Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4342/21.3T8MTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL SILVA
Descritores: PROVA PERICIAL
NECESSIDADE
OPORTUNAMENTE
Nº do Documento: RP202407044342/21.3T8MTS-A.P1
Data do Acordão: 07/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Se um dos pontos essenciais ao objeto do litígio reside no nexo de causalidade dos danos, que se imputa à permanência da raiz de uma árvore que continua a progredir e a gerar novos rebentos, e se os próprios peritos (da área da engenharia civil) referem que tal é da área agrícola/florestal, justifica-se a realização de nova perícia, por técnicos dessa área, para dilucidar tais questões.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 4342/21.3T8MTS-A.P1

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I – Resenha do processado
1. AA e BB instauraram ação contra A..., Lda. (que passou a designar-se B..., Lda., por incorporação), pedindo a sua condenação a:
● pagar o custo da reparação dos danos causados no prédio dos autores, designadamente os indicados no art. 31º., a apurar em liquidação de sentença;
● pagar o custo de alojamento dos autores em habitação equivalente durante a reparação, a apurar em liquidação de sentença;
● pagar aos autores a reparação dos veículos supra-referidos, no montante de €7.287,75;
● pagar aos autores o montante de €10.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Para suporte de tais pedidos alegaram que as obras de construção que a Ré levou a efeito no seu prédio, contíguo ao dos Autores, lhe provocaram vários danos, designadamente no pavimento de circulação e o jardim do logradouro, no chão e estrutura da habitação, no poço e cisterna, fissuras nas paredes, chão e teto da habitação, dos anexos e garagem e veículos.
Em contestação, a Ré impugnou a factualidade alegada e suscitou a intervenção da sociedade C..., Sociedade Unipessoal, Lda, a qual foi admitida.
A Interveniente também contestou, impugnando a factualidade alegada e excecionando com a inadmissibilidade legal do pedido genérico deduzido.
Foi ainda admitida a intervenção de D..., Lda.
Em sede de audiência prévia, definidos os temas de prova, foi deferida a realização da perícia colegial que havia sido requerida pelos Autores, pela Ré e pela Interveniente C..., definindo-se assim o seu objeto:
«― Informar tudo o que reputem de relevante para a decisão da causa a respeito das configurações dos prédios e dos danos sofridos pelos autores (no quadro dos temas da prova enunciados acima nos pontos 2, 5 e 6);
― Responder aos quesitos formulados pelos autores, na petição inicial, por se entender que a matéria indicada ali ainda se enquadra no âmbito da prova que exige conhecimentos especiais de engenharia civil. Contudo, no que toca aos quesitos formulados sob o ponto I (I.I, I.II, I.III e I.IV), uma vez que as respostas dos Srs. Peritos apenas se pode reportar à data da realização da perícia e não à data do evento danoso, os Srs. Peritos apenas se deverão pronunciar sobre a aptidão do evento danoso descrito nos referidos quesitos (I.I, I.II, I.III e I.IV) para produzir os danos consequentes ali descritos (doutro modo, deverão esclarecer se a causa indicada nos quesitos é apta a produzir o resultado indicado).
― Responder aos quesitos formulados pela ré, em contestação.»
Os autos prosseguiram os seus termos e os Srs. Peritos apresentaram o relatório pericial.
Os Autores vieram requerer a realização de nova perícia, “atentas as deficiências apontadas e a falta de conhecimento especializado dos peritos indicados em matéria agrícola/florestal”.
O M.mº Juiz proferiu a seguinte decisão:
«Quanto à requerida segunda perícia, pese embora as razões invocadas pelos autores, a perícia ordenada justificou-se, em função dos temas da prova fixados, com vista ao apuramento dos danos sofridos pelos autores em consequência dos trabalhos realizados no prédio da ré e, em particular, o impacto que tais trabalhos tiveram no prédio dos autores.
Assim e não obstante os Srs. Peritos não serem técnicos na área agrícola/florestal, o que os poderá limitar na resposta dada a respeito da matéria referente ao crescimento de rebentos das raízes, os mesmos Srs. Peritos são, contudo, especializados na área da engenharia civil e, por conseguinte, têm as qualificações técnicas adequadas a aferir dos efeitos do corte da referida árvore e das respetivas raízes deixadas no terreno na casa e no prédio dos autores, que, repita-se, correspondia ao pretendido com a realização da diligência de prova em causa.
Em consequência, entende-se que a realização da requerida segunda perícia não se mostra essencial e necessária ao apuramento da verdade e à boa decisão da causa, pelo que não se encontram verificados os pressupostos do artigo 487.º do Código de Processo Civil que fundamentem a pretensão agora manifestada pelos autores.
Em consequência do exposto, indefere-se a realização da segunda perícia requerida pelos autores.»

2. Inconformados com tal decisão, dela apelaram os Autores, formulando as seguintes conclusões:
1. No douto despacho recorrido indeferiu-se a prova pericial, segunda perícia, que os recorrentes requereram para demonstrar (razões da discordância) que o derrube do choupo (árvore que se encontrava no local), sem extração da raiz, leva a que essa raiz floresça, com força redobrada, e que cause diversos e graves estragos nos prédios vizinhos (concretamente no prédio dos recorrentes), sendo este um dos principais motivos para a instauração do presente processo.
2. Os requerentes (ora recorrentes) indicaram os pontos de discordância (inexatidões a corrigir), designadamente, na primeira perícia “…os peritos não verificaram a dimensão, a extensão, o crescimento, as ramificações da raiz em questão, bem como as eventuais e ou previsíveis consequências da não extração da raiz, o que constitui clara deficiência do relatório pericial.”
3. Os recorrentes (ora recorrentes) ainda justificaram a possibilidade duma distinta apreciação técnica: “ao contrário do que foi defendido pelo peritos (na primeira perícia) sempre foi transmitido aos Autores, por técnicos da área agrícola/florestal, que o derrube do choupo (árvore que se encontrava no local), sem extração da raiz, leva a que essa raiz floresça, com força redobrada, e que cause diversos e graves estragos nos prédios vizinhos (concretamente no prédio dos recorrentes)…”
4. A diligência da prova pericial, segunda perícia, apenas poderia ser indeferida considerando-se que seria impertinente ou dilatória, nos termos do disposto nos art.º 6º. e 487º do CPC.
5. Assim, ao indeferir a prova pericial, segunda perícia, com diferente fundamento da impertinência ou dilação, no douto despacho recorrido violaram-se os aludidos normativos legais (em especial o art.º 487º do CPC) pelo que o dito despacho deverá ser revogado e substituído por outro que admita a realização da segunda perícia.
6. Da decisão de indeferimento do requerimento da segunda perícia cabe recurso de apelação autónoma, nos termos do art.º 644º, nº 2, al. d) do CPC, por se estar perante um despacho de rejeição de um meio de prova, que deve ser entendida em sentido concreto e não em sentido abstrato.
Termos em que deve ser dado provimento à presente apelação e, por via disso, acordar-se na revogação do douto despacho recorrido, sendo admitida a prova pericial, segunda perícia requerida no requerimento apresentado em 12 de fevereiro de 2024, com todas as necessárias e legais consequências, em preito à JUSTIÇA

3. Contra-alegaram a Ré B..., bem como a C..., esta considerando o recurso inadmissível.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO
4. Apreciando o mérito do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).
No caso, trata-se de decidir se deve ser revogada a decisão que não admitiu a 2ª perícia.

§ 1º - No que toca à inadmissibilidade do recurso, é de dar aqui por reproduzida a argumentação da 1ª instância, que se mostra bem fundamentada e merece o nosso total acolhimento.
«A chamada C... sustenta a não admissibilidade do recurso à luz do artigo 644.º n.º 2 alínea d) do Código de Processo Civil, suportando-se no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09/01/2024, proc. n.º 58/19.9T8GRD-A.C1, in www.dgsi.pt, extraindo-se da sua leitura que o mesmo não se mostra unânime face ao voto de vencido expresso a final e em cuja fundamentação os recorrentes parecem sustentar a pugnada admissibilidade imediata do recurso.
Fundando-se no entendimento doutrinário da natureza da segunda perícia, lê-se no referido voto vencido que: «Tenho o entendimento que da decisão de indeferimento de requerimento de 2ª perícia cabe recurso de apelação autónoma, nos termos do art. 644º, nº 2, d), por se estar perante um despacho de rejeição de um meio de prova. Sumariamente diremos o seguinte:
- Diz-se no acórdão que a 2ª perícia não passará de um incidente no quadro da prova pericial já admitida e realizada, e ao mesmo tempo se diz que a reclamação da 1ª perícia também é um incidente, o que não subscrevemos, pois se esta última se afigura ser um verdadeiro incidente já aquela tem autonomia, sob pena de termos de admitir que tudo é um incidente a partir do momento inicial do despacho de admissão da realização da 1ª perícia (parece ser este o argumento do referido acórdão da Rel. Porto de 4.11.2019);
- No respeitante à jurisprudência citada, e trecho do Ac. desta Relação de 24.4.2012, o mesmo limita-se a convocar o teor do art. 589º, nº 3, do anterior CPC, sem mais adicional justificação; o de 27.9.2016, não tem pertinência para o caso concreto; e o de 7.11.2017, aprecia questão colateral de reclamação do relatório da peritagem, decidindo correctamente sobre um verdadeiro incidente, embora se pronuncie sobre o nosso tema, en passant, por mera reprodução daquele primeiro acórdão de 24.4.2012, sem mais justificação;
- Primeiro nosso argumento. Apesar da 2º perícia visar a eventual inexactidão dos resultados da 1ª (art. 487º, nº 3, do NCPC), segundo professa A. Reis, em CPC Anotado, Vol. IV, pág. 304, a 2ª perícia é uma prova a mais (o itálico é do referido autor). Os dois arbitramentos subsistem, um ao lado do outro, e assim poderão ser valorados livremente, podendo o segundo prevalecer sobre o primeiro. Assim, a 2ª perícia, não deixa de ser um meio de prova, a que alude o referido art. 644º, nº 2, d);
- Segundo. Também Lebre de Freitas professa este entendimento. Segundo ele (CPC Anotado, Vol. 2º, 2ª Ed., notas 2. e 3. ao anterior art. 589º e 591º = aos actuais arts. 487º e 489º, págs. 554/557), a 2ª perícia visa fornecer ao tribunal novo elemento de prova, relativo aos factos que foram objecto da primeira, podendo até ter mais latitude factualmente. E podendo a 2ª perícia prevalecer sobre a 1ª.
- Terceiro. Igualmente Rui Pinto defende esta posição (em Revista da Fac. Direito da Uni. de Lisboa, Ano LXI, 2020, Nº 2, pág. 640) ao argumentar que “Mas já constitui rejeição de um meio de prova a rejeição do requerimento de uma segunda perícia, tal como constitui a rejeição do requerimento de depoimento de uma nova testemunha (e diríamos nós de um novo documento). Pois que ao contrário de certo entendimento (o da Rel. Porto de 4.11.2019, acima referido) o critério e preocupação da lei é material: evitar que a admissão ou a rejeição de certa prova concreta e autónoma, passe sem recurso imediato, porquanto uma revogação tardia dessa admissão ou rejeição poderia ter sérios reflexos no complexo avaliativo de toda a demais prova; não, evitar a admissão ou rejeição der certa categoria legal ou abstracta de meio de prova (como entendeu o referido acórdão da Rel. Porto). Por conseguinte, a expressão «meio de prova» deve ser entendida em sentido concreto e não em sentido abstracto” – o negrito é nosso.
Assim admitiria o recurso.».
Já à luz do Código de Processo Civil revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho se vinha sufragando este último entendimento. Assim, lê-se no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/10/2010, proc. n.º 87/09.0TCGMR-A.G1, in www.dgsi.pt:
«(…) A apelação não foi admitida pelo tribunal reclamado com fundamento em que da decisão recorrida (a que não admitiu a realização da segunda perícia) não cabia recurso de apelação, podendo a decisão vir a ser apenas impugnada nos termos do nº 3 do art. 691º do CPC.
A verdade é que a alínea i) do nº 2 do art. 691º do CPC estabelece que cabe recurso de apelação do despacho que admita ou rejeite meios de prova.
No caso, estamos perante um despacho que rejeitou um meio de prova, qual seja, a prova pericial, na modalidade de segunda perícia. Atente-se, a propósito, que a segunda perícia vale tanto quanto a primeira (v. arts 589º e 590º do CPC), pelo que da mesma forma que ninguém duvidaria que do despacho que indeferisse inicialmente a produção da prova pericial (que, consoante os casos, seria uma única ou uma primeira perícia) caberia recurso de apelação, também tem de entender-se que do despacho que indefere a realização da segunda perícia cabe recurso que tal. (…)».
Atento o preceituado no artigo 489.º do Código de Processo Civil, tendemos a acompanhar esta última jurisprudência, por se entender que o referido preceito não permite configurar a segunda perícia como um mero incidente processual da primeira, mas sim como uma nova perícia que, à exceção das limitações objetivas e subjetivas decorrentes do n.º 3 do artigo 487.º e do artigo 488.º do Código de Processo Civil, tem valor idêntico ao da primeira, não sendo nenhuma das perícias invalidadoras uma da outra, antes mantendo, pela sua natureza e valor, uma autonomia e dignidade probatória que justifica que seja tratado como meio probatório equivalente ao da primeira perícia.
Aliás, do próprio artigo 488.º do Código de Processo Civil decorre que “a segunda perícia rege-se pelas disposições aplicáveis à primeira…”, o que, salvaguardadas as ressalvas assinaladas naquele preceito, abrangerá também o respetivo regime recursório, ficando, por isso, sujeita ao regime da apelação constante da alínea d) do n.º 2 do artigo 644.º do Código de Processo Civil.
Em consequência, por ser recorrível (artigo 629.º n.º 1 do CPC), estarem em tempo (artigos 638.º n.º 1 do CPC) e terem legitimidade (artigo 631.º n.º 1 do CPC), admito o recurso interposto pelos recorrentes para o Venerando Tribunal da Relação do Porto, o qual é de apelação (artigo 644.º n.º 2 alínea d) do CPC), sobe em separado (artigo 645.º n.º 2 do CPC), de imediato (artigo 644.º n.ºs 3e 4 do CPC a contrario) e com efeito meramente devolutivo (artigo 647.º n.º 1 do CPC).»

§ 2º - Quanto ao mérito
Dado que o juiz julga secundum allegata et probata, sobre as partes recai o ónus de demonstrar a realidade dos factos que alegaram: art.º 341º e 342º do Código Civil (CC).
O direito à prova é um dos corolários do direito à tutela jurisdicional efetiva, de consagração constitucional: art.º 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
No que toca à realização de 2ª perícia, prescreve o art.º 487º nº 1 do CPC que ela pode ser pedida por qualquer das partes, “no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado”.
Ou seja, compete apenas à parte que indique as razões da sua discordância quanto ao resultado da primeira perícia.
E, como é entendimento jurisprudencial:
«III. A expressão adverbial "fundadamente", significa precisamente que as razões da dissonância tenham que ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia.
IV. Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexactidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira.» [1]
«II - Saber se os fundamentos e razões invocados têm razão de ser, é assunto que só depois da realização da nova perícia se pode colocar.» [2]
Também a doutrina considera que o que está em causa na segunda perícia é o suprimento de «eventual inexactidão (ou deficiência) das percepções dos peritos ou das conclusões, baseadas nos seus conhecimentos especializados, mas também de obter uma apreciação ou justificação diferente da emitida pelos intervenientes na perícia anterior». [3]
Logo na sua petição inicial que os Autores fizeram residir os graves danos causados no derrube da árvore, sem a eliminação da raiz, o que fez que ela se espalhasse no subsolo do prédio, a rebentar e a florescer novos pequenos ramos (artigos 15 a 18 e 26), considerando expressamente que para a reparação dos danos é necessário extrair e remover a totalidade raiz da árvore (artigo 31).
Quando requereu a perícia e apresentou as questões que pretendia ver respondidas, delas consta a questão do derrube da árvore, sem eliminação da raiz, que se entende ser a causa dos danos que se continuam a verificar. Assim, requereu-se que os Srs. Peritos se pronunciassem:
«I.II O derrube parcial da árvore, sem remoção da respetiva raiz, determinou que a raiz da árvore se espalhasse no sub-solo do prédio dos Autores (o único prédio que não se encontra impermeabilizado), sendo que da referida raiz passaram a rebentar e a florescer no prédio dos Autores novos pequenos ramos, do mesmo género (choupo) e a progressão da referida raiz determinou designadamente: o levantamento de todo o piso de circulação do logradouro do prédio dos Autores; a deterioração do poço e da cisterna; a deterioração dos muros, das paredes da casa e das dependências (anexos) e da garagem do prédio dos Autores? Bem como se encontra em risco de colapso a estrutura do poço e da cisterna, com a consequente derrocada, bem como de abatimento do jardim do prédio dos Autores? (…)
II. Para reparar os danos causados pela Ré no prédio dos Autores, é necessário designadamente:
II.I Extrair e remover a totalidade da raiz da árvore (choupo) que derrubaram, designadamente a que se encontra e que proliferou no sub-solo do prédio dos Autores;»
E, pelo menos no que toca ao 1º ponto, a perícia foi admitida.
Com pertinência para tal temática, resulta do relatório pericial o seguinte:
«Artigo 16.º - Além disso, esse procedimento inusitado (derrube parcial da árvore) determinou que a raiz da árvore se espalhasse no subsolo do prédio dos Autores (o único prédio que não se encontra impermeabilizado), sendo que da referida raiz passaram a rebentar e a florescer no prédio dos Autores novos pequenos ramos, do mesmo género (choupo).
Resposta: Embora não sejam técnicos da área agrícola/florestal, os peritos consideram que as raízes existentes à data do corte da árvore são as mesmas que existem actualmente. Existem alguns rebentos, que não passam disso mesmo, e que não têm origem no facto de a árvore ter sido cortada.
Artigo 17.º Sucede que a progressão da referida raiz determinou o levantamento de todo o piso de circulação do logradouro do prédio dos Autores; a deterioração do poço e da cisterna; a deterioração dos muros, das paredes da casa e das dependências (anexos) e da garagem dos Autores.
Resposta: Não se considera possível que após o abate, as raízes possam causar esses danos, principalmente num intervalo temporal tão curto.
Artigo 18.º Essa situação tem vindo a agravar-se, devido ao constante nascimento de novos rebentos provenientes da referida raiz, existindo o risco de colapsar a estrutura do poço e da cisterna, com a consequente derrocada, bem como de abatimento do jardim do prédio dos Autores. (cfr. doc. n.º 11 e 12 que se juntam).
Resposta: Não se considera possível que após o abate, as raízes possam causar esses danos, principalmente num intervalo temporal tão curto. Os rebentos existentes, aparecem na zona de jardim e não causam os efeitos descritos no quesito.»
Ou seja, os Srs. Peritos admitiram que tais questões não são do âmbito da sua especialização e limitaram-se a adiantar o “que consideravam ou não possível”, ou seja, emitiram uma opinião.
E, todos sabemos, as opiniões não são de molde a fundamentar a prova dos factos, ou só o serão em circunstâncias muito particulares, como no caso de peritos especializados na matéria, o que estes não são.
Daí que não colha a argumentação da decisão recorrida de que “(…) os mesmos Srs. Peritos são, contudo, especializados na área da engenharia civil e, por conseguinte, têm as qualificações técnicas adequadas a aferir dos efeitos do corte da referida árvore e das respetivas raízes deixadas no terreno na casa e no prédio dos autores (…)”, pois os próprios Peritos levantaram essa questão e se limitaram a opinar, advertindo “não serem técnicos da área agrícola/florestal”.
Assim, a justificação apresentada pelos Autores para requererem nova perícia está longe de ser bacoca, bastando atentar nos pontos 15 a 18, 26 e 31 da PI para se verificar que grande parte dos danos são imputados exatamente à falta de eliminação total da raiz da árvore.
Sendo o relatório pericial sujeito ao princípio da livre apreciação, é de atentar que a parte não sabe qual o valor probatório que lhe vai ser atribuído.
Sendo a “descoberta da verdade” e a “justa composição do litígio” os fins últimos do processo, perante uma situação de dúvida relativamente a uma questão fulcral a esse litígio, o valor da celeridade processual deve ceder e realizarem-se antes os meios probatórios que permitam colmatar todas as dúvidas possíveis.
Por isso, integrando as questões da área de especialização agrícola/florestal, e atentas as respostas dos Srs. Peritos, faz todo o sentido a realização de uma segunda perícia que possa contribuir para um melhor esclarecimento das questões suscitadas, designadamente as que constam das respostas aos quesitos 16 a 18 e 31 (i) do relatório pericial.
No despacho de admissão dos meios de prova não pode o juiz rejeitar um qualquer dos meios indicados pelas partes, com base na convicção pré-formada da sua relevância/eficácia para prova de determinado facto em concreto.
Nessa medida, é de considerar que a justificação apresentada integra o conceito de “fundadas razões de discordância” e, pour cause, que os Autores cumpriram o ónus que lhe impunha o art.º 487º nº 1 do CPC.

6. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC)
………………………………
………………………………
………………………………

III. DECISÃO
7. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que não seja de indeferimento.
Custas do recurso a cargo da Ré e da Interveniente, em partes iguais, face ao decaimento.

Porto, 04 de julho de 2024
Isabel Silva
Isoleta de Almeida Costa
António Paulo Vasconcelos
______________
[1] Acórdão do STJ, de 25.11.2004 (processo 04B3648), disponível em www.gde.mj.pt, sítio a considerar nos demais arestos citados sem outra menção de origem.
[2] Acórdão da Relação de Guimarães, de 06-02-2014 (processo 2847/05.2TBFAF-A.G1.
[3] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª. edição, revista, 1985, Coimbra Editora, pág. 598/599.