. Ora, se por um lado, se apresenta um nome que não corresponde à verdade (referindo-se a uma testemunha indicada na petição inicial de nome BB e o depoimento prestado correspondeu a uma DD (mulher do Recorrido)) e, por outro, indica com firmeza e várias vezes a profissão da testemunha CC (como sendo médica dentista e a mesma é técnica de prótese dentária) que, de facto, esta não exerce. Dados esses demasiado relevantes para a prova dos factos, como infra melhor se explicará. MM. Ademais, da prova carreada para os autos, seja da prova documental ou da prova testemunhal, foram considerados factos supracitados como provados, os quais não deveriam ter sido, conforme também infra melhor se explicará. NN. Por outro lado, existem factos revelantes para a decisão da causa que não constam nem dos factos provados, nem dos factos não provados. OO. Desta forma, estas falhas revelam imprecisão, incerteza e confusão quanto à fundamentação da sentença que culminaram numa decisão injusta para a Recorrente. PP. Ainda sobre a fundamentação do mesmo facto, note-se a incongruência: QQ. Na página 7) da sentença diz-se o seguinte: “(facto provado n.º 7), quer das declarações de parte prestadas pelo autor, quer pelos depoimentos testemunhais da sua esposa BB, (...).” “O facto provado n.º 8 assentou no depoimento da BB, mulher do autor que referiu que o autor questionou a diferença de cor no próprio dia.” “Os factos constantes do ponto 9 e 10 foi confirmado pela testemunha DD tendo sido também confirmado pelo autor.” RR. Como é possível verificar no depoimento supratranscrito, a esposa do autor/Recorrido chama-se DD. Pelo que, no modesto entendimento da Recorrente, é inconcebível que a Mma. Juiz tenha admitido o depoimento de tal pessoa, uma vez que o seu verdadeiro nome não consta no rol de testemunhas indicado na petição inicial, bem como, ao longo da presente acção, não consta qualquer requerimento que rectificasse esse “lapso” ou bem assim a sua substituição. SS. Assim mal andou o Tribunal ao admitir o depoimento de uma pessoa que não foi indicada como testemunha no processo, e ainda deu como provados factos baseados no seu depoimento. TT. Mesmo que se pretendesse a sua substituição deveria o Recorrido ter usado do expediente legal e tempestivo para o fazer, o que não se vislumbra que tenha sucedido no processo em causa. UU. De todo modo, é manifesta a falta de fundamentação, de rigor e seriedade da sentença e, ainda, a relevante omissão de pronúncia, levando a uma contradição entre os factos provados e a decisão proferida, o que não pode aceitar a Recorrente! VV. Decorre do disposto no artigo 615º n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil que “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;” WW. Dispõe ainda o nº 1 do artigo 205º da CRP (Constituição da República Portuguesa) que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.” XX. A fundamentação da matéria de facto provada e não provada, com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objectividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas da decisão, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e qual a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo tribunal. YY. Verdadeiramente, por todo o esforço que a Recorrente realize, esta não logra entender o raciocínio lógico que a Mm. ª Juiz encetou quanto aos concretos pontos da matéria de facto em discussão, na medida em que não indica em concreto quais os meios probatórios em que fundou a sua decisão. ZZ. Considerando todo o exposto, deverão V. Exas., apreciando a matéria em causa e a prova produzida e existente nos autos concluir que a sentença deverá ser declarada nula. DA MATÉRIA DE FACTO: - FACTO 7) DOS FACTOS PROVADOS: AAA. “7. O autor informou a primeira Ré que pretendia ter os dentes “branco frigorífico”, tendo optado pela cor A1 por ser a mais branca.” BBB. Pelo que, mal andou a Mma. Juiz a quo ao dar como provado tal facto. CCC. Ora o Tribunal a quo explanou que esse facto foi provado com base “quer das declarações de parte prestadas pelo autor, quer pelos depoimentos testemunhais da sua esposa BB, da sua irmã EE, de CC, novamente, médica dentista que acompanhou o tratamento realizado, e ainda das declarações de parte do legal representante da primeira Ré, que afirmou que o autor pretendia uma cor “branco mais branco não há”. DDD. No entanto, não pode a Recorrente concordar com tal fundamentação, isto porque, ouvindo as declarações de parte e os depoimentos das testemunhas, só a DD é que refere que o autor pretendia ter dentes “branco frigorifico”. EEE. Porém, como já foi supramencionado, esse mesmo depoimento, embora seja titulado por BB e que a Mma. Juiz tenha referido “esposa”, este não pode nem deve ser valorado uma vez que advém de uma outra pessoa que não a BB, mas sim DD, pessoa essa, que não consta como testemunha nos presentes autos. FFF. Ademais, em momento algum, o autor e as demais testemunhas referidas mencionaram que o autor desejaria “branco frigorifico”. GGG. O autor, nas suas declarações de parte, referiu que, aquando da escolha da cor tinha revelado o desejo de querer a cor mais branca, nunca referindo “branco frigorifico”. HHH. Também a testemunha EE nunca mencionou o desejo do autor no que concerne à cor, até porque conforme resultou do seu depoimento só falou com o Recorrido de tal assunto, já após a colocação das facetas e dos implantes. III. A testemunha CC, no seu depoimento, apenas referiu que o autor já saberia a cor que queria, não fazendo alusão de que o mesmo queria o “branco frigorifico”. JJJ. Importa, ainda, referir que, embora nas declarações de parte da primeira Ré, esta tenha referido que o autor queria “branco mais branco não há”, é descabido subsumir essa mesma expressão ao conceito de “branco frigorifico”, uma vez que este último conceito não existe. KKK. Não poderia deixar de notar nem olvidar a existência de várias tonalidades de “branco frigorifico” devido ao uso, à exposição solar, à marca e ao modelo deste. Assim, quando foi usado tal conceito, este foi empregado de forma muito ambígua, não sendo, por isso, plausível de especificar uma tonalidade do branco, referindo-se ao mesmo desta forma, uma vez que este termo não existe e muito menos na medicina dentária. LLL. Isto posto, não poderia o tribunal a quo dar como provado tal facto, porquanto a sua fundamentação não corresponde à prova produzida. - FACTO 8) DOS FACTOS PROVADOS: MMM. “8. Quando foram colocadas as coroas dos implantes o autor disse de imediato que notava uma diferença na cor nas facetas e das coroas. ” NNN. Mais uma vez, mal andou a Mma. Juiz a quo a dar como provado tal facto. OOO. O Tribunal a quo fundamentou sobre este facto o seguinte: “assentado depoimento da BB, mulher do autor que referiu que o autor questionou a diferença de cor no próprio dia. De resto, o próprio autor com clareza e objectividade afirmou peremptoriamente que no dia da colocação das coroas dos implantes alertou de imediato para a diferença de cor, tendo-lhe sido transmitido pela ré que essa diferença se devia ao material das facetas que é translúcido.” PPP. Mais uma vez e conforme já foi supramencionado, esse mesmo depoimento, embora seja titulado por BB e que a Mma. Juiz tenha referido “esposa”, este não pode nem deve ser valorado uma vez que advém de uma outra pessoa que não a BB, mas sim DD, pessoa essa, que não consta como testemunha nos presentes autos. QQQ. Além disso, Mma. Juiz, não foi clara quanto ao dia em que “aparentemente” o autor tenha questionado pela diferença de cor, por outras palavras, se se referia ao dia em que colocou as coroas provisorias ou definitivas. RRR. O que, perante esta imprecisão não poderia ser dado como provado tal facto, desde logo, porque as quando coloca as coroas provisórias e até à colocação das definitivas decorreram pelo menos cerca de 8 (oito) meses, ora neste período não terá o Recorrido ter percebido a alegada “discrepância” na cor? SSS. Uma vez que a cor das coroas provisórias é igual à cor das coroas definitivas. TTT. Pelo que não pode a Recorrente aceitar que o alegado pelo autor e sua mulher corresponda à verdade e aceitar tal depoimento e declarações como credíveis que, não foram! UUU. Importa ainda notar que, a Mma. Juiz, numa tentativa de “reforçar” a fundamentação do facto dado como provado em questão, refere que “O autor contou ainda que já havia notado essa diferença aquando da colocação das próteses provisórias e que lhe foi transmitido que quando fossem colocadas as coroas definitivas essa diferença de cor iria ficar uniforme, o que não se verificou.”. VVV. Porém, Mma. Juiz, mal andou, mais uma vez, ao fundamentar tal facto apenas com base nas declarações do autor. WWW. Na verdade, não se pode nem se deve tê-las como verdadeiras, isto porque, confrontando-as com os depoimentos das testemunhas CC e de EE, o autor, no momento da colocação das facetas não tinha notado da discrepância de cor. XXX. O que ficou bem claro na audiência de discussão e julgamento, pois o autor, segundo sua irmã e testemunha EE, encontrava-se contente com o tratamento efectuado e “só reparou nessa discrepância” quando esta o alertou. Senão vejamos, - FACTOS 9) E 10) DOS FACTOS PROVADOS YYY. “9. Nesse seguimento, a ré transmitiu ao autor que se disponibilizava a escurecer as coroas dos implantes para ficarem da cor das facetas. 10.O autor recusou porque o que sempre disse e pretendeu foi que os dentes ficassem o mais branco que há.” ZZZ. Ainda que, a Recorrente considere que os pontos 9) e 10) dos factos dados como provados sejam verdadeiros, esta não pode concordar com a sua fundamentação, devido ao supra-referido, isto é, que tenha recaído no depoimento de uma pessoa que não consta nos autos e das declarações do autor (que é, note-se, a parte interessada). AAAA. O que, na humilde opinião da Recorrente, tendo em conta a sua fundamentação, não deveriam ser considerados tais factos como provados. - FACTO 13) DOS FACTOS PROVADOS BBBB. “13. A uniformização entre a cor das facetas e das coroas implica a colocação de 5 novas facetas nos dentes 3.1 3.2 4.1 4.2 4.3;” CCCC. Mais uma vez, mal andou a Mma. Juiz a quo ao dar como provado tal facto, entrando, até, em contradição com o facto 9) dos factos considerados provados. DDDD. Ora, como já foi supramencionado, no facto 9) a Mma. Juiz refere que existe a possibilidade de uniformizar a cor, escurecendo as coroas dos implantes. No entanto, no facto 13), já assume que só possível, essa uniformização, através da colocação de novas facetas. EEEE. Pelo que, e como de resto já se referiu, o Tribunal a quo não logra um raciocínio lógico e coerente, revelando incertezas quanto à sua convicção. FFFF. Ademais, não pode a Recorrente concordar que esta seja a única solução para a uniformização dos dentes, como o Tribunal a quo refere. Isto porque, tendo em conta as declarações de parte do autor e o depoimento da testemunha CC foi apresentada uma outra solução de modo a ir de encontro à vontade do Recorrido, que consistia no escurecimento da cor das coroas definitivas dos implantes. GGGG. Desta forma, no modesto entendimento da Recorrente, não é passível considerar que a colocação de novas facetas seria a única solução para tal situação. Ora, pelo facto de o autor ter recusado a solução apresentada pela Recorrente, não poderia, o tribunal, assumir, então, que a única forma passaria na colocação de novas facetas. HHHH. Nesta senda, os factos supra referidos não deveriam ter sido dados como provados. - OMISSÃO DE FACTOS RELEVANTES PARA A DECISÃO DA CAUSA: IIII. Com todo o respeito, mal andou a Mma. Juiz a omitir ou a não se pronunciar de factos relevantes que, poderiam levar a uma decisão justa do processo que, obviamente, se concretizaria com a absolvição da Recorrente de todos os pedidos formulados pelo Recorrido. JJJJ. Ora, durante todo o tratamento foram realizadas provas e ensaios de cores, os quais o autor escolheu, concordou e gostou. Durante todas essas provas, o autor deveria ter colocado todas as suas dúvidas e possíveis reclamações para que o resultado correspondesse às suas expectativas, o que em momento algum se verificou. KKKK. No momento da colocação das facetas foi feito um ensaio, colocando no sítio dos dentes as facetas, antes da cimentação, de forma que o autor verificasse se essas, realmente, correspondiam às suas expectativas, uma vez que, após a sua cimentação, isto é, colocação definitiva, é impossível reverter. LLLL. Só o podendo ser realizando todo um tratamento, mas, note-se, que é um tratamento extremamente invasivo ao organismo, pelo que não é verosímil a sua realização. MMMM. Até porque, entre a colocação das coroas provisórias e as definitivas decorreram mais de 8 (oito) meses, ou seja, um período bem longo, de modo a que o Recorrido poderia ter equacionado todas as hipóteses. NNNN. Como é possível verificar, nesse momento, o autor aceitou essa cor e concordou que se iniciasse o processo – conforme se pode observar na fotografia junta com a contestação. OOOO. Ora, a Mma. Juiz deveria ter dado como provado a concordância do Recorrido e o gosto da cor das facetas pelo mesmo, no dia da sua cimentação. PPPP. Portanto, deveria constar dos factos provados a anuência do Recorrido no que respeita à cor das facetas, bem como a sua concordância na colocação das mesmas. QQQQ. Além disso, ainda deveria, o Tribunal a quo, ter dado como não provado e não constar apenas na fundamentação da sentença “O autor contou ainda que já havia notado essa diferença aquando da colocação das próteses provisórias e que lhe foi transmitido que quando fossem colocadas as coroas definitivas essa diferença de cor iria ficar uniforme, o que não se verificou.” RRRR. Desde logo, porque não resulta da prova produzida tal dito. SSSS. Sendo certo que além de não resultar da prova produzida, ainda serviu de fundamentação de um facto provado que, conforme também já se referiu supra não deveria ter ocorrido. TTTT. Na verdade, em momento algum foi possível comprovar tais palavras, isto porque confrontando os depoimentos de CC e de EE, o Recorrido, no momento da colocação das facetas, não tinha notado qualquer discrepância de cor. Na verdade, o autor, segundo sua irmã e testemunha EE, encontrava-se contente e só reparou nessa discrepância quando esta o alertou. UUUU. Este facto, demonstra, por si só, a má-fé do Recorrido uma vez que este alega com falsidade, conforme infra melhor se explicitará. DO NÃO CUMPRIMENTO DEFEITUOSO: VVVV. Ora, não pode a Recorrente concordar que tenha existido cumprimento defeituoso do tratamento realizado ao Recorrido. WWWW. Não tem o Tribunal forma de sustentar que o tratamento efectuado ao Recorrido não tenha sido o adequado a sua situação. XXXX. O tratamento, de uma forma geral, consistia na colocação de implantes e de facetas. Durante todo o processo, sempre foi perguntado, ao Recorrido, a sua opinião, a sua concordância do tratamento bem como a questão da cor, deixando, este, confortável para o esclarecimento de qualquer dúvida ou de qualquer queixa/reclamação. YYYY. É certo que embora o Recorrido, na escolha da cor tenha referido que queria o “mais branco”, também é certo e sabido que a nível dentário, o “mais branco” corresponde à cor A1. Acresce que, foi disponibilizado ao autor uma paleta das cores e um espelho para que esse pudesse ver e tomar uma decisão consciente, uma vez se trata de um tratamento extremamente invasivo ao organismo e “definitivo”. ZZZZ. Essa paleta de cores com um espelho foi exibida ao Recorrido de forma a que este pudesse comparar com a cor das coroas provisórias que, obviamente, a cor era igual à das coroas definitivas e feito esse confronto, o Recorrido não teve dúvidas na escolha da cor A1. AAAAA. Desta forma, perante a escolha livre e esclarecida do Recorrido, procedeu-se à execução das facetas e das coroas dos implantes de cor A1. Contudo e apesar de como referido no relatório de perícia de medicina legal, uma vez que se trata de materiais diferentes, pode levar a uma ligeira discrepância de cor entre as facetas e as coroas definitivas. BBBBB. Não obstante, se atentarmos à fotografia existente nesse mesmo relatório e, note-se, já passado mais de 3 (três) anos sobre a colocação das facetas e das coroas, a ligeira discrepância não é sequer perceptível. CCCCC. Ainda assim, também não se pode dar como provado que esta discrepância tenha sido verificada no momento da sua colocação, uma vez que passados 3 (três) anos da conclusão do tratamento e a falta de manutenção e a incerteza da realização de uma correcta higiene oral pode, obviamente, ter acentuado essa mesma discrepância. DDDDD. Pelo que não se pode concluir que a “discrepância” visível nas fotografias do relatório corresponda à suposta discrepância no momento da colocação das coroas definitivas. EEEEE. Contudo, esta pequena discrepância não pode nem deve ser considerada como um cumprimento defeituoso, uma vez que foi cumprida e respeitada a vontade do Recorrido, isto é, que as facetas e as coroas definitivas dos implantes fossem da cor A1. FFFFF. No mesmo seguimento, foi referido no Relatório da Perícia Médico-legal processo n.º ..., do dia 11-02-02022, pág. 9 “verifica-se uma pequena discrepância de cores entre facetas nos dentes 43-42-41-31-32 e as próteses implanto-suportadas nos 4º e 3º quadrantes correspondentes aos dentes 46 (...), 45,44,33,34,35 (...),36 o que se compreende, pois são tratamentos completamente diferentes com matérias diferentes”. GGGGG. Ademais, ainda no Relatório da Perícia Médico-legal supra-referido, pág. 10, refere que “(...) podemos afirmar que não existe evidencia que o tratamento tenha sido mal realizado”. HHHHH. No mesmo sentido, dispõe o Parecer Técnico-científico do Conselho Médico- Legal, junto ao processo no dia 08-08-2023 o seguinte “Adequação dos tratamentos realizados: os tratamentos realizados constituíram uma opção terapêutica adequada de entre as opções possíveis.” IIIII. Tendo em conta que o Conselho Médico-Legal é a entidade máxima com capacidade e credibilidade para avaliar o tratamento em causa, não deve o Tribunal considerar que há um cumprimento defeituoso, quando tal dito não resulta deste parecer. JJJJJ. Pois, para se contradizer o Parecer Médico-Legal não basta a fundamentação e a apreciação que o Tribunal a quo fez da causa, levando apenas em consideração aquilo que o Recorrido referiu que era a sua vontade. KKKKK. Além disso, não refere em momento nenhum da sentença o teor do parecer no que respeita ao supra-referido, nem tampouco a justificação de não levar em consideração a opinião dos mais conceituados e especialistas na área dentária. LLLLL. Para se concluir pelo cumprimento defeituoso, necessário seria ter-se verificado a violação das legis artis, o que não se olvida que não aconteceu. MMMMM. Até porque, vejamos, na fundamentação da sentença, concretamente na página 14) o Tribunal considera o seguinte: “pelo que se poderá concluir que a Primeira Ré não violou as legis artis quanto à escolha dos materiais a utilizar e colocação das facetas.” NNNNN. Nesta medida, não logra entender a Recorrente o raciocínio e apreciação crítica do Tribunal a quo, contradizendo-se a cada parágrafo. OOOOO. E, contradições que no modesto entender da Recorrente, levaram a uma decisão injusta, pois se por um lado, se diz que não houve violação das legis artis e o tratamento foi o mais adequado, por outro lado diz-se que há cumprimento defeituoso, concluindo pela condenação da Recorrente. PPPPP. Atendendo a tudo quanto vem descrito, é descabido, com o devido respeito, que a Mma. Juiz a quo considere que tenha existido cumprimento defeituoso. QQQQQ. Além disso, como já foi referido, antes da colocação das facetas foi pedido que o Recorrido verificasse, com um espelho, se, realmente, era o pretendido e se corresponderia ao que tinha idealizado. Sendo esse, o momento certo para expor, caso houvesse discordância. O que, na verdade, aconteceu foi o Recorrido ter referido que gostava. RRRRR. Na verdade, também não restam dúvidas de que, e segundo a sua irmã, o Recorrido estava contente ao exibir-lhe o tratamento que tinha concluído, o que revela satisfação com o resultado. SSSSS. Importa referir que, embora o autor tivesse referido que no momento da colocação das facetas não tivesse termo de comparação, este não disse a verdade, isto porque, naquele momento já tinha as coroas provisórias dos implantes e a sua tonalidade não varia para com as coroas definitivas, a menos que o paciente assim o deseje. Algo que o mesmo não referiu. TTTTT. Porquanto, se o autor no momento da colocação das facetas tivesse notado pela discrepância e questionado se, com as coroas definitivas essa desconformidade continuaria, a Recorrente teria procedido de forma diferente, isto é, se o Recorrido pretendesse a cor das coroas teria procedido à alteração da cor das facetas. Algo que não aconteceu, uma vez que o Recorrido concordou. UUUUU. Ademais, mais uma vez, com todo o devido respeito, mal andou a Mma. Juiz ao considerar que, na pág. 15 “a anuência no consultório logo após a colocação e sem que o autor tivesse tido tempo verificar devidamente o serviço, não se pode considerar uma aprovação expressa e de renúncia aos direitos emergentes de eventual incumprimento ou cumprimento defeituoso, pois é perfeitamente normal o paciente se aperceber apenas uns dias depois que não considera os implantes e facetas adequados, no que respeita à cor, passividade e regeneração óssea.”. VVVVV. Não pode a Recorrente concordar com tal afirmação, isto porque, estão em causa tratamentos extremamente delicados e invasivos para o organismo. O que, qualquer decisão ou concordância não deve ser tomada de “ânimo leve”, mas sim consciencializada e muito ponderada. Pelo que, constantes intervenções e alterações podem danificar todo o trabalho e contrair consequências irreversíveis para o organismo. WWWWW. Nem foi aplicado qualquer material sem que tivesse sido exibido ao Recorrido ou efectuado qualquer intervenção sem que lhe tivesse sido explicado. XXXXX. Sendo que, ao considerar, hipoteticamente, o cumprimento defeituoso, a Recorrente sempre se prontificou para “corrigir” o pretendido pelo Recorrido, algo que o mesmo se recusou. YYYYY. Ora, se o Recorrido recusa, não pode agora vir em sua defesa alegar que houve um cumprimento defeituoso, pois então, nesta perspectiva, a Recorrente nem teve a oportunidade de terminar o tratamento. DA DESRESPONSABILIZAÇÃO DA SEGURADORA: ZZZZZ. Por outro lado e conforme já se adiantou supra, não pode a Recorrente concordar com a desresponsabilização da seguradora. AAAAAA. Na verdade, verifica-se uma contradição dos factos provados e fundamentação, pois se a Mma. Juiz considera que não é possível aplicar a cláusula de exclusão prevista no ponto 6. alínea s) do contrato celebrado entre ambas as Rés, uma vez que o tratamento não “e limitou unicamente à alteração do aspecto físico do autor, mas ainda ao seu estado de saúde oral”, tendo de ser esta, também, responsabilizada. BBBBBB. No entanto, considera o Tribunal que por se tratar de uma reconstituição natural a seguradora não deverá ser responsabilizada. CCCCCC. É certo que a reconstituição natural, caberá à Recorrente (conforme condenação na sentença a quo), uma vez que esta é uma clínica que presta os aludidos serviços dentários. No entanto, para tal reconstituição é necessário material e a sua aplicação que implica um custo, obviamente. DDDDDD. Destarte e na remota hipótese deste douto Tribunal entender no mesmo sentido sempre se deverá decidir que esse custo — na medida em que o Tribunal até qualifica o tratamento como um cumprimento defeituoso —, caberá à Seguradora. DA NÃO CONDENAÇÃO COMO LITIGANTE DE MÁ-FÉ: EEEEEE. Por fim, resta ainda concluir que a Recorrente requereu no âmbito da contestação a condenação do Recorrido como litigante de má-fé. FFFFFF. Certo é que, embora sem fundamento legal, a Mma. Juiz pronuncia-se sobre tal pedido na sentença, contudo, não pode a Recorrente concordar com tal decisão, isto é, a improcedência do pedido de condenação por litigância de má-fé do autor AA. GGGGGG. Ora, ao longo da presente acção foi perceptível que o Recorrido alterou a verdade dos factos. Evidenciando-se, o confronto das suas declarações com os depoimentos de EE, da CC e da FF (já transcritos supra) é visível que o Recorrido não disse a verdade. HHHHHH. É notório a verificação do pressuposto da alínea b) do artigo 542º nº 2 do Código do Processo Civil. IIIIII. Pelo que, mais uma vez mal andou a Mma. Juiz ao não julgar verificada a litigância de má-fé. JJJJJJ. Assim e considerando tudo quanto acaba de se expor, não pode a Recorrente concordar com o teor da sentença proferida. KKKKKK. Destarte e atendendo à posição da Recorrente, que no seu modesto entendimento considera que os factos provados supra-referidos, foram erroneamente assim julgados e concluindo pelas considerações lógicas da mesma, necessário se torna revogar a presente decisão e substituir por outra que julgue a acção totalmente improcedente e absolva a Recorrente dos pedidos contra ela requeridos. *** O autor e a interveniente apresentaram contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso e confirmação do decidido. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil). Face às conclusões da recorrentes, as questões a decidir traduzem-se a) na falta de fundamentação e consequente nulidade da sentença, por existência de contradição entre factos provados e contradição na fundamentação de facto; b) na reapreciação da prova produzida; c) em saber se ocorreu cumprimento defeituoso por parte da R;. d) da responsabilização da seguradora; e e) da não condenação do A. como litigante de má-fé. *** A 1.ª instância declarou provados e não provados os seguintes factos: A) - Factos provados: 1. A primeira Ré é uma sociedade que se dedica à actividade de prestação de serviços especializados de medicina dentária e próteses dentárias; 2. Em 09-06-2017 o autor acordou com a primeira Ré a realização dos seguintes serviços: - Implantes, regeneração óssea, elevação do seio maxilar e próteses fixas na arcada superior; - Implantes, regeneração óssea, próteses fixas e facetas na arcada inferior; 3. Na arcada inferior, as facetas seriam colocadas nos dentes 3.1, 3.2, 4.1, 4.2 e 4.3 e as coroas nos dentes 4.4, 4.5, 4.7 e 3.3, 3.5 e 3.7. 4. O orçamento para a realização dos serviços foi de 14 985,00€, valor que foi pago pelo autor; 5. O tratamento foi dividido em várias fases, tendo as facetas sido colocadas previamente às coroas dos implantes. 6. Aquando da escolha da cor das facetas, a primeira Ré exibiu ao autor exemplares das cores para que este escolhesse, tendo optado pela cor A1, tanto para as facetas, como para as coroas dos implantes. 7. O autor informou a primeira Ré que pretendia ter os dentes “branco frigorífico”, tendo optado pela cor A1 por ser a mais branca. 8. Quando foram colocadas as coroas dos implantes o autor disse de imediato que notava uma diferença na cor nas facetas e das coroas. 9. Nesse seguimento, a ré transmitiu ao autor que se disponibilizava a escurecer as coroas dos implantes para ficarem da cor das facetas. 10. O autor recusou porque o que sempre disse e pretendeu foi que os dentes ficassem o mais branco que há. 11. A cor das facetas definitivas apresenta uma ligeira diferença de cor em comparação com as coroas dos implantes colocadas posteriormente, sendo estas mais brancas; 12. Os materiais utilizados para as facetas e para as coroas são diferentes, as coroas são em zircónia e as facetas em cerâmica feldespática, o que pode resultar numa diferença entre cores de umas e outras; 13. A uniformização entre a cor das facetas e das coroas implica a colocação de 5 novas facetas nos dentes 3.1 3.2 4.1 4.2 4.3; 14. A colocação das 5 facetas mencionadas em 12. tem actualmente tem um custo de cerca de 4 000€; 15. A 20-10-2017, o autor assinou documento intitulado “Consentimento informado e esclarecido” com o seguinte teor: “Eu, AA, portador do Bilhete de Identidade n.º ...44, declaro, que fui suficientemente informado sobre os procedimentos a que me vou submeter. No decorrer das consultas prévias ao procedimento, foi possível clarificar todas as minhas dúvidas relativamente ao tratamento a que vou ser sujeito, pelo que me sinto plenamente informado no que respeita ao diagnóstico, reabilitação protética e possíveis complicações decorrentes do tratamento. Estou ciente dos riscos associados à colocação de implantes, tais como: dor, edema (inchaço), parestesia (alterações de sensibilidade), hemorragia e/ou hematomas nas horas ou dias seguintes. Sei ainda, que a intensidade destes sinais está directamente relacionada com a extensão da intervenção, que pode ser minimizada com a medicação prescrita e comprometo-me a cumprir rigorosamente, bem como todos os cuidados pós-operatório descritos abaixo neste documento. Fui alertado para os efeitos adversos de uma higiene oral inadequada, e o efeito negativo de determinados hábitos, como tabaco, bruxismo, entre outro, assim como de algumas doenças, tipo diabetes, doenças auto-imunes, valores de colesterol elevados, défice de vitamina D, etc. Compreendo que o não cumprimento destas indicações médicas, bem como os meus comportamentos de risco, retira à clínica dentária dos carvalhos, à sua esquipa e centro de formação a responsabilidade sobre possíveis complicações/problemas. Entendo ainda que uma percentagem dos implantes poderá ser perdida, devido aos factores acima descritos. Nestes casos, poderá ser colocado um novo implante, após ocorrido um período de reparo ósseo no local e esse valor acrescido ao orçamento. Fui informado que poderá ser necessário alterar o plano de tratamento inicial durante o procedimento, em função de uma topografia óssea desfavorável, proximidade com estruturas atómicas, ou com a própria resposta biológica, pelo que, em função da alteração do plano de tratamento pode também haver alteração do orçamento inicialmente proposto. O total do orçamento será pago durante as diferentes fases do tratamento. O sinal dado no início do tratamento constitui-se como garantia da presença às diferentes etapas do tratamento e será creditado na última sessão. (…) Fui informado que não existem garantias absolutas de que estes implantes e respectiva reabilitação protética se mantenham estáveis durante toda a minha vida, e que o seu sucesso a longo prazo dependerá de um controlo e manutenção regular, tendo a obrigatoriedade de marcar e comparecer nas consultas de manutenção e controlo, e intervalos de, no mínimo, 6 meses. Essa manutenção é da minha inteira responsabilidade (marcação e comparecimento). (…)” 16. A primeira e a segunda Rés subscreveram documento que intitularam de “B... - Seguro de Responsabilidade Civil”, em vigor no período de 14-01-2016 a 01-01-2017, pelo qual a primeira Ré assume a qualidade de “tomador do seguro” e a segunda Ré de “segurador”, com o seguinte teor: “CONDIÇÕES PARTICULARES DA APÓLICE Nº ...742 (…) 5. ÂMBITO DE COBERTURA: 5.1. O Segurador, de acordo com os termos e condições das Condições Gerais Seguro de Responsabilidade Civil Geral e desta proposta, garante o pagamento das indemnizações emergentes de responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da lei civil, sejam exigíveis ao Segurado, por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a utentes ou a terceiros, pela exploração do estabelecimento de saúde identificado no ponto 4, cuja causa seja única e exclusivamente devida e ou resultante de: a) Acto ou omissão não doloso do Segurado ou de qualquer dos seus empregados no exercício da sua atividade e ao seu serviço; (…) 5.3. O presente contrato garante ainda o pagamento das indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Segurado, a título de responsabilidade civil, por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de lesão corporal decorrente de erro ou falta profissional cometida pelos seus empregados e colaboradores, quando ao seu serviço e sob as suas ordens e responsabilidade, no exercício das funções inerentes à prática da actividade segura. (…) 6. EXCLUSÕES: Para além das exclusões previstas no Artigo 6º das Condições Gerais, ficam ainda excluídos os danos decorrentes de: (…) s) Decorrentes de operações de cirurgia estética e aplicação de quaisquer produtos injectáveis com fins estéticos; (…).” b) Factos não provados 1. A primeira Ré informou e esclareceu o autor que poderia haver discrepância na cor das facetas e das coroas em virtude de os materiais serem diversos; 2. Após a colocação dos implantes e das próteses fixas, verifica-se que as estruturas protéticas não estão passivas e a regeneração óssea está a desaparecer; 3. O autor sente desconforto a falar e comer, devido às próteses não estarem fixas. *** Sustenta a R. ora apelante, que a factualidade vertida no ponto 13) julgado provado está em contradição com a factualidade vertida no ponto 9), porquanto neste último se diz “Nesse seguimento (o descrito em 8), a ré transmitiu ao autor que se disponibilizava a escurecer as coroas dos implantes para ficarem da cor das facetas”, e no facto 13) se exarar que “A uniformização entre a cor das facetas e das coroas implica a colocação de 5 novas facetas nos dentes 3.1 3.2 4.1 4.2 4.3;”. Ora, se atentarmos no vertido nos pontos 7), 8) e 9) e, por outro, nos pontos 11) e 13), contradição lógica é algo que não se vislumbra: a uniformização que se discute nos autos tem como referência a cor A1, que o autor, perante os exemplares de cores que para o efeito a R. lhe exibiu, escolheu. Assim, o sentido dos pontos 9) e 13) resulta perfeitamente claro e congruente, não existindo entre os juízos de facto contidos nos mesmos qualquer incompatibilidade lógica. Pretende ainda a apelante a reapreciação da decisão da matéria de facto, por considerar que foi feita uma incorrecta apreciação da prova quanto à matérias considerada provada pela 1.a instância, dos pontos 7), 8), 9), 10) e 13) considerados provados. A recorrente cumpre os pressupostos de ordem formal para se proceder à reapreciação da decisão da matéria de facto, tendo transcrito os excertos que, no seu entender, apoiam a sua tese, com referência à acta da audiência de julgamento. Em conformidade, a Relação reaprecia a prova, tendo, para tal, procedido à audição integral dos registos fonográficos. As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (artigo 341.º do CCivil). A prova em processo comum não pressupõe uma certeza absoluta ou ontológica, mas, por outro lado, também não se pode quedar na mera probabilidade de verificação de um facto. Assenta no alto grau de probabilidade do facto suficiente para as necessidades práticas da vida (Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, p. 191). A livre apreciação da prova, consagrada no art.º 396.º do C. Civil, é uma liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves, da «liberdade para a objectividade» (Rev. Min. Pub. 19º, 40). Sendo certo que é à luz dessa «liberdade para a objectividade» que devem equacionar-se as invocadas contradições na fundamentação de facto, que poderão, se for o caso, corresponder a erros de julgamento, por incorrecta valoração da prova, não integrando, de per si, qualquer nulidade processual, designadamente subsumível ao art.º 615.º, n.º 1, al. c) do CPC. Importa, liminarmente, notar que a recorrente procura excluir o depoimento da testemunha DD com base em inadmissibilidade, por quanto o seu verdadeiro nome não consta no rol de testemunhas indicado na petição inicial, tendo sido aí indicada uma testemunha de nome BB, a apresentar. No interrogatório preliminar a testemunha identificou-se como DD, não tendo a Mma. Juíza constatado, ou qualquer das partes deduzido impugnação ao depoimento, com fundamento em que não é a pessoa que fora oferecida, como poderiam ter feito, ao abrigo do disposto no artigo 513.º, n.º 2, do CPC. Conforme resulta do artigo 515.º, n.º 1 do CPC, o incidente da impugnação é deduzido quando terminar o interrogatório preliminar. Não o sendo, ou não procedendo os respectivos fundamentos, tribunal admite a testemunha a depor. Pelo que resulta extemporânea impugnação da testemunha em referência em sede de alegações de recurso. Acresce que, considerada a semelhança dos nomes, tudo leva a querer que se tratasse de um lapso de escrita na petição inicial, tal como a Mma. Juíza também por lapso indicou o mesmo nome trocado na fundamentação da matéria de facto. Em qualquer caso não tendo outras consequências que não a respectiva rectificação, nos termos dos artigos 249.º, do CCivil, e 614.º do CPC. Deverá, pelo exposto, valorar-se tal depoimento em sede de reapreciação da prova. Assim, quanto ao facto 7) não cabe dúvida de que o autor optou pela cor A1 por ser a mais branca, e que isso mesmo referiu à R., nisso tendo convergido as suas declarações de parte, do legal representante da Ré, e os depoimentos das testemunhas DD e de CC. Podendo apenas questionar-se se o autor usou nesse momento a expressão exacta “branco frigorífico”. Ora, neste particular a testemunha DD só alude a “branco frigorífico” como aquilo que o autor pretendia, sem precisar se foram estas as palavras transmitidas à Ré. Impõe-se assim fazer a respectiva precisão, ainda que de nulo relevo para a solução da causa, reformulando-se o 7) para “O autor pretendia ter os dentes “branco frigorífico”, e informou a primeira Ré que optava pela cor A1 por ser a mais branca”, fazendo-se no local próprio as necessárias alterações”. Quanto aos pontos 8), 9) e 10), a Mma. Juíza baseou nos seguintes termos a sua convicção: O facto provado n.º 8 assentou no depoimento da BB, mulher do autor que referiu que o autor questionou a diferença de cor no próprio dia. De resto, o próprio autor com clareza e objectividade afirmou peremptoriamente que no dia da colocação das coroas dos implantes alertou de imediato para a diferença de cor, tendo-lhe sido transmitido pela ré que essa diferença se devia ao material das facetas que é translúcido. O autor contou ainda que já havia notado essa diferença aquando da colocação das próteses provisórias e que lhe foi transmitido que quando fossem colocadas as coroas definitivas essa diferença de cor iria ficar uniforme, o que não se verificou. A este propósito, importa referir que a testemunha CC, médica dentista e funcionária da ré há 34 anos apenas referiu que acompanhou o autor no processo de escolha da cor das facetas que foram por si executadas. Na verdade, este procedimento foi executado no âmbito do centro de formação da ré e que, precisamente por isso, permite que os orçamentos fornecidos sejam mais baixos do que os apresentados por dentistas experientes. Os factos constantes do ponto 9 e 10 foi confirmado pela testemunha DD tendo sido também confirmado pelo autor. De resto, a testemunha FF, assistente dentária e funcionária da ré há nove anos, referiu que apenas é possível pintar as facetas antes da sua cimentação, dando assim a entender que no caso apenas seria possível escurecer as coroas para ficarem da cor das facetas, o mesmo referindo o legal representante da ré”. Ora, apesar de o suporte probatório de tal matéria se circunscrever, no essencial, às declarações de parte do autor e da testemunha DD,tal raciocínio afigura-se de validar, porque vem na sequência lógica do que era a posição do autor desde o início da relação contratual, dos seus anseios, sendo certo que as diferenças de cor foram confirmadas pela perícia médico-legal. Assim, pese o pormenor de a testemunha CC se ter identificado como técnica de prótese dentár e não como médica dentista, vai confirmada a matéria dos pontos 8), 9), e 10). O ponto 13) corresponde à matéria do item 20.º da petição inicial, e apesar de especificadamente impugnado no item 3.º da contestação, decorre do relatório pericial, que refere “as próteses implanto-suportadas nos 4º e 3º quadrantes correspondentes aos dentes 46 (apresenta três PMs), 45,44,33,34,35 (apresenta três dentes pré-molares),36 o que se compreende, pois são tratamentos completamente diferentes com materiais diferentes”, pelo que vai igualmente confirmado. Em sede de enquadramento jurídico, confirmada, no essencial, a matéria de facto enunciada na douta sentença recorrida, cumpre agora apreciar as questões de direito suscitadas pela recorrente, no sentido de saber se estão configurados os pressupostos da obrigação de reparar a cargo da recorrente, conforme vem peticionado, concretamente, se ocorreu, por parte da mesma, cumprimento defeituoso. Devendo, desde já, notar-se que a sentença recorrida não se orientou por um silogismo simplista, segundo o qual o Recorrido seria a pessoa capaz de avaliar se o tratamento foi o adequado, e só por assim o não ter considerado, haveria lugar a responsabilidade civil, crítica que se afigura deslocada do contexto da sentença. É fora de dúvida que a Ré actuou no âmbito de um contrato de prestação de serviços médicos, previsto no art. 1154.º do CCivil, que define genericamente como aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição. Tratando-se de um contrato oneroso, em que era devido pelo A. o pagamento de um preço, tendo como contraprestação serviços médicos, consistindo na colocação de implantes, regeneração óssea, elevação do seio maxilar e próteses fixas na arcada superior e colocação de implantes, regeneração óssea, próteses fixas e facetas na arcada inferior. É hoje pacífica a aceitação da concepção contratual da actividade médica, superadas que se encontram as teses que enquadravam a responsabilidade civil médica no exclusivo âmbito da responsabilidade extracontratual, baseadas no pressuposto de que os direitos e deveres dos médicos resultam apenas da lei e de normas deontológicas, não podendo a vida e saúde humanas ser objecto de relações jurídicas de troca. A obrigação assumida ou devida pelo médico tem vindo a ser qualificada, em geral, como obrigação de meios, sustentando os defensores desta orientação que tal profissional só está obrigado a utilizar os meios adequados para atingir um certo diagnóstico ou definir uma terapia, não lhe sendo exigível alcançar qualquer resultado efectivo, ou seja, a cura do paciente. Não assegurando nem podendo, naturalmente, assegurar a cura da sua enfermidade - Miguel Teixeira de Sousa, Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica, p. 125, Direito da Saúde e Bioética, AAFDL e Carlos Ferreira de Almeida, Os contratos civis de prestação de serviço médico, mesma revista, p. 110, citados pelo Ac. STJ de 15/12/2011, Proc. 209/06.3TVPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt. Em situações contadas, em que o acto médico não comporta, no estado actual da ciência, senão uma ínfima margem de risco, aceita a jurisprudência que o médico se não encontre apenas vinculado a actuar segundo as leges artis, entendendo, até por razões de justiça distributiva, que assumiu um compromisso que implica a obtenção de um resultado, aquele resultado que foi prometido ao paciente (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/03/2008, Proc.º 08A183, também em www.dgsi.pt). Define este aresto o acto médico como o acto executado por um profissional de saúde que consiste numa avaliação diagnóstica, prognóstica ou de prescrição, e na execução de medidas terapêuticas. Existindo cumprimento defeituoso sempre que exista desconformidade entre as prestações devidas e aquelas que foram efectivamente realizadas pelo prestador do serviço médico. Considerando-se que o tratamento é defeituoso, em relação á obrigação principal, quando seja desconforme com as “leis da arte médica”, com as leges artis, de harmonia com os estádios do conhecimento da ciência ao tempo da prestação dos cuidados de saúde Carlos Ferreira de Almeida, ob. cit., p. 116.. E entendendo-se por leges artis o conjunto das regras de arte médica, isto é, das regras conhecidas pela ciência médica em geral como as apropriadas à abordagem de um determinado caso clínico, na concreta situação em que tal contacto ocorre (cfr. Álvaro da Cunha G. Rodrigues, Reflexões em torno da responsabilidade civil dos médicos, Direito e Justiça, vol. XIV, t. 3, p. 137). Tratando-se de actos médicos de cirurgia estética, entendeu já o Supremo que, se a obrigação contratual do médico pode não ser uma obrigação de resultado, com o médico a comprometer-se “em absoluto” com a melhoria estética desejada, prometida e acordada, é seguramente uma obrigação de quase resultado porque é uma obrigação em que “só o resultado vale a pena”. A ausência de resultado ou um resultado inteiramente desajustado são a evidência de um incumprimento ou de um cumprimento defeituoso da prestação por parte do médico devedor, competindo-lhe, em termos de responsabilidade contratual, o ónus da prova de que o resultado não cumprido ou cumprido defeituosamente não procede de culpa sua, tal como o impõe o nº 1 do art. 799º do CCivil. Não lhe bastando, para cumprir esse ónus, a prova de que o tipo de intervenção efectuada importa um determinado risco (eventualmente aceite pelo paciente); é necessário fazer a prova de que a sua conduta profissional, o seu rigoroso cumprimento das “leges artis”, foi de molde a poder colocar-se o concreto resultado dentro da margem de risco considerada e não dentro da percentagem em que normalmente a intervenção teria êxito (cfr. Acórdão do STJ de 17-12-2009, Proc.º 544/09.9YFLSB, in dgsi.pt; no mesmo sentido, Acórdão desta Relação do Porto de 17-06-2021, Proc.º452/14.1T8PVZ.P1, dgsi.pt). Na hipótese dos autos, os tratamentos realizados pela recorrente tinham uma dupla vertente: uma vertente funcional e uma vertente estética. Do ponto de vista funcional, como se considerou na douta sentença recorrida, nenhuma deficiência resultou demonstrada: No caso dos presentes autos, não resultou provada existência de qualquer problema quanto à passividade das estruturas protéticas. O mesmo se pode concluir relativamente à regeneração óssea realizada, não tendo o autor cumprido o seu ónus probatório no que há ilicitude aqui respeita”. Já na vertente estética, o resultado alcançado não corresponde ao que foi pretendido pelo A., e com o qual a R. se comprometeu, conforme resulta dos factos 6.º a 8.º e 13.º. Sustentando o A. que o caso é de cumprimento defeituoso. Antunes Varela, a propósito da compra e venda, em parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência, 1987, tomo 4, págs. 22 e segs (citado pelo Ac. RL de 20-03-2014 (Proc.º 226/12.4TVLSB.L1-2, dgsi.pt), abordou esta problemática, concluindo o seguinte: “Há assim venda de coisa defeituosa sempre que no contrato de compra e venda, tendo por objecto a transmissão da propriedade de uma coisa, a coisa vendida sofrer dos vícios ou carecer das qualidades abrangidas no art. 913.º do Cód. Civil, quer a coisa entregue corresponda, quer não, à prestação a que o vendedor se encontra vinculado […]. O cumprimento defeituoso da obrigação verifica-se não apenas em relação à obrigação da entrega da coisa proveniente da compra e venda, mas quanto a toda e qualquer outra obrigação, proveniente de contrato ou qualquer outra fonte. E apenas se dá quando a prestação realizada pelo devedor não corresponde, pela falta de qualidades ou requisitos dela, ao objecto da obrigação a que ele estava adstrito. Além disso, na base do defeito do cumprimento da obrigação podem estar não apenas a carência de qualidades da coisa, mas irregularidade de outra natureza, v.g. a entrega de aliud pro alio, como no exemplo anteriormente citado da remessa de um vaso de vidro banal em lugar do vaso de cristal escolhido pelo comprador […].”Sendo fora de dúvida que entre as partes foi celebrado um contrato de compra e venda, tendo por objecto o identificado imóvel, discute-se se estamos perante cumprimento defeituoso do contrato ou venda de coisa defeituosa.” Ora, é precisamente a falta das qualidades do resultado prometido, na coloração das facetas e das coroas dos implantes, que se ocorreu no caso vertente, constituindo a recorrente na obrigação de reparar o dano, nos termos do artigo 798.º do CCivil, uma vez que não provou – tão pouco vem alegado – que essa falta se deva a inobservância dos cuidados de higiene e conservação por parte do A., ou que, em termos gerais, não provém de culpa sua ilidindo a presunção de culpa do devedor, prevista no artigo 799.º do CCivil. Desnecessária resultando, assim, a ampliação da matéria de facto para a solução da questão, que de resto a recorrente não concretiza. Em sede de desresponsabilização da interveniente Seguradora, é manifesto que, tendo optado o A. pela reconstituição natural, tal direito só pode ser exercido no confronto da R., por se tratar de prestação de facto infungível, como acertadamente concluiu a douta sentença recorrida. Contudo, nas considerações laterais (obter dicta) desenvolvidas a propósito da transferência de responsabilidade através do contrato de seguro, deixou-se escrito que “Uma vez que está em causa a reconstituição natural, ainda possível, e não o pagamento de qualquer indemnização em dinheiro, cumpre concluir que a obrigação de reconstituição natural não cabe no âmbito de transferência de responsabilidade para a segunda Ré que se encontra contratualmente definido”. Com o devido respeito, discorda-se de tais considerações. Com efeito, a reconstituição natural cabe ainda no conceito de indemnização que decorre do art.º 566.º, n.º 1, do CCivil - A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor. Como escreveu Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 1980, pág. 84), “a responsabilidade civil actua, portanto, através do surgimento da obrigação de indemnização. Esta tem precisamente em vista tornar indemne, isto é, sem dano o lesado, visa colocar vítima na situação em que estaria sem ocorrência do facto danoso. A responsabilidade civil consiste, por conseguinte, na necessidade imposta pela lei a quem causa prejuízos a outrem de colocar o ofendido na situação em que estaria sem a lesão (arts. 483.º e 562.º) Esta reconstituição da situação em que o lesado estaria sem a infracção deve em princípio ter lugar mediante uma reconstituição natural (reconstituição, restituição ou execução específica). (…). Das duas formas que pode revestir a reconstituição das coisas a indeminização em dinheiro ou por equivalente é a hipótese largamente maioritária (…)”. A indemnização em dinheiro a que se refere o n.º 2 do art.º 566.º CCivil é uma subespécie da obrigação de indemnizar. Assim, em eventual acção de regresso – que não está excluída pela cláusula de exclusão da alínea l) do ponto 6 das condições particulares do contrato de seguro (violação dolosa dos deveres profissionais e deontológicos aplicáveis na actividade profissional segura ou das normas que regulam o exercício da mesma), na medida que não se encontra demonstrado o dolo da Ré - poderá esta discutir o reembolso dos custos em que incorrerá, designadamente do material que viera a aplicar. Por último, nenhum fundamento ocorre para a pretendida condenação do autor como litigante de má fé. Dispõe o n.º 2 do artigo 542.º do Novo C.P.C, que se diz litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. Como ensina o Conselheiro Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. II, 3ª Edição - 2000 - pág. 221/222: “A má fé processual tinha, entre nós, como requisito essencial o dolo, não bastando a culpa, por mais grave que fosse. A reforma processual de 95/96 mudou esse estado de coisas, considerando reveladora da má fé no litígio tanto o dolo, como a culpa grave, que designa por negligência grave. A parte tem o dever de não deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; de não alterar a verdade dos factos ou de não omitir factos relevantes para a decisão da causa; de não fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão; de não praticar omissão grave do dever de cooperação, tal como ele resulta do disposto nos arts. 266.° e 266º-A. Se intencionalmente, ou por falta da diligência exigível a qualquer litigante, a parte violar qualquer desses deveres, a sua conduta fá-lo incorrer em multa, ficando ainda sujeito a uma pretensão indemnizatória destinada a ressarcir a parte contrária dos danos resultantes da má fé. A doutrina tem classificado a má fé de que trata o preceito em duas variantes: a má fé material e a má fé instrumental, abrangendo a primeira os casos das alíneas a) e b) do nº 2, e a segunda, os das alíneas c) e d) do mesmo número”. Ora, cotejando os articulados do autor com a factualidade supra enunciada, não resultaram provados quaisquer factos pessoais do autor que fossem o oposto daqueles que havia alegado. Ao invés, colheram demonstração alguns dos factos que alegou e conduzem à procedência parcial da sua pretensão. Não merece, pelo exposto, qualquer reparo a douta sentença recorrida, cuja confirmação se impõe, improcedendo a apelação. Decisão. Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, em função do que confirmam a sentença recorrida. Custas pela apelante. Porto, 10/9/2024. João Proença João Ramos Lopes Artur Dionísio Oliveira |