Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5209/20.8T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: CULPA IN CONTRAHENDO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RP202406185209/20.8T8MTS.P1
Data do Acordão: 06/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A culpa in contrahendo tem uma natureza mista, reclamando a aplicação de soluções próprias da responsabilidade contratual ou da responsabilidade aquiliana consoante a questão a resolver.
II - O prazo de prescrição aplicável a uma situação de responsabilidade por culpa in contrahendo será o de 3 anos, a que se refere o nº 2 do art. 227º, nº 2 do C. Civil, ainda que referida a contratos para os quais o respectivo regime prescreva prazos de prescrição mais curtos.
III - A anulação de uma sentença por omissão de pronúncia em relação a uma questão suscitada por uma das partes pode implicar a ampliação da decisão da matéria de facto em ordem a incluir a decisão sobre factos que possam constituir premissa da solução daquela questão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. 5209/20.8T8MTS.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Matosinhos - Juiz 2


REL. N.º 877
Juiz Desembargador Relator: Rui Moreira
1º Adjunto: Juiz Desembargador: Alberto Eduardo Monteiro de Paiva Taveira
2º Adjunto: Juiz Desembargador: Anabela Andrade Miranda


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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:



1 - RELATÓRIO

AA, , residente na Rua ..., ..., ... ..., ..., intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A... TRANSITÁRIOS LDA., com o NIPC ...10, com sede na Rua ..., ..., Matosinhos, entretanto integrada na B..., LDA., e contra C... COMPANY, S.A., com sede em ..., Suíça, peticionando a condenação das rés a pagarem-lhe a quantia de 14.010,98 Euros, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de incumprimento contratual, bem como os juros moratórios, à taxa legal de 4%, desde a citação até efetivo e integral pagamento e, ainda, as custas processuais.
Alegou ter celebrado com a 1.ª ré um contrato com vista à expedição e transporte de bens pessoais para o Brasil, tendo fornecido à mesma os elementos e documentos que oportunamente lhe foram solicitados por aquela ré, tendo tal contrato sido formalizado através da fatura ...12, de 11/04/2019, no valor de 1.580,00 Euros, na sequência do que a 1.ª ré celebrou com a 2.ª ré um contrato de transporte marítimo, titulado pelo Bill of Landing n.º ...77. Já após o embarque, a 1.ª ré informou que o consignatário indicado para a receção dos referidos bens pessoais não podia ser um particular, mas antes um agente NVOCC, com CNPJ, tendo, por conseguinte, as rés promovido o retorno dos bens expedidos a Portugal, com o que incumpriram as obrigações contratadas com o autor.
Alegou o incumprimento lhe determinou danos de natureza patrimonial, no valor global peticionado, correspondentes ao preço pela expedição dos bens não rececionados, ao valor que adicionalmente lhe foi pedido para levantamento da mercadoria em Portugal, o custo do recurso a um segunda sociedade transitária para o levantamento daquela mercadoria, os valores pagos ao despachante, os valores das viagens realizadas pelo autor ao Brasil para receção dos bens e, ainda, o valor das rendas pagas pela estadia naquele país. Sofreu também danos morais, consistentes no nervosismo, preocupação e tristeza pelo desconhecimento do paradeiro dos bens, pela burocracia com que teve que lidar – face aos entraves levantados por, alegadamente, a Alfândega brasileira não aceitar parte da carga (perfis de madeira) como bens pessoais, bem como pelo vexame de ter que pedir dinheiro emprestado à irmã para pagar as quantias pedidas para levantamento dos bens, danos morais esses que computou em 3.500,00 Euros.
Regularmente citada, a ré C... Company, S.A. contestou, em termos que agora não relevam, já que veio a ser absolvida da instância, por ilegitimidade, no despacho saneador.
A ré A... Transitários, Lda. também contestou, invocando a prescrição do direito indemnizatório peticionado pelo autor, em face do decurso do prazo de 10 meses, contados da conclusão da prestação de serviços contratualizada, a que alude o Decreto-Lei n.º 255/99, de 7 de Julho.
Sustentou ainda a caducidade da ação face ao decurso do prazo de 1 ano a contar da entrega das mercadorias ou da data em que as mesmas deveriam ser entregues, nos termos do artigo 3.º n.º 6 §4.º da Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras em matéria de conhecimentos de carga, assinada em Bruxelas a 25 de Agosto de 1924 e recebida no nosso direito interno pelo Decreto- Lei n.º 37.748, de 1 de Fevereiro de 1950.
Alegou, além disso, que o Bill of Landing foi preenchido em respeito pelas indicações fornecidas pelo autor, verificando-se que, quanto à identificação do Consignee e do Notify, tais indicações não obedeciam à legislação brasileira, por não poderem aqueles ser particulares, mas antes agentes NVOCC, com CNPJ (pessoa coletiva inscrita enquanto tal junto das autoridades alfandegárias brasileiras), não tendo o autor, pese embora tenha sido solicitado para tanto, indicado agente autorizado alternativo.
Acresce ter sido informada de que os perfis de madeira enviados pelo autor como bens pessoais poderiam não ser aceites pela Alfândega brasileira, o que obstou, ainda, a que os agentes NVOCC contactados pela ré com vista ao desembaraço da carga tivessem aceite a prestação do serviço.
Por esse motivo e para evitar a aplicação de coimas avultadas aplicadas pelas autoridades alfandegárias brasileiras e por ser a solução menos onerosa, a ré solicitou o retorno dos bens a Portugal, sendo a privação dos bens expedidos apenas imputável ao autor e ao despachante contratado pelo mesmo.
Impugnou, ainda, os danos invocados pelo autor, seja por desconhecimento, seja por falta de nexo com o incumprimento invocado.
Sustentou, em conclusão, que o incumprimento contratual verificado foi imputável ao próprio autor e ao despachante contratado pelo mesmo e terminou defendendo a improcedência da causa.
Saneado o processo e prosseguindo este para julgamento, veio a ser proferida sentença que concluiu pela culpa, quer do autor, quer da ré, pela incumprimento do contrato em causa. Todavia, foi declarada a prescrição do direito reconhecido ao autor, em razão do que a ré veio a ser absolvida de tudo quanto contra si vinha pedido.
É desta sentença que vem interposto recurso pela autor, que o termina formulando as seguintes conclusões:
A. Padece a decisão recorrida da nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC, por omissão de pronúncia quanto à matéria relativa à responsabilidade pré-contratual em que incorre a Recorrida, invocada nos artigos 14º, 25º, 26º, 29º, 30º, 31º, 32º, 34º, 35º, 36º, 37º, 52º, 53º, 54º, 61º, 98º, 102º, 103º, 104º, 105º, 106º, 107º, da Petição Inicial e nos artigos 5º a 11º do requerimento apresentado pelo Recorrente em 17-11-2021, por violação do disposto no artigo 608º, nº 2, do CPC e nos artigos 227º, nºs 1 e 2, 498º, nº 1, 562º, 563º, 564º, 566º, nº 1, 798º e 808º, todos do CC, pelo que deverá a ser revogada e ordenado o reenvio dos autos à primeira instância para apreciação do pedido formulado quanto à responsabilidade pré-contratual em que incorre a Recorrida, porquanto
B. Considerando que a sentença impugnada reconhece o direito invocado pelo Recorrente quanto ao incumprimento contratual imputado à Recorrida, seja na fase pré-negocial, seja aquando da celebração do contrato, seja no decurso da sua execução, mas que o declara prescrito à luz do prazo especial de prescrição previsto no artigo 16º do Decreto- lei nº 255/99, de 07-07, tal matéria assume crucial relevo para a boa decisão da causa e justa composição do litígio, uma vez que se encontram demonstrados os pressupostos da responsabilidade pré-contratual, nos termos do disposto nos artigos 227º, nºs 1 e 2, 562º, 563º, 564º, 566º, nº 1, 798º e 808º, todos do CC e que este direito não se encontra prescrito por força do disposto nos artigos 227º, nº 2 e 498º, nº 1, ambos do CC à luz dos factos provados nos pontos77º e 78º.
C. A sentença recorrida vê-se ainda inquinada de erro de julgamento da matéria de facto e de direito quando não julga verificados os pressupostos da responsabilidade pré-contratual em que incorre a Recorrida por não ter informado atempadamente o Recorrente da exigência contratual de o consignee ser uma pessoa colectiva, com a qualidade de agente certificado NVOCC com código SCAC, pré-estabelecida pela transportadora C... nas relações comerciais estabelecidas entre esta e a Recorrida antes da negociação e outorga do contrato em apreço nos autos, e que esta última, ciente e dolosamente ocultou ao Recorrente, determinando, por isso, o dever de indemnizar, atenta a tempestividade do exercício do direito, à luz do disposto nos artigos 227º, 498º, 573º, 762º, nº 2, 799º e 808º, todos do Código Civil (doravante CC);
D. Assim como errou o Tribunal a quo, seja em sede de apreciação da factualidade consolidada nos autos, seja em sede de subsunção jurídica, ao considerar prescrita a responsabilidade contratual da Recorrida, porquanto verificam-se os seus pressupostos, já que a Recorrida celebrou o contrato de transporte marítimo com a C... em nome próprio e por contado Recorrente, ao ter fornecido instruções iniciais de preenchimento do Bill of Lading indicando-se a si própria como Skipper e como Notify e Consignee a A... Brasil, sem conhecimento ou instruções do Recorrente, originando o dever de indemnizar, atenta a tempestividade do exercício do direito, à luz do disposto nas disposições conjugadas contidas nos artigos 266º, 268º, 269º e 270º, todos do Código Comercial e dos artigos 309º, 562º, 563º, 564º, 566º, nº 1, 798º, 799º, 808º, 1180º a 1184º, todos do Código Civil;
E. Outrossim, contrariamente ao decidido, inexiste concorrência de culpa do Recorrente no incumprimento defeituoso do contrato, seja na sua negociação, seja no seu D... Limitada cumprimento, encontrando-se demonstrada a integralidade dos danos sofridos pelo Recorrente e, consequentemente, deveria o Tribunal recorrido ter condenado a Recorrida no pagamento de todos os quanta indemnizatórios peticionados.
F. Com efeito, ainda que a sentença recorrida reconheça, e bem, a culpa da Recorrida, seja na negociação e celebração do contrato, seja na sua execução, a fls. 47 e seguintes da Fundamentação de Direito, o Tribunal a quo não apreciou a integralidade dos factos comprovados em sede de Audiência de Discussão e Julgamento e os meios de prova produzidos nos autos levam a que sejam aditados factos de crucial relevo para a boa decisão da causa e justa composição do litígio.
G. Nos termos do disposto no artigo 640º, nº 1, do CPC, são os seguintes os factos incorrectamente julgados: Factos provados: 17º, 26º, 33º, 35º, 37º, 44º, 59º e 68º; Factos não provados: 1º, 3º, 6º, 7º e 9º, devendo ainda ser aditados factos provados não considerados pelo Tribunal a quo;
H. Os meios de prova que impõem decisão diversa são, nos termos do disposto na alínea c), do nº 1, do artigo 640º, do CPC, os seguintes:
a. documentos nºs 4 e 13 juntos à Petição Inicial em 12-11-2020, com a Referência Citius 27329749, formulário 37122180; documentos nº 3, 4, 5, 6 e 12 juntos à Contestação da C... em 04-06-2021, com a Referência Citius 29113452, formulário 39078886; documentos 14,16 e 28 juntos à Contestação da Recorrida em 29-06-2021, Referência Citius 29338197, formulário 39310632, Referência Citius 29338196, formulário 39311608;
b. os depoimentos prestados pelas testemunhas
BB, que, aos costumes disse ter sido funcionário da C.... O seu depoimento ficou gravado na aplicação informática Habilus Media Studio com início às 11:42:13 h e fim às 11:59:49 h, correspondendo ao ficheiro Diligencia_5209- 20.8T8MTS_2023-10-09_11-42-13, nos segmentos constantes dos minutos 04:39 a 12:03, 14:10 a 16:14;
CC, que, aos costumes disse ser funcionário da C.... O seu depoimento ficou gravado na aplicação informática Habilus Media Studio com início às 12:00:05 h e fim às 12:14:14 h, correspondendo ao ficheiro Diligencia_5209-20.8T8MTS_2023-10-09_12-00-04, nos segmentos constantes dos minutos 02:37 a 07:55; 09:02 a 10:54 e 12:45 a 14:02;
DD, que, aos costumes disse ser funcionária da Ré. O seu depoimento ficou gravado na aplicação informática Habilus Media Studio com início às 14:26:59 h e fim às 15:16:47 h, correspondendo ao ficheiro Diligencia_5209-20.8T8MTS_2023-10-09_14-26-59, nos segmentos constantes dos minutos 01:19 a 10:21 e 12:01 às 13:54 e
c. as Declarações de Parte do Autor, Recorrente, à matéria dos artigos 1 a 7, 9, 14, 22, 23, 25, 29, 30, 39, 41 a 45, 47, 49, 50, 54 a 62 e 64 a 71, da petição inicial, cujo depoimento ficou gravado na aplicação informática Habilus Media Studio, com início às 15:24:32 h e fim às 16:27:48 h, correspondendo ao ficheiro Diligencia_5209-20.8T8MTS_2023-10-09_15-24-32, nos segmentos constantes dos minutos 00:43 a 44:06.
I. Os referidos meios de prova, concatenados entre si e à luz da demais factualidade dada como assente na sentença impugnada, deverão levar a que a decisão de facto seja alterada nos seguintes termos:
13A. A C..., em 27-06-2013, por mensagem de correio electrónico com a referência WWM0791, comunicou a todos os agentes, relativamente à outorga de contratos de transporte marítimo de bens pessoais tendo por destino o Brasil, com efeitos imediatos, a exigência de o consignatário ser uma pessoa colectiva, agente NVOCC certificado SCAC, por força dos riscos financeiros/legais enfrentados no Brasil.
13B. A C..., em 04-06-2019, na outorga de um contrato de transporte marítimo de bens pessoais, informou a Recorrida que, no caso de transporte marítimo de bens pessoais, reiterando o conteúdo da comunicação anterior com a referência WWM0791, mais referindo “Frete prepaid, shipper a constar no BL somente a A... no consignee um NVOCC. Preenchimento do termo de responsabilidade em anexo.”.
17. Por e-mail de 08/04/2019, o autor remeteu à A... a declaração dos bens a transportar e a declaração de valor dos mesmos devidamente assinados, tendo sido atribuído o valor total de € 2.875,00 (dois mil, oitocentos e setenta e cinco euros – correspondente à soma do valor declarado quanto aos bens carregados em cada um dos dois contentores, ou seja, € 2530,00 + € 345,00).
22A. Por e-mail datado de 12-04-2019, pelas 16h39, a Recorrida enviou instruções à C... para preenchimento do BL, com o seguinte teor: “Boa tarde, Vimos pelo presente enviar anexo instruções para BL, já enviadas por EDI, e cópia de DAE’s, referentes ao booking: .... Ficamos a aguardar o envio de draft do BL, logo que possível. Por favor efectuar o VGM por v/meios.”;
22B. Em 12/04/2019, 15h42, foram emitidas pela C... as Shipping Instructions quanto ao contrato C... ...44, com o navio C... ... e como identificação da carga Bens pessoais + perfis de madeira com a identificação seguinte: Skipper: A... Transitários; Consignee: A... Brasil; Forwarding Agent: A... Transitários; Notify: A... Brasil;
22C. Em 16/04/2019, 15h04, foram emitidas pela C... as Shipping Instructions quanto ao contrato C... ...44, com o navio C... ... e como identificação da carga Bens pessoais + perfis de madeira com a identificação seguinte: Skipper: A... Transitários; Consignee: A... Brasil; Forwarding Agent: A... Transitários; Notify: A... Brasil; e a identificação do Recorrente no quadro relativo a Marks and Numbers.
26A. A A... mandou rolar o booking para o navio seguinte, por mensagens de correio electrónico de 03-04-201914h47, 08-04-2019, 17h03, sem o prévio conhecimento e instruções do Autor.
33. Em resposta, EE informou, às 12h29, a A... que “A E... é escritório de despachante não tem pode constar como CONSIGNATARIO” e, ainda, às 12h39, que “O BL Master (C...) não era pra ser emitido em nome da A...? E a vocês emitirem um HBL para o AA e também para F...? Como nos foi enviado os drafts inicialmente? Pois somos uma comissária de despachos não podemos ser consignatário de cargas.”.
36A. Ainda em 30-04-2019, pelas 18h02, EE informa a Ré que: “Esta informação de não poderia ser pessoal particular deveria ter partido de vocês antes de ser fechada a carga, o problema está instalado verificando com a C... e o armador por aqui o que pode ser feito, porem reforço que não podemos colocar a E... como consignatário por sermos despachantes aduaneiros.”
36B. E a 03-05-2019, pelas 13h38, comunica que: “Acabo de falar com o FF (C...) e o mesmo informou que a forma mais rápida e pratica para resolver esta situação agora é a A... informar os dados e ficar como CONSIGNEE no BL da C... n.º ...77 e emitiria um BL house para o Sr. AA como já havia nos enviado anteriormente onde só precisa de ajuste na descrição da mercadoria e NCM informados”.
36C. Ao que a A... respondeu, nessa mesma data às 14h12, que: “Como já informara previamente a A... Brasil não poderá receber cargas, não tem essa especialidade. Da mesma forma que vocês não estão especializados para aceitação de bens pessoais eles também não aceitam. Apesar de sermos a mesma empresa mundial temos regras diferentes consoante cada país em que atuamos”,
37. No mesmo dia 03/05/2019, pelas 15h41, o autor respondeu, rejeitando a solução apresentada pela A...: «Uma solução por 6000 € ???? GG, um transporte e devolução de contentor de suape a minha residência custa no máximo dos máximos 1500 reais (350€), um despacho aduaneiro 1270 reais (e o que pago actualmente ao meu despachante) 300€. Tradutor e etc.... sei falar Brasileiro.... então, o valor apresentado (visto que exclui todo o resto) está 10 vezes acima do que seria normal ( e não considerando que um despacho de pessoa física tem metade da burocracia na Rf comparando com pessoa jurídica). Por favor, responda ao e-mail anterior e diga-me qual o problema em fazer o que indicou a C... ??????.»
44. A 09/05/2019, o autor indicou à A... um novo despachante no Brasil, a empresa G..., Lda., na pessoa de HH, o qual, a 10/05/2019, também comunica não conseguir “nenhum agente NVOCC que tenha SCAC code válido e que aceite desconsolidar objetos de uso pessoal/mudança. Continuo à procura. Peço que também tentem um acordo com a A... Brasil, para que aceitem , excepcionalmente, este embarque consignado ao Sr AA ou a uma empresa c/o ao Sr AA.”.

59. O autor viajou para o Brasil a 02/06/2019, a fim de estar presente aquando da chegada do contentor.
68. Com a viagem do autor para o Brasil, a 02/06/2019 e com o arrendamento da casa em ..., pretendia o autor entregar procuração e documentos ao despachante para a receção dos seus haveres pessoais.
1Bis. O autor, com o auxílio do seu despachante no Brasil, E... e HH, efetuou inúmeras chamadas para o Brasil, encetando contactos com a C... Brasil e outras sociedades de agenciamento de BL.
2Bis. O autor apenas teve acesso aos seus bens pessoais, no dia 30/09/2019.
3Bis. O que muito o vexou, já que não mais solicitara mútuos desde a aquisição da sua casa de morada de família, em Portugal.
6Bis. O autor passou noites a fio sem dormir.
7Bis. Atormentado, já nem esperava recuperar os seus haveres.
9Bis. A situação causou tristeza ao autor.
J. Destarte, da conjugação dos factos provados 4º, 5º, 7º, 8º, 9º e 20º, extrai-se que o Recorrente, com base na proposta apresentada pela Recorrida, em 25-03-2019, a pedido daquele em 22-03-2019, contratou com a Recorrida um contrato de prestação de serviços para transporte internacional multimodal dos seus bens pessoais; desde a sua residência, sita na Rua ..., ..., ..., com destino ao porte de Suape, no Brasil; na modalidade DAP (Delivered at Place, ou seja, até ao fim do transporte marítimo e do desembarque, nos termos do Incoterms); com datas previstas de saída em 08-04-2019 e de chegada em 22-05-2019, e sendo o transporte marítimo efectuado no navio C... ....
K. Ora, no ponto 13º é dado por assente que, em 01-04-2019, a Recorrida solicitou ao Recorrente e ao EE as instruções para a emissão do Bill of Lading, informando expressamente o Recorrente da circunstância de não poder ser uma pessoa individual; no ponto 18º é dado como provado que os bens pessoais do Recorrente foram carregados na sua residência em 08-04-2019; nos pontos 19º e 21º, é dado por assente que em 11-04-2019, a Recorrida emitiu a factura, com o preço de € 1.580,00, pago nessa mesma data, e com as Condições Gerais de Prestação de Serviços pelas Empresas Transitárias ai exaradas, ou seja, o contrato foi celebrado nessa data; no ponto 30º, é dado por assente que a 30-04-2019, pelas 11h30, a Recorrida solicitou a manifestação do CNPJ válido para efeito de designação de consignatário, não podendo ser uma pessoa individual, referindo que o consignatário indicado era o Recorrente, na senda da factualidade exarada no ponto 15º; no ponto 31º, é dado como provado que, nesse mesmo dia, passados 52 minutos, ou seja, pelas 12h22, a Recorrida alterou no Bill of Lading o consignatário, passando a constar o Despacho Aduaneiro E..., inicialmente indicado como Notify, sendo que no ponto 33º, é dado como provado que o II informou, na mesma data, da impossibilidade de o E... constar como consignatária, por se tratar de comissária de despachos, questionando se o BL não era para ser emitido em nome da A..., a aqui Recorrida e agora B...; no ponto 34º, consta como provado que, em 30-04-2019, pelas 12h45, a Recorrida informou que a A... no Brasil não aceitava cargas pessoais, solicitando de novo a indicação do consignatário e respectivo CNPJ, sendo que a 06-05-2019, acrescenta a Recorrida que deve ser o Recorrente a indicar as instruções para preenchimento do BL, e que as instruções dadas pelo agente do Recorrente foram recusadas pela companhia marítima, aguardando assim instruções válidas desde 01-04-2019.
L. Só que, no ponto 42º, é dado como provado que a 08-05-2019, a C... informou a Recorrida que para o transporte de bens pessoais para o Brasil, necessitavam de consignee NVOCC que tenha SCAC Code, e no ponto 62º, é transcrita a comunicação da Recorrida quanto à ordem de retorno da carga por si dada à C..., dado que, até ao momento, o Recorrente não havia indicado um agente NVOCC válido, acrescentando que a consignação do BL a um agente NVOCC é uma exigência da Alfândega Brasileira desde Recorrida que os transportes de bens pessoais apenas seriam prestados com a indicação de pessoa colectiva certificada agente NVOCC (Non Vessel Operator Common Carrier), ou seja, transportadores comuns que não operam navios, com código SCAC (Standard Carrier Alpha Code), i.é., Alpha de Transporte Standard, ou seja, 6 (seis) anos antes da negociação, celebração e execução do contrato em causa nos autos, exigência contratual este aceite pela Recorrida e que lhe foi recordada em 04-02-2019, ou seja, um mês e meio antes da negociação do contrato outorgado entre Recorrente e Recorrida, conforme se extrai dos documentos 3 e 4 juntos à contestação apresentada pela C....
N. Aliás, o documento 12, fls. 41, apresentado pela C..., consistente numa mensagem de correio electrónico datada de 30-04-2019, pelas 11h28, dimanada do funcionário da C... CC e que foi dirigida ao funcionário da Recorrida JJ, esclarece que o problema não residia no tipo de bens pessoais carregados, mas no facto de o consignatário ter de ser uma pessoa colectiva credenciada e certificada.
O. Sobre tal factualidade, a sentença é totalmente omissa, nomeadamente em sede de fundamentação de facto, quando tal factualidade assume crucial relevo para a boa decisão da causa e justa composição do litígio, porquanto demonstra que a Recorrida, em data anterior à negociação e outorga do contrato com o Recorrente, bem sabia que a C... apenas aceitava o transporte marítimo de bens pessoais se a carga fosse consignada a um Agente NVOCC certificado com o código SCAC.
P. A Recorrida, ciente e dolosamente, omitiu tal circunstância ao Recorrente, apenas lhe solicitando em 01-04-2019 a indicação de um consignatário pessoa colectiva com CNPJ válido, sem explicitar o porquê e, sobretudo, sem mencionar a necessidade de ser consignado a um agente NVOCC certificado, deixando que a mercadoria embarcasse com um BL emitido e consignado a uma pessoa singular ainda que dotada de CPF.
Q. Tão-somente em 08-05-2019, e quando recordada pela C..., é que esta informa o Recorrente de tal exigência, totalmente desconhecida por este, e sem obrigação de a saber, atenta a sua qualidade de consumidor.
R. Ditam as regras da experiência comum e da normalidade do acontecer que a consignação a um agente NVOCC certificado implica um custo acrescido, por força da prestação dos respectivos serviços, como, de resto, deflui da proposta apresentada pela Recorrida e dada como provada no ponto 36º, representando um acréscimo de preço de pelo menos € 5.248,88, o que levou o Recorrente a recusar tal proposta, conforme consta do ponto 37º dos factos provados, alterado nos termos acima propugnados, atento o teor do documento 16 junto com a contestação da Recorrida.
S. Com efeito, não é de olvidar que os bens pessoais do Recorrente tinham o valor de € 2.875,00 (dois mil, oitocentos e setenta e cinco euros – correspondente à soma do valor declarado quanto aos bens carregados em cada um dos dois contentores, ou seja, € 2530,00 + € 345,00), conforme resulta do documento 4 junto com a petição inicial, factualidade esta que deverá ser aditada ao ponto 17º dos factos provados nos termos acima concretizados.



T. Aliás, deflui novamente das regras da experiência comum que, o Recorrente não aceitaria outorgar um contrato de transporte pelo custo total de € 6.778,88 (seis mil, setecentos e setenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos), correspondente ao valor da factura paga à Recorrida, acrescida dos serviços do Agente NVOCC, por representar mais do dobro do valor dos bens a transportar, já que é consabido que o preço efectivo do transporte constituiu um elemento essencial da celebração do contrato, integrando o sinalagma a prestar pelo expedidor e mandante do transporte.
U. A Recorrida, sabedora de tal exigência, sonegou essa informação ao Recorrente, de forma consciente e dolosa , pretendendo, manifestamente, obter um incremento ao valor ao serviço e, assim, locupletar-se à custa deste, que apenas no decurso da presente acção obteve conhecimento dessa exigência prévia da C..., por força da apresentação da sua contestação e da junção da documentação acima convocada.
V. Reforça a indiciadora má-fé em que actuou a Recorrida ao longo da relação contratual a circunstância de ter comunicado ao Recorrente que o C... ... havia omitido a sua escala em ... – facto provado 26º –, quando deflui do documento 12 junto à contestação da C... que foi a Recorrida, através do seu funcionário JJ, quem solicitou à transportadora, por mensagens de correio electrónico datadas de 03-04-2019, 14h47, 08-04-2019, 17h03, que esta rolasse o booking para o navio seguinte, sem apresentar qualquer justificação ou instrução/conhecimento do Recorrente nesse sentido, ainda que tal atrasasse a cabal execução do contrato, tudo isto suportando o aditamento do facto 26A.
W. A cronologia da troca de correspondência é crucial para a cabal percepção dos factos relativos à indicação do consignatário, em consonância, de resto, com a sistemática ensaiada pelo Tribunal a quo, pelo que o ponto 33 foi complementado com o teor do e-mail de resposta apresentado por EE e constante do documento 13 junto à petição inicial,, demonstrativo que este interagiu prontamente, no lapso de 10 minutos, à exigência feita pela Recorrida, questionando ainda por que motivo o consignee não era a A..., como inicialmente referido.
X. Ademais, e pelos mesmos motivos, foi o ponto 35º dos factos provados complementado com o teor das subsequentes mensagens de correio electrónico constantes do documento 13 junto à PI, endereçadas pelo EE à Recorrida, datadas de 30-04-2019, pelas 18h02, em que aquele a questiona, sobre o porquê de tal informação não ter sido transmitida antes do fecho da carga e do início da viagem marítima, e de 03-05-2019, pelas 13h38, em que refere que a solução de ser consignada à A... foi apresentada pela C..., mas que, por email das 14h12 a Recorrida descartou com o fundamento de a A... Brasil não a aceitar, ainda que pertencente à mesma empresa a nível mundial,
Y. Factualidade esta que, conjuntamente àquela constante do ponto 44º dos factos provados, na versão completada pela integralidade da comunicação dirigida à Recorrida pelo despachante HH e constante do documento 14 junto à contestação da Recorrida, demonstra a má-fé em que esta actuou.
Z. A factualidade referente à exigência de um Agente NVOCC certificado foi, de resto, corroborada pelas testemunhas inquiridas nos autos, quais sejam: i. CC e BB, funcionários da C..., que esclareceram que a C... havia remetido a todos os seus clientes, nomeadamente, agentes transitários que, no caso de bens pessoais com destino ao Brasil, as cargas tinham de ser consignadas a empresas transitárias, facto este que, no caso concreto, terá sido transmitido à Recorrida antes do navio sair de ... e que explicaram que, enquanto o navio se encontrava em alto mar, era possível alterar o BL; ii., funcionário da C..., por sua vez, confirmou as declarações da Testemunha CC; iii. e ainda DD, funcionária da Ré, que confirmou que era obrigatória a indicação de um agente NVOCC como consignatário, por exigência comunicada pela C... em 2013, mas que acrescentou que tal tinha sido imediatamente comunicado ao Recorrente, por e-mail, quando as correspondências electrónicas juntas aos autos e acima invocadas demonstram que apenas o foi em 08-05-2019, conforme se deu como provado no ponto 43º, o que não corresponde à verdade e é bem elucidativo da má-fé com que a Recorrida actuou, actua e litiga.
AA. Ademais, o Recorrente confirmou a factualidade ora alegada, de forma credível, não obstante as reticências levantadas pelo Tribunal a quo, conquanto os seus dizeres surgem confirmados pela documentação constante dos autos e pelas testemunhas inquiridas.
BB. Por outro lado, os documentos 5, 6 e 12, página 47, juntos pela C..., demonstram que:
i. por e-mail datado de12-04-2019, pelas 16h39, o funcionário da Recorrida JJ enviou instruções à C... para preenchimento do BL da carga dos bens pessoais do Recorrente;
iii. em 12/04/2019, 15h42, foram emitidas pela C... as seguintes Shipping Instructions quanto ao contrato C... ...44, com o navio C... ... e como identificação da carga Bens pessoais + perfis de madeira: Skipper: A... Transitários; Consignee: A... Brasil; Forwarding Agent: A... Transitários; Notify: A... Brasil e em 16/04/2019, 15h04, foram emitidas pela C... Shipping Instructions quanto ao contrato
CC. Ou seja, a Recorrida forneceu instrução à C..., após o dia 01-04-2019 e após a outorga do contrato com o Recorrente mas antes da mercadoria embarcar, consignando os bens pessoais à A... Brasil, contrariando, assim, toda a informação subsequentemente prestada quanto à impossibilidade de a A... Brasil ser designada como consignee, factualidade esta que não era do conhecimento do Recorrente, ocultada que foi ciente e dolosamente pela Recorrida, e que só foi descoberta porque o Recorrente demandou, cautelarmente, a C....
DD. Esta materialidade reforça, novamente, a má-fé com que a Recorrida negociou, celebrou e executou o contrato com o Recorrente, revelando que a Recorrida actou, junto da transportadora, na outorga do contrato de transporte marítimo, para além das instruções dadas pelo Recorrente e à sua revelia, agindo em nome próprio, ainda que por conta do Recorrente, dando o dito por não dito a posteriori e solicitando a alteração do BL com a menção do Recorrente como consignee, bem sabendo que tal instrução nunca seria aceite pela transportadora,
EE. E foi essa actuação que levou a que a C... recusasse a validade do BL, de forma a responsabilizar o Recorrente pela não concretização do contrato e ordenar o retorno da carga com os custos adicionais que lhe imputou e que este se viu compelido a custear a fim de reaver os seus bens pessoais.
FF. Do esforço recursivo ensaiado, contrariando a fundamentação jurídica construída pelo Tribunal a quo que co-responsabiliza, em 50%, o Recorrente por ter-se indicado a si próprio como consignee, mantendo tal informação ainda que alertado para tal em 01-04-2019, conclui-se pela culpa única e exclusiva da Recorrida no retorno dos bens pessoais do Recorrente, seja porque sonegou, desde sempre, a necessidade de o consignatário ser um agente NVOCC certificado quando era do seu pleno conhecimento antes da outorga do contrato, seja porque alterou as instruções dadas por preenchimento do BL em que figurava a A... Brasil bem sabendo que tal levaria a que a transportadora recusasse o novo BL, seja porque aceitou proceder ao carregamento dos bens pessoais e iniciar o transporte marítimo bem sabendo que seria impossível desembarcar a carga.
GG. Ademais, a Recorrida, ao ter iniciado a prestação de serviços e permitido o carregamento dos bens pessoais ainda que soubesse que as instruções dadas para preenchimento do BL eram incorrectas, como o Tribunal a quo acabou por consenti-lo, foi a única responsável pelo incumprimento do contrato, por motivos anteriores à sua outorga e início de execução, pelo que actuou com culpa exclusiva, a qual, de resto, se presume.
HH. Quanto à resposta dada aos pontos 59º e 68º, resulta precisamente do documento 28, junto com a contestação da Recorrida, que o Recorrente se deslocou ao Brasil para receber a mercadoria e resolver o problema criado, nomeadamente, entregando a documentação necessária para o efeito à entidade referida no ponto 49º dos factos provados, não se consentindo que não sejam indemnizáveis seja as despesas de deslocação, seja de estadia no Brasil, mais a mais quando se dá como provado que o Recorrente suportou tais despesas, pelo que deverá a referida matéria ser alterada em conformidade com o acima sufragado.
II. Finalmente, os factos não provados deverão merecer resposta positiva e serem dados por assentes, seja porque surgem corroboradas pela prova documental (nomeadamente, a profusa troca de correspondência electrónica junta aos autos) e que foi dada como provada, seja porque o Recorrente depôs a tal respeito com credibilidade, sendo manifesto que nunca pretendeu enriquecer a custo do presente pleito, antes pretendendo ser ressarcido dos danos por si sofridos.
JJ. Quanto ao ponto 3º, considerando o facto provado no ponto 76º e o disposto nos artigos 279º, alínea a) e 306º, nº 1, ambos do CC, deverá o mesmo ser dado como provado, mais a mais considerando as declarações de parte prestadas pelo Recorrente (minutos 21:47 a 22:15).
KK. Quanto aos danos morais padecidos pelo Recorrente, deverão merecer a tutela do direito, atenta a sua extensão e gravidade, assim como todo o contexto que rodeou os factos, mormente considerando a má-fé com que actuou a Recorrida, já que surgem comprovados pelas declarações prestadas pelo Recorrente, devendo a factualidade a estes respeitante ser dada como provada.
LL. Aqui chegados, considerando a factualidade resultante da impugnação da matéria de facto ou, sem prescindir, os factos dados como provados na sentença recorrida, assim como a fundamentação de facto que levou à conclusão extraída pelo Tribunal a quo quanto à violação dos deveres contratuais por parte da Recorrida, dúvidas não restam que esta violou os deveres de informação e de protecção do cliente – o aqui Recorrente – que sobre si recaem, de forma dolosa, ciente e de má-fé,
MM. O que de resto se conclui da circunstância de, não obstante saber que as instruções fornecidas para preenchimento do Bill of Lading, no que atine ao consignatário, não serem aceites pela transportadora, ter permitido o embarque dos bens pessoais do Recorrente no navio.
NN. Com efeito, o contrato apenas foi formalizado em 11-04-2019, e o navio zarpou no dia 27-04-2019, sendo que em 01-04-2019 comunicou ao Recorrente a informação – falsa – de que o consignatário tinha de ser uma pessoa colectiva dotada de CNPJ válido, quando bem sabia da exigência da C... quanto ao consignatário ser um Agente NVOCC com código SCAC, desde pelo menos 2013 e reiterado em 04-02-2019, ou seja, um mês e meio antes da negociação do contrato em apreço nos autos.
OO. E fê-lo, como a sentença outrossim o consigna, em violação dos artigos 8º, nº 1, 10º e 14º do contrato outorgado com o Recorrente.
PP. Tal circunstancialismo obstou à concretização do transporte e levou ao retorno dos bens pessoais do Recorrente, que, repete-se, apenas e pela primeira vez, soube dessa exigência em 08-05-2019, já os bens pessoais haviam embarcado e se encontravam em alto mar;
QQ. Sendo consabidas as dificuldades e custo de contratação de um agente NVOCC, o custo de tal prestação de serviços, em muito superior ao valor dos bens pessoais transportados, sempre a Recorrida deveria ter obstado ao embarque da mercadoria, resolvendo o contrato outorgado com o Recorrente.
RR. O Tribunal a quo não ponderou, nem integrou tal factualidade ao direito, nomeadamente, no instituto da responsabilidade pré-contratual, quando se verificam manifestamente os seus pressupostos: o facto, a ilicitude do facto, a culpa que se presume, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano -, os quais foram dados como provados na sentença recorrida.
SS. Ao decidir como decidiu, violou a decisão recorrida as disposições conjugadas contidas nos artigos 227º, 498º, 573º, 762º, nº 2, 799º e 808º, todos do CC.
TT. Nesta confluência, a sentença impugnada deverá ser revogada e substituída por Acórdão que, em conformidade, condene a Recorrida a indemnizar o Recorrente pelos prejuízos por si sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a citação da Recorrente até efectivo e integral pagamento, ou, o que por mera hipótese de raciocínio se concebe, sem conceder, no quantum a fixar por V. Ex.ªs, Venerandos Senhores Juízes Desembargadores, atento o facto de o direito accionado não se encontrar prescrito, por não ter decorrido o prazo previsto no artigo 498º, nº 1, do CC.
UU. Acresce que a Recorrida, aquando da outorga do contrato de transporte marítimo com a C... e no envio das instruções para preenchimento do Bill of Lading, agiu em nome próprio ainda que por conta do Recorrente.
VV. Nesta confluência, o contrato outorgado entre Recorrente e Recorrida será subsumível à última disciplina legal indicada, ou seja, aquela constante das disposições conjugadas contidas nos artigos 266º, 268º, 269º e 270º, todos do Código Comercial e nos artigos 309º, 562º, 563º, 564º, 566º, nº 1, 798º, 799º, 808º, 1180º a 1184º, todos do CC,
WW. E o referido regime será aplicável ainda que no decurso da execução do contrato a Recorrida tenha promovido a alteração das instruções de preenchimento do BL, passando a agir em nome e por conta do Recorrente.
XX. Logo, é manifesto que errou o Tribunal a quo ao sujeitar a presente species facti à disciplina do Decreto-Lei nº 255/99, de 07-07, nomeadamente, ao seu artigo 16º, e que considerando o quadro legal efectivamente aplicável, o prazo de prescrição é o prazo comum de 20 anos previsto no artigo 309º do CC, pelo que o direito do Recorrente não prescreveu.
YY. Verificando-se os pressupostos da responsabilidade civil contratual da Recorrida – o facto, a ilicitude do facto, a culpa que se presume, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano –, seja nos termos da factualidade apurada em sede de impugnação da matéria de facto, seja à luz da sentença proferida nos autos, ao abrigo do disposto nos artigos 266º, 268º, 269º e 270º, todos do Código Comercial e nos artigos 309º, 562º, 563º, 564º, 566º, nº 1, 798º, 799º, 808º, 1180º a 1184º, todos do CC, deverá a Recorrida ser condenada no pagamento ao Recorrente da indemnização por si peticionada, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a citação da Recorrente até efectivo e integral pagamento, ou, o que por mera hipótese de raciocínio se concebe, sem conceder, no quantum a fixar por V. Ex.ªs, Venerandos Senhores Juízes Desembargadores.
ZZ. Ao decidir como decidiu, violou a decisão recorrida as disposições conjugadas contidas nos artigos 266º, 268º, 269º e 270º, todos do Código Comercial e nos artigos 309º, 562º, 563º, 564º, 566º, nº 1, 798º, 799º, 808º, 1180º a 1184º, todos do CC, assim como nos artigos 15º e 16º, do Decreto-Lei nº 255/99, de 07-07.
TERMOS EM QUE, Na procedência dos argumentos ora esgrimidos, deverá a sentença proferida ser revogada, assim se fazendo A COSTUMADA JUSTIÇA!!!
*

A ré ofereceu resposta ao recurso, defendendo a confirmação da sentença recorrida. Alegou que o autor jamais fundou a sua pretensão no regime da responsabilidade pré-contratual que agora alega, pelo que em nenhuma omissão de pronúncia incorre a sentença. No mais, refere o acerto do decidido.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Foi, depois, recebido, nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
*

Invoca a recorrida a prolixidade das conclusões de recurso, sugerindo a utilidade do convite ao aperfeiçoamento das mesmas.
Apesar de ser acertada a sua avaliação, afigura-se-nos que as conclusões apresentadas acabam por ser inteligíveis, não tendo prejudicado o exercício do direito de resposta ao recurso, não se justificando agora dar uma nova oportunidade ao recorrente para concretizar as questões para as quais pretende uma nova apreciação.
Atentar-se-á, assim, no enunciado contendo o que a apelante apelida de conclusões, dali se extraindo o que se lograr identificar como questão a reapreciar.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. art. 639º e nº 4 do art. 635º, ambos do CPC).
Do enunciado apresentado pela apelante, conseguem identificar-se as seguintes questões:
- Se a sentença é nula por omissão de pronúncia quanto à matéria relativa à responsabilidade pré-contratual (“em que incorre a Recorrida por não ter informado atempadamente o Recorrente da exigência contratual de o consignee ser uma pessoa colectiva, com a qualidade de agente certificado NVOCC com código SCAC, pré-estabelecida pela transportadora C... nas relações comerciais estabelecidas entre esta e a Recorrida antes da negociação e outorga do contrato em apreço nos autos, e que esta última, ciente e dolosamente ocultou ao Recorrente…”).
- Se o direito do autor, fundado em responsabilidade pré-contratual da ré, não resulta prescrito, por lhe não ser aplicável o regime do Decreto-Lei n.º 255/99, de 7 de Julho.
- Se devem ser tidos por não provados os factos dados por provados sob os itens 17º, 26º, 33º, 35º, 37º, 44º, 59º e 68º e como provados os ajuizados negativamente sob os itens 1º, 3º, 6º, 7º e 9º; e se devem ainda ser aditados outros factos que concretiza;
- Se deve concluir-se por culpa exclusiva da ré, na fase pré-contratual e na execução do contrato, não se lhe aplicando o regime do referido DL, em consequência do que não ocorre a prescrição dada por verificada.
*

A decisão das questões identificadas supra torna útil a atenção à matéria apreciada pelo tribunal recorrido, que consta do seguinte:
Factos Provados
Com relevância para a decisão de mérito da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. A A... era uma sociedade comercial que tinha por objeto social a “actividade de transitário consistindo na prestação de serviços de natureza logística e operacional que inclui o planeamento, o controlo, a coordenação e a direcção das operações relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias por via aérea, marítima, rodoviária ou qualquer outro meio de transporte”.
2. O autor iniciou, em data não concretamente apurada, atividade profissional em ..., no Brasil,
3. Deslocando-se ali frequentemente, com estadias de 2 a 4 meses.
4. Por esse motivo, decidiu proceder à expedição para o Brasil de bens pessoais, consistentes em mobílias de quarto e sala e foros decorativos de aglomerado para forrar paredes e chão.
5. Para tal, optou por recorrer a uma empresa de logística de transportes/transitária.
6. O autor, em representação da referida sociedade comercial H..., Lda., já havia solicitado os serviços da A... para efetuar exportação de mercadorias em nome da referida empresa e tendo como destinatária uma empresa de que é titular no Brasil.
7. A 22/03/2019, solicitou a, pelo menos, 2 empresas transitárias orçamentos/cotações para o transporte terrestre e marítimo daqueles bens pessoais, em contentor – e a par de um segundo contentor com mercadoria comercial –, desde ..., ... até ao Porto de Suape, em ..., Brasil, tendo obtido resposta da ré A... e da sociedade I....
8. A 25/03/2019, a A... remeteu ao autor o e-mail de resposta com a proposta de cotação com o seguinte teor:
“(…) No seguimento do solicitado, envio abaixo n/ cotação para 1x20’ de bens pessoais da ... até ao porto de Suape. .../Suape port: Eur 1580,00
Inclui: Transporte Terrestre (.../...); Transporte Marítimo (.../Suape); Despesas portuárias na origem; VGM
Não inclui: Seguro; Despesas portuárias no destino; Despacho de Exportação e de Importação; IVA; Embalamento; Manuseamento; Verificações Físicas e Armazenagens (caso ocorram); Outros trâmites aduaneiros (caso sejam necessários). (…)”.
9. A proposta da A... foi aceite pelo autor, que adjudicou àquela a organização do transporte dos dois contentores, um contendo carga comercial e, o outro, com bens pessoais.
10. A fim de agilizar os contactos, a 29/03/2019, o autor solicitou a EE, despachante no Brasil e funcionário da sociedade E..., que verificasse junto dos serviços administrativos da A... se a documentação necessária ao transporte dos seus pertences havia sido entregue, no intuito de permitir o “desembaraço”/desembarque da carga no destino.
11. No mesmo dia 29/03/2019, o referido EE remeteu à A..., por e-mail, os seguintes elementos:
- Documentos de identificação civil portugueses e brasileiros, porquanto o autor é portador do “registo geral” n.º 10.688.509;
- Packing list/lista de embarque dos bens a transportar;
- Comprovativo de morada em Portugal e no Brasil.
12. Da lista de mercadoria enviada à A..., 23 dos 49 volumes de carga estão identificados como “perfil de forro/piso imitação madeira”.
13. A 01/04/2019, às 11h52m e às 11h58m, a A... solicitou ao autor e a EE, respetivamente, instruções para a emissão do Bill of Landing, expressamente informando o autor que “no Consignee e Notify não poderá ser uma entidade individual”.
14. EE, no mesmo dia 01/04/2019, pelas 16h05m, remeteu um e-mail à A... com as seguintes instruções:
“(…)
Para a proforma FP ...
Shipper: H..., Lda
Rua ... Letra ..., Apartado ...0 – ... ...
Contribuinte Nº PT-...30
Telefone: ...44
Fax: ...20
Consignee:
F... LTDA
Rua ... – ... – ... – PE – Brasil
CNPJ: ...
Notify:
E...
Rua ... – ... – PE
Fone: ...11
Para a proforma FA 19/...55;
Shipper:
KK
Rua ..., ... ... – ...
Consignee:
KK
Rua ... – ... – ... – PE – Brasil
CPF: ...51-60
Notify:
E...
Rua ... – ... – PE
Fone: ...11 (…)”.
15. A 01/04/2019, pelas 16h45m, o autor remeteu um e-mail dirigido à A..., corrigindo as instruções para a emissão do Bill of Landing respeitante aos bens pessoais que haviam sido comunicadas por EE, com o seguinte teor:
“(…) Para o envio de bens pessoais será em nome de AA, conforme abaixo e paking list em anexo:
Shipper:
AA
Rua ..., ... – ... – ...
Consignee:
AA
Rua ... – ... – ... – PE – ...: ...71-39
Notifiy:
E...
Rua ..., ... – ... – PE
Fone: ...1 - ...23-...31 (…)”.
16. A 05/04/2019, a A... remeteu ao autor a seguinte informação que havia recebido do seu despachante:
“(…) Quote” Sendo assim teremos de fazer na mesma dois despachos. Porque ainda assim o soalho não pode ser considerado como bens de uso pessoal.
O que devemos fazer é um despacho para os bens pessoais, com a declaração de valor e classificando a mercadoria como tal. E fazemos outro despacho, também com declaração de valor (com os pesos e volumes e valor) para o pavimento, onde é classificado como tal.
“Unquote
Peço-lhe que nos envie duas packing lists separadas bem como duas declarações de valor.
(…)”.
17. Por e-mail de 08/04/2019, o autor remeteu à A... a declaração dos bens a transportar e a declaração de valor dos mesmos devidamente assinados.
18. A 08/04/2019, os bens pessoais do autor foram carregados, na sua residência.
19. A 11/04/2019, a A... emitiu a fatura n.º ...01, no valor de 1.580,00 Euros, sobre o autor, a qual foi paga pelo autor nessa mesma data.
20. As condições de venda estabelecidas foram as seguintes:
a) DAP Suave – delivery at place em Suape, Brasil;
- Com data prevista de saída em 08/04/2019 e data prevista de chegada a 22/05/2019;
- Com local de carga em Rua ..., ..., ... ..., e descarga em Suape;
- Incluindo como porto de saída de Aveiro e porto de chegada ..., sendo os bens pessoais do autor transportados no navio C... ...;
b) Freight all in: ou seja, inclui o frete e sobretaxas principais, por contentor ou ton/m3.
21. Em anexo à referida fatura foi junto documento denominado “Condições Gerais de Prestação de Serviços pelas Empresas Transitárias”, com o seguinte teor:
“(…) Artigo 2.º
Âmbito
Toda e qualquer prestação de serviços pelo Transitário, que tenha lugar no âmbito da actividade e do regime definido no respectivo estatuto jurídico aprovado pelo Dec. Lei n.º 255/99, de 7 de Julho, reger-se-á, salvo convenção em contrário, pelas presentes cláusulas contratuais gerais.
Artigo 3.º
Aplicabilidade
O Transitário deverá prestar os seus serviços de harmonia com as instruções do cliente, conforme acordado. Na falta de estipulação escrita de condições contratuais diferentes, o cliente, quer intervenha ou actue na qualidade de possuidor dos bens ou mercadorias, quer faça, ou não, na qualidade de agente ou representante de outrem, fica constituído perante o transitário nos direitos e obrigações que as presentes condições gerais estabelecem.
(…) Artigo 8.º
Instruções escritas
1. O cliente é obrigado a enunciar, por escrito, e de modo claro, preciso e completo, as instruções e as especificações das mercadorias respeitantes ao objecto de cada contrato.
2. O transitário, à data da recepção das instruções, deve proceder à sua análise com o fim de verificar a sua conformidade com os serviços que se tenha comprometido a prestar.
Artigo 9.º
Conferência das instruções
À recepção dos documentos emitidos pelo transitário, o cliente deve examiná-los cuidadosamente e assinalar imediatamente os eventuais erros ou divergências, por forma a que o transitário possa efectuar, em tempo, as necessárias rectificações.
Artigo 10º
Instruções inadequadas ou insuficientes
1. Caso se verifiquem nos documentos ou declarações do cliente, erros, inexactidões, insuficiências, ou falta de indicações necessárias à boa execução do contrato, nomeadamente quanto à natureza, valor, peso, medida ou conteúdo das coisas objecto do contrato, recairá sobre o cliente, toda a responsabilidade pelas consequências resultantes de tais anomalias.
2. Se o transitário se aperceber da existência de quaisquer anomalias ou irregularidades a que se refere o número anterior, das quais possam resultar responsabilidades e/ou prejuízos para qualquer dos contratantes ou para terceiros, deve de imediato informar o cliente, de modo a que essas anomalias ou irregularidades, possam ser sanadas em tempo oportuno.
3. Se as anomalias ou irregularidades previstas nos números anteriores não forem sanadas em tempo que permita ao transitário dar execução aos serviços que integram as suas atribuições, fica o mesmo legitimado a rescindir o contrato, ou a dar-lhe execução de acordo com o teor dos documentos e declarações do cliente, caso em que correm, por conta deste, todos os danos e responsabilidades que directa ou indirectamente resultem das referidas anomalias ou irregularidades.
4. No caso de mercadorias objecto de contrato de compra e venda, a não conformidade das instruções do cliente com as condições inerentes ao referido contrato será da responsabilidade do cliente.
(…) Artigo 14º
Instruções na movimentação de bens ou mercadorias
1. O transitário poderá promover outras operações igualmente por conta do contratante, nomeadamente a recolha ou armazenagem dos bens ou mercadorias, quer em obediência a instruções recebidas deste, quer pelo período em que dele aguarda instruções, quer ainda em consequência de interrupções ou adiamentos do transporte, devendo, em qualquer caso, informar, de imediato, o mesmo contratante.
2. Na falta de instruções especiais do contratante, o transitário utilizará as vias e meios que julgar convenientes ou possíveis para o encaminhamento dos bens ou mercadorias objecto do serviço que lhe tenham sido confiados.
Artigo 15º
Outras obrigações do transitário
O transitário só se obriga a promover trâmites ou formalidades junto das entidades competentes que expressamente lhe sejam solicitadas pelo cliente; em qualquer caso o transitário não responderá pelos prejuízos que possam resultar do indeferimento ou de demoras daquelas entidades ou de insuficiências nos elementos que, para o efeito, lhe tenham sido fornecidos pelo cliente.
(…) Artigo 22º
Limitação da Responsabilidade
1. O transitário responde perante o seu cliente pelo incumprimento das suas obrigações, bem como pelas obrigações contraídas por terceiros com quem hajam contratado.
2. A responsabilidade do transitário resultante dos contratos celebrados, é limitada pelos montantes estabelecidos, por lei ou convenção, para o transportador a quem seja confiada a execução material do transporte, salvo se for convencionado pelas partes outro limite.
3. Em qualquer caso a responsabilidade do transitário não será superior ao valor real do prejuízo ou ao valor dos bens ou mercadorias, se este for inferior.
(…) Artigo 25º
Prescrição do Direito de Indemnização
O direito de indemnização resultante da responsabilidade da empresa transitária prescreve no prazo de 10 meses a contar da data da conclusão da prestação do serviço contratado (…)”.
22. A A..., no âmbito das suas funções, acordou com a C... Company, S.A. o transporte via marítima da carga.
23. A 16/04/2019, a A... remeteu ao autor um rascunho do respetivo Bill of Landing emitido pela J..., no qual se identificava como “Shipper”, AA, como “consignee”, AA e como “notify party and address”, E....
24. Nem o autor, nem o despachante do autor fizeram qualquer comentário ao rascunho remetido pela A....
25. Por e-mail datado de 16/04/2019, sob o assunto “H... // Cotação ... – 196/19”, o autor refere:
“(…) Acho melhor mudar o nome dos perfis de madeira (vai dar problema na aduna de certeza), até porque não são perfis de madeira, quanto muito perfis de aglomerado e plástico.
Vejam se indicam o nome que vai no paking list (forro/piso de imitação de madeira) ou alguma coisa que não nos vai criar problemas… com a descrição que está da a entender que é mercadoria…”.
26. Por e-mail de 22/04/2019, a A... informou o autor de que o navio C... ..., onde deveriam seguir os bens pessoais do autor, omitiu a sua escala em ..., pelo que se viu a mesma obrigada a “rolar”/transferir a carga para a próxima saída de navio, no caso, o C... ..., com saída prevista para o dia 26/04/2019.
27. O autor a tal não se opôs.
28. Foi então emitido o Bill of Landing n.º ...77, pela C... Company, S.A., com data de saída a 27/04/2019.
29. Por e-mail de 29/04/2019, a A... confirmou ao autor o embarque dos seus bens pessoais e a saída do porto de ... a 27/04/2019 assim como a data de chegada prevista para 22/05/2019.
30. A 30/04/2019, pelas 11h03m, a A... remeteu e-mail a EE com o seguinte teor:
“(…) Por favor verifique informação da companhia:
QUOTE
Consignee
AA
Rua ... – ... – ... – PE – Brasil
CPF: ...71-39
Tel: ...03
Como bem sabem para o Brasil é obrigatório manifestar o CNPJ das entidades.
Informem com máxima urgência nova entidade coletiva (com CNPJ válido) e não uma pessoa individual.
A C... não se responsabilizará por multas no destino derivadas deste caso.
Pois, como sabem, é proibido manifestar pessoas individuais para o Brasil (…)”.
31. No mesmo dia 30/04/2019, pelas 12h22m, a A... remeteu novo e-mail a EE, informando que:
“(…) De modo a prevenir esta situação de custos alteramos o BL.
Trocamos o consignee pelo Notify sendo que assim já será permitido.
Peço-lhe que confirme o CNPJ por favor. (…)”.
32. No Bill of Landing passou a constar, além do mais:
“(…) Shipper:
AA
Rua ..., ... – ... – ...
Consignee:
E... – CNPJ: ...83 - TELM: ...1-...23-...11
Rua ..., ... – ... – PE
Fone: ...1 - ...23-...31
Notifiy:
AA – CPF: ...71-39
Rua ... – ... – ... – PE – Brasil
CPF: ...71-39 (…)”.
33. Em resposta, EE informou a A... que “A E... é escritório de despachante não tem pode constar como CONSIGNATARIO” e, ainda, que “O BL Master (C...) não era pra ser emitido em nome da A...? E a vocês emitirem um HBL para o AA e também para F...? Como nos foi enviado os drafts inicialmente? Pois somos uma comissária de despachos não podemos ser consignatário de cargas.”.
34. No mesmo dia 30/04/2019, às 12h45m, respondeu a A... a EE nos seguintes termos:
“(…) A A... no Brasil não aceita cargas pessoais pelo que não podemos enviar o BL Master para a A....
Logo na(ão) existirá BL Master. Contudo como já informei a companhia não permite que o consignatário seja um particular.
Pelo que questiono quem deveremos colocar como consignatário e qual o CNPJ. (…)”.
35. Pelas 14h55m, do mesmo dia, a A... remete novo e-mail ao autor com o seguinte teor:
“(…) Estive a verificar com os meus colegas e o serviço contratado à A... fora o serviço de transporte marítimo.
Teremos toda a disponibilidade para junto do despachante no destino emitir BL conforme o necessário e exigido pela alfândega Brasileira desde que nos instruam os elementos a mencionar.
Note que a C... nunca se recusou ao transporte de bens pessoais.
Caso pretenda temos agente/despachante de bens pessoais no Brasil que talvez nos possa ajudar no desalfandegamento.
Se entretanto conseguir a informação de quais os dados que possamos mencionar no BL de modo a que o desalfandegamento seja feito de forma benéfica por favor informe. (…)”.
36. No dia 03/05/2019, a A... remeteu ao autor e-mail com o seguinte teor:
“(…) Relativamente ao pedido que nos efetuara já haveremos encontrado uma solução.
Por favor verifique em baixo os valores para o serviço:
 Desembaraço da Mercadoria - 3.013,33€
Inclui: documentação, devolução do contentor vazio, retirada do porto/aeroporto, entrega do contentor na residência, traduções, consultoria sobre a documentação necessária para o desembaraço aduaneiro, presença de executivo multilingue durante a entrega
Excluí: taxa de corretagem/taxa sindical/processo de despacho aduaneiro US$750,00, taxas (se houver), demurrage, taxas portuárias, tais como armazenamento no cais, THC, Taxa Federal Marítima.
Armazenagem em nosso armazém, manuseio de armazém, entregas extras, serviços especiais (como içamento, escada), manuseio duplo devido a restrições de acesso, manipulação de piano, trabalho aos sábados, domingos e feriados, segundo pick-up, montagem de novos móveis ou qualquer mobiliário que requer ferramentas especiais e/ou instruções especiais, descarregando, desembalando, desembrulhando e removendo os detritos.
 Notas:
1. O processo de despacho aduaneiro (costums clearance) no Brasil leva entre 3-4 semanas e ssline apenas oferece 7 dias grátis para demurrage;
2. Custo estimados de porto, 2.235,55€, estão excluídos e acima mencionados.
Necessitamos da confirmação de aceitação das despesas via e-mail.
Caso exista adjudicação necessitamos que o serviço seja pago a pronto, assim como fora o frete.
Para um possível seguimento caso exista adjudicação por favor informe:
- Qual o tipo de visto do consignatário?
- Quem será responsável pelo pagamento de taxas portuárias e impostos? (…)”.
37. No mesmo dia 03/05/2019, pelas 15h41, o autor respondeu, rejeitando a solução apresentada pela A....
38. Pelas 16h26m, a A... informa o autor que a cotação que havia sido por este pedida incluía apenas a recolha do contentor em Portugal e o frete marítimo até ao porto de destino e que os serviços no destino não estavam incluídos aquando da adjudicação do autor à A....
39. A 06/05/2019, a A... remeteu novo e-mail ao autor com o seguinte teor:
“(…) Em seguimento ao seu e-mail e no sentido de esclarecer toda esta situação, informamos:
 O serviço oferecido pela A... não inclui serviços de destino pois o AA informou que seria tratado pelo vosso agente;
 Nesta conformidade, deve ser o AA ou o vosso agente na qualidade de vosso representante no destino a indicar-nos as instruções para preenchimento do BL;
 O vosso agente facultou informações que não podem ser aceites pela companhia marítima, pelo que a A... está a aguardar informação do vosso agente com instruções válidas para emissão de BL desde 01/04/2019, até ao momento não nos facultaram dados válidos;
 Neste sentido, a A..., a pedido do AA, facultou opções com um dos seus agentes no Brasil (especializado em bens pessoais), bem como o preço para efetuar os serviços de destino (Desalfandegamento de importação + Entrega)
Perante os valores facultados o AA poderá optar por:
1. Adjudicar o serviços e os valores inerentes por escrito à A... e efetuar o pagamento antecipado dos mesmos. Direitos e Taxas aduaneiras poderão ser cobrados diretamente pelo Agente Brasileiro no destino ao AA;
2. Não aceitar os valores e indicar-nos instruções válidas para emissão do BL, para podermos dar seguimento ao serviço inicialmente contratualizado que exclui serviços de destino; (…)”.
40. Respondeu o autor por e-mail do mesmo dia, nos seguintes termos:
“(…) Conforme também já foi mencionado diversas vezes, nunca solicitei serviço no destino, e continuo a não solicitar...
Volto a relembrar, solicitei cotação para um contentor com bens pessoais ..., entendo eu(não “expert” na matéria) que a condição CIF é o inclui o serviço de transporte até ao porto de destino, ficando por conta do destinatário (neste caso eu mesmo) todo o custo dai por diante. (…)”.
41. Ainda a 06/05/2019, o autor solicitou à A... que esta cedesse o embarque a outra transitária, a K..., Lda., o que foi recusado pela C....
42. No dia 08/05/2019, a C... informa a A... que:
«(…) “Personal effects” para o Brasil necessitam de consignee NVOCC que tenha SCAC Code (The Standard Carrier Alpha Code is a unique code used to identify transportation companies) (…)».
43. Por e-mail’s de 07/05/2019 e de 08/05/2019, a A... informou o autor de que a C... havia recusado a cedência do booking a outro transitário, exigindo a consignação a um agente NVOCC.
44. A 09/05/2019, o autor indicou à A... um novo despachante no Brasil, a empresa G..., Lda., na pessoa de HH, o qual, a 10/05/2019, também comunica não conseguir “nenhum agente NVOCC que tenha SCAC code válido e que aceite desconsolidar objetos de uso pessoal/mudança (…)”.
45. No dia 17/05/2019, a ré A... informou o autor ter um agente no Brasil, a empresa L..., que aceitavam o agenciamento do BL, na condição de efetuar, também, o desalfandegamento da mercadoria, atentas as responsabilidades que adivinham do facto de passar a figurar como consignatário da mercadoria.
46. Tal solução implicava que o autor pagasse 995$00 USD de agenciamento de despacho e mais 390,00 Euros de extensão de free time para o despacho.
47. Por e-mail de 17/05/2019, o autor comunicou à A... a aceitação da proposta.
48. No dia 20/05/2019, após análise da L..., a mesma informou a A... que não era possível àquela empresa efetuar o desalfandegamento do contentor, porque parte da carga, referente ao “forro/piso de imitação de madeira” é considerada comercial e não bens pessoais, o que foi transmitido ao autor, no dia 21/05/2019.
49. A 23/05/2019, a L... informa, novamente, a A... que:
“(…) Conversamos com o nosso despachante e eles nos deu as seguintes opções:
1 - Que o embarque retorne a Portugal imediatamente após a chegada a Suape. Apesar dos custos adicionais, seria a maneira mais segura de conseguirmos a entrada dos itens no Brasil. Após o retorno, os itens poderiam ser separados e embarcados individualmente ao Brasil. A parte de mudança poderia ser desembaraçada sem problemas. A parte dos pisos seria embarcada sob outra categoria.
2 - A tentativa de desembaraço da maneira que está. É altamente improvável que os itens sejam liberados dessa maneira. A partir do bloqueio, o cliente teria de contratar um advogado aduaneira para resolução. Há riscos de que a mercadoria seja confiscada.
O nosso despachante está buscando uma última alternativa em Suape, mas, com o que recebemos, é bastante improvável a liberação do container no Brasil. (…)”.
50. De forma a esclarecer o autor de todas as dúvidas, os contactos da L... foram fornecidas ao mesmo para que aquele os pudesse contactar diretamente.
51. A 27/05/2019, a L... informa a A... que:
“(…) Mesmo com a empresa no Brasil, não conseguimos realizar a importação dos perfis de madeira. Como eles não se enquadram em bagagem, seria uma importação comum. Veja comentário de nosso despachante:
Para Importação Comum, há uma série de procedimentos e exigências diferentemente de um processo de bagagem, além do RADAR. À princípio, note que não é permitida a importação de itens usados no Brasil, exceto para mercadorias e casos pontuais. Segue parte da legislação, apenas para conhecimento.
APURAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE PRODUÇÃO NACIONAL PARA FINS DE IMPORTAÇÃO DE BENS USADOS OU SUJEITOS AO EXAME DE SIMILARIDADE Conforme disposto no art. 15, alíneas d e e, da Portaria SECEX nº 23/2011, as importações sujeitas ao prévio exame de similaridade e as importações de máquinas e equipamentos na condição de usados estão sujeitas a licenciamento não-automático, previamente ao embarque dos bens no exterior.
As importações sujeitas ao prévio exame de similaridade (Decreto-Lei 37/66) e as importações de máquinas e equipamentos na condição de usados (art. 22.a.1 da Portaria Decex nº 8, de 13.05.91) estão sujeitas ainda à apuração de produção nacional, nos termos dos artigos 37 e 46 da Portaria SECEX nº 23/2011, respectivamente. (…)”.
52. Tendo a referida informação sido remetida ao autor, o mesmo, por e-mail enviado à A..., no mesmo dia 27/05/2019, respondeu:
“(…) Sim, disso eu tenho conhecimento, para bens usados necessitaria uma LI que nunca seria aprovada para os itens em questão, vamos esperar até segunda para ver o que a reunião com o fiscal. veja se me respondem aquelas questões entretanto p.f (…)”.
53. Ainda no mesmo dia 27/05/2019, o autor remeteu novo e-mail à A... com o seguinte teor:
“(…) Falei com o HH na Sexta, ele agendou reunião com o diretor dos fiscais da alfandega de Suape para a proxima segunda feira, irei estar presente e tentar que ele aceite o forro (pré autorização), caso isso se verifique seguimos com o que estava inicialmente previsto (agencia e fazer o despacho com a empresa L...). Na segunda a noite já lhe dou uma posição
(…)
Caso o contentor venha de volta para Portugal, necessito saber os custos, para avaliar como proceder (irei questionar também a possibilidade de abandonar/doar a carga) (…)”.
54. A 29/05/2019, a L... comunica à A... que não pretende constar como consignatária deste transporte, nos seguintes termos:
“(…) Acabei de ter um call com nosso despachante acerca de seus questionamentos, veja comentários abaixo:
Conseguiu verificar a possibilidade de o container descarregar em armazém alfandegado, desembaraçar os bens pessoais e destruir de imediato os perfis, não os considerando para introdução junto da Alfandega?
Essa alternativa não foi recomendada devido ao processo que levaria a destruição dos perfis.
Segundo nosso despachante, o processo provável seria de liberação dos itens de mudança e retenção dos perfis de madeira em armazém alfandegado. A Receita iria, então, esperar um prazo para que a situação fosse regularizada (cerca de 90 dias), após isso, os item seriam enviados a leilão. Caso não sejam comprados, aí, finalmente, seriam destruídos.
Durante todo esse processo, ocorrerá despesas de armazenagem que podem ser cobradas do cliente, da L... ou do nosso despachante.
Por isso, solicitamos que NÃO consigne essa mudança à L..., nós não poderemos realizar a liberação. Não podemos ter envolvimentos com este processo que deve grandes taxas de despesas de armazenagem.
Uma alternativa será checar com o despachante já utilizado pelo cliente no Brasil, para verificar alguma outra alternativa. (…)”.
55. A 31/05/2019, o despachante do autor HH contactou LL, auditor fiscal da Receita Federal Brasileira, que informou, por e-mail, que era possível enquadrar os perfis de madeira como bagagem.
56. Do que o autor deu conhecimento à A..., no próprio dia.
57. Mais foi, então, informado telefonicamente que a sociedade que teria aceitado agenciar o Bill of Landing já não estava disponível para tal.
58. Entretanto, o tracking do navio informava que o contentor chegaria ao seu destino, no dia 06/06/2019.
59. O autor viajou para o Brasil a 02/06/2019, além do mais, a fim de estar presente aquando da chegada do contentor.
60. A 03/06/2019, às 09h18m, a C... informa a A... que a data limite para o retorno do contentor do autor para Portugal era nesse próprio dia, até às 11h30m.
61. Em resposta, a A... solicitou à C... que atrasasse o retorno, pelo menos, até às 17 horas desse dia, uma vez que o autor iria ter ainda uma reunião com o inspetor da Alfandega.
62. A 03/06/2019, a A..., mais uma vez, informa o autor que:
“(…) Em seguimento às várias comunicações trocadas sobre o envio de bens pessoais para o Brasil e dado que até ao momento não nos indicou um agente NVOCC válido para consignação da mercadoria, solicitamos com efeito imediato o retorno do contentor a Portugal à companhia marítima em questão.
Apesar da A... ter tentado ajudar, esgotamos a lista de contactos de agentes que poderiam ser aceites pela companhia marítima para consignação do MBL.
Pelo que, dado que o Sr. AA até ao momento não indicou qualquer agente válido e tendo todos os agentes que contactamos (numa tentativa de dar suporte), recusado ser consignatários da mercadoria, somos forçados a solicitar o retorno desta mercadoria a Portugal, sob pena de existirem custos avultados no Brasil, incluindo multas e paralisações que podem ascender aos 50.000,00€ ou 100.000,00€.
De salientar, que os nossos agentes no Brasil aconselharam firmemente o retorno do contentor, para evitar estes custos astronómicos.
A informação que o Sr. AA nos facultou do Dr. LL, lamentavelmente é insuficiente, pois o que deveríamos ter recebido seria detalhes válidos para consignação do BL.
De salientar que a consignação do BL a um agente NVOCC é uma exigência da Alfândega Brasileira desde 2013.
Mais informamos que o expedidor é responsável pela mercadoria que carrega e, neste caso, tendo o Sr. AA indicado que teria agente no destino deveria ter-nos indicado um agente válido para consignar a mercadoria de acordo com as leis do Brasil. De salientar, que a 01/04 fora solicitado instruções para BL indicando que no Consignee e Notify não poderia ser uma entidade individual, pelo que da parte da A... foi devidamente informado.
Mais informamos que os custos inerentes do retorno do contentor serão devidamente repercutidos ao Sr. AA. Assim que tenhamos os custos finais, informaremos.
(…)”.
63. No próprio dia, respondeu o autor nos seguintes termos:
“(…) Mais uma vez lembro os srs do seguinte:
Contratei o envio de um contentor com bens pessoais a A..., ..., informando isso mesmo na consulta de preço.
Nunca, em qualquer momento informei que tinha agente no Brasil, nem nunca antes do embarque essa questão me foi colocada.
Sou sim responsável pelos bens que enviei assim como por custear todos os custos no destino inerentes ao despacho. O que como podem ver pelo parecer escrito do dr LL (chefe dos inspetores da RF de Suape) os produtos que enviei todos se enquadram em mudança de bens pessoais). Quanto ao despacho, para o fazer necessito que v.exas se dignem a emitir o BL conforme as instruções do mesmo (Dr LL).
Caso os srs não me facultem o BL, estão em falta contratual comigo, não estão a prestar o serviço que já paguei há mais de 2 meses, pelo que todo o meu prejuízo financeiro, bens pessoais, tempo perdido, viagem para o brasil para desalfandegar os meus pertences será da responsabilidade de v/exas. Irei portanto, recorrer a todas as entidades ao meu alcance para ser ressarcido dos meus prejuízos e expor a atuação da A.... (…)”.
64. Ainda por e-mail de 03/06/2019, informou a A... o autor de que:
“(…) Em seguimento ao primeiro email enviado hoje de manhã, voltamos a salientar o facto de que a informação que o Sr, AA nos facultou do Dr. LL, lamentavelmente ser insuficiente, pois até ao momento não recebemos da parte do Sr. AA uma entidade NVOCC válida para consignação do MBL.
Neste sentido somos a informar que se dentro de 1 hora não nos facultar um agente NVOCC válido para emissão do BL o contentor será devolvido a Portugal, para que o mesmo não incorra em coimas e/ou penalizações por não conformidades de foro legal.”.
65. Às 16h21m, do mesmo dia 03/06/2019, a A... informou o autor que:
“(…) Visto que não nos facultou até ao momento um agente NVOCC válido para a consignação desta mercadoria, iremos solicitar o retorno da mesma e devolvê-la ao proprietário.
Os custos inerentes a este retorno serão devidamente informados e imputados ao Sr. AA. (…)”.
66. Na sequência das referidas comunicações, a A... promoveu o retorno dos bens pessoais do autor a Portugal.
67. A 07/06/2019, o autor outorgou, com MM, documento denominado “contrato de locação de imóvel residencial”, com o seguinte teor:
“(…) CLÁUSULA PRIMEIRA: O objeto deste contrato de locação é o imóvel residencial, n.º 35, situado à RUA ..., ..., BAIRRO DE BOA VIAGEM, CEP: ...21, ..., ...
CLÁUSULA SEGUNDA: O prazo da locação e de 6 meses, iniciando-se em 07 DE JUNHO DE 2019 com término em 07 NOVEMBRO DE 2019, independentemente e aviso, notificação ou interpelação judicial ou mesmo extrajudicial.
CLÁUSULA TERCEIRA: O aluguel mensal, deverá ser pago até o dia 10 (dez) do mês subsequente ao vencido, no local indicado pelo LOCADOR, e de R$ 2200,00 mensais, reajustados anualmente, de conformidade com a variação do IGP-M apurada no ano anterior, e na sua falta, por outro índice criado pelo Governo Federal e, ainda, em sua substituição, pela Fundação ..., reajustamento este sempre incidente e calculado sobre o último aluguel pago no último mês do ano anterior. (…)”.
68. Com a viagem do autor para o Brasil, a 02/06/2019 e com o arrendamento da casa em ..., pretendia, além do mais, o autor entregar procuração e documentos ao despachante para a receção dos seus haveres pessoais.
69. Os quais chegaram a Portugal, a 26/07/2019.
70. A C... faturou à A... os custos com o retorno e o desembarque da carga, nos valores de 3.087,73 Euros e de 270,00 Euros.
71. A A... exigiu ao autor o pagamento da quantia de 4.633,16 Euros para que este procedesse ao levantamento dos seus bens, para o que emitiu, em nome daquele, a fatura n.º ...48, de 31/07/2019.
72. A irmão do autor, NN, em nome daquele autor, a 08/08/2019, transferiu para a A... a referida quantia de 4.633,16 Euros.
73. A 11/09/2019, o autor entregou ao despachante HH a quantia de 1.850,00 Reais, por conta dos honorários do mesmo referente à “acessória e representação junto dos órgão da Receita Federal para desbloqueio de seu container com mudança de moveis para o Brasil, que foi embarcado com irregularidades pela A... Portugal”.
74. Para proceder ao levantamento dos seus bens, o autor recorreu à sociedade K..., Lda., a qual procedeu à recolha da carga nos armazéns da A..., em data não concretamente apurada, pelo valor de 135,00 Euros, e diligenciou pelo transporte dos bens pessoais do autor para o Brasil, tendo faturado os referidos serviços no valor total de 1.055,00 Euros.
75. As comunicações rececionadas pelo autor após o embarque da carga deixaram o autor nervoso e angustiado, ante a incerteza quanto ao destino dos seus bens.
76. O autor regressou a Portugal a 22/09/2019, tendo sido o seu pai a rececionar os bens, no Brasil.
77. O autor deu entrada da petição inicial da presente ação a 12/11/2020.
78. A A... foi citada para os presentes autos a 03/12/2020.
2. Factos Não Provados
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a presente causa. Não se provou, nomeadamente, que:
1. O autor, com o auxílio do seu despachante no Brasil, E... e HH, efetuou mais de 50 chamadas para o Brasil, encetando contactos com a C... Brasil, a J... e outras sociedades de agenciamento de BL.
2. A 10/06/2019, por consulta ao M..., apurou o autor que o contentor contendo os seus bens pessoais fora descarregado e voltara a ser carregado, rumo a Portugal.
3. O autor apenas teve acesso aos seus bens pessoais, no dia 30/09/2019.
4. Para proceder ao pagamento da quantia exigida pela A..., o autor viu-se compelido a contrair um empréstimo junto de NN, no valor de 4.000,00 Euros.
5. O que muito o vexou, já que não mais solicitara mútuos desde a aquisição da sua casa de morada de família, em Portugal.
6. O autor passou noites a fio sem dormir.
7. Atormentado, já nem esperava recuperar os seus haveres.
8. O que originou longas discussões com a sua esposa e com os seus colegas de trabalho, atenta a falta de paciência que toda a situação engendrou.
9. A situação causou tristeza ao autor.
10. O autor é sócio da sociedade comercial H..., Lda., com o NIPC ...30, com sede na Rua ...., Letra ..., ... ..., a qual tem por objeto o comércio, importação, exportação, montagem, assistência e reparações de equipamentos e materiais para revestimento de superfícies e máquinas; recolha e comércio de resíduos de zinco.
11. A consignação do Bill of Landing a um agente NVOCC (Non-Vessel Operating Common Carrier – empresa inscrita enquanto tal junto das autoridades alfandegárias brasileiras) é uma exigência da Alfândega brasileira, desde 2013.
12. Os “perfis de forro/piso imitação madeira” não são pessoais do autor, antes são comercializados pela empresa H..., Lda..
13. Como o autor é titular de uma empresa no Brasil que importa bens de Portugal, a A... estava convencida que o autor era conhecedor dos trâmites do transporte internacional de mercadorias via marítima, por outro lado, o autor nunca demonstrou qualquer desconhecimento relativamente a estes trâmites
*

A estrutura da sentença assenta no reconhecimento do direito do autor, emergente de um “contrato de trânsito ou de expedição, por via do qual a A... se obrigou, contra o pagamento de um preço por parte do autor, a promover o planeamento, a coordenação e a direção das operações com vista à expedição para o Brasil, de dois contentores, um de carga comercial e, outro, com bens pessoais daquele autor”. Concluiu o tribunal que esse contrato foi incumprido pela ré e, apesar de mitigada a sua culpa com a culpa do próprio autor, não deixou de afirmar que aquela deveria indemnizar em parte os prejuízos sofridos pelo autor.
Porém, concluiu pela prescrição desse mesmo direito, por aplicação do disposto no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 255/99, de 7 de Julho, que dispõe: “o direito de indemnização resultante da responsabilidade do transitário prescreve no prazo de 10 meses a contar da data da conclusão da prestação de serviço contratada.”.
Inexistem razões para discutir a qualificação do contrato em questão, conforme foi densamente justificado pela tribunal recorrido, em termos que a própria apelante não discute. Tal como não discute a subsunção do contrato ao regime constante do citado D.L. 255/99, de 7 de Julho, votado à regulação da actividade de transitário a que a ré se dedica.
Como se define no nº 2 do art. 1º desse diploma, “A actividade transitária consiste na prestação de serviços de natureza logística e operacional que inclui o planeamento, o controlo, a coordenação e a direcção das operações relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias, desenvolvendo-se nos seguintes domínios de intervenção: a) Gestão dos fluxos de bens ou mercadorias; b) Mediação entre expedidores e destinatários, nomeadamente através de transportadores com quem celebre os respectivos contratos de transporte; c) Execução dos trâmites ou formalidades legalmente exigidos, inclusive no que se refere à emissão do documento de transporte unimodal ou multimodal.”
Por outro lado, independentemente do que foi, no caso concreto, a angariação e a execução do próprio transporte das mercadorias, é incontroverso que não foi no âmbito da prestação do transporte, que esteve a cargo da empresa C... COMPANY, S.A., que ocorreram os factos que determinaram a não realização do objectivo pretendido pelo autor, isto é, a colocação dos seus pertences à sua disposição, no Brasil, para onde pretendia enviá-los a partir de Portugal. De resto, a C... foi mesmo absolvida da instância, nesta acção.
Centra-se, assim, o objecto da causa na relação contratual estabelecida entre autor e ré, que, como se referiu, se qualifica como um contrato de trânsito ou expedição, tendo por objecto a realização de uma prestação típica de transitário, por parte da ré.
Todavia, perante a aplicação do prazo de prescrição constante do art. 16º do regime específico da actividade transitária, que dispõe “O direito de indemnização resultante da responsabilidade do transitário prescreve no prazo de 10 meses a contar da data da conclusão da prestação de serviço contratada”, vem o autor invocar que a responsabilidade da ré se sedia na fase pré-contratual, designadamente por não o ter informado e não ter assegurado a realização dos pressupostos que seriam essenciais para a ulterior realização do fim do contrato, antes tratando de assegurar a vinculação do autor, providenciado pela execução desse contrato e do de transporte, apesar de dever saber que as mercadorias deste não haveriam de ser desalfandegadas no Brasil, provocando mais custos com o seu transporte de volta para Portugal.
Com efeito, alega o autor, no presente recurso, que quer na petição inicial, quer na resposta que apresentou às excepções deduzidas nas contestações, sempre invocou a actuação da ré anterior à celebração do contrato como justificadora da sua responsabilidade. Assim, por exemplo, na petição inicial, refere ter invocado a “conduta violadora das obrigações pré-contratuais e contratuais assumidas”; já naquele segundo articulado, invocou “…o comportamento lesivo e de má-fé que rodeou a formação do contrato, pelo menos por parte da 1ª Ré…”
Ao que acresce que o próprio tribunal também se referiu, no saneador, à eventual “…existência de responsabilidade contratual e pré-contratual de ambas as Rés…”, além de, na fixação do dos temas de prova, ter incluído o “…teor das negociações que levaram à celebração do contrato entre as partes”, sendo que, na própria sentença, em sede de motivação da decisão de facto, referiu também ter avaliado matéria relativa aos contactos entre “… autor, a A... e a C..., seja na fase pré-contratual, seja na fase contratual, seja na fase da execução do contrato.”
É nesta alegação sobre a responsabilidade da ré em virtude da sua actuação na fase pré-contratual que o autor alicerça a sua primeira oposição à sentença, ao concluir que o tribunal não decidiu tal questão, sendo que a tal responsabilidade não haveria de ser oposto o prazo de prescrição de dez meses, supra referido.
É útil ter presente que o tribunal recorrido, acompanhando a posição da recorrida, acabou por rejeitar a imputada omissão de pronúncia – e correspondente nulidade – por entender que a pretensão do autor se mostrava conformada, ab initio, com as circunstâncias próprias do incumprimento do contrato, sendo aí que sustentava, exclusivamente, a sua pretensão indemnizatória. Por isso, não se teria pronunciado, como não tinha de se pronunciar, por uma eventual tutela da sua pretensão a coberto do instituto da responsabilidade pré-contratual.
Em qualquer caso, devemos atentar em que a relevância de uma eventual responsabilidade por actuação culposa na fase pré-contratual, comummente designada por culpa in contrahendo, só se verifica se não lhe puder vir a ser oposto o mesmo prazo de prescrição de dez meses.
Sem prejuízo de se constatar que o art. 227º do C. Civil, onde o legislador veio consagrar o instituto da responsabilidade pré-contratual, estabelece, no respectivo nº 2, que uma tal responsabilidade prescreve nos termos do art. 498º do C.Civil, cremos que a solução deste problema exige que se apure se a mesma tem natureza contratual ou extra-contratual.
Com efeito, a entender-se que a culpa in contrahendo é ainda de natureza contratual, haveria de submeter-se a questão ao regime regulatório do contrato de trânsito ou de expedição, do que decorreria a aplicação, à responsabilidade da ré, do mesmo prazo de 10 meses, por tal regra se impor como regra especial sobre a regra geral do art. art. 498º, aplicável por remissão do art. 227º, nº 2 do C.C.
Pelo contrário, a entender-se que a culpa in contrahendo tem natureza delitual, i. é, extra-contratual, já é natural a sujeição da situação a uma solução exterior à regulação do contrato de trânsito, a incluir a solução de prescrição da responsabilidade no prazo de três anos, estabelecido no art. 498º, nº 1 do C. Civil.
A natureza da culpa na formação do contrato é questão que tem vindo a ser discutida, trabalhada e solucionada em termos divergentes, quer no seio da doutrina, quer da jurisprudência. Dessas divergências é dada nota, com relevante capacidade de síntese, no texto de ANTÓNIO GRAÇA MOURA, Sobre A Natureza Da Responsabilidade Pré-Contratual, Revista Electrónica de Direito, Setembro de 2022, que aqui seria excessivo reproduzir, ainda que parcialmente.
Todavia, em concordância com a linha de pensamento que ali se adopta, bem como em concordância da solução acolhida no Ac. do STJ de 9/2/2021 (proc. nº 720/19.6T8VFR.P1.S1, Relator Fernando Samões, em dgsi.pt), que ali também se menciona, somos a concluir pela necessidade de identificação de um “terceira via” a que se possa reconduzir a responsabilidade in contrahendo, por esta ser uma responsabilidade que não deriva do contrato, mas que surge a propósito do contrato, tal como não deriva de uma relação absolutamente episódica entre as partes, num quadro de circunstâncias ocasional em que as suas esferas jurídicas colidem, antes surge num outro quadro em que as partes pretendem que as suas esferas jurídicas se conexionem, disso tendendo a resultar direitos e deveres recíprocos para cada uma delas.
É num tal quadro de circunstâncias, em que as partes já se relacionam em ordem a celebrarem entre si um contrato, que a lei lhes impõe o dever de observância de ditâmes de boa fé cuja violação, venha a não a concretizar-se esse contrato, poderá determinar a obrigação de indemnização de prejuízos que alguma delas venha a suportar, como consequência dessa violação.
Transcreve-se, a este propósito, o expendido no citado Ac. do STJ: “Como é referido pela Conselheira Maria da Graça Trigo, na anotação ao citado art.º 227.º, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pág. 512 e no acórdão, por si relatado, deste STJ, de 7/11/2019, processo n.º 153/13.8TCGMR.P1.S1[3], “A atenção prestada à fase anterior à celebração do contrato permitiu identificar deveres acessórios de conduta a respeitar, bem como tipos de situações a incluir na responsabilidade pré-contratual. Entre as múltiplas enumerações de deveres propostos pela doutrina e pela jurisprudência, estrangeiras e nacionais, saliente-se aquela que distingue entre deveres de segurança, deveres de lealdade e deveres de informação. Quanto às tipologias de responsabilidade, identificam-se essencialmente três: a responsabilidade pela conclusão de um contrato inválido ou ineficaz que, por esse motivo, causa danos a uma das partes; a responsabilidade pela celebração de um contrato válido e eficaz de um modo tal que cause prejuízos a uma das partes; e ainda a modalidade, entre nós algo tardiamente reconhecida, da responsabilidade por rutura das negociações (…)”.
E acrescenta: … “Mais importante é o facto de a responsabilidade pré-contratual consistir indubitavelmente numa forma de responsabilidade civil por facto ilícito e culposo, exigindo-se que se verifiquem os pressupostos tradicionais desta forma de responsabilidade civil, i.e., facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano. Justifica particular atenção o pressuposto da ilicitude que corresponde ao desrespeito pelas regras da “boa fé”, expressão aqui utilizada em sentido objetivo, como norma de conduta.”
No caso, a responsabilidade que, pelo menos em sede de recurso, o autor imputa à ré traduz-se na responsabilidade “… pela celebração de um contrato válido e eficaz de um modo tal que cause prejuízos a uma das partes.”
Todavia, tal responsabilidade nasce a montante quer da celebração, quer da execução do próprio contrato, embora a propósito do mesmo.
Nestas condições, afigura-se-nos útil o acolhimento da referida 3ª via, quanto à natureza da responsabilidade in contrahendo, por força da qual alguns caracteres deverão ser sujeitos a soluções próprias da responsabilidade contratual, e outros a caracteres da responsabilidade extra-contratual. Como se escreve no citado Ac. do STJ, apud Carneiro da Frada, Tutela da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, 2004, pág. 513, esta é uma “orientação que permite aplicar o regime de uma ou outra daquelas categorias de responsabilidade civil, em função do problema em causa. Convocar-se-ia o regime da presunção de culpa do art. 799º, nº 1, assim como, quanto à responsabilidade por actos de auxiliares, o disposto no art. 800º, nº 1. Diversamente, para além da sujeição ao regime de prescrição do art. 498º, por expressa remissão do nº 2 do preceito, tornam-se ainda aplicáveis a possibilidade de redução da indemnização em caso de mera culpa, prevista no art. 494º, e o regime de solidariedade do art. 497º.”
No caso em apreço, a serem identificados os pressupostos da culpa in contrahendo, devemos concluir que a responsabilidade da ré apenas haveria de prescrever no prazo de três anos, nos termos do art. 498º do C.Civil, sendo inaplicável o prazo de dez meses previsto no art. 16º do D.L. 255/99.
Com efeito, como resulta desta regra, o curso do prazo de 10 meses decorre da “conclusão da prestação de serviço contratada”. Respeita, pois, à responsabilidade resultante da execução, da omissão da execução ou da execução deficiente da prestação fixada no contrato. O mesmo se diga, de resto, em relação ao teor dessa mesma regra reproduzido nas Condições Gerais do contrato celebrado entre as partes.
Porém, a responsabilidade pré-contratual, a verificar-se, resultará da violação de ditâmes da boa fé a montante da celebração do contrato que veio a ser outorgado em termos dos quais advieram prejuízos para uma das partes, que poderiam e deveriam ter sido prevenidos.
Assim, não existe fundamento para se afastar a aplicação da regra do nº 2 do art. 227º, relevando o prazo prescricional de três anos, previsto no art. 498º do C.Civil, para o exercício do direito à responsabilização da ré, por culpa in contrahendo, caso se verifique.
Nestas circunstâncias, conclui-se ser útil indagar da possibilidade-utilidade da verificação de culpa in contrahendo, por parte da ré, a respeito do contrato de trânsito celebrado entre as partes, pois que, a identificar-se tal actuação censurável por parte da ré não será esse um exercício estéril, por não redundar na conclusão pela prescrição do direito do autor, como aconteceu quanto ao seu direito decorrente do incumprimento contratual do mesmo contrato, imputado à ré.
Cabe então, apurar se a causa de pedir em uso, pelo autor, na presente acção compreende uma eventual culpa na formação do contrato, da ré, designadamente pela violação de deveres de informação em termos que levaram a que o autor tivesse celebrado este contrato em condições que não lhe proporcionaram a realização do objectivo que pretendia alcançar: ficar com as suas mercadorias, à sua disposição, no Brasil.
A este propósito, contrapôs a ré e afirmou o tribunal que tal questão foi arguida apenas nesta sede de recurso, pelo que não poderá ser apreciada.
Analisada a petição inicial, verifica-se que logo no seu introito o autor afirma que a acção que propõe é uma acção que apresenta é uma “Acção Declarativa de Condenação - Responsabilidade civil contratual por incumprimento contratual -, sob a forma de Processo Comum”. Dir-se-á, justamente, que tal afirmação nada condiciona, pois que se reduz a um dispensável rótulo. Porém, também é razoável ponderar que ela tenderá a traduzir ab initio a compreensão do autor quanto ao enquadramento do seu direito.
Sucessivamente, o autor alega que pediu propostas a diferentes empresas e que “…optou por outorgar o contrato de trânsito / expedição com a 1ª Ré, atenta a diferença de custo, no valor de € 67,00.” (art. 7º da p.i.). Assim, refere, no art. 8º da p.i. que “…a 25 de Março de 2019, a 1ª Ré remeteu ao Autor uma cotação no valor de € 1.580,00 (mil e quinhentos euros), proposta esta aceite pelo Autor.”
Depois (art. 16º da p.i.), o autor alegou que o contrato foi formalizado por escrito através da factura ...12, datada de 11-04-2019. Todavia, nas suas próprias palavras, nesse momento ocorreu uma mera formalização do contrato, pois já antes a proposta da ré fora aceite, sendo já em ordem à sua execução que começaram a ser trocadas comunicações entre a ré, o autor e outrem por este indicado, sobre a documentação necessária para a operação.
Tudo o que o autor refere de seguida se reporta já ao que ele qualificou como incumprimento da ré, na execução do contrato, com isso designando mesmo o capítulo seguinte da petição inicial: B – Da execução do Contrato”. E, em coerência, conclui no art. 38º da petição esse capítulo nos seguintes termos: “É manifesto que as Rés incumpriram com as obrigações que sobre si recaiam, nomeadamente, de proceder à entrega ao Autor, no porto de Suape, dos seus bens pessoais.”
Pareceria, assim, que o autor fundou o seu direito exclusivamente na alegação do incumprimento do contrato, pelas rés.
Todavia, em segmento ulterior, como capítulo D da petição, designado “D - Da conduta violadora das obrigações pré-contratuais e contratuais assumidas”, o autor alegou: “ 102º: Ao encetar as negociações, com a recolha da documentação necessárias e elementos, e outorgar o contrato de expedição, na qualidade de transitário, com as condições e cláusulas contratuais indicadas nos artigos 7º e 17º, supra, bem como ao cobrar, de imediato, o custo integral do frete, com os dados indicados pelo Autor, bem sabia a 1ª Ré que se tratavam de bens pessoais e que este actuava na veste de consumidor; 103º Outrossim, bem sabia a 1ª Ré quem eram os notify e consignee indicados pelo Autor, previamente ao embarque.”
Cumpre reconhecer que, com base em tal factualidade e sem mais seria impossível sustentar a responsabilidade da ré por culpa in contrahendo. Mas, desta alegação já se extrai, ainda que superficialmente, que o autor responsabiliza a 1ª ré por não ter providenciado pela solução do problema que era apresentado pela circunstância de o consignatário ser o próprio autor, o que veio a estar na origem do problema. Apesar de não ter chegado a concretizar a sua alegação de que a ré violou obrigações de boa fé ao admitir que o contrato se celebrasse nesses termos, não o informando de que isso inviabializaria o desembarque das mercadorias, é isso que está subjacente àquela sua alegação nesses arts. 102º e 103º da p.i.
É certo que, massivamente, toda a dinâmica factual em que assentou a conclusão pela culpa da ré foi a inerente à não realização do objecto do contrato, por ter dado azo a que não fossem ultrapassados os obstáculos apontados, referentes a não ter sido conseguida a obtenção de um consignatário para a carga que fosse portador da qualidade NVOCC (Non-Vessel Operating Common Carrier), com um CNPJ válido (número de pessoa colectiva, no Brasil).
Mas, da alegação do autor resulta que, ab initio, ele se havia indicado a si próprio como consignatário, por indicação de um despachante, por si contratado, no Brasil, para o desalfandegamento das mercadorias, e que é seu entendimento que a ré, nessas condições, o deveria ter informado de que isso não seria viável, como se veio a verificar, com a necessidade da sua substituição, mas que não foi concretizado nos termos necessários e em tempo útil, provocando o retorno dos bens do autor para Portugal. E que, em tais condições, não deveria a ré ter aceitado o contrato e iniciado a sua execução.
Aliás, em coerência com isso mesmo, ao apontar as regras legais em que sustentava o seu direito, o autor não deixou de invocar expressamente o próprio art. 227º, nº 1 do C. Civil.
Estando assim delineada a causa de pedir na petição inicial, onde, como se vê, a culpa in contrahendo da ré era invocada de forma, reconhece-se, muito superficial, veio o autor, a propósito da utilidade na resposta às excepções suscitadas pelas rés nas respectivas contestações, oferecer um novo articulado, a 17/1/2021 – cuja (in)admissibilidade, em face do disposto no 3º, nº 4 do CPC, não cabe apreciar nesta fase - alegar que a causa de pedir de que lançara mão compreendia também a culpa in contrahendo, “…ou seja, antes da celebração do contrato, que o Autor imputa às rés, por violação dos deveres de comunicação e informação.”
Desenvolvendo esta tese, alegou então que foi em razão da contestação da ré C... que apurou que a necessidade de uma agente NVOCC para consignação da carga era uma exigência contratual da própria C..., aceite pela ré, não resultando de qualquer disposição legal internacional ou de direito brasileiro.
Mais alegou que a ré dolosa e culposamente lhe omitiu tal facto, bem como a indicação da A... Brasil, que depois, já no decurso do transporte, veio a transmitir ao autor ser uma solução inviável.
E acabou a enunciar:
“9º - É certo que a matéria agora invocada configura impugnação dos factos invocados em sede de pedido inicial, mas que o autor desconhecia e cuja invocação lhe deverá ser permitida, atentos os fundamentos da caducidade a que responde.
10º - É, pois, manifesto o comportamento lesivo e de má fé que rodeou a formação do contrato, pelo menos por parte da 1ª ré, e que é constitutivo do direito ao ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo autor nos termos peticionados nos autos”.
Foi nestas circunstâncias do processo que o tribunal, ao apreciar a questão da ilegitimidade da ré C..., afirmou que o autor sustentava “…juridicamente a acção na existência de responsabilidade contratual e pré-contratual de ambas as rés….”. E, sucessivamente, apesar de o não integrar no objecto do litígio, onde só menciona o “incumprimento”, não deixou de incluir, entre os temas de prova, o “teor das negociações que levaram à celebração do contrato entre as partes”.
Como se vê, além do alegado inicialmente, já em resposta à excepção da prescrição invocada na contestação o autor suscitou expressamente a questão da responsabilização da ré com fundamento em culpa in contrahendo. Porém, a sentença veio a concluir pela verificação da prescrição do direito do autor fundado no incumprimento, mas nada disse sobre a hipótese – nem que fosse para a rejeitar – da responsabilidade da ré com base em tal culpa in contrahendo.
Nestas circunstâncias, só pode reconhecer-se a razão do apelante ao invocar que a sentença omitiu a apreciação de uma questão que lhe estava submetida. Incorreu, por isso, na nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d) do CPC.
Em conexão com esta questão, encontra-se, pelo menos em parte, a impugnação da matéria de facto, na medida em que o apelante alega que o tribunal deixou de apreciar alguns factos que serão essenciais à decisão da questão da responsabilidade pré-contratual da ré.
Assim, propõe:
- que sejam aditados os factos seguintes: 13A. A C..., em 27-06-2013, por mensagem de correio electrónico com a referência WWM0791, comunicou a todos os agentes, relativamente à outorga de contratos de transporte marítimo de bens pessoais tendo por destino o Brasil, com efeitos imediatos, a exigência de o consignatário ser uma pessoa colectiva, agente NVOCC certificado SCAC, por força dos riscos financeiros/legais enfrentados no Brasil.
13B. A C..., em 04-06-2019, na outorga de um contrato de transporte marítimo de bens pessoais, informou a Recorrida que, no caso de transporte marítimo de bens pessoais, reiterando o conteúdo da comunicação anterior com a referência WWM0791, mais referindo “Frete prepaid, shipper a constar no BL somente a A... no consignee um NVOCC. Preenchimento do termo de responsabilidade em anexo.”.
- a adição de factualidade ao ponto 37 dos factos provados: “37. No mesmo dia 03/05/2019, pelas 15h41, o autor respondeu, rejeitando a solução apresentada pela A...: «Uma solução por 6000 € ???? GG, um transporte e devolução de contentor de suape a minha residência custa no máximo dos máximos 1500 reais (350€), um despacho aduaneiro 1270 reais (e o que pago actualmente ao meu despachante) 300€. Tradutor e etc.... sei falar Brasileiro.... então, o valor apresentado (visto que exclui todo o resto) está 10 vezes acima do que seria normal (e não considerando que um despacho de pessoa física tem metade da burocracia na Rf comparando com pessoa jurídica). Por favor, responda ao e-mail anterior e diga-me qual o problema em fazer o que indicou a C... ??????.»”.
- que o ponto 17. dos factos provados deverá passar a ter a seguinte redação: 17. Por e-mail de 08/04/2019, o autor remeteu à A... a declaração dos bens a transportar e a declaração de valor dos mesmos devidamente assinados, tendo sido atribuído o valor total de € 2.875,00 (dois mil, oitocentos e setenta e cinco euros – correspondente à soma do valor declarado quanto aos bens carregados em cada um dos dois contentores, ou seja, € 2530,00 + € 345,00).
- que deverá ser aditado um facto 26A., com o seguinte teor: A A... mandou rolar o booking para o navio seguinte, por mensagens de correio electrónico de 03-04-201914h 47, 08-04-2019, 17h03, sem o prévio conhecimento e instruções do Autor.
- que o ponto 33 deverá ser complementado com o teor do e-mail de resposta apresentado por EE e constante do documento 13 da petição inicial, nos seguintes termos: 33. Em resposta, EE informou, às 12h29, a A... que “A E... é escritório de despachante não tem pode constar como CONSIGNATARIO” e, ainda, às 12h39, que “O BL Master (C...) não era pra ser emitido em nome da A...? E a vocês emitirem um HBL para o AA e também para F...? Como nos foi enviado os drafts inicialmente? Pois somos uma comissária de despachos não podemos ser consignatário de cargas.”.
- que deve ser acrescida a matéria seguinte: 36A. Ainda em 30-04-2019, pelas 18h02, EE informa a Ré que: “Esta informação de não poderia ser pessoal particular deveria ter partido de vocês antes de ser fechada a carga, o problema está instalado verificando com a C... e o armador por aqui o que pode ser feito, porem reforço que não podemos colocar a E... como consignatário por sermos despachantes aduaneiros.”; 36B. E a 03-05-2019, pelas 13h38, comunica que: “Acabo de falar com o FF (C...) e o mesmo informou que a forma mais rápida e pratica para resolver esta situação agora é a A... informar os dados e ficar como CONSIGNEE no BL da C... n.º ...77 e emitiria um BL house para o Sr. AA como já havia nos enviado anteriormente onde só precisa de ajuste na descrição da mercadoria e NCM informados”;
36C. Ao que a A... respondeu, nessa mesma data às 14h12, que: “Como já informara previamente a A... Brasil não poderá receber cargas, não tem essa especialidade. Da mesma forma que vocês não estão especializados para aceitação de bens pessoais eles também não aceitam. Apesar de sermos a mesma empresa mundial temos regras diferentes consoante cada país em que atuamos”.
- que o ponto 44 deve passar a ter a seguinte redacção: 44. A 09/05/2019, o autor indicou à A... um novo despachante no Brasil, a empresa G..., Lda., na pessoa de HH, o qual, a 10/05/2019, também comunica não conseguir “nenhum agente NVOCC que tenha SCAC code válido e que aceite desconsolidar objetos de uso pessoal/mudança. Continuo à procura. Peço que também tentem um acordo com a A... Brasil, para que aceitem, excepcionalmente, este embarque consignado ao Sr AA ou a uma empresa c/o ao 10 Referência Citius 29338196, formulário 39311608. Sr AA.”.
- que deve ser aditada a seguinte factualidade: 22A. Por e-mail datado de 12-04-2019, pelas 16h39, a Recorrida enviou instruções à C... para preenchimento do BL, com o seguinte teor: “Boa tarde, Vimos pelo presente enviar anexo instruções para BL, já enviadas por EDI, e cópia de DAE’s, referentes ao booking: .... Ficamos a aguardar o envio de draft do BL, logo que possível. Por favor efectuar o VGM por v/meios.”; 22B. Em 12/04/2019, 15h42, foram emitidas pela C... as Shipping Instructions quanto ao contrato C... ...44, com o navio C... ... e como identificação da carga Bens pessoais + perfis de madeira com a identificação seguinte: Skipper: A... Transitários; Consignee: A... Brasil; Forwarding Agent: A... Transitários; Notify: A... Brasil; 22C. Em 16/04/2019, 15h04, foram emitidas pela C... as Shipping Instructions quanto ao contrato C... ...44, com o navio C... ... e como identificação da carga Bens pessoais + perfis de madeira com a identificação seguinte: Skipper: A... Transitários; Consignee: A... Brasil; Forwarding Agent: A... Transitários; Notify: A... Brasil; e a identificação do Recorrente no quadro relativo a Marks and Numbers.
Na elaboração de nova sentença, onde terá de ser apreciada a questão consubstanciada pela eventual responsabilidade da ré por culpa in contrahendo, haverá o tribunal recorrido de apreciar também a premissa constituído pela base factual inerente a essa mesma questão, onde deverá decidir, de entre os factos alegados pelas partes ou aproveitáveis em face do disposto no art. 5º, nº 2 do CPC, da necessidade de adição de alguns deles, designadamente à luz da indicação do autor quanto aos que poderão ser úteis para o efeito, designadamente os acima assinalados.
A decisão da sua comprovação ou rejeição, que poderá implicar a necessidade de reabertura da audiência, ou não, consoante o tribunal o considere necessário, será imprescindível na economia da sentença que venha a incluir a apreciação da questão que ficou por decidir.
Em qualquer caso, este tribunal de recurso não dispõe dos elementos necessários à superação da nulidade referida, para se poder substituir ao tribunal recorrido, na prolação da nova decisão (art. 665º, nº 2 do CPC).
Impõe-se, por isso, a anulação da sentença em crise, devendo o processo voltar à primeira instância para que o tribunal recorrido possa suprir a nulidade identificada, determinando, para o efeito, as medidas de processo que tiver por convenientes.
Ficam, assim, prejudicadas as restantes questões colocadas no recurso.
Pelo exposto, procederá a apelação, com o resultado anteriormente referido.
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Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC):
……………………………………………
……………………………………………
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3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar procedente a presente apelação, com o que declaram a anulação da sentença em crise, devendo o processo voltar à primeira instância para que o tribunal recorrido possa suprir a nulidade supra identificada, determinando, para o efeito, as medidas de processo que tiver por convenientes.

Custas conforma julgadas a final.

Registe e notifique.







Porto, 18/6/2024
Rui Moreira
Alberto Taveira
Anabela Miranda