Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | EUGÉNIA CUNHA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO DANO BIOLÓGICO DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
Nº do Documento: | RP202407102074/19.1T8PNF.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGAÇÃO PARCIAL | ||
Indicações Eventuais: | 5.ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - A responsabilidade civil pressupõe, em regra, culpa do agente (dolo ou negligência), incidindo sobre o lesado o ónus de provar a culpa do lesante - cfr. nº1, do art. 483º, art. 487º e nº1, do art. 342º, todos do Código Civil -, tal como os restantes pressupostos daquela. E provados estes, incluindo a culpa da lesante, gerada se mostra, na medida daquela culpa, a obrigação da 1ª Ré Seguradora (para quem se encontrava transferida a obrigação de indemnizar danos decorrentes de acidentes causados pela circulação do veículo segurado) de indemnizar o Autor pelos danos sofridos. II - Para efeitos de indemnização, autónoma, do dano biológico, na sua vertente patrimonial, só relevam as implicações de alcance económico (sendo as demais vertentes de tal dano, que traduzem sequelas e perda de qualidade de vida do lesado sem natureza económica, ponderadas em sede de danos não patrimoniais). Tal indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, que traduz uma capitis deminutio na vertente geral, deverá compensá-lo, mesmo que não imediatamente refletida em perdas salariais ou na privação de uma específica capacidade profissional, quer da restrição às oportunidades profissionais à sua disposição quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade profissional corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas. Sendo inviável estabelecer o seu quantum indemnizatório com base em cálculo aritmético de rendimentos específicos, deve recorrer-se à equidade (art. 564º, nº2 e 566º nº3, ambos do Código Civil) dentro dos padrões delineados pela jurisprudência em função da gravidade das sequelas sofridas. III - É adequada, necessária e proporcional a importância de 600.000,00 € para indemnizar o dano biológico sofrido por lesado que à data do acidente era estudante e contava 15 anos de idade, que nenhuma contribuição teve para a produção dos danos e que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 59%, tendo o período de défice temporário total sido de 23 dias e o de défice temporário parcial de 1280 dias. IV - A indemnização por danos não patrimoniais, a fixar por equidade, visa, além compensar o dano sofrido, reprovar a conduta culposa do autor da lesão. Tal compensação deve traduzir a ponderação da extensão e gravidade dos danos causados, do grau de culpa do lesante, da situação económica deste e a do lesado e das demais circunstâncias relevantes do caso, nomeadamente, a idade do lesado, as desvantagens que este tenha sofrido e os critérios e valores usuais na jurisprudência em casos similares, nos termos do nº4, do art. 496º e art. 494º, ambos do Código Civil. Os preceitos anteriormente referidos devem ser aplicados com prudência e bom senso, pois têm como efeito deixar sem indemnização parte dos danos reais, o que é suscetível de gerar injustiças absolutas e relativas para os lesados, devendo, para as evitar, seguir-se critérios que permitam obter um modelo indemnizatório que conduza a uma maior igualdade, certeza e segurança jurídica, sem se perder de vista as circunstâncias do caso; V - É adequada, necessária e proporcional a importância de 200.000,00 € para compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo referido jovem lesado que, em consequência do acidente, além do mais, sofreu “esfacelo grave da região clavicular direita com arrancamento da porção clavicular do ECM, com ausência da mobilidade da mão, do cotovelo e do ombro e, ainda com ausência de sensibilidade no território dos nervos radial, cubital e mediano; esfacelo supra-clavicular com constatação de arrancamento pré-ganglionar do plexo braquial; esfacelo do cotovelo direito e constatação de integridade do nervo cubital, feridas no hemitorax esquerdo, cotovelo direito e nos dois joelhos, fratura do terço externo da clavícula, abundantes potenciais de desnervação em repouso e ausência de potenciais de unidade motora na tentativa de contração dos músculos infraespinhoso, deltóide, bicipide flexor radial do carpo, extensor comum e 1º interósseo dorsal direitos, e ainda com sinais de desnervação no grande dentado direit; grave lesão axonal ganglionar ou infraganglionar a nível dos ramos primários anteriores de raízes C5, C6, C7 e C8 direitas ou coexistência de lesão a nível dos troncos primários superior, médio e inferior do plexo braquial com lesões a nível de raízes; alterações de sinal dos músculos da coifa dos rotadores e da própria goteira para-vertebral direita que pode traduzir edema neurogénico; alteração do sinal dos músculos escalenos direitos, associada a uma desorganização estrutural com perda da própria morfologia habitual e do sinal dos troncos, divisões e cordões que constituem o plexo braquial direito; fratura dos pratos da tíbia da perna esquerda”, tendo sido submetido a quatro cirurgias, uma delas que, dada a complexidade, teve a duração de 12 horas e ficado com cicatrizes, a padecer de dores para toda a vida, depressão, necessidade de tomar medicação e do referido défice funcional permanente da integridade físico-psíquica e que teve um quantum doloris no grau 6/7, um dano estético permanente no grau 6/7, repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer no grau 6/7, repercussão permanente na atividade sexual no grau 4. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo nº 2074/19.1T8PNF.P1 Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível) Tribunal de origem do recurso: Juízo Central Cível de Penafiel - Juiz 1 Relatora: Des. Eugénia Cunha 1º Adjunto: Des. Jorge Martins Ribeiro 2º Adjunto: Des. Manuel Fernandes
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto
Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC): ……………………………………………. ……………………………………………. …………………………………………….. *
I. RELATÓRIO 1º recurso: recurso independente Recorrente: “A... – Companhia de Seguros S.A.” Recorrido: AA
2º recurso: recurso subordinado Recorrente: AA Recorridas: - “A... – Companhia de Seguros S.A.” - “B... S.A”
AA propôs ação declarativa, com processo comum, contra “A... – Companhia de Seguros S.A” e “B... S.A” pedindo: i) a condenação da 1ª Ré ,“A... – Companhia de Seguros S.A.”, a pagar e a indemnizar o Autor na quantia de 228.303,31 € (duzentos e vinte e oito mil trezentos e três euros e trinta e um cêntimos), por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos com o acidente, bem como, a assegurar e a suportar todos os custos e encargos do eventual dano futuro peticionado que porventura possa vir a existir e a proceder, bem como e ainda outra qualquer quantia ou dano que venha a ser mandado liquidar em execução de sentença, quantias acrescidas de juros, calculados à taxa legal, desde a data da citação até efetivo de integral pagamento; ii) “nos precisos e exatos termos alegados nos artigos 24º a 26º e 73º a 76º”, da petição inicial”[1], a condenação da 2ª Ré, “B... S.A.”, a pagar e a indemnizar o Autor de todos os danos por este sofridos, que se encontram garantidos pelo contrato de seguro titulado pela Apólice que identifica, que tenha como tomador de seguro a Federação Portuguesa de Ciclismo e que tenha como segurado e beneficiário o Autor, acrescido de juros, calculados à taxa legal, sobre a quantia a que for condenada, desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento. Alega, para tanto, os danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos na sequência de, no dia 22/7/2010, pelas 18h15, na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., quando treinava, ter ocorrido um embate entre o velocípede sem motor (bicicleta), conduzido e pertencente ao Autor, e o veículo automóvel de matrícula “..-JZ-..”, pertencente a BB e conduzido por CC, seguro na 1ª Ré, circulando este a velocidade não inferior a 50 Km/h, no sentido da EN ...06 para ... e aquele, em sentido contrário, a velocidade não superior a 30 Km/h, pela sua hemi-faixa direita, sendo que a condutora do veículo “JZ” ao descrever a curva para a sua direita, desatenta, ocupou a hemi-faixa de rodagem do lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha, embatendo com a parte da frente direita do veículo “JZ” no velocípede, a cerca de 0,5 metros do eixo da via, o que fez com que este embatesse no para-brisas daquele veículo, tendo sido projetado cerca de 2 metros, ficando caído na berma esquerda da estrada, atento o sentido do veículo “JZ”, com a cabeça junto da roda direita da frente deste veículo. A 1ª Ré, na contestação, defende-se por impugnação, ao negar os factos alegados pelo Autor, referindo que a condutora do veículo “JZ” circulava a velocidade inferior a 50 Km/h e, ao aproximar-se de uma curva à sua direita, foi surpreendida pelo velocípede, conduzido pelo Autor, a circular em sentido oposto, pela hemi-faixa esquerda, atento o sentido de marcha do Autor, a desfazer a curva à esquerda, tendo a condutora do “JZ”, para evitar o embate frontal, guinado a direção para a sua esquerda, dando-se o embate entre o rodado da frente do velocípede e a frente direita do “JZ”, sendo o Autor projetado, embatendo no capot e pára-brisas e acabando por cair na via. A 2ª Ré refere que, sendo o Autor beneficiário da referida apólice nº ...60 de acidentes pessoais, cujas condições particulares impõem capital de € 27.500,00 para os casos de invalidez permanente e de € 5.000,00 com despesas de tratamento, este último com uma franquia de € 90,00, a responsabilidade pelo acidente e suas consequências é de imputar à 1ª Ré, pelo que, respondendo aquela pelos danos causados pela condutora do veículo não se constitui na obrigação de indemnizar. Na resposta que apresentou, o Autor mantém os factos por si alegados. Requereu o Autor, nos termos do art. 265º, nº 2, do C.P.C., ampliação do pedido relativamente ao montante peticionado de dano biológico de € 155.000,00 para € 250.000,00 e a título de danos morais de € 70.000,00 para € 120.000,00, sendo tal ampliação deferida por despacho proferido em 7/2/2023. Mais requereu o Autor, nos termos do art. 265º, nº 2, do C.P.C. nova ampliação do pedido relativamente ao montante anteriormente peticionado de dano biológico de € 250.000,00 para € 600.000,00, a título de dano patrimonial pelas despesas medicamentosas, tratamentos e transportes para os mesmos, quantia não inferior a 80.000 € e a título de danos morais ampliação de € 120.000,00 para 200.000,00, sendo a ampliação em causa deferida por despacho proferido em 28/3/2023. * Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais. * Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva: “Pelo exposto decide-se julgar parcialmente procedente a presente ação e, em consequência: a) condenar a 1ª Ré, “A... – Companhia de Seguros S.A.” a pagar ao Autor, AA, a quantia de € 291.803,31 (€ 450,00+€ 228,31+ 1.125,00+€ 290.000,00) pelos danos patrimoniais sofridos, acrescida dos juros legais contados desde a citação até integral pagamento. b) condenar a 1ª Ré “A... – Companhia de Seguros S.A.” a pagar ao Autor a quantia de € 180.000,00, pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida dos juros legais, contados a partir da presente data. c) relegar para liquidação de sentença o custo dos tratamentos e das despesas medicamentosas que o Autor suportou e venha a ter que receber futuramente, bem como o custo das eventuais intervenções cirúrgicas que venha a ter necessidade de ser submetido. d) absolver a 1ª Ré dos restantes pedidos contra si deduzidos. e) absolver a 2ª Ré “B... S.A.” de todos os pedidos contra si deduzidos. f) Custas por Autor e 1ª Ré na proporção dos respetivos decaimentos. * Apresentou a Ré A... recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a sentença recorrida, formulando as seguintes CONCLUSÕES: (…) * O Autor apresentou-se a responder e interpôs recurso subordinado (cfr. artigo 633.°, do CPC), pedindo que seja julgado improcedente o recurso da 1ª Ré e dado provimento ao seu recurso, formulando as seguintes Conclusões: (…) * Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto. * II. FUNDAMENTOS - OBJETO DO RECURSO Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal. Assim, as questões a decidir, relativas ao recurso principal e ao recurso subordinado, são as seguintes: * II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 1. FACTOS PROVADOS Foram os seguintes os factos considerados provados com relevância para a decisão pelo Tribunal de 1ª instância (transcrição): 1- No dia 22/7/2016, pelas 18h15, na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., ocorreu um embate entre o velocípede sem motor (bicicleta), pertencente ao clube de ciclismo ... e conduzido pelo Autor e o veículo automóvel de matrícula “..-JZ-..”, pertencente a BB e conduzido por CC. 2 - O veículo “JZ” circulava a velocidade não superior a 50 Km/h, no sentido da EN ...06 para .... 3 - O velocípede conduzido pelo Autor circulava no sentido ... para a EN ...06, a velocidade não superior a 30 Km/h, pela sua hemi-faixa direita, tendo a faixa de rodagem uma inclinação descendente. 4 - A condutora do veículo “JZ”, por solicitação do seu filho, que circulava no banco de trás, foi buscar uns lenços que se encontravam no lugar do pendura e, ato contínuo, entregou-lhe os lenços, o que fez com que desviasse o seu olhar da estrada e retirasse o seu pé do acelerador. 5 - Os atos a que se aludem no ponto 4 fizeram com que a Autora, ao descrever a curva para a sua direita, progressivamente, diminuísse a sua velocidade de circulação e ocupasse a hemi faixa de rodagem do lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha. 6 - Tendo embatido com a parte da frente direita do veículo “JZ” no velocípede conduzido pelo Autor, o que fez com que este embatesse no para-brisas daquele veículo, tendo sido projetado cerca de 2 metros, ficando caído na berma esquerda da estrada, atento o sentido do veículo “JZ”, com a cabeça junto da roda direita da frente deste veículo. 7 - O local do embate ocorreu na hemi faixa direita de rodagem, atento o sentido de circulação do Autor, a cerca de 0,5 metros do eixo da via. 8 - Após o embate, o veículo “JZ” ficou numa posição diagonal à faixa de rodagem, sendo que a parte da frente esquerda do “JZ” ficou a cerca de 1m a 1,5 m da berma do lado esquerdo, e parte traseira esquerda ficou a cerca de 2 metros da berma do lado esquerdo, atento o sentido em que o mesmo circulava, tendo o velocípede conduzido pelo Autor ficado imobilizado a 1 metro da frente do veículo “JZ”. 9 - Após o embate e antes da chegada da GNR, foi necessário fazer descair o veículo “JZ” para ser possível prestar o socorro ao Autor. 10 - Após a execução da referida manobra para prestação de socorro, a parte de trás esquerda do veículo “JZ” encontrava-se a 2,88 metros da berma do lado esquerdo, atento o sentido em que o mesmo seguia e a parte de trás direita do veículo “JZ” encontrava-se a 2,02 metros da berma do lado direito, atento o sentido que o mesmo seguia. 11 - No local do embate, a faixa de rodagem tem uma largura de 6,30 metros. 12 - À data e hora do embate era dia e não chovia. 13 - O piso da faixa de rodagem era em paralelepípedos, encontrava-se seco e em bom estado de conservação. 14 - À data do embate, o Autor era atleta do clube de ciclismo ... e estava inscrito e federado na União Velocipédica Portuguesa/Federação Portuguesa de Ciclismo, na categoria de cadetes. 15 - Quando ocorreu o embate o Autor e outro colega do cube de ciclismo ..., de nome DD, estavam a treinar. 16 - O Autor participava num dos treinos de bicicleta que fazia quase diariamente. 17 - Em consequência direta e necessária do embate, o velocípede sem motor – bicicleta, em que o Autor circulava, ficou totalmente destruído, o qual tinha o valor de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros). 18 - Em consequência do embate, o equipamento que o Autor vestia e utilizava no treino foi comprado por si – camisola, calções, sapatos, capacete, polar e óculos – ficou totalmente destruído, o qual tinha um valor global não inferior a 450,00 € (quatrocentos e cinquenta euros). 19 - Por causa das lesões sofridas com o embate, o Autor deu entrada no Hospital 1..., em ... e, logo nesse mesmo dia foi transferido para o Hospital 2..., no Porto, onde foi de imediato submetido a intervenção cirúrgica ao ombro e à clavícula direita, tendo aí ficando internado nos cuidados intensivos desde o dia 22/07/2016 ao dia 25/07/2016. 20 - Nessa data passou para os cuidados intermédios, tendo alta para regressar a casa no dia 02/08/2016. 21 - Desde esse dia 02/08/2016 até 04/10/2016, o Autor passou a ter consultas e tratamentos no Hospital 2... no Porto, de dois em dois dias. 22 - No dia 04/10/2016, o Autor foi submetido no Hospital 2..., no Porto a nova intervenção cirúrgica para exploração e tentativa de ligação dos tendões do ombro direito, sendo que face à complexidade da cirurgia a mesma teve uma duração de 12 horas. 23 - Após essa cirurgia o Autor ficou novamente internado no referido Hospital 2... durante 10 dias, tendo depois recebido alta para regressar a casa, mas de dois em dois dias tinha que ir ao referido Hospital 2... para consultas e para receber tratamentos, o que aconteceu desde o dia da alta da cirurgia até ao dia 06/11/2016. 24 - Desde o dia 06/11/2016 até à presente data, o Autor continuou a receber as consultas e tratamentos no Hospital 2... no Porto, numa primeira fase, de semana em semana e depois de mês em mês. 25 - Nos dias 10/07/2017 e 07/01/2019, o Autor foi submetido a mais duas intervenções cirúrgicas a uma ferida no tórax. 26 - A partir do dia 06/11/2016, o Autor começou a receber vários tratamentos de fisioterapia. 27 - Em consequência do embate, o Autor sofreu as seguintes lesões: a) Esfacelo grave da região clavicular direita com arrancamento da porção clavicular do ECM, com ausência da mobilidade da mão, do cotovelo e do ombro e, ainda com ausência de sensibilidade no território dos nervos radial, cubital e mediano. b) Esfacelo supra-clavicular com constatação de arrancamento pré-ganglionar do plexo braquial. c) Esfacelo do cotovelo direito e constatação de integridade do nervo cubital. d) Feridas no hemitorax esquerdo, cotovelo direito e nos dois joelhos. e) Fratura do terço externo da clavícula. f) Abundantes potenciais de desnervação em repouso e ausência de potenciais de unidade motora na tentativa de contração dos músculos infraespinhoso, deltóide, bicipide flexor radial do carpo, extensor comum e 1º interósseo dorsal direitos, e ainda com sinais de desnervação no grande dentado direito. g) Grave lesão axonal ganglionar ou infraganglionar a nível dos ramos primários anteriores de raízes C5, C6, C7 e C8 direitas ou coexistência de lesão a nível dos troncos primários superior, médio e inferior do plexo braquial com lesões a nível de raízes. h) Alterações de sinal dos músculos da coifa dos rotadores e da própria goteira para-vertebral direita que pode traduzir edema neurogénico. i) Alteração do sinal dos músculos escalenos direitos, associada a uma desorganização estrutural com perda da própria morfologia habitual e do sinal dos troncos, divisões e cordões que constituem o plexo braquial direito. j) Fratura dos pratos da tíbia da perna esquerda. 28 - O Autor ficou com as seguintes limitações: a) Ombro e o antebraço direito totalmente imobilizado. b) Limitação no movimento de rotação do braço direito e mão direita. c) O Autor perdeu a força no ombro, no braço e na mão direita. d) Não tem sensibilidade no antebraço, no braço e na mão direita. e) Não consegue dormir para o lado direito. f) Não consegue agarrar, pegar e consequentemente levantar qualquer objeto por pouco pesado que seja. g) Ficou impossibilitado de escrever e de assinar o seu nome com a mão direita, tendo recebido treinos/tratamentos para somente poder fazer a sua assinatura com a mão esquerda. h) O Autor ficou com algumas limitações e perdeu autonomia e independência pessoal, nomeadamente entre outras atividades do quotidiano, para se vestir, calçar e comer sozinho. 29 - Desde a data do embate até à presente data, o Autor toma diariamente comprimidos para conseguir aguentar e/ou aliviar as dores, nomeadamente gabapentina (gabmox) e, ainda Ziphen quando as dores eram e/ou são mais agudas e intensas. 30 - Durante os vários períodos de tratamentos e de internamentos hospitalares a que foi submetido, o Autor sofreu dores. 31 - O Autor continua a ter e a sofrer fortes dores, principalmente com as mudanças de tempo, o que se prolongará até aos fins da sua vida. 32 - O Autor sente tristeza por não poder voltar a praticar ciclismo. 33 - Por causa das lesões sofridas, o Autor não consegue cortar um pão para fazer uma sandes ou cortar um mero bife, não consegue apertar os cordões dos sapatos, não consegue vestir uma camisa se não tiver a ajuda da sua própria boca, o que lhe provoca tristeza e crises de depressão. 34 - Até o mês de março de 2018, o Autor foi medicado com comprimidos ADT para tratar da depressão que sofreu em consequência do embate. 35 - Antes do embate, o Autor era uma pessoa alegre e divertida, sendo que despois do embate passou a ser uma pessoa triste e amargurada, não tendo a mesma alegria de viver e de conviver com os jovens da sua idade. 36 - Apesar de, à data do embate, o Autor ainda estar na categoria de cadetes, tinha a expectativa de progredir no ciclismo português, ficando impedido de concretizar esse sonho, o que lhe causou tristeza. 37- O Autor, à data do embate, estudava, pelo que em consequência dos internamentos e tratamentos médicos a que foi submetido, no ano letivo de 2017/2018, o Autor não teve aproveitamento escolar. 38 - O estado físico e mental em que o Autor ficou em consequência das lesões sofridas com o embate fez com que este se sentisse e sinta envergonhado, com complexos de conviver com os seus colegas de escola e professores, o que fez com que ele cada vez gostasse menos de frequentar a escola. 39 - O Autor terá que receber tratamentos e acompanhamento médicos até ao final da sua vida. 40- As despesas com transportes para se deslocar para as consultas e para os tratamentos sempre foram efetuados pelos pais do Autor, em veículo próprio daqueles, tendo efetuado desde a data do embate até à presente data 75 viagens de ida e volta desde a residência do Autor (sita em ... - ...) ao Hospital 2... (sito no Porto), tendo despendido em cada viagem de ida e volta com combustível e portagens a quantia de 15,00 € (quinze euros) e despendeu a quantia de € 228,31 com os custos dos medicamentos adquiridos por si e com despesas com os tratamentos médicos que não foram suportados pela Segurança Social. 41- O Défice Funcional Temporário Total fixou-se num período de 23 dias. 42- O Défice Funcional Temporário Parcial fixou-se num período 1280 dias. 43- Com Repercussão Temporária na Atividade Profissional (considerou-se a repercussão escolar) fixou-se um período total de 103 dias. 44- Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial (considerou-se repercussão escolar), fixou-se um período total de 1200 dias. 45 - O quantum doloris fixa-se no grau 6 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo, e de tratamentos efetuados, com múltiplas cirurgias, pensos por longos períodos por dificuldade na cicatrização de ferida torácica, fisioterapia com frequências de 5 e de 3 vezes por semana, e em face da idade do examinado e gravidade do quadro clínico com implicação no seu bem estar físico com dor e limitação motora, mental e social numa faixa etária na qual o contexto social representa um amplo espaço de realização e formação pessoal. 46 – O Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 59 pontos, sendo de perspetivar a existência de Dano Futuro, o que pode obrigar a uma futura revisão do caso por artrose na articulação do joelho esquerdo. 47 - O Autor era estudante à data do embate, tendo ficado com o seu percurso escolar afetado, quer pelas limitações físicas, funcionais e quadro de dor, quer pelas consequências psíquicas, mais acentuadas no período inicial após o embate, assim como pelo absentismo escolar necessário para tratamentos cirúrgicos. 48 - A necessidade de realização frequente de pensos e de fisioterapia, implicou para o Autor, dispêndio de tempo, dores físicas e alterações do foro mental associadas. 49 - Sendo o Autor, à data, adolescente ainda sem projeto profissional mais orientado ou definido, as sequelas resultantes do embate são compatíveis com algumas profissões, embora com esforços suplementares (mesmo que não necessite do uso dos membros superiores, já que mesmo nesses casos, mantém quadro doloroso e queixas psíquicas que o afetam). 50 - O Autor estará impossibilitado de prosseguir uma profissão em que necessite de usar os dois membros superiores em simultâneo e estará impossibilitado ou pelo menos necessitará de esforços suplementares acentuados no exercício de profissões em que apenas necessite de usar um membro superior mas que exijam grande destreza/precisão desse membro (uma vez que era dextro, necessitando agora de fazer uso do membro que era passivo), podendo, ainda assim, beneficiar de treino específico para o uso do lado esquerdo. 51 - Dado que a sua dinâmica postural e equilíbrio também estão algo afetados, é de admitir dificuldade acrescida na realização de profissões que exijam elevadas capacidades de equilíbrio. 52 - Para o exercício da profissão de ator pretendida pelo Autor, o mesmo está impossibilitado na realização de vários papéis que impliquem o uso pleno do membro superior direito. Outros papéis existirão que poderá realizar com esforços suplementares. 53 - O Autor manifestou interesse na área de comunicação, sendo que a capacidade para profissões desta área de estudo depende da concreta profissão que venha a escolher, de qualquer forma, necessita sempre, pelo menos de esforços acrescidos pelas sequelas físicas e psíquicas que sofreu com o embate. 54 - Dano Estético Permanente é fixável no grau 6, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta os seguintes aspetos: as extensas cicatrizes de aspeto hipertrófico e com pigmentação no tronco, as restantes cicatrizes nos membros superiores esquerdo e direito e membros inferiores esquerdo e direito, a alteração dos normais movimentos e sincronia dos movimentos do corpo pela imobilidade do membro superior direito, a amiotrofia do membro superior direito, o flexo do cotovelo direito, a necessidade de usar tala de apoio (está documentado que iria realizar artrodese do punho ou seja, fixação cirúrgica do punho direito que poderá ter sido entretanto realizada mas que não impede que haja dano estético por punho em posição fixa). 55 - Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 6, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta a sua vida afetiva, social e familiar. 56 - Repercussão Permanente na Atividade Sexual é fixável no grau 4, pelas sequelas físicas e psíquicas e dificuldade em posicionamentos. 57 - Dependências Permanentes de Ajudas: Ajudas medicamentosas: O Autor efetua medicação em SOS quando tem mais dores o que se admite (analgesia) e psicofármaco quando tem mais dificuldade em dormir. Poderá a vir ter indicação de medicação adicional conforme quadro doloroso a prescrever pelos médicos assistentes. Tratamentos médicos regulares: O Autor mantém tratamentos de fisioterapia, tendo efetuado na Clínica ... tratamentos de fisioterapia desde 31/10/2016 até 10/2/2020, num total de 629 sessões. O Autor deve manter consultas de ortopedia e de psiquiatria de vigilância, eventualmente maior frequência se necessário e de neurocirurgia e fisioterapia com frequência a determinar pelo médico assistente. Ainda realiza fisioterapia. Ajudas técnicas: tala/apoio de punho (caso não tenha feito artrodese). 58 - Adaptação ao domicílio: - O Autor beneficia de carro automático, adaptado a uso só do membro superior esquerdo; eventuais ajudas técnicas no computador tais como rato e apoio para diminuir dor no uso com a mão esquerda; eventuais utensílios de vida diária que possam permitir melhor uso da mão esquerda e mais autonomia (a determinar em avaliação de ajudas técnicas). - tábua de preparação de alimentos para unimanual. - faca de Nelson - rebordo de prato - Dispositivo de parede – dispensador de gel de banho e shampoo - dispositivo anti-derrapante para abertura de embalagens, em silicone ou outro - rato de computador adaptado com botões e comandos laterais 59 - O Autor deverá realizar programa em terapia ocupacional para treino dos produtos de apoio, treino de AVD e AVDi. 60 - Ajuda de terceira pessoa: - O Autor necessita de ajuda de terceira pessoa para tarefas de vida diárias que impliquem o uso dos dois membros superiores em simultâneo ou de maior esforço e força tais como limpezas profundas do domicílio para deslocar móveis, ou outras mais pesadas, ajuda para preparação dos alimentos (descascar e cortar por exemplo), ajuda para comer alguns alimentos que não consegue descascar ou cortar, lavar a roupa manualmente (tem que fazer uso da máquina de lavar roupa ou necessita de ajuda de terceira pessoa para lavagem de roupas manual), lavar louça (podendo fazer uso de máquina de lavar louça necessitando de ajuda de terceira pessoa para lavagem manual), atividades que o próprio apesar de não ter referido - o que pode ser explicado pela idade do mesmo e contexto de vivência familiar - se admite venha a percecionar quando iniciar vida autónoma/quando passar a morar sozinho. - Ao nível da alimentação: O Autor tem dificuldade na preparação de alimentos mais duros, necessitando de apoio para a sua preparação. - Dificuldade na abertura de frascos / recipientes. - Higiene Pessoal: autonomia modificada, encontrou estratégias; atividade unimanual e demora mais tempo; precisa de ajuda a cortar as unhas das mãos; não usa escova de dentes elétrica, usa manual e tem estratégia para a pasta dos dentes. Banho: Dificuldade no uso de embalagens Vestir: Autonomia modificada – demora mais tempo. Calçar: consegue calçar meias e restante calçado; tem dificuldade nos cordões – não terá aprendido a técnica de apertar unimanual. Escrita: Tenta com a mão esquerda. Tecnologias: Usa o computador e o telemóvel; comprou rato com mais opções de botões e comandos. Condução: Com adaptação. Lesão neurológica periférica grave, sem movimentos funcionais no membro superior direito. 61 - Por causa do embate, o Autor ficou com uma perturbação persistente do humor, com repercussão moderada na autonomia pessoal, social e profissional com repercussão moderada nas atividades da vida diária, incluindo as familiares, sociais, de lazer e desportivas, o qual, tendo em conta o diagnóstico é valorizado em 12 pontos. 62 - O Autor sofreu um prejuízo juvenil. 63 - O Autor nasceu em ../../2000. 64 - Atualmente concluiu o Curso Técnico Comercial, que permitiu equivalência ao 12º ano, tendo efetuado estágio profissional. 65 - Atualmente não tem acompanhamento psicológico nem psiquiátrico. 66 - A 1ª Ré “A... – Companhia de Seguros S.A.” que à data do acidente era denominada e designada por “C... – Companhia de Seguros S.A.” é a Seguradora para a qual, por contrato titulado pela Apólice nº ...88, vigente à data do acidente, havia sido transferida a responsabilidade civil por danos emergentes de acidente de viação causados pelo veiculo com a matricula ..-JZ-... 67 - O Autor pertencia à Federação Portuguesa de Ciclismo, sendo que esta Federação celebrou com a Companhia de Seguros, a aqui 2ª Ré “B... S.A.”, um contrato de seguro desportivo obrigatório, - a titulo de acidentes (pessoais) dos atletas federados, que veio a ser titulado pela apólice nº ...60. * 2. FACTOS NÃO PROVADOS Não se provaram com relevância para a causa os restantes factos, nomeadamente que: a) Logo após o embate o veículo “JZ” ficou na posição a que se alude no ponto 10. b) Por causa do embate, o Autor ficou impossibilitado de entrar na universidade e ter acesso ao ensino superior. c) Por causa do embate, o Autor apresenta um estado depressivo que o leva a não acreditar e a não ter expectativas de que com os tratamentos e fisioterapia conseguirá aumentar a sua autonomia. d) O Autor deixou de ter expectativas de encontrar um emprego capaz de lhe garantir um salário médio de acordo com as expectativas de um jovem da sua idade. e) Devido ao seu estado depressivo deixou de ter expectativas de prosseguir e aprofundar a sua formação e literacia. f) Com o início do ano e o aproximar do julgamento deixou de acreditar definitivamente que se possa realizar enquanto desportista, mesmo como paraolímpico, na modalidade de ciclismo. g) Devido ao seu atual estado psíquico e mental, deixou de acreditar e perdeu a vontade de prosseguiu os seus estudos com vista a poder ser ator ou de encontrar uma profissão que lhe permita uma realização pessoal e profissional. h) Por causa das lesões sofrida, o Autor deixou de acreditar que podia encontrar uma companheira de acordo com os seus padrões ideais e de beleza. i) Perdeu a vontade e auto estima para constituir família, ter filhos e netos. j) O Autor sente-se cada vez mais deprimido para executar as suas tarefas/ funções básicas diárias. l) Deixou de sentir a ativação da sua virilidade, o que afetou profundamente a sua auto estima sexual. m) Estando numa depressão limite, tendo perdido o gosto pela vida, tendo tendências suicidas. n) As dores físicas e psíquicas têm aumentado com os atos da sua vida diária e quotidiana. o) Atualmente, o Autor sente revolta e loucura pela posição da Companhia de não lhe pagar qualquer quantia. p) A condutora do veículo “JZ” circulava a velocidade inferior a 50 Km/h e, ao aproximar-se de uma curva à sua direita, foi surpreendida pelo velocípede, conduzido pelo Autor, a circular em sentido oposto, pela hemi-faixa esquerda, atento o sentido de marcha do Autor, a desfazer a curva à esquerda, tendo a condutora do “JZ”, para evitar o embate frontal, guinado a direção para a sua esquerda, ocorrendo o embate entre o rodado da frente do velocípede e a frente direita do “JZ”, sendo o Autor projetado, embatendo no capot e pára-brisas, acabando por cair na via. * II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 1º- Da culpa exclusiva da segurada (ou concorrência da culpa do lesado) e da obrigação de indemnizar. Julgou o Tribunal de 1ª instância verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, por factos ilícitos, incluindo a culpa efetiva. E quanto ao ónus de prova dos factos integrantes do ilícito e da culpa no quadro da responsabilidade civil extracontratual (nº1, do art. 483º, do Código Civil, diploma a que doravante nos reportamos, na falta de outra referência), se não houver presunção legal de culpa, cabe o mesmo, efetivamente, a quem, com base neles, pretende fazer valer o seu direito (nº1, do art. 342º e nº1, do art. 487º). Consagrando o nº1, do artigo 342º, que regula a questão do ónus da prova, que “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, mostrando-se demonstrados factos constitutivos do direito invocado tem a ação de proceder nos termos decididos pelo Tribunal a quo, apenas cabendo determinar do quantum indemnizatório adequado aos danos sofridos pelo Autor. “A norma preceptiva do art. 13º, nº 1 C.E. prescreve: “O trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas e passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes”. Em caso de manifesta necessidade, poderá, no entanto, “utilizar-se o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direção” - art. 13º, nº 2 C.E.. O condutor deve abster-se de praticar atos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança ou a comodidade dos utentes das vias ( art. 3º, nº 2 do Código da Estrada ) No que se reporta à conduta da condutora do veículo “JZ”, sempre se dirá que a mesma agiu de forma desatenta, já que ao descrever uma curva invadiu a hemi faixa de rodagem do lado esquerdo, atento o sentido em que seguia, tendo embatido, a 0,5 metro do eixo da via, com a parte da frente direita do “JZ” no velocípede conduzido pelo Autor, que se encontrava a circular pela sua hemi-faixa direita. Assim, a referida condutora do veículo “JZ” executou a manobra em causa sem a diligência exigida ao homem médio, circulava com a mais completa falta de cuidado, de prudência, de consideração, de respeito, de diligência, de habilidade e de destreza, tendo a sua conduta despoletado o acidente, pelo que o acidente ficou a dever-se a culpa da Autora, por violação do disposto nos arts. 3º e 13º do Código da Estrada” (negrito nosso). Na verdade, bem resulta provada a causa do acidente e a culpa exclusiva da lesante, como se pode constatar da leitura dos factos provados – cfr designadamente f.p.s nº 4 a 6: “4 - A condutora do veículo “JZ”, por solicitação do seu filho, que circulava no banco de trás, foi buscar uns lenços que se encontravam no lugar do pendura e, ato contínuo, entregou-lhe os lenços, o que fez com que desviasse o seu olhar da estrada e retirasse o seu pé do acelerador. 5 - Os atos a que se aludem no ponto 4 fizeram com que a Autora, ao descrever a curva para a sua direita, progressivamente, diminuísse a sua velocidade de circulação e ocupasse a hemi faixa de rodagem do lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha. 6 - Tendo embatido com a parte da frente direita do veículo “JZ” no velocípede conduzido pelo Autor,...”(negrito nosso). Não resultou provado facto culposo do lesado a concorrer para a produção ou agravamento dos danos, em nada tendo a atuação do Autor, que seguia na sua faixa de rodagem, a direita, atento o seu sentido de marcha, onde foi colhido, como bem concluiu o Tribunal a quo, contribuído para a ocorrência do acidente, não lhe podendo ser atribuída responsabilidade na ocorrência do embate. Não resultou que o lesado tenha contribuído, com atitude sua, para a produção do dano, antes tendo resultado provada a culpa exclusiva da lesante que, distraída, na realização de atos que se não prendiam com a condução, enquanto conduzia, invadiu a faixa da esquerda, atento o seu sentido de marcha, e foi embater no velocípede do Autor que por aí circulava, seguindo em sentido inverso ao seu. Com efeito, foi a Autora que saiu da faixa de rodagem em que seguia (a direita, atento o seu sentido de marcha) e, inopinadamente, invadiu a faixa de rodagem contrária por onde o Autor seguia, a circular em sentido contrário, assim dando causa ao embate, praticando um facto ilícito culposo e tendo sido a referida atuação a causa de todos os danos sofridos pelo Autor, que resultaram provados. Irrelevante é, pois, se o Autor circulava um pouco mais junto à berma ou um pouco mais junto ao eixo da via, pois que, certo é, foi na faixa de rodagem por onde o mesmo circulava que o embate ocorreu, tendo-a a condutora do veículo seguro invadido, numa condução desatenta e imprudente. Considerando verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos da condutora do veículo seguro na 1ª Ré, constituiu-se esta em obrigação de indemnizar, dado ter a mesma, pela apólice supra referida, assumido a obrigação de indemnizar os danos emergentes da circulação do veículo causador do acidente. Verifica-se, na verdade, como bem entendeu o Tribunal a quo, que se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil previstos nos artigos 483.º, n.º 1 e 486.º e, como tal, a obrigação de indemnizar os danos sofridos pelo Autor. * 2ª Do quantum indemnizatório Decidida a questão da responsabilidade da lesante, sendo a culpa da mesma exclusiva, passa-se à análise do direito à indemnização e do quantum a fixar pelos danos aludidos pela 1ª Ré e pelo Autor nas conclusões das apelações, sendo esses os objeto do recurso: - os danos dos bens destruídos com o acidente e as concretas despesas médicas e de transportes referidas nas conclusões da apelação (recurso principal); - o dano biológico; - e os danos não patrimoniais. - se relegue para momento ulterior a liquidação do valor dos equipamentos danificados e das referidas despesas, por nenhuma prova ter sido feita quanto ao valor concreto dos equipamentos destruídos e despesas médicas e de transporte peticionadas ( de, respetivamente, € 450,00, € 228,31 e € 1.125,00). A sentença recorrida, apreciando a exata medida da obrigação de indemnizar, analisa ter sido pedida indemnização de: - € 600.000,00, a título de dano biológico e fixa a indemnização por tal dano em 290.000, 00 €, considerando: “o Autor ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 59 pontos (aqui se incluindo os 12 pontos atribuídos por perturbação persistente do humor, com repercussão moderada na autonomia pessoal, social e profissional com repercussão moderada nas atividades da vida diária, incluindo as familiares, sociais, de lazer e desportivas), sendo de perspetivar a existência de Dano Futuro, o que pode obrigar a uma futura revisão do caso por artrose na articulação do joelho esquerdo. O Autor era estudante à data do embate, tendo ficado com o seu percurso escolar afetado, quer pelas limitações físicas, funcionais e quadro de dor, quer pelas consequências psíquicas, mais acentuadas no período inicial após o embate, assim como pelo absentismo escolar necessário para tratamentos cirúrgicos. A necessidade de realização frequente de pensos e de fisioterapia, implicou para o Autor, dispêndio de tempo, dores físicas e alterações do foro mental associadas. Sendo o Autor, à data, adolescente ainda sem projeto profissional mais orientado ou definido, as sequelas resultantes do embate são compatíveis com algumas profissões, embora com esforços suplementares (mesmo que não necessite do uso dos membros superiores, já que mesmo nesses casos, mantém quadro doloroso e queixas psíquicas que o afetam). O Autor estará impossibilitado de prosseguir uma profissão em que necessite de usar os dois membros superiores em simultâneo e estará impossibilitado ou pelo menos necessitará de esforços suplementares acentuados no exercício de profissões em que apenas necessite de usar um membro superior mas que exijam grande destreza/precisão desse membro (uma vez que era dextro, necessitando agora de fazer uso do membro que era passivo), podendo ainda assim admitir-se que possa beneficiar de treino específico para o uso do lado esquerdo, o que só poderá ser avaliado caso-a-caso. Dado que a sua dinâmica postural e equilíbrio também estão algo afetados, é de admitir dificuldade acrescida na realização de profissões que exijam elevadas capacidades de equilíbrio. Para o exercício da profissão de ator pretendida pelo Autor é de admitir estar impossibilitado na realização de vários papéis que impliquem o uso pleno do membro superior direito ou em que a postura adotada o examinando possa não conseguir desempenhar. Outros papéis existirão que poderá realizar com esforços suplementares. O Autor manifestou intenção de seguir a área de comunicação, sendo que a capacidade para profissões desta área de estudo depende da concreta profissão que venha a escolher, de qualquer forma, necessitando sempre pelo menos de esforços acrescidos pelas sequelas físicas e psíquicas que se consideraram resultantes do acidente em apreço. (cfr. factualidade constante dos pontos 46 a 53 e 61 a 62) (…) sendo previsível, considerando um quadro normal de vida e saúde, que o Autor venha a exercer uma atividade profissional, pelo menos, até aos 70 anos, estando a esperança de vida dos homens fixada nos 78 anos de idade”.
- € 200.000,00, a título de danos não patrimoniais e fixa a indemnização por tal dano em 180.000, 00 €, entendendo: “são indemnizáveis, pois têm elevada gravidade e merecem a tutela do direito, já que se consubstanciam numa lesão da sua integridade física e psicológica. Valorizando-se os mencionados danos por referência ao momento atual, considerando que o Autor teve um Défice Funcional Temporário Total de 23 dias, um Défice Funcional Temporário Parcial de 1280 dias, com Repercussão Temporária na Atividade Profissional (considerou-se a repercussão escolar) num período total de 103 dias, repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial (considerou-se repercussão escolar), um período total de 1200 dias. O Quantum doloris no grau 6 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo, e de tratamentos efetuados, com múltiplas cirurgias, pensos por longos períodos por dificuldade na cicatrização de ferida torácica, fisioterapia com frequências de 5 e de 3 vezes por semana, e em face da idade do examinado e gravidade do quadro clínico com implicação no seu bem estar físico com dor e limitação motora, mental e social numa faixa etária na qual o contexto social representa um amplo espaço de realização e formação pessoal. Dano Estético Permanente é fixável no grau 6, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta os seguintes aspetos: as extensas cicatrizes de aspeto hipertrófico e com pigmentação no tronco, as restantes cicatrizes nos membros superiores esquerdo e direito e membros inferiores esquerdo e direito, a alteração dos normais movimentos e sincronia dos movimentos do corpo pela imobilidade do membro superior direito, a amiotrofia do membro superior direito, o flexo do cotovelo direito, a necessidade de usar tala de apoio (está documentado que iria realizar artrodese do punho ou seja, fixação cirúrgica do punho direito que poderá ter sido entretanto realizada mas que não impede que haja dano estético por punho em posição fixa). Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 6, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta a sua vida afetiva, social e familiar. Repercussão Permanente na Atividade Sexual é fixável no grau 4, pelas sequelas físicas e psíquicas e dificuldade em posicionamentos, tendo as lesões sofridas lhe causado um prejuízo juvenil. O Autor necessita de ajuda de terceira pessoa para tarefas de vida diárias que impliquem o uso dos dois membros superiores em simultâneo ou de maior esforço e força tais como limpezas profundas do domicílio para deslocar móveis, ou outras mais pesadas, ajuda para preparação dos alimentos (descascar e cortar por exemplo), ajuda para comer alguns alimentos que não consegue descascar ou cortar, lavar a roupa manualmente (tem que fazer uso da máquina de lavar roupa ou necessita de ajuda de terceira pessoa para lavagem de roupas manual), lavar louça (podendo fazer uso de máquina de lavar louça necessitando de ajuda de terceira pessoa para lavagem manual), atividades que o próprio apesar de não ter referido - o que pode ser explicado pela idade do mesmo e contexto de vivência familiar - se admite venha a percecionar quando iniciar vida autónoma/quando passar a morar sozinho. Ao nível da alimentação: O Autor tem dificuldade na preparação de alimentos mais duros, necessitando de apoio para a sua preparação, dificuldade na abertura de frascos / recipientes, Higiene Pessoal: autonomia modificada, encontrou estratégias; atividade unimanual e demora mais tempo; precisa de ajuda a cortar as unhas das mãos; não usa escova de dentes elétrica, usa manual e tem estratégia para a pasta dos dentes. Banho: Dificuldade no uso de embalagens, Vestir: Autonomia modificada – demora mais tempo. Calçar: consegue calçar meias e restante calçado; tem dificuldade nos cordões – não terá aprendido a técnica de apertar unimanual. Escrita: Tenta com a mão esquerda. Tecnologias: Usa o computador e o telemóvel; comprou rato com mais opções de botões e comandos. Condução: Com adaptação”.
- pelos equipamentos danificados, despesas médicas e de transportes foi fixado o valor de, respetivamente, € 450,00, € 228,31 e € 1.125,00 e conclui a 1ª Ré apelante dever ser relegado para momento ulterior a liquidação do seu valor por nenhuma prova ter sido feita quanto ao valor concreto dos equipamentos destruídos e referidas despesas médicas e de transporte. Vistas as conclusões das alegações, a parte dispositiva da sentença e a fundamentação para os concretos danos sofridos, posta em causa no recurso, cumpre analisar os critérios que hão de presidir à indemnização a fixar e decidir o quantum indemnizatório a atribuir ao Autor pelos referidos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu, que resultam dos factos provados, sendo que a decisão da matéria de facto não foi objeto de impugnação. 2.1- Danos patrimoniais relativos a equipamentos danificados e despesas médicas e de transportes.
Começando por estes danos patrimoniais, relativos a equipamentos danificados e despesas, verifica-se que pediu o Autor a quantia de € 450,00, pela destruição do equipamento que vestia e utilizava no treino - camisola, calções, sapatos, capacete, polar e óculos -, a quantia de € 228,31 a título de custos dos medicamentos adquiridos e de despesas com os tratamentos médicos que não foram suportados pela Segurança Social e a quantia de € 1.125,00 por despesas com transportes para se deslocar a consultas e tratamentos, tendo efetuado, desde a data do acidente, 75 viagens de ida e volta, desde a residência do Autor (sita em ... – ...) ao Hospital 2... (sito no Porto), e despendido em cada viagem a quantia de € 15,00. Ora, bem decidiu o tribunal a quo: “verifica-se que em consequência do embate, o equipamento que o Autor vestia e utilizava no treino foi comprado por si – camisola, calções, sapatos, capacete, polar e óculos - ficou totalmente destruído, o qual tinha um valor global não inferior a 450,00 € (quatrocentos e cinquenta euros), pelo que se condena a 1ª Ré no pagamento ao Autor da quantia de € 450,00”, “do ponto 40 resulta que o Autor despendeu a quantia de € 228,31 com os custos dos medicamentos adquiridos por si e com despesas com os tratamentos médicos que não foram suportados pela Segurança Social, pelo que se condena a 1ª Ré no pagamento ao Autor da quantia de € 228,31” e “que as despesas com transportes para se deslocar para as consultas e para os tratamentos sempre foram efetuados pelos pais do Autor, em veiculo próprio daqueles, tendo efetuado desde a data do embate até à presente data 75 viagens de ida e volta desde a residência do Autor (sita em ... - ...) ao Hospital 2... (sito no Porto), tendo despendido em cada viagem de ida e volta com combustível e portagens a quantia de 15,00 € (quinze euros), o que perfaz um total de € 1.125,00, pelo que se condena a 1ª Ré no pagamento ao Autor da quantia de € 1.125,00”.
2.2 – Dano biológico (danos patrimoniais futuros/perda de capacidade de ganho). Quanto ao dano biológico, a ser indemnizável autonomamente, considerou o Tribunal a quo ter o Autor, à data do acidente, 15 anos de idade, ser estudante e ter ficado a padecer de um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 59 pontos. * Estabelece o art. 496º, do Código Civil, sendo deste diploma todos os preceitos citados sem outra referência, que: 1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. E o nº 4, do referido artigo, que O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior.” Resulta, assim, do referido nº1 a admissibilidade genérica do ressarcimento dos danos não patrimoniais. Como dele decorre, os danos não patrimoniais são indemnizáveis, quando, pela sua gravidade, sejam merecedores da tutela do direito. Antunes Varela define danos não patrimoniais como sendo “os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização”[26]. Luís Manuel Teles Menezes Leitão define-os como “aqueles que correspondem à frustração de utilidades não suscetíveis de avaliação pecuniária, como o desgosto resultante da perda de um ente querido”[27]. Tais danos só são indemnizáveis quando, pela sua gravidade, merecerem a tutela do direito, sendo a aludida gravidade um conceito relativamente indeterminado, a apurar, objetivamente, caso a caso, de acordo com a realidade fáctica apurada. A gravidade mede-se por um critério objetivo, de normalidade e bom senso prático. A gravidade deve “medir-se por um padrão objectivo e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria ou embotada do lesado, sendo tais danos compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, e tratando-se mais de uma satisfação do que de uma indemnização, a ser calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se ao grau de responsabilidade do lesante, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc”[28] . Enunciam-se alguns danos não patrimoniais que têm sido, recentemente, considerados pela jurisprudência merecerem a tutela do direito como: a perceção que o lesado, mesmo em estado de não (pelo menos completa) consciência, possa ter da situação em que se encontra, do grau de irreversibilidade das lesões, a destruição de um projeto de vida de casal, a impotência sexual de que fique a padecer o lesado bem como o consequente dano de seu cônjuge ou companheiro, o dano biológico, isto é a perda de qualidade de vida do sujeito[29]. No caso em apreço, não existem dúvidas que as consequências do sinistro relativamente ao autor revestem elevada gravidade, como bem foi decidido, sendo, por isso, justificativas do seu ressarcimento, a título de danos não patrimoniais. Por graves, tem o Autor direito a ser indemnizado por eles, como a própria recorrente reconhece, cabendo determinar qual o quantum a atribuir. Ora, de harmonia com o princípio geral expresso no art. 562º, do C Civil, a obrigação de indemnizar implica a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado a lesão, repondo-se as coisas no lugar em que estariam se não se tivesse produzido o dano. Visa-se a eliminação deste, devendo a indemnização equivaler ao montante do dano imputado (v. nº2 do art. 566º). Porém, estando em causa a lesão de interesses imateriais, a reconstituição natural da situação anterior ao sinistro é impossível e também o é a fixação de um montante pecuniário equivalente ao «mal» sofrido, apenas se podendo atenuar, minorar ou, de algum modo, compensar os danos sofridos pelo lesado. E “se a indemnização por danos não patrimoniais não elimina o dano sofrido, pelo menos, permite atribuir ao lesado determinadas utilidades que lhe permitirão alguma compensação pela lesão sofrida sendo, em qualquer caso, melhor essa compensação do que nenhuma. A atribuição dessa compensação não representa qualquer imoralidade, uma vez que não resulta do comércio de bens não patrimoniais, representando, pelo contrário, uma sanção ao ofendido por ter privado o lesado das utilidades que aqueles bens lhe proporcionavam”[30]. Nos termos do nº4, do 496º, o montante da indemnização a atribuir será fixado equitativamente pelo Tribunal tendo em conta a extensão e gravidade dos danos causados, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que se justifique ponderar. Este tipo de indemnização será fixado segundo o bom senso e o prudente arbítrio do julgador, temperado com os critérios objectivos a que se alude no art. 494º. E daqui resulta que a indemnização por danos não patrimoniais “não se reveste de natureza exclusivamente ressarcitória, mas também cariz punitivo, assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, por forma a desagravá-la do comportamento do lesante”[31]. Como se escreve no Acórdão da Relação do Porto, Processo 108/08.4TBMCN.P1, de 8/7/2010, “refere “inter alia”, o Ac. do STJ, de 30.10.96, in BMJ 460-444: “(...) No caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois “visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”. O quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser calculado, sempre, “segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização», «aos padrões da indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, as flutuações de valor da moeda, etc”[32]. Estes preceitos devem ser aplicados com prudência, pois a sua aplicação tem como efeito deixar sem indemnização parte dos danos reais[33], como entende Galvão de Teles, Direito das Obrigações, 7ª Edição, Coimbra Editora, 2010, p.357, nota 1, o que pode, por isso, gerar injustiças para os lesados, a beliscar a certeza e segurança jurídicas, fins sempre tidos em vista na aplicação da justiça. Como afirma Dário Martins de Almeida[34], “pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. …A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto”. Como é sabido, a satisfação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto não ser um equivalente do dano, tratando-se antes de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação que não é suscetível de equivalente[35]. “É, assim, razoável que no seu cálculo, se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselha sejam tomadas em consideração e, em especial, a situação patrimonial das partes e o grau de culpa do lesante”[36]. E a indemnização por danos não patrimoniais tem em vista compensar de alguma forma o lesado pelos sofrimentos e inibições que sofrera em consequência do evento danoso, compensação que só será alcançada se a indemnização for adequada e significativa do ponto de vista financeiro e não meramente simbólica. Tal compensação deve “ser proporcionada à gravidade do dano, tomando-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”[37]. E para haver uma efetiva compensação têm de ser ponderados os danos suportados e a suportar, já que os mesmos, necessariamente, se irão prolongar no tempo. A lei ao, através da remissão feita no art. 496°, n°4 “para as circunstâncias mencionadas no art. 494°, ter mandado atender, na fixação da indemnização, quer à culpa, quer à situação económica do lesante, revela que ela não aderiu, estritamente, à tese segundo a qual a indemnização se destinaria nestes casos a proporcionar ao lesado, de acordo com o seu teor de vida, os meios económicos necessários para satisfazer ou compensar com os prazeres da vida os desgostos, os sofrimentos ou as inibições que sofrera por virtude da lesão. Mas também a circunstância de se mandar atender à situação económica do lesado, ao lado da do lesante, mostra que a indemnização não reveste, aos olhos da lei, um puro carácter sancionatório"[38]. Como se refere no Ac. de 18/12/2017, proc. nº 397.12.5TBAMR.G1, da Relação de Guimarães, em que a ora relatora foi adjunta, “nestas hipóteses, e conforme é posição pacífica da doutrina e da jurisprudência, o que está em causa é a fixação de um benefício material/pecuniário (único possível) que se traduza, pelas utilidades, prazeres ou distrações que proporciona – porventura, de ordem espiritual –, numa compensação ou atenuação pelos bens imateriais antes referidos da pessoa humana (o lesado), atingidos pelo evento. Nesta conformidade, a compensação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, não pode – por definição – ser feita através da teoria ou fórmula da diferença prevista no art. 566º, n.º 2, do C. Civil. Ao invés, o montante da indemnização, nos termos do disposto no arts. 496º, n.º 4 e 494º do Cód. Civil, deverá ser fixado equitativamente pelo tribunal, que atenderá ao grau de culpa do lesante, à situação económica do lesante e do lesado, às demais circunstâncias do caso, nomeadamente, por assim o imporem os princípios da proporcionalidade e igualdade, aos critérios e valores usualmente acolhidos na jurisprudência em casos similares.[39] Com efeito, como se refere no citado Ac. STJ de 18.06.2015,[40] “não podendo apurar-se o valor exacto de tais danos, atenta a sua natureza, o respectivo montante deverá ser fixado pelo tribunal segundo critérios de equidade (…), fazendo apelo a todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida (…) e tendo em atenção a extensão e gravidade dos prejuízos, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso (artigos 496º, n.º 3, 1ª parte e 494º do Código Civil).” (sublinhado nosso). E, ainda, prossegue o referido douto aresto, “nos parâmetros gerais a ter em conta considerou o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de Abril de 2012 (proc. n.º 3046/09.0TBFIG.S1, acessível em www.dgsi.pt) serem ainda de destacar a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico correspondente à União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, e, bem assim, que a jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização em causa deve constituir um lenitivo para os danos suportados e não ser orientada por critérios hoje considerados miserabilistas, por forma a, respondendo actualizadamente ao comando do artigo 496º, traduzir uma efectiva possibilidade compensatória para os danos suportados e a suportar.” (sublinhado nosso). No entanto, como se adverte no Ac. STJ de 17.12.2015[41] (e nos variadíssimos arestos ali elencados), a utilização de critérios de equidade não deve impedir que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias de cada caso concreto. Por outro lado, ainda, é de referir que, conforme se colhe da mesma jurisprudência do Supremo, o recurso à equidade não pode, nem deve conduzir à arbitrariedade, não devendo os tribunais “…contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito civil que a afirmação destes vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição.”[42] Por último, é ainda de referir, nesta sede, que à obrigação indemnizatória, a título de danos não patrimoniais, se deve reconhecer, não só um papel de reparação ou compensação, mas também um papel de censura ou punitivo do agente do facto lesivo. Com efeito, como se refere no Ac. STJ de 30.10.96, BMJ 460, pág. 444 (citado no Ac. STJ de 26.01.2016, relator Fonseca Ramos, já citado), “no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização tem uma natureza acentuadamente mista, pois visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada, não lhe sendo, porém, estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.” Está-se, pois, aqui perante uma indemnização com natureza não estritamente reparadora, mas também sancionatória, devendo considerar-se o grau de culpa do agente uma vez que o sofrimento ou desgosto do lesado é o reflexo dele. Como se refere no Acórdão do STJ de 19/5/2009, proc. 298/06.0TBSJM.S1“realçando a componente punitiva da compensação por danos não patrimoniais pronunciam-se, no seu ensino, os tratadistas. Menezes Cordeiro “Direito das Obrigações”, 2° vol, p. 288 ensina que “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança aliás de qualquer indemnização”. Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 387, sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma “pena privada, estabelecida no interesse da vítima – na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”. Menezes Leitão realça a índole ressarcitória/punitiva, da reparação por danos morais quando escreve: “assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante” – “Direito das Obrigações”, vol. I, 299. Pinto Monteiro, de igual modo, sustenta que, a obrigação de indemnizar é “uma sanção pelo dano provocado”, um “castigo”, uma “pena para o lesante” – cfr. “Sobre a Reparação dos Danos Morais”, RPDC, n°l, 1° ano, Setembro, 1992, p. 21”. O quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser calculado, sempre, “segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização”, “aos padrões da indemnização geralmente adotados na jurisprudência, as flutuações de valor da moeda, etc.”. Também no Acórdão do STJ de 13/7/2017, proc. 3214/11.4TBVIS.C1.S1, se refere “Como ensina o Sr. Prof. Antunes Varela, e como vem sendo seguido pela jurisprudência dos nossos tribunais, o juízo de equidade requer do julgador que tome «em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida», sem esquecer que sobredita “indemnização” tem natureza mista, já que visa não só compensar o dano sofrido, mas também reprovar, de algum modo, a conduta lesiva[43]. Com efeito, ante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não pode ter por escopo a sua reparação económica. Visa sim, por um lado, compensar o lesado pelo dano sofrido, em termos de lhes proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão; e, por outro lado, servir para sancionar a conduta do agente. Todavia, no critério a adotar, não se devem perder de vista os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8.º do CC. Para tal efeito, são relevantes, além do mais: a natureza, multiplicidade e diversidade das lesões sofridas; as intervenções cirúrgicas e tratamentos médicos e medicamentosos a que o lesado teve de se submeter; os dias de internamento e o período de doença; a natureza e extensão das sequelas consolidadas, o quantum doloris, o dano estético, se o houver"[44]. Analisando a prática dos tribunais, constatamos que os quantitativos indemnizatórios, que antes eram quase simbólicos, têm vindo progressivamente a subir nos últimos anos. In casu, foi violada a integridade física do Autor, que viu o acidente causar-lhe danos corporais graves - que lhe deixaram sequelas permanentes - e, como tais, merecedores da tutela do direito. Face aos factos que resultaram provados, vejamos qual a indemnização a atribuir pelos danos sofridos pelo Autor. Visto o enquadramento jurídico da questão e subsumindo o direito aos factos verifica-se que o autor não teve qualquer culpa na ocorrência do acidente em causa. Antes o mesmo se deveu a culpa exclusiva da condutora do veículo interveniente no acidente. Demonstrou-se, com relevância para a determinação do quantum da indemnização pelos danos não patrimoniais a atribuir ao Autor , designadamente, que: - Por causa das lesões sofridas com o embate, o Autor deu entrada no Hospital 1..., em ... e, logo nesse mesmo dia foi transferido para o Hospital 2..., no Porto, onde foi de imediato submetido a intervenção cirúrgica ao ombro e à clavícula direita, tendo aí ficando internado nos cuidados intensivos desde o dia 22/07/2016 ao dia 25/07/2016, data em que passou para os cuidados intermédios, tendo alta para regressar a casa no dia 02/08/2016. - Desde esse dia 02/08/2016 até 04/10/2016, o Autor passou a ter consultas e tratamentos no Hospital 2... no Porto, de dois em dois dias. - No dia 04/10/2016, o Autor foi submetido no Hospital 2..., no Porto a nova intervenção cirúrgica para exploração e tentativa de ligação dos tendões do ombro direito, sendo que face à complexidade da cirurgia a mesma teve uma duração de 12 horas. - Após essa cirurgia o Autor ficou novamente internado no referido Hospital 2... durante 10 dias, tendo depois recebido alta para regressar a casa, mas de dois em dois dias tinha que ir ao referido Hospital 2... para consultas e para receber tratamentos, o que aconteceu desde o dia da alta da cirurgia até ao dia 06/11/2016. - Desde o dia 06/11/2016 até à presente data, o Autor continuou a receber as consultas e tratamentos no Hospital 2... no Porto, numa primeira fase, de semana em semana e depois de mês em mês. - Nos dias 10/07/2017 e 07/01/2019, o Autor foi submetido a mais duas intervenções cirúrgicas a uma ferida no tórax. - A partir do dia 06/11/2016, o Autor começou a receber vários tratamentos de fisioterapia. - Em consequência do embate, o Autor sofreu as seguintes lesões: a) Esfacelo grave da região clavicular direita com arrancamento da porção clavicular do ECM, com ausência da mobilidade da mão, do cotovelo e do ombro e, ainda com ausência de sensibilidade no território dos nervos radial, cubital e mediano. b) Esfacelo supra-clavicular com constatação de arrancamento pré-ganglionar do plexo braquial. c) Esfacelo do cotovelo direito e constatação de integridade do nervo cubital. d) Feridas no hemitorax esquerdo, cotovelo direito e nos dois joelhos. e) Fratura do terço externo da clavícula. f) Abundantes potenciais de desnervação em repouso e ausência de potenciais de unidade motora na tentativa de contração dos músculos infraespinhoso, deltóide, bicipide flexor radial do carpo, extensor comum e 1º interósseo dorsal direitos, e ainda com sinais de desnervação no grande dentado direito. g) Grave lesão axonal ganglionar ou infraganglionar a nível dos ramos primários anteriores de raízes C5, C6, C7 e C8 direitas ou coexistência de lesão a nível dos troncos primários superior, médio e inferior do plexo braquial com lesões a nível de raízes. h) Alterações de sinal dos músculos da coifa dos rotadores e da própria goteira para-vertebral direita que pode traduzir edema neurogénico. i) Alteração do sinal dos músculos escalenos direitos, associada a uma desorganização estrutural com perda da própria morfologia habitual e do sinal dos troncos, divisões e cordões que constituem o plexo braquial direito. j) Fratura dos pratos da tíbia da perna esquerda. - O Autor ficou com as seguintes limitações: a) Ombro e o antebraço direito totalmente imobilizado. b) Limitação no movimento de rotação do braço direito e mão direita. c) O Autor perdeu a força no ombro, no braço e na mão direita. d) Não tem sensibilidade no antebraço, no braço e na mão direita. e) Não consegue dormir para o lado direito. f) Não consegue agarrar, pegar e consequentemente levantar qualquer objeto por pouco pesado que seja. g)Ficou impossibilitado de escrever e de assinar o seu nome com a mão direita, tendo recebido treinos/tratamentos para somente poder fazer a sua assinatura com a mão esquerda. h) O Autor ficou com algumas limitações e perdeu autonomia e independência pessoal, nomeadamente entre outras atividades do quotidiano, para se vestir, calçar e comer sozinho. - Desde a data do embate até à presente data, o Autor toma diariamente comprimidos para conseguir aguentar e/ou aliviar as dores, nomeadamente gabapentina (gabmox) e, ainda Ziphen quando as dores eram e/ou são mais agudas e intensas. - Durante os vários períodos de tratamentos e de internamentos hospitalares a que foi submetido, o Autor sofreu dores. - O Autor continua a ter e a sofrer fortes dores, principalmente com as mudanças de tempo, o que se prolongará até aos fins da sua vida. - À data do embate, o Autor, que nasceu em ../../2000, era atleta do clube de ciclismo ... e estava inscrito e federado na União Velocipédica Portuguesa/Federação Portuguesa de Ciclismo, na categoria de cadetes e participava num dos treinos de bicicleta que fazia quase diariamente. - O Autor sente tristeza por não poder voltar a praticar ciclismo. - Por causa das lesões sofridas, o Autor não consegue cortar um pão para fazer uma sandes ou cortar um mero bife, não consegue apertar os cordões dos sapatos, não consegue vestir uma camisa se não tiver a ajuda da sua própria boca, o que lhe provoca tristeza e crises de depressão. - Até o mês de março de 2018, o Autor foi medicado com comprimidos ADT para tratar da depressão que sofreu em consequência do embate. - Antes do embate, o Autor era uma pessoa alegre e divertida, sendo que despois do embate passou a ser uma pessoa triste e amargurada, não tendo a mesma alegria de viver e de conviver com os jovens da sua idade. - Apesar de, à data do embate, o Autor ainda estar na categoria de cadetes, tinha a expectativa de progredir no ciclismo português, ficando impedido de concretizar esse sonho, o que lhe causou tristeza. - O Autor, à data do embate, estudava, pelo que em consequência dos internamentos e tratamentos médicos a que foi submetido, no ano letivo de 2017/2018, o Autor não teve aproveitamento escolar. - O estado físico e mental em que o Autor ficou em consequência das lesões sofridas com o embate fez com que este se sentisse e sinta envergonhado, com complexos de conviver com os seus colegas de escola e professores, o que fez com que ele cada vez gostasse menos de frequentar a escola. - O Autor terá que receber tratamentos e acompanhamento médicos até ao final da sua vida. - O Défice Funcional Temporário Total fixou-se num período de 23 dias. - O Défice Funcional Temporário Parcial fixou-se num período 1280 dias. - Com Repercussão Temporária na Atividade Profissional (considerou-se a repercussão escolar) fixou-se um período total de 103 dias. - Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial (considerou-se repercussão escolar), fixou-se um período total de 1200 dias. - O Quantum doloris fixa-se no grau 6 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo, e de tratamentos efetuados, com múltiplas cirurgias, pensos por longos períodos por dificuldade na cicatrização de ferida torácica, fisioterapia com frequências de 5 e de 3 vezes por semana, e em face da idade do examinado e gravidade do quadro clínico com implicação no seu bem estar físico com dor e limitação motora, mental e social numa faixa etária na qual o contexto social representa um amplo espaço de realização e formação pessoal. - O Autor era estudante à data do embate, tendo ficado com o seu percurso escolar afetado, quer pelas limitações físicas, funcionais e quadro de dor, quer pelas consequências psíquicas, mais acentuadas no período inicial após o embate, assim como pelo absentismo escolar necessário para tratamentos cirúrgicos. - A necessidade de realização frequente de pensos e de fisioterapia, implicou para o Autor, dispêndio de tempo, dores físicas e alterações do foro mental associadas. - Sendo o Autor, à data, adolescente ainda sem projeto profissional mais orientado ou definido, as sequelas resultantes do embate são compatíveis com algumas profissões, embora com esforços suplementares (mesmo que não necessite do uso dos membros superiores, já que mesmo nesses casos, mantém quadro doloroso e queixas psíquicas que o afetam). - O Autor estará impossibilitado de prosseguir uma profissão em que necessite de usar os dois membros superiores em simultâneo e estará impossibilitado ou pelo menos necessitará de esforços suplementares acentuados no exercício de profissões em que apenas necessite de usar um membro superior mas que exijam grande destreza/precisão desse membro (uma vez que era dextro, necessitando agora de fazer uso do membro que era passivo), podendo, ainda assim, beneficiar de treino específico para o uso do lado esquerdo. - Dado que a sua dinâmica postural e equilíbrio também estão algo afetados, é de admitir dificuldade acrescida na realização de profissões que exijam elevadas capacidades de equilíbrio. - Para o exercício da profissão de ator pretendida pelo Autor, o mesmo está impossibilitado na realização de vários papéis que impliquem o uso pleno do membro superior direito. Outros papéis existirão que poderá realizar com esforços suplementares. - O Autor manifestou interesse na área de comunicação, sendo que a capacidade para profissões desta área de estudo depende da concreta profissão que venha a escolher, de qualquer forma, necessita sempre, pelo menos de esforços acrescidos pelas sequelas físicas e psíquicas que sofreu com o embate. - Dano Estético Permanente é fixável no grau 6, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta os seguintes aspetos: as extensas cicatrizes de aspeto hipertrófico e com pigmentação no tronco, as restantes cicatrizes nos membros superiores esquerdo e direito e membros inferiores esquerdo e direito, a alteração dos normais movimentos e sincronia dos movimentos do corpo pela imobilidade do membro superior direito, a amiotrofia do membro superior direito, o flexo do cotovelo direito, a necessidade de usar tala de apoio (está documentado que iria realizar artrodese do punho ou seja, fixação cirúrgica do punho direito que poderá ter sido entretanto realizada mas que não impede que haja dano estético por punho em posição fixa). - Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 6, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta a sua vida afetiva, social e familiar. - Repercussão Permanente na Atividade Sexual é fixável no grau 4, pelas sequelas físicas e psíquicas e dificuldade em posicionamentos. - Dependências Permanentes de Ajudas: Ajudas medicamentosas: O Autor efetua medicação em SOS quando tem mais dores o que se admite (analgesia) e psicofármaco quando tem mais dificuldade em dormir. Poderá a vir ter indicação de medicação adicional conforme quadro doloroso a prescrever pelos médicos assistentes. Tratamentos médicos regulares: O Autor mantém tratamentos de fisioterapia, tendo efetuado na Clínica ... tratamentos de fisioterapia desde 31/10/2016 até 10/2/2020, num total de 629 sessões. O Autor deve manter consultas de ortopedia e de psiquiatria de vigilância, eventualmente maior frequência se necessário e de neurocirurgia e fisioterapia com frequência a determinar pelo médico assistente. Ainda realiza fisioterapia. Ajudas técnicas: tala/apoio de punho (caso não tenha feito artrodese), adaptação ao domicílio, beneficia de carro automático, adaptado a uso só do membro superior esquerdo; eventuais ajudas técnicas no computador tais como rato e apoio para diminuir dor no uso com a mão esquerda; eventuais utensílios de vida diária que possam permitir melhor uso da mão esquerda e mais autonomia (a determinar em avaliação de ajudas técnicas), tábua de preparação de alimentos para unimanual, faca de Nelson, rebordo de prato, dispositivo de parede, dispensador de gel de banho e shampoo, dispositivo anti-derrapante para abertura de embalagens, em silicone ou outro, rato de computador adaptado com botões e comandos laterais; - O Autor necessita de ajuda de terceira pessoa para tarefas de vida diárias que impliquem o uso dos dois membros superiores em simultâneo ou de maior esforço e força tais como limpezas profundas do domicílio para deslocar móveis, ou outras mais pesadas, ajuda para preparação dos alimentos (descascar e cortar por exemplo), ajuda para comer alguns alimentos que não consegue descascar ou cortar, lavar a roupa manualmente (tem que fazer uso da máquina de lavar roupa ou necessita de ajuda de terceira pessoa para lavagem de roupas manual), lavar louça (podendo fazer uso de máquina de lavar louça necessitando de ajuda de terceira pessoa para lavagem manual), atividades que o próprio apesar de não ter referido - o que pode ser explicado pela idade do mesmo e contexto de vivência familiar - se admite venha a percecionar quando iniciar vida autónoma/quando passar a morar sozinho. - Ao nível da alimentação: O Autor tem dificuldade na preparação de alimentos mais duros, necessitando de apoio para a sua preparação. - Dificuldade na abertura de frascos / recipientes. - Higiene Pessoal: autonomia modificada, encontrou estratégias; atividade unimanual e demora mais tempo; precisa de ajuda a cortar as unhas das mãos; não usa escova de dentes elétrica, usa manual e tem estratégia para a pasta dos dentes. Banho: Dificuldade no uso de embalagens Vestir: Autonomia modificada – demora mais tempo. Calçar: consegue calçar meias e restante calçado; tem dificuldade nos cordões – não terá aprendido a técnica de apertar unimanual. Escrita: Tenta com a mão esquerda. Tecnologias: Usa o computador e o telemóvel; comprou rato com mais opções de botões e comandos. Condução: Com adaptação. Lesão neurológica periférica grave, sem movimentos funcionais no membro superior direito. - Por causa do embate, o Autor ficou com uma perturbação persistente do humor, com repercussão moderada na autonomia pessoal, social e profissional com repercussão moderada nas atividades da vida diária, incluindo as familiares, sociais, de lazer e desportivas, o qual, tendo em conta o diagnóstico é valorizado em 12 pontos. Ora, perante o referido circunstancialismo fáctico, a atender e tendo em conta, designadamente, a idade do autor à data do acidente, a experiência traumática e perturbadora que sofreu, a natureza, a gravidade e a extensão das lesões, o período de convalescença, as quatro cirurgias, uma delas de elevada complexidade e com a duração de 12 horas, a fisioterapia e os tratamentos a que teve de se submeter, o quantum doloris, o dano estético e todas as sequelas de que ficou a padecer, inclusive a nível sexual, as dores, a circunstância de não ter tido qualquer culpa na eclosão do acidente, antes o mesmo se deveu a culpa grave e exclusiva da condutora do veículo segurado na ré, e ponderando os casos similares e os valores arbitrados pela nossa jurisprudência[45], afigura-se-nos equitativamente adequada e equilibrada, a indemnização de 200.000,00 €, para a reparação de todos os referidos danos não patrimoniais sofridos pelo autor, sendo, por isso, de fixar em mais 20.000,00€ o quantum indemnizatório pelos danos não patrimoniais. * 3 - Da obrigação de indemnizar da 2ª Ré. Bem fundamenta o Tribunal a quo a absolvição da 2ª Ré ao referir: “Uma vez que resulta da factualidade provada que o dono do veículo de matrícula “..-JZ-..”, à data do embate, mantinha transferida a responsabilidade pelo risco de danos causados a terceiros com a circulação do mesmo para a 1ª Ré “A... – Companhia de Seguros S.A.”, que à data do acidente era denominada e designada por “C... – Companhia de Seguros S.A.”, por via de um contrato de seguro válido, titulado pela Apólice nº ...88 (ponto 50), esta deve ser responsabilizada pela totalidade dos danos sofridos pelo Autor. O Autor pertencia à Federação Portuguesa de Ciclismo, sendo que esta Federação celebrou com a Companhia de Seguros, a aqui 2ª Ré “B... S.A.”, um contrato de seguro desportivo obrigatório, - a titulo de acidentes (pessoais) dos atletas federados, que veio a ser titulado pela Apólice nº: ...50 (cfr. ponto 51). Uma vez que a 1ª Ré deve ser responsabilizada pela totalidade dos danos sofridos pelo Autor, absolve-se a 2ª Ré do pedido contra si deduzido”. E, na verdade, respondendo a 1ª R é, A..., por todos os danos sofridos pelo Autor nunca poderia o pedido formulado contra a 2ª Ré proceder, tanto mais que este pedido foi formulado subsidiariamente (cfr. fls 3 e nota 3) -, foi formulado para a “eventualidade de a 1ª Rá não vir a ser condenada” - e, como resulta do supra referido, tal Ré é condenada a ressarcir os danos sofridos pelo Autor. * Destarte, improcedem as conclusões da apelação da 1ª Ré e procedem, totalmente, as conclusões da apelação do Autor com relação à pretensão condenatória da 1ª Ré, fixando-se em mais € 310.000,00 a indemnização a atribuir ao Autor (pelo dano biológico) e em mais € 20.000,00 o quantum pelos danos não patrimoniais, o que acresce ao montante fixado em 1ª instância, improcedendo a apelação do Autor em relação à 2ª Ré. * As custas do recurso principal são da responsabilidade da 1ª Ré recorrente e as do recurso subordinado são da responsabilidade do Autor recorrente e da 1ª Ré Recorrida, na proporção dos respetivos decaimentos (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). * III. DECISÃO Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em: a) julgar a apelação da 1ª Ré improcedente; b) julgar a apelação do Autor parcialmente procedente e, em consequência,: revogam, em parte, a decisão recorrida, fixando em mais 310.000,00 euros (trezentos e dez mil euros) o montante indemnizatório a atribuir ao Autor pelo dano biológico por ele sofrido, e em mais 20.000,00 euros (vinte mil euros) o montante indemnizatório pelos danos não patrimoniais que sofreu, o que acresce ao fixado em 1ª instancia, mantendo-se, no restante, a sentença recorrida. * Custas do recurso independente pela 1ª Ré. Custas do recurso subordinado por Autor e 1ª Ré, na proporção do decaimento. Porto, 10 de julho de 2024 Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores Eugénia Cunha Jorge Martins Ribeiro Manuel Domingos Fernandes _______________________ [1] Tem os artigos 75º e 76º, da p.i., o seguinte teor: “75º- … a 2ª Ré “B..., SA.” Era a seguradora para a qual, por contrato titulado pela Apólice nº ...06, vigente à data do acidente, havia sido transferida a responsabilidade por danos e prejuízos que o Autor na qualidade de atleta (quer em prova quer em treinos) porventura pudesse vir a sofrer em consequência de acidente. 76º- Assim, na eventualidade da 1ª Ré não vir a ser condenada a indemnizar o A. nos precisos termos aqui peticionados nos presentes autos – o que só por mera hipótese de patrocínio se admite -, deverá a 2ª Ré ser condenada a indemnizar o A. por todas as quantias peticionadas na presente ação, ou então, e pelo menos nos termos e condições que porventura constam do contrato de seguro titulado pela apólice supra identificada” (negrito e sublinhado nosso). [2] Rita Lynce de Faria, in anotação ao artigo 342º, Comentário ao Código Civil Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa, Universidade Católica Editora, pág. 812 [3] “18 - Em consequência do embate, o equipamento que o Autor vestia e utilizava no treino foi comprado por si – camisola, calções, sapatos, capacete, polar e óculos – ficou totalmente destruído, o qual tinha um valor global não inferior a 450,00 € (quatrocentos e cinquenta euros)”. “40 - As despesas com transportes para se deslocar para as consultas e para os tratamentos sempre foram efetuados pelos pais do Autor, em veículo próprio daqueles, tendo efetuado desde a data do embate até à presente data 75 viagens de ida e volta desde a residência do Autor (sita em ... - ...) ao Hospital 2... (sito no Porto), tendo despendido em cada viagem de ida e volta com combustível e portagens a quantia de 15,00 € (quinze euros) e despendeu a quantia de € 228,31 com os custos dos medicamentos adquiridos por si e com despesas com os tratamentos médicos que não foram suportados pela Segurança Social”. [4] José de Sousa Dinis, Avaliação e reparação do dano patrimonial e não patrimonial (No domínio do direito Civil), Julgar, pag 29 e seg [5] Acórdão do S.T.J. de 21/11/79, BMJ. nº 291, pág. 480. [9] Acórdão do S.T.J de 23/5/78, BMJ nº 277; pág. 258 [15] Cfr. Acs. STJ de 4/2/93, in AC STJ, I, 129; 5/5/94 in, AC STJ, II, 86; de 28/9/95, in AC STJ, III, 36; de 15/12/98, in AC STJ, 111, 155. [20] [1] Vide, a este propósito, as doutas considerações do ac. do STJ, de 21-03-2013, relatado por Salazar Casanova, no processo n.º 565/10.9TBVL.S1, acessível na Internet - http://www. dgsi.pt/jstj. [21] Acórdão do STJ de 13/7/2017, Processo 3214/11.4TBVIS.C1.S1, in dgsi.net [22] Acórdão do STJ de 19/5/2009 Processo 298/06.0TBSJM.S1, in dgsi.net [23] Acórdão do STJ de 19/5/2009, proc. 298/06.0TBSJM.S1, in dgsi.net [36] Vaz Serra, RLJ, Ano 113º, p. 104. [37] P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Vol. 1, Coimbra, p. 501 [42] Vide, ainda, neste sentido, Ac. STJ de 07.04.2016, proc. n.º 237/13.2TCGMR.G1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; e Ac. STJ de 18.06.2015, já citado, e, ainda, Ac. STJ de 31.01.2012, proc.n.º 875/05.7TBILLH.C1.S1, relator Nuno Cameira, todos disponíveis in www.dgsi.pt. [43] [4] Vide Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. 1.º, 10.ª Edição, Almedina, pag. 605, nota 4. [44] Acórdão do STJ de 13/7/2017, Processo 3214/11.4TBVIS.C1.S1, in dgsi.net. [45] Cfr., in dgsi.net, entre outros: |