Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1264/24.0T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO VILARES FERREIRA
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RENDIMENTO INDISPONÍVEL DO INSOLVENTE
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
Nº do Documento: RP202409101264/24.0T8VNG.P1
Data do Acordão: 09/10/2024
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Em sede de procedimento de exoneração do passivo restante, o montante não abrangido pela cessão do rendimento disponível, nos termos do artigo 239.º, n.º 3, al. i), do CIRE, deve ser fixado casuisticamente, na justa medida em que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e seu agregado familiar, não podendo em caso algum ser inferior ao salário mínimo nacional
II – Os subsídios de férias e de Natal integram o conceito de rendimento disponível, inexistindo fundamento legal para os incluir nas exceções previstas no art. 239.º, n.º 3 do CIRE.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROCESSO N.º 1264/24.0T8VNG.P1

[Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 1]

Relator: Fernando Vilares Ferreira

Adjuntos: Artur Dionísio Oliveira

João Proença

SUMÁRIO:

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EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto

I.

RELATÓRIO

1.

Em 6.2.2024 AA apresentou-se à insolvência e requereu a exoneração do passivo restante.

2.

Por sentença de 24.2.2024, a dita Apresentante foi declarada em estado de insolvência, tendo sido relegada para momento ulterior a apreciação do pedido de exoneração do passivo restante.

3.

A Exma. Administradora da Insolvência deu parecer positivo à admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante.

4.

Nenhum credor se opôs à admissão liminar do pedido.

5.

Em 15.4.2024 foi declarado encerrado o processo e, no que concerne ao incidente de exoneração do passivo restante, foi proferida decisão, determinando-se, para além do mais:

[Assim sendo, tudo ponderado, face à composição do agregado familiar e às condições de vida resultantes do processo, fixo à insolvente como rendimento disponível, todo aquele que exceder o valor de 1SMN+1/4 desse valor, multiplicado por 12 meses, a iniciar-se com o trânsito em julgado deste despacho, uma vez que já foi proferido despacho de encerramento do processo.

O cálculo dos montantes a ceder no período da cessão, devem ser efetuados anualmente, garantido assim igualdade de tratamento perante os devedores e os credores.

Acrescenta-se que, por força da submissão ao instituto da exoneração do passivo restante aquilo a que o devedor tem direito é apenas a um montante que lhe proporcione um sustento minimamente condigno e os subsídios de férias e de natal não são imprescindíveis para o sustento minimamente condigno do insolvente, pelo que, têm de ser incluídos no rendimento a disponibilizar ao fiduciário para os fins de insolvência.

(…)

Os subsídios de férias e de natal devem ser incluídos no rendimento a disponibilizar ao fiduciário (cfr., neste sentido, acórdãos da Relação de Guimarães de 14/02/2013 (processo n.º 3267/12.8TBGMR-C.G1) e de 26/03/2015 (processo n.º 952/14.3TBGMR.G1) e da Relação de Coimbra de 11/02/2014 (processo n.º 467/11.1TBCND-C.C1).]

6.

Não se conformando com aquela decisão, a Insolvente interpôs o presente recurso de apelação, admitido com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, assente nas seguintes CONCLUSÕES:

I - O douto despacho proferido pelo tribunal a quo veio admitir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, determinar o encerramento do processo para efeitos do artigo 230º nº 1 al. e) CIRE e determinou que deveria ser feita a cessão ao fiduciário, durante o período de 3 anos após o encerramento do processo de insolvência, do montante dos rendimentos que exceda a quantia de 1SMN + ¼, o equivalente à quantia de 1065,00€ (mil e sessenta e cinco euros).

II - Contudo, salvo o devido respeito, não pode a insolvente, ora recorrente, concordar com o Tribunal a quo quando fixa o montante de 1065,00€ mensais do rendimento da insolvente, do qual a mesmo pode dispor, desde logo porque considera este valor, manifestamente insuficiente para assegurar uma sobrevivência condigna sua e da sua filha menor, e por isso pretende que esse valor seja revisto.

III - A insolvente trabalha desde a maioridade, exerce funções na empresa A..., Lda, como 2ª escriturária e aufere mensalmente salário base de 960,00€, acrescido de subsídio de alimentação e 50,00€ por ser trabalhadora deslocada.

IV - É divorciada e tem uma menor de 7 anos de idade à sua guarda.

V - O seu vencimento (960,00€/base), é desde logo maioritariamente consumido pela renda da casa onde reside a recorrente e a menor, cuja renda é (por enquanto) no valor de 375,00€, e o remanescente é destinado a pagar as demais despesas de habitação, água, Luz, gás, para comprar, bens essenciais à vida da menor, nomeadamente, vestuário, alimentação, produtos de higiene, material escolar, cultura e transportes entre outros…,

VI - Sem olvidar ainda que a menor, necessita também, contudo, circunstancialmente de cuidados de saúde;

VII - As despesas mensais fixas deste agregado familiar e que foram supra descritas e também elencadas e comprovadas na petição inicial, comportam o valor de cerca de 1170,00€ (mil cento e setenta euros), o que traduz na objetiva incapacidade de a Recorrente satisfazer as necessidades básicas do seu agregado familiar, tendo que recorrer a ajuda de familiares e amigos.

VIII - Assim, fazendo as contas, não nos parece razoável que o rendimento que foi determinado, consiga ser capaz de suportar o que quer que seja e nomeadamente dar uma vida condigna à recorrente e à sua filha menor;

IX - Pelo que não se nos afigura razoável que o rendimento disponível deste agregado seja de fixar no salário mínimo nacional, acrescido de 1/4, até porque, a filha menor, está em desenvolvimento, solicita de mais alimentação, mais vestuário, mais produtos de higiene, mais cultura e atividades pertinentes aos jovens da sua idade e incrementadoras daquele e, em especial, necessidade de a inscrever nos campos de férias de verão, atento que a Insolvente não tem férias coincidentes com as férias escolares da menor;

X - Assim e não obstante a lei, não nos dar um valor para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado, como se retira do artigo 239.º n.º 3 al. b) do CIRE;

XI - A doutrina, entende que o valor de sustento minimamente digno do devedor deve ser enquadrada dentro dos 3 (três) salários mínimos nacionais, aquela que citamos “O legislador adopta um critério objectivo na determinação do que deve entender-se por sustento minimamente digno: 3 vezes o salário mínimo nacional.”;

XII - Contudo tanto a lei como a doutrina dizem, que o livre e prudente arbítrio do juiz é que fixa dentro daquele balizado, o que deve ser o valor de rendimento mínimo de sustento do recorrente e do seu agregado;

XIII - Assim desta feita, o livre e prudente arbítrio da Exma. Sra.º juiz “a quo”, e, atenta a prova produzida e carreada para os presente autos, fixa em nossa opinião erradamente o valor mínimo de sustento do agregado, na medida em que esta se baseia, basicamente na retribuição da recorrente e a presumível vida de despesa que gera um individuo adulto, olvidando, o facto da menor gerar também outras despesas, que com o tempo e idade serão superiores até às que hoje se apresentam;

XIV - Sabemos que, na fixação do rendimento disponível, que o salário mínimo nacional e o Indexante de Apoios Sociais constituem valores de referência a ter em conta como indicativo do montante mensal considerado como essencial para garantir um mínimo de subsistência condigna, tendo em conta as regras sobre a impenhorabilidade contidas no artigo 824.º do Código de Processo Civil.

XV - Por conseguinte, na fixação do montante a excluir do rendimento disponível para razoavelmente garantir o sustento minimamente digno do devedor, deverá atender-se à disponibilidade dos rendimentos auferidos, às despesas concretas a seu cargo tendo em conta, desde logo, a composição do respectivo agregado familiar, tendo por subjacente uma noção de subsistência sufragada nos valores do salário mínimo nacional e da remuneração mensal mínima garantida.”;

XVI - O facto de o tribunal fixar um valor fixo tão baixo, para 1 adulto e uma criança, fará com que a família fique asfixiada economicamente, oprimindo qualquer possibilidade de a insolvente se reabilitar financeiramente, até porque já viviam sem quaisquer luxos e com graves dificuldades para assegurar as necessidades básicas.

XVII - Ao ser privada durante o período de cessão de qualquer rendimento que exceda o SMN + 1/4, nomeadamente dos montantes integrais a receber a título de subsídios de férias e de Natal e considerando que a Recorrente, nos termos da determinação do rendimento disponível, não se encontra em condição de aforrar um euro que seja, ficará inevitavelmente, sem meios de custear as despesas extra ou sazonais, realizar consultas e exames médicos que a condição de saúde exija, pagar prémios de seguro e impostos que o fisco liquide, entre outras que surjam, como comprar um agasalho ou um par de sapatos que se romperem, como naturalmente sucede com todos os agregados familiares.

XVIII - E, em especial, deixa-a sem qualquer capacidade de poder vir a suportar um aumento de renda, pois como se referiu, a insolvente reside numa casa arrendada no Porto, cujo valor é atualmente de 375,00€, o qual sabemos que de acordo com a evolução e especulação do mercado imobiliário, tal valor com grande probabilidade, irá ser aumentado.

XIX - Conclusão, a presente insolvência não é para a recorrente um freshstart, porquanto a própria insolvência exige da recorrente, a falência técnica;

XX - Tal cria uma subversão do próprio processo de insolvência, o que não nos parece de todo o modo razoável e justo, por efeito tal despacho tem de ser revisto e alterado para um rendimento disponível dentro dos valores correspondentes a dois salários mínimos nacionais, ou seja, 1640,00€ (mil seiscentos e quarenta euros).

XXI - Caso este não seja o entendimento sufragado por V/ Excas. entendemos que deveria o rendimento disponível ser fixado sempre em valor não inferior ao equivalente a 1 SMN + ½, ou seja, no valor de 1230,00€ (mil duzentos e trinta euros), tendo em consideração a composição do agregado familiar e a escala de oxford que fixa em 1 para adulto e 0,5% para um menor.

XXII - Sendo que, em ambos os casos, no que diz respeito aos subsídios de férias e de Natal, os quais constituem um verdadeiro “balão de oxigénio”, muitas vezes para fazer face a necessidades básicas prementes, as quais foram ao longo do ano, postas em 2º plano, por falta de liquidez, sempre se requererá que o apuramento do rendimento disponível e, assim, o cálculo dos montantes a ceder deva ser feito anualmente, dividindo-se a totalidade do rendimento auferido pela insolvente em cada ano do período da cessão por doze. Se tal montante mensal médio não exceder o valor mensal fixado pelo tribunal, a obrigação de entrega ao fiduciário a que alude a alínea c) do n.º 4 do art. 239º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas será inexistente. Caso contrário, terá que ser entregue a diferença que eventualmente exista, em cada mês, entre o montante médio mensal e o valor mensal fixado pelo tribunal.

7.

Não foram apresentadas contra-alegações.

II.

OBJETO DO RECURSO

Considerando as conclusões das alegações apresentadas pela Apelante, e sem prejuízo das questões passíveis de conhecimento oficioso, o que importa apreciar e decidir nesta instância passa por saber se:
a) A factualidade relevante apurada deve ser ampliada, por forma a contemplar que “as despesas mensais fixas do agregado familiar da Insolvente ascendem ao valor médio mensal de 1.170,00€”; e
b) Se existe ou não fundamento bastante para alterar a decisão recorrida, no que concerne ao valor do rendimento disponível da insolvente, de modo a que em vez de “todo aquele que exceder o valor de 1SMN+1/4 desse valor, multiplicado por 12 meses”, passe a considerar-se o que exceder o valor de 2 SMN, ou, pelo menos, 1 SMN acrescido de ½.

III.

FUNDAMENTAÇÃO

1.

OS FACTOS

1.1.

Dos factos alegados e tidos com relevância para a decisão, o Tribunal a quo julgou provados os seguintes:

1) A Devedora é divorciada.

2) A Insolvente desempenha funções na empresa A..., Lda., como 2.ª escriturária, auferindo a remuneração base de 960,00€, acrescido de subsídio de alimentação e um benefício de €50.00.

3) A Devedora reside com uma filha menor em casa arrendada €375,00/mês.

4) Não tem quaisquer bens.

5) Não beneficiou da exoneração do passivo restante nos 10 anos anteriores à data do início deste processo de insolvência.

6) Não resulta dos autos que a Insolvente incumpriu o dever de apresentação à insolvência ou se tenha abstido de se apresentar nos 6 meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo para os credores.

7) Não há elementos que indiciem a existência de culpa da Insolvente na criação ou agravamento da situação de insolvência.

8) No seu certificado de registo criminal, a Insolvente não tem averbada qualquer condenação.

1.2.

Para além da dita factualidade, julgamos assistir inteira razão à Apelante quando sustenta a relevância da factualidade que alegou na petição inicial, sob os artigos 14) – “Presentemente a Requerente tem como despesas domésticas as seguintes: (média mensal) - Renda 375,00€ - Água 25,00€ - Luz 130,00€ - TV e Telecomunicações 45,00€ - Alimentação/vestuário e higiene 300,00€ - Atl e AL. escolar 152,64€ - Transportes/ dinheiro de bolso 150,00€ (Cfr. Docs. nº 6 e 7 que aqui se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais)” – e 15) – “Pelo que mensalmente a Requerente despende, em média, de cerca de 1177.64€ (mil cento e setenta e sete euros e sessenta e quatro cêntimos) - para fazer face às suas necessidades básicas, sendo certo que estas despesas são suceptíveis de sofrer um aumento substancial consoante o aumento do custo de vida e s necessidades emergentes da menor”.

Em face da ausência de impugnação de tal factualidade por quem quer que seja, assim como dos documentos juntos, julgamos justificar-se o aditamento ao elenco da materialidade provada do seguinte facto:

- 9) As despesas mensais fixas do agregado familiar da Insolvente para fazer face às necessidades básicas de habitação, alimentação, vestuário, educação, comunicação e transportes ascendem ao valor médio mensal de 1.170,00€.

2.

OS FACTOS E O DIREITO

2.1.

A exoneração do passivo restante, cujo regime se mostra vertido essencialmente nos arts. 235.º a 248.º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)[1], representa, como é por demais sabido, um benefício muito relevante concedido ao devedor pessoa singular declarado insolvente, por lhe permitir libertar-se do peso do passivo e refazer a sua vida económica, constituindo uma causa de extinção das obrigações.

Nas palavras de CATARINA SERRA[2], “[t]al como o regime alemão, o regime português consiste, em traços gerais, na afetação, durante certo período após a conclusão do processo de insolvência, dos rendimentos do devedor à satisfação dos réditos remanescentes, produzindo-se, no final, a extinção daqueles que não tenha sido possível cumprir, por essa via, durante esse período. A intenção da lei é a de libertar o devedor das suas obrigações, realizar uma espécie de azzeramento da sua posição passiva, para que, “depois de aprendida a lição”, ele possa retomar a sua vida e, se for caso disso, o exercício da atividade económica ou empresarial. O objetivo é, por outras palavras, dar ao sujeito a oportunidade de (re)começar do zero”.

Nos termos do art. 235.º, “se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao encerramento deste, nos termos das disposições deste capítulo”.

Por sua vez, o art. 239.º, sob a epígrafe “Cessão do rendimento disponível”, dispõe assim:

“1 - Não havendo motivo para indeferimento liminar, é proferido o despacho inicial, na assembleia de apreciação do relatório, ou nos 10 dias subsequentes a esta ou ao decurso dos prazos previstos no n.º 4 do artigo 236.º.

2 - O despacho inicial determina que, durante os três anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado por período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte.

3 - Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:

a) Dos créditos a que se refere o artigo 115.º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz;

b) Do que seja razoavelmente necessário para:

i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;

ii) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional;

iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.

4 - Durante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a:

a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;

b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;

c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão;

d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;

e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores.

5 - A cessão prevista no n.º 2 prevalece sobre quaisquer acordos que excluam, condicionem ou por qualquer forma limitem a cessão de bens ou rendimentos do devedor.

6 - Sendo interposto recurso do despacho inicial, a realização do rateio final só determina o encerramento do processo depois de transitada em julgado a decisão”.

Como se deixou bem sintetizado no acórdão do STJ de 2 de fevereiro de 2016[3]: [I – Jogam-se no art. 239.º, n.º 3, b)-i), do CIRE – cessão do rendimento disponível – dois interesses conflituantes: um, aponta no sentido da proteção dos credores dos insolventes/requerentes da exoneração; outro, na lógica da “segunda oportunidade” concedida ao devedor, visa proporcionar-lhe condições para se reintegrar na vida económica quando emergir da insolvência, passado o período de cinco anos a que fica sujeito com compressão da disponibilidade dos seus rendimentos. II - O montante não abrangido pela cessão do rendimento disponível deve ser fixado casuisticamente, tendo em conta “o que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e seu agregado familiar…”. III - A norma remete para o conceito de “dignidade” que indissocia da exigência do sustento do devedor e do seu agregado familiar. IV - Se a lei alude ao salário mínimo nacional para definir o limite máximo isento da cessão do rendimento disponível, também se deve atender a esse salário mínimo nacional, para no caso concreto, saber a partir dele, o quantum que se deve considerar compatível o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar. V - Em regra, o salário mínimo nacional é o limite mínimo de exclusão dos rendimentos, no contexto da cessão de rendimentos pelo insolvente a quem foi concedida a exoneração do passivo restante, ou seja, nenhum devedor pode ser privado de valor igual ao salário mínimo nacional, sob pena de não dispor de condições mínimas para desfrutar uma vida digna].

2.2.

No caso que nos ocupa, tendo por base a factualidade apurada e tida por relevante, especialmente a composição do agregado familiar da Insolvente e o valor médio mensal despendido com a satisfação das respetivas necessidades básicas, temos por razoável a pretensão deduzida pela Apelante a título subsidiário, o mesmo é dizer, a fixação do rendimento indisponível no valor correspondente a 1 SMN acrescido de ½, o que perfaz atualmente o montante de 1.230€.

Relativamente aos rendimentos auferidos a título de subsídios de férias e de Natal, partilhamos inteiramente do entendimento assumido pela decisão recorrida, ou seja, “integram o conceito de rendimento disponível, inexistindo fundamento legal para os incluir nas exceções previstas no art. 239.º, n.º 3 do CIRE”, posição que, se bem avaliamos, não é sequer contrariada pela Apelante.

Termos em que, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, impõe-se-nos que concluamos pela parcial procedência do recurso, com a consequente modificação da decisão recorrida.

IV.

DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, na parcial procedência do recurso, acordamos em alterar a decisão recorrida, fixando como rendimento disponível da Insolvente todo o que exceder o valor de 1,5 SMN, multiplicado por 12 meses, mantendo-se o decidido em 1.ª Instância quanto ao mais.


*

Custas a cargo da massa insolvente (304.º do CIRE), sem prejuízo do disposto nos artigos 241.º, n.º 1, a) e 248.º do mesmo diploma legal, assim como do apoio judiciário de que possa beneficiar a Apelante.

***
Porto, 10 de setembro de 2024
Os Juízes Desembargadores,
Fernando Vilares Ferreira
João Proença
Artur Dionísio Oliveira [DECLARAÇÃO DE VOTO:
Subscrevo o acórdão, excepto na parte em que considera que os rendimentos auferidos a título de subsídios de férias e de Natal “integram o conceito de rendimento disponível, inexistindo fundamento legal para os incluir nas exceções previstas no art. 239.º, n.º 3 do CIRE”.
Como é afirmando nos acórdãos do TRP, de 19.03.2024 (proc. n.º 1336/23.8T8AMT-C.P1) e de 09.04.2024 (proc. n.º 2447/23.5T8STS.P1), em que intervim como adjunto e como relator, respectivamente, ao considerar que o salário mínimo nacional (ou retribuição mínima mensal garantida – RMMG) corresponde ao mínimo indispensável para assegurar a sobrevivência digna do trabalhador, o legislador não ignora, antes tem em conta, que este é pago 14 vezes por ano. Por conseguinte, sendo fixado como rendimento indisponível para a cessão a quantia equivalente à RMMG, esta deve englobar os valores dos subsídios de férias e de Natal, pois estes integram aquele conceito de RMNG.
É este o entendimento que venho preconizando e que, por imperativos de coerência, deixo aqui expresso.]
____________________
[1] São deste Código todas as normas citadas doravante sem menção em contrário.
[2] Lições de Direito da Insolvência, 2.ª Edição, Almedina, 2021, pp. 610-611.
[3] Relatado por FONSECA RAMOS no processo 3562/14.1T8GMR.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt.