Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANA PAULA AMORIM | ||
Descritores: | FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO OMISSÃO DE ANÁLISE CRÍTICA DA PROVA NULIDADE DA SENTENÇA REAPRECIAÇÃO DA PROVA CONTRATO DE EMPREITADA DIREITO À ELIMINAÇÃO DOS DEFEITOS DA OBRA CADUCIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP202205041124/19.6T8PVZ.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/04/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A falta de fundamentação da decisão de facto ou ainda, a omissão de análise crítica da prova, porque não foram ponderados determinados elementos de prova, não constitui fundamento para nulidade da sentença. O dever de fundamentação da matéria de facto, previsto no art. 607º/2 CPC, não se confunde com o dever de fundamentação da decisão final, onde se trata da aplicação do direito aos factos e apenas este vício pode gerar a nulidade da sentença, nos termos do art. 615º/1 b) CPC. II - Guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados. III - Apesar de ser deduzido um pedido líquido, não está o juiz vinculado ao valor peticionado e caso não consiga apurar o montante exato do prejuízo, deve relegar para liquidação a sua fixação, nos termos do art. 609º/2 CPC. III - Pretendendo o dono da obra obter a eliminação dos defeitos, que não sejam do conhecimento do dono da obra no momento da aceitação da obra, foi fixado um prazo de caducidade de um ano para o exercício dos direitos pelo dono da obra, após a denúncia atempada dos defeitos e, um segundo prazo limite de dois anos, após a entrega da obra, independentemente da data do conhecimento dos defeitos e da sua denúncia, face ao disposto no art. 1224º CC. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Empreitada-Defeito-RMF-1124/19.6T8PVZ.P1 * * SUMÁRIO[1] ( art. 663º/7 CPC ): …………………………………… …………………………………… …………………………………… --- Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível) I. Relatório Na presente ação declarativa, que segue a forma de processo comum, em que figuram como: - AUTORA: P..., Lda., sociedade comercial por quotas, NIPC ..., com sede social na Rua ..., n.º ..., freguesia ..., ... concelho da Trofa, registada na Conservatória do Registo Comercial sob o n.º ...; e - RÉUS: AA, comerciante, NIF ..., com domicílio profissional à Rua ..., n.º ..., freguesia ..., ... Vila do Conde; e R..., Lda, sociedade comercial por quotas, NIPC ..., com sede social à Rua ..., n.º ..., freguesia ..., ... Póvoa do Varzim, registada na Conservatória do Registo Comercial ... sob o n.º ..../.... pede a autora a condenação solidária dos réus no pagamento da quantia de 29.550,47€ a título de indemnização por todos os danos sofridos decorrentes do cumprimento defeituoso das obrigações e no pagamento de juros de mora vincendos à taxa legal em vigor até integral pagamento. Para tal alegou, em suma, ter contratado os Réus para repararem o motor do seu veículo pesado de mercadorias, tendo este trabalho sido realizado defeituosamente, uma vez que no dia seguinte à sua conclusão, no decurso de uma viagem para o estrangeiro, verificou-se uma avaria consistente no tubo de água do motor que se soltou e se danificou, e que foi reparada pela Autora, em face da ausência de solução apresentada pelo 1º Réu, que foi de imediato informado do sucedido. Mais alegou que dois dias depois, já em França, o motor sofreu uma nova avaria que o impediu de trabalhar, porquanto um dos pistões danificou-se e uma válvula partiu-se, o que foi comunicado a ambos os Réus, que negaram ter qualquer responsabilidade no sucedido, na sequência do que a Autora efetuou a substituição do motor por um motor recondicionado, atenta a urgência da situação, tendo ainda suportado o salário do seu motorista no período em que o veículo esteve imobilizado apesar de não ter exercido atividade e perdido receitas nesse mesmo lapso temporal. - Os Réus contestaram, alegando, em síntese, que realizaram a obra de acordo com as instruções do legal representante da Autora e que em particular o 1º Réu AA realizou a montagem do motor de acordo também com as instruções de um engenheiro da D ... (marca do veículo), acrescentando que o veículo padecia de outras anomalias e a Autora recusou repará-las, além de que não forneceu válvulas novas e optou por retificar as usadas, tendo adquirido peças na sucata e mandado colocar peças com defeito. Mais aduziram que a Autora não seguiu a recomendação do 1º Réu AA quanto à avaliação do funcionamento do motor e não realizou o diagnóstico necessário após a obra terminar e antes de o utilizar no exercício da sua atividade.Excecionaram ainda a caducidade/prescrição, com fundamento na circunstância de a obra ter terminado em junho de 2018 e a ação ter dado entrada em julho de 2019. Ademais, o 1º Réu AA deduziu pedido reconvencional de condenação da Autora no pagamento da quantia de 1.338,00€ referente ao preço da obra de reparação do motor, acrescida de juros de mora contados desde a data aposta na fatura, 24.08.2018, até efetivo pagamento. - A Autora replicou, impugnando a alegada dívida e suscitando a exceção de não cumprimento do contrato, com fundamento na circunstância de lhe assistir o direito de recusar o cumprimento da prestação enquanto o Réu não realizar a sua contraprestação consistente na indemnização dos prejuízos sofridos pelo cumprimento defeituoso das suas obrigações atentos os defeitos com que realizou a reparação do motor.Mais invocou que os Réus litigam de má-fé ao carrear para os autos factualidade que sabem não ser verdadeira, alegando que os serviços foram prestados em momento anterior à efetiva data dos mesmos, fazendo assim um uso reprovável do processo, terminando pedindo a condenação destes em multa. - Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, verificando-se a validade e regularidade da instância, identificando-se o objeto do litígio e enunciando-se os temas da prova.- Realizou-se a audiência final, com observância do formalismo legal.- Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:“Face ao exposto, o Tribunal julga a ação parcialmente procedente e, em consequência, decide: a) Condenar os Réus, solidariamente, a pagar à Autora a quantia de 18.657,42 €, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor para as operações civis, contados desde a data da citação até integral pagamento; b) Condenar os Réus, solidariamente, a pagar à Autora a quantia a liquidar em incidente de liquidação posterior à sentença, a título de indemnização pelos prejuízos decorrentes da quebra nas receitas ocorrida no período compreendido entre 6 e 19 de julho de 2018, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor para as operações civis, contados desde a data da citação até integral pagamento; c) Absolver os Réus do demais peticionado, inclusive do pedido de condenação como litigantes de má fé; d) Condenar a Autora e os Réus a pagar as custas da ação, definitivamente na proporção de 20% para a primeira e 60% para os segundos, sendo os restantes 20% suportados provisoriamente em partes iguais, sem prejuízo dos acertos a efetuar aquando do incidente de liquidação que vier a ser deduzido. Mais se julga parcialmente procedente o pedido reconvencional e, em consequência, decide-se: a) Condenar a Autora a pagar ao 1º Réu a quantia de 1338,00 € contra o pagamento simultâneo por este da quantia em que ora é condenado; acrescida a primeira de juros de mora calculados à taxa legal em vigor para as operações comerciais, contados desde o primeiro dia seguinte ao pagamento efetuado pelo 1º Réu até integral pagamento; b) Absolver a Autora do demais peticionado; c) Condenar a Autora e o 1º Réu nas custas da reconvenção na proporção de metade cada um”. - Os Réus vieram interpor recurso da sentença. - Nas alegações que apresentaram os apelantes formularam as seguintes conclusões:…………………………….. …………………………….. …………………………….. Termina por pedir que se declare nula a sentença por falta de fundamentação e assim não se entendendo deverá ser alterada concluindo-se pela improcedência da ação, procedendo apenas o pedido reconvencional. - A Autora veio apresentar resposta ao recurso, formulando as seguintes conclusões:…………………………….. …………………………….. …………………………….. Termina por pedir a improcedência do recurso, mantendo-se a decisão recorrida. - O recurso foi admitido como recurso de apelação.- Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.- II. Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC. As questões a decidir: - nulidade da sentença, nos termos do art. 615º/1/2 b); - reapreciação da decisão de facto e ampliação da decisão de facto; - responsabilidade dos réus e nexo de causalidade, no pressuposto da alteração da decisão de facto; - liquidação dos danos; - do prazo para denúncia dos defeitos; - caducidade do prazo para exercer o direito à eliminação dos defeitos. - 2. Os factosCom relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância: 1. A Autora dedica-se à atividade de transportes nacionais e internacionais de mercadorias e atividade de mudança por via rodoviária, o que faz mediante utilização de veículos pesados a partir de Portugal para a Europa e da Europa para Portugal. 2. O 1º Reu é comerciante em nome individual e exerce a atividade profissional de mecânica de veículos automóveis. 3. A 2ª Ré dedica-se à atividade de retificação de motores automóveis, marítimos, tratores e outros. 4. Pelo menos até à data da entrada da presente ação em juízo, a Autora foi dona e legítima proprietária do veículo automóvel de pesados de marca D ... e com a matrícula ..-UC-... 5. No início do mês de junho de 2018, o referido veículo apresentou uma anomalia que impediu o seu correto e normal funcionamento. 6. Nesse seguimento, o legal representante da Autora solicitou ao 1º Réu que avaliasse tal anomalia. 7. Realizada a dita avaliação, o 1º Réu concluiu que o problema detetado tinha origem numa avaria do motor e que para proceder à reparação tinha de o “abrir”, o que transmitiu ao legal representante da Autora. 8. Nesta sequência, o legal representante da Autora solicitou ao 1º Réu que procedesse à reparação do motor. 9. O que 1º Réu aceitou, iniciando nos dias seguintes a sua reparação, que realizou nas instalações da Autora. 10. Volvidos alguns dias, o 1º Réu transmitiu ao legal representante da Autora que a causa da avaria consistia num problema existente no bloco do motor, que permitia a entrada de água nesse bloco e num dos cilindros. 11. E acrescentou que, para solucionar o referido problema, o bloco do motor deveria ser levado para retificação. 12. Transmitindo ainda que, uma vez que a colaça se encontrava desmontada, a retificadora deveria realizar o teste da colaça, proceder à retificação e descarbonização da mesma, a título preventivo, uma vez que esta aparentemente se encontrava em boas condições. 13. Dado que a retificadora sita na Trofa escolhida pelo legal representante da Autora não tinha condições para efetuar a reparação, o 1º Réu recomendou uma retificadora sua conhecida, da sua inteira confiança e com quem habitualmente trabalhava, a aqui 2ª Ré. 14. Nesta sequência, a Autora autorizou que a retificação fosse feita pela 2ª Ré, tendo esta realizado a retificação do bloco do motor, da colaça e das respetivas válvulas, o que veio a acontecer ainda no decorrer do referido mês de junho de 2018. 15. O motor foi transportado para as instalações da 2ª Ré e posteriormente para as instalações da Autora já desmontado e em veículo desta. 16. A Autora pagou à 2ª Ré, em 29 de junho de 2018, a quantia de 1.305,58€, pela retificação do motor. 17. Terminada a retificação do motor pela 2ª Ré, o 1º Réu deu início, nas instalações da Autora, à montagem do mesmo e à substituição de componentes, que segundo aquele teriam de ser substituídos. 18. Sendo que, para o efeito, indicou à Autora quais as peças que esta deveria adquirir junto de um concessionário D .... 19. De modo que, no dia 26 de junho de 2018, a Autora adquiriu à sociedade comercial “A..., S.A.” – representante oficial da marca D ... em ... – um conjunto/Kit de revisão de motor, o qual era composto por diversos componentes necessários à revisão do motor e pelo qual pagou a quantia de 3.321,00€. 20. O 1º Réu procedeu à montagem dos referidos componentes dentre os que não haviam já sido colocados pela 2ª Ré no motor do veículo da Autora. 21. Acabada a montagem do motor, o veículo foi colocado a trabalhar. 22. No dia 3 de julho de 2018, o 1º Réu deu a dita reparação como concluída. 23. No dia 4 de julho de 2018, o referido veículo efetuou uma carga de mercadoria no concelho de Mangualde, com destino a Madrid, sendo que em seguida iria efetuar o carregamento de mais duas cargas, uma em Madrid e outra em Zaragoza, ambas com destino à Holanda. 24. Nesse dia, após o carregamento da carga em Mangualde, no decurso da viagem o motorista da Autora apercebeu-se de fumo a sair do interior do motor do veículo, efetuou uma paragem de emergência e contactou o legal representante da Autora. 25. Na sequência do que este chamou a assistência em viagem da D ..., a fim de se deslocar ao local, no caso à berma da autoestrada A..., o que veio a acontecer. 26. Tendo-se apurado que o tubo de água do motor se havia soltado e acabou por se danificar, pelo que foi substituído pelo mecânico da D .... 27. Nesse dia, o legal representante da Autora contactou o 1º Réu e transmitiu o sucedido. 28. O motorista da Autora prosseguiu viagem com destino às cidades espanholas de Madrid e Zaragoza. 29. Porém, no dia 6 de julho de 2018, após passar a fronteira entre Espanha e França, o motorista da Autora ouviu um barulho metálico, aparentemente oriundo do motor e viu sair um abundante fumo branco pelo tubo de escape, o que comunicou ao legal representante da Autora. 30. De seguida, este comunicou o sucedido ao 1º Réu, transmitindo-lhe para verificar e solucionar o problema rapidamente, uma vez que a viatura se encontrava parada na estrada, carregada com carga propriedade dos clientes e tinha prazos de entrega a cumprir. 31. Perante a ausência de qualquer solução por parte do 1º Réu, o veículo foi transportado para o concessionário D ... mais próximo daquele local, que ficava a cerca de 16 km de distância, na cidade de Irún, em Espanha, a fim de ser apurada a origem do problema. 32. Tendo-se apurado que uma válvula de escape do motor do veículo se havia partido, o que provocou danos nos restantes elementos desse cilindro: camisa, válvulas, câmara de combustão e pistão. 33. Do que a Autora foi informada pelo referido concessionário no dia 9 de julho de 2018, tendo de imediato o seu legal representante contactado com um dos legais representantes da 2ª Ré – BB – e comunicado o sucedido. 34. Este prontamente lhe transmitiu que a sua empresa não tinha qualquer responsabilidade e que uma eventual avaria apenas poderia ter origem em algum defeito de montagem das peças pelo mecânico. 35. Em face desta resposta, o representante da Autora contactou novamente com o 1º Réu, transmitindo-lhe o sucedido e solicitando uma solução urgente, dado que a sua viatura se encontrava carregada e precisava de seguir viagem para o destino. 36. Porém, o 1º Réu transmitiu não ter responsabilidade e que a existir qualquer defeito no motor, este teria origem na retificação do bloco e colaça do motor feito pela 2ª Ré. 37. O veículo encontrava-se avariado em Espanha, carregado com carga de clientes com destino à Holanda. 38. A Autora tinha prazos de entrega a cumprir junto dos seus clientes. 39. Em face disso, e perante a posição dos Réus, a Autora contratou uma outra empresa de transporte internacional, denominada “U..., Lda”, que enviou um veículo pesado ao local onde se encontrava depositada a viatura avariada da Autora e procedeu ao transbordo da carga e posterior entrega da mesma aos clientes. 40. Por estes serviços a Autora pagou 2.400,00€. 41. Este veículo era, à data, o único que a Autora utilizava no exercício da sua atividade. 42. Em face disso, e perante a posição dos Réus, acabou por contratar o concessionário da D ... sito em Irún para proceder à substituição do referido motor. 43. Para o efeito, adquiriu um outro motor D ..., recondicionado, à sociedade comercial “E...”, tendo pago pelo mesmo a quantia de 11.685,00€. 44. E transportou o mesmo até Irún para a oficina do concessionário D..., S.L.”, que procedeu à montagem e substituição do motor avariado, que foi concluída no dia 19 de julho de 2018. 45. Pelos serviços de substituição do motor acima referidos, a Autora pagou 4.572,42€. 46. A Autora pagou a remuneração mensal do seu motorista, entre os dias 6 e 19 de julho de 2018. 47. No período compreendido entre os dias 6 e 19 de julho de 2018, o veículo em apreço esteve avariado e imobilizado, não tendo a Autora efetuado transportes de carga de mercadorias com o mesmo. 48. O que gerou uma quebra nas receitas e um prejuízo em montante não concretamente apurado. 49. O preço dos trabalhos de reparação do veículo realizados pelo 1º Réu AA ascendeu a 1.338,00€, que a Autora não pagou. 50. A presente ação deu entrada em 02.07.2019. - Factos não provados:Com relevância para a decisão da causa, não se provou que: a) Para além do apurado em 12, deveria a retificadora trocar as molas e vedantes de válvulas. b) Para além do apurado em 27, antes de chamar a assistência em viagem, o legal representante da Autora contactou com o 1º Réu e chamou tal assistência em virtude da ausência de solução deste. c) A causa da avaria referida em 26, deveu-se à falta de aperto de uma braçadeira que segurava o tubo. d) A assistência no local levada a cabo pelo concessionário da marca D ... para reparação da avaria aludida em 26, importou um custo para a Autora de 475,48€. e) A causa da avaria referida em 32, deveu-se ao embate da válvula no pistão. f) Para além do apurado em 37 e 38, o concessionário da D ... em Irún já havia transmitido à Autora que iria começar a cobrar parque diário pelo depósito da viatura nas suas instalações. g) O motorista da Autora no período a que se refere o ponto 47 não exerceu atividade, em virtude da avaria do veículo e a remuneração desse período ascendeu ao montante de 581,06€. h) A perda de receitas referida em 48 originou um prejuízo de cerca de €5.209,93. i) Após a reparação feita pelo 1º Réu em abril/maio de 2018, o motor do veículo continuava a apresentar aquecimento e foi o mecânico da D ... que aconselhou o sócio gerente da Autora a tirar a colaça do motor, efetuar as respetivas afinações e a levá-la a uma retificadora para ser testada. j) Uma vez que o bloco do motor tinha que levar uma aplicação e não estava a cem por cento, o 1º Réu aconselhou o sócio-gerente da Autora a aproveitar os pistões que estavam bons, as cinco camisas que também estavam boas, montando-se segmentos de pistão, bronzes de viela e apoio, bem como aconselhou a fazer uma revisão aos bicos de injetor. k) O sócio-gerente da Autora não queria gastar dinheiro e disse que apenas iria efetuar a retificação do bloco. l) O sócio-gerente da Autora acompanhou os serviços efetuados pela 2ª Ré, dando-lhe ordens diretas para o efeito. m) A Autora não forneceu válvulas novas por achar o valor das mesmas caro e optou por retificar as usadas. n) O sócio gerente da Autora solicitou que o 1º Réu fosse acompanhado, na montagem do motor, por um engenheiro da D ... de ..., escolhido pelo mesmo. o) O Réu AA efetuou a obra de acordo com as instruções da Autora do engenheiro da D .... p) O veículo necessitava de um carreto de distribuição, tendo a Autora adquirido, em vez de um novo, um carreto na sucata. q) O Réu AA avisou a Autora que a bomba de óleo teria de ser reparada, tendo esta adquirido uma usada na sucata e com defeito, que por ordem desta foi colocada no motor. r) As válvulas do motor foram afinadas da forma indicada pelo mecânico da D ... de .... s) O Réu AA avisou que o veículo ainda apresentava anomalias, sendo que a Autora se recusou a repará-las. t) Para além do apurado em 21, o veículo só foi colocado a trabalhar durante 15 minutos. u) O Réu AA avisou o sócio-gerente da Autora que o veículo devia ficar nas instalações durante pelo menos 2 dias a trabalhar alternativamente, a fim de avaliar o seu funcionamento. v) O sócio-gerente da Autora recusou tal indicação e o camião saiu das instalações da Autora sem ordem do Réu AA, sem ter efetuado diagnóstico ao motor, como era obrigatório e aconselhado. w) Os danos nos pistões foram causados pela falta de água, ou porque os injetores não foram substituídos, o que o sócio da Autora recusou por ser muito caro, ou por perda de óleo pela bomba do motor, já que a bomba tinha sido adquirida por esta na sucata. x) A válvula partida ficou danificada devido à injeção mal feita pelos injetores, o que provocou um acumular de combustível injetado erradamente pelos injetores. y) Se a válvula estivesse mal retificada quando o motor fizesse o ciclo de admissão ouvia-se o barulho dos gases de admissão a saírem pelo escape. z) O pistão nunca toca nas válvulas. aa) A face do motor só saiu 0,08 milímetros e a Autora não quis colocar casquilhos de pé de viela para fazer essa compensação. - 3. O direito- Nulidade da sentença - Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 5, suscitam os apelantes a nulidade da sentença, com fundamento no art. 615º/1/ b) CPC, porque o facto 38 carece de fundamentação. Com efeito, nos termos do art. 615º/1/ b) CPC, a sentença é nula, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. A nulidade ocorre desde que se verifique a falta absoluta de fundamentação, que pode referir-se só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito. A irregularidade está diretamente relacionada com o dever imposto ao juiz de motivar as suas decisões, conforme resulta do disposto no art. 607º CPC[2]. Contudo, a omissão de exame crítico das provas não preenche a apontada nulidade, pois para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na base da decisão”[3]. A falta de fundamentação da decisão de facto ou ainda, a omissão de análise crítica da prova, porque não foram ponderados determinados elementos de prova, não constitui fundamento para nulidade da sentença. O dever de fundamentação da matéria de facto, previsto no art. 607º/2 CPC, não se confunde com o dever de fundamentação da decisão final, onde se trata da aplicação do direito aos factos e apenas este vício pode gerar a nulidade da sentença. A falta de fundamentação da decisão de facto quando muito poderá gerar o reenvio do processo ao tribunal de 1ª instância para completar a fundamentação, nas circunstâncias do art. 662º/5 CPC, ou, em última instância, a anulação do julgamento, com repetição, ao abrigo do art. 662º/4 CPC. Na situação concreta, a sentença enuncia os factos provados, conforme determina o art. 607º/3 e 4 CPC e na decisão o juiz do tribunal “a quo“ atendeu apenas aos factos que transcreveu na sentença, especificando os fundamentos de direito em que assentou a decisão. Desta forma, a sentença não se mostra ferida de nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito. Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso sob os pontos 1 a 5. - - Reapreciação da decisão de facto - Nas conclusões de recurso, sob os pontos 6 a 27, os apelantes impugnam a decisão de facto, com fundamento em erro na apreciação da prova e ainda, pretendem a ampliação da decisão de facto. Começando por apreciar da ampliação da decisão de facto. Nos termos do art. 666º/2 c) CPC mostrando-se indispensável ampliar a matéria de facto, deve o tribunal da Relação alterar a decisão da matéria de facto, se a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Não sendo possível fazer uso de tal faculdade, deve o tribunal anular a decisão. A ampliação da matéria de facto mostra-se indispensável, quando se tenham omitido dos temas da prova factos alegados pelas partes que se revelam essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo juiz do tribunal “a quo”[4]. Os factos essenciais são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na ação ou na exceção. Os factos complementares são aqueles que são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte. Ambos integram a categoria de factos principais porque são necessários à procedência da ação ou exceção, por contraposição aos factos instrumentais, probatórios ou acessórios que são aqueles que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos[5]. Em conformidade com o critério legal, a ampliação da matéria de facto tem de ser indispensável, o que significa que cumpre atender às várias soluções plausíveis de direito, o enquadramento jurídico em face do objeto do recurso e ainda, com a possível intervenção e interpretação do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art. 682º/3 CPC. Nos pontos 24 a 27 das conclusões de recurso os apelantes pretendem que se adite à matéria de facto provada os seguintes novos factos: “ Não é possível determinar a causa que levou à válvula de escape do motor se ter partido, no entanto, se fosse por falha na retificação ou montagem do motor, o mesmo era detetável no teste feito a mando do autor”. Os factos em causa não foram alegados pelas partes nos respetivos articulados, o que só por si impede que possam ser atendidos. Por outro lado, não constituem factos essenciais. Supostamente os factos resultam da discussão da causa, porque os apelantes sustentam os mesmos nos esclarecimentos prestados em 27 de novembro de 2020 pelo senhor perito, Professor de Engenharia Mecânica CC. A verificar-se tal situação, cumpre ter presente o regime previsto no art. 5º do CPC. Como decorre do art. 5º do CPC o tribunal só pode decidir a questão de direito utilizando os factos alegados pelas partes, recaindo sobre a parte o ónus de alegar os factos essenciais. Considerando os apelantes que os factos omitidos constituem factos essenciais, uma vez que não constam dos articulados, não podiam ser atendidos pelo tribunal. Mas mesmo admitindo que se tratavam de factos complementares nunca poderiam ser considerados, porque não foram objeto de contraditório. Como determina o art. 5º/2 CPC, além dos factos articulados pelas partes são ainda considerados pelo juiz: - os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; - os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; - os factos notórios e aqueles que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções. A considerarem-se factos instrumentais apenas poderiam ser atendidos para efeito da fundamentação da decisão de facto, pois como determina o art. 607º/4 CPC, na fundamentação da decisão de facto o juiz indica as ilações tiradas dos factos instrumentais. Os factos em causa não constituem factos notórios, nem resultam do exercício das funções do juiz. Tratando-se de factos complementares, apenas poderiam ser atendidos, desde que tivessem sido objeto de contraditório, nos termos previstos no nº2 do citado preceito, o que no caso também não se verifica. Desta forma, não estão reunidos os pressupostos para proceder à ampliação da decisão de facto. Improcedem os pontos 24 a 27 das conclusões de recurso. - Passando à reapreciação da decisão de facto, com fundamento em erro na apreciação da prova (pontos 6 a 23 das conclusões de recurso). Os apelantes vieram impugnar e requerer a reapreciação da decisão de facto em relação aos pontos 18, 30, 33 a 36, 39, 40 e 48 dos factos provados. O art. 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos: “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3. […]” O presente regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova[6]. Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso -, motivar o seu recurso com indicação dos meios de prova que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto – fundamentação - e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação. No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e os apelantes vieram impugnar a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto impugnados, prova testemunhal (com transcrição na motivação do recurso das passagens relevantes) e documental a reapreciar e decisão que sugerem. Nos termos do art. 640º/1/2 do CPC consideram-se reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto. - Nos termos do art. 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:“ […]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão, de acordo especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[7]. Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[8]. Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º CC e art. 607º/5, 1ª parte CPC. Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “ […] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[9]. Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados ( art. 607º/4 CPC ). Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão. É através dos fundamentos constantes do despacho em que se respondeu à matéria da base instrutória que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[10]. Contudo, nesta apreciação, não pode o Tribunal da Relação ignorar que, na formação da convicção do julgador de 1ª instância, poderão ter entrado elementos que, em princípio, no sistema da gravação sonora dos meios probatórios oralmente prestados, não podem ser importados para a gravação, como sejam aqueles elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo exterior do depoente que influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe, existindo, assim, atos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que não podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador[11]. Por outro lado, porque se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[12]. Atenta a posição expressa na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos, deve considerar os meios de prova indicados pelas partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido[13]. Ponderando estes aspetos e procedendo á audição dos registos gravados no sistema Citius, face aos argumentos apresentados pelos apelantes, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto, conclui-se que a decisão de facto não merece censura pelos motivos que se passam a expor. - Ponto 18 dos factos provados - Na petição a Autora alegou: - 20. Posto isto e terminada a retificação do motor acima referida pela segunda R., o primeiro R. deu início aos serviços de montagem do motor e de substituição de componentes, os quais e segundo aquele teriam de ser substituídos. - 21. Sendo que para o efeito, indicou à A. quais as peças que esta deveria adquirir junto de um concessionário D .... O art. 20 julgou-se provado e consta do ponto 17 dos factos provados. O art. 21º mereceu a resposta que consta do ponto 18 dos factos provados: -18. Sendo que, para o efeito, indicou à Autora quais as peças que esta deveria adquirir junto de um concessionário D .... Na fundamentação da decisão ponderou-se, como se passa a transcrever: “Por seu lado, os factos nºs 10 a 20 resultaram demonstrados atentas, desde logo, as já aludidas declarações do legal representante da Autora que, com relevo, dilucidou que o problema residia no bloco do motor, mas apesar de os Réus terem concluído que não havia problemas na colaça, considerando que o motor (composto pelo bloco e pela colaça) já se encontrava aberto, sugeriram que, além da retificação do bloco, fosse feita a retificação da colaça, assim realizando uma revisão completa ao motor – tendo de resto defluído da prova testemunhal produzida que, na sequência desta operação profunda, o motor “fica como novo” –, ao que a Autora acedeu, porquanto pretendia que o motor ficasse funcional, evitando novas paragens no futuro – o que, aliás, quadra com a circunstância de a atividade da Autora ser de transporte de mercadorias e este ser o único veículo de que dispunha para o exercício da sua atividade, como defluiu assente da prova produzida a que infra se aludirá. Neste particular, o Tribunal valorou ainda as declarações das demais pessoas intervenientes nos acontecimentos, a saber: o 1º Réu AA – que, embora com uma postura muito defensiva, acabou por confirmar o teor da sua intervenção na deteção da avaria, nos trabalhos recomendados e na concreta reparação do motor – e o legal representante da 2ª Ré Retificadora – que objetivamente aludiu à parte atinente ao concreto problema do motor e aos trabalhos de retificação executados, de modo concordante com o relatado pelo legal representante da Autora, sendo certo que a realização da obra de retificação do motor do veículo já resultava aceite do teor da contestação e foi reiterada no depoimento de parte por este prestado. Na verdade, analisando globalmente estes três elementos probatórios, todos eles pautados por um inegável interesse no desfecho da causa, o certo é que não se verificaram divergências nos seus relatos quanto à intervenção dos Réus na deteção da avaria e nos trabalhos recomendados e executados por cada um no motor do veículo. Com efeito, a única discrepância verificada neste conspecto reside na intervenção do 1º Réu AA que ressalvou ter sido esta sempre acompanhada por um mecânico e/ou um engenheiro da D ... (marca do veículo), a pedido da Autora, tendo inclusivamente a montagem do motor sido realizada de acordo com as instruções do legal representante desta. A propósito, impõe-se registar que o 1º Réu AA depôs de forma precipitada, respondendo às questões formuladas antes mesmo de serem cabalmente colocadas, fazendo-o, outrossim, de modo evasivo e titubeante, centrado numa impressiva preocupação em transmitir ao Tribunal que nenhuma responsabilidade teve no trabalho que executou por diversas ordens de razões: ou porque tudo o que fez foi sob as instruções do legal representante da Autora e sob o inteiro acompanhamento e instruções de um engenheiro e de um mecânico da D ..., ou porque a Autora é que não queria gastar dinheiro e, além de só colocar peças de sucata, negou realizar intervenções que aquele recomendou para diversos males de que o veículo padecia. Deve, no entanto, precisar-se que esta versão do 1º Réu AA, além de em determinados segmentos não se mostrar consentânea com as regras da experiência comum e da normalidade da vida, não encontra respaldo em qualquer outro elemento probatório carreado para os autos. Efetivamente, não se afigura crível que sendo o 1º Réu AA mecânico de profissão há mais de 30 anos, como o mesmo admitiu – reconhecido, aliás, pelas testemunhas como um “bom mecânico” –, recebesse instruções do cliente quanto à forma como deveria executar o seu trabalho técnico, sobretudo quando este cliente – no caso o legal representante da Autora, DD – não é mecânico de profissão, como decorreu pacificamente da prova produzida. Por outro lado, esta alegação também se não compagina com aqueles segmentos do seu depoimento em que admitiu ter identificado a avaria e recomendado os trabalhos que deveriam ser realizados no motor. Por seu turno, e no que respeita à intervenção de funcionários da D ..., ainda que se admita que possa ter havido uma pontual troca de opiniões com algum engenheiro ou mecânico da D ..., o certo é que o depoimento do 1º Réu AA neste particular revelou-se inconsistente, não tendo logrado elucidar com objetividade e completude em que momentos intervieram estas pessoas e em que consistiram concretamente cada umas das suas intervenções, acabando por referir que o engenheiro da D ... nunca lá esteve aquando da montagem do motor e o mecânico passava lá à noite ou durante o dia ou quase todos os dias. Acrescente-se, outrossim, que a mera circunstância de a testemunha EE – eletricista, cujo depoimento se revelou, pelas considerações que fez, parcial em benefício do 1º Réu AA, mecânico que o próprio havia recomendado à Autora – ter mencionado que num sábado à tarde se dirigiu às instalações da Autora e viu o motor já colocado no sítio, encontrando-se o 1º Réu AA junto do camião acompanhado de uma pessoa fardada com roupa da D ..., não sabendo esclarecer o que esta estava a fazer nem o que falavam entre si, não permite credibilizar a versão do 1º Réu, tanto mais que o legal representante da Autora foi absolutamente perentório e convicto na afirmação, e reafirmação em sede de acareação, que a única pessoa que desmontou e montou o motor foi o 1º Réu, admitindo que um funcionário da D ... se terá deslocado às instalações da Autora apenas para emprestar àquele uma ferramenta de que necessitava e não dispunha. Do mesmo modo, e quanto à alegação de que a Autora não queria gastar dinheiro, negou realizar intervenções que aquele recomendou e só comprava e colocava peças da sucata, o 1º Réu limitou-se a proferir afirmações vagas e genéricas, sem qualquer referência pormenorizada ou sustentação em qualquer outro elemento probatório. Além disso, esta versão mostra-se contraditada pelos meios de prova constantes dos autos, dos quais emana que a Autora efetuou uma revisão completa ao motor, acedendo, aliás, a realizar uma intervenção na colaça por ter sido aconselhada pelos Réus nesse sentido, apesar de a mesma não padecer de qualquer avaria, tendo inclusivamente adquirido na marca um kit de revisão do motor no montante de 3.321,00€, a que acresce a aquisição pelo 1º Réu de outras peças novas para a reparação deste veículo conforme certificado de forma objetiva pela testemunha FF, comercial numa empresa que vende peças para camiões. Acresce que, concernente à factualidade aludida, o Tribunal ateve-se ainda na fatura, comprovativo de pagamento e recibo juntos a fls. 18 verso a 19 verso referentes ao pagamento da retificação realizada pela 2ª Ré Retificadora e à fatura de fls. 64 e listagem de fls. 65 no que tange à compra do kit de revisão do motor, sendo que, neste particular, impõe-se salientar ter defluido pacífico da prova por declarações produzida que a 2ª Ré Retificadora colocou parte das peças constantes do kit aquando da retificação e as restantes foram colocadas pelo 1º Réu AA na montagem do motor seguidamente realizada”. Os apelantes sugerem a alteração da decisão no sentido de se julgar provado: - O motor foi reparado com ordem, fiscalização e indicações prestadas pela Autora; - A autora forneceu as peças a serem substituídas; - A autora optou por não trocar as válvulas, guias e molas de escape. Para sustentar a alteração fazem apelo a excerto dos depoimentos das testemunhas GG e HH. Está em causa saber se concluído o trabalho executado pela segunda ré, R..., Lda e que consistiu na retificação do motor, o primeiro réu, AA, solicitou à autora peças que deveria adquirir junto do concessionário D .... As testemunhas referenciadas não revelaram ter conhecimento de tais factos. As testemunhas exercem a sua atividade profissional para a segunda ré e não revelaram ter qualquer conhecimento dos procedimentos e exigências do mecânico, primeiro réu, junto da autora. É certo que no decorrer da inquirição as testemunhas foram confrontadas com o documento nº 8 junto com a petição - página 1937 do processo eletrónico -, no sentido de esclarecerem se “o conjunto revisão motor” foi utilizado no serviço de retificação do motor. As testemunhas nada revelaram saber sobre tal matéria e limitaram-se a indicar as peças que seriam necessárias para executar o trabalho de retificação do motor, o qual é distinto do trabalho do mecânico, mas sobre este trabalho nada revelaram saber. Conclui-se que o depoimento das testemunhas não justifica a alteração da decisão, que se mantém. - - Ponto 30 dos factos provados -Na petição a autora alegou: - 37. Em ato seguido, o representante da A. comunicou com o primeiro R., dando-lhe conta do sucedido e interpelando-o para verificar o sucedido e por sua vez solucionar rapidamente o problema, atenta a necessidade e urgência da situação uma vez que a viatura se encontrava na estrada, carregada com carga propriedade dos seus clientes e tinha prazos de entrega rigorosos a cumprir (Doc. n.º 15 que se junta e se considera por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). Julgou-se provado: 30. De seguida, este comunicou o sucedido ao 1º Réu, transmitindo-lhe para verificar e solucionar o problema rapidamente, uma vez que a viatura se encontrava parada na estrada, carregada com carga propriedade dos clientes e tinha prazos de entrega a cumprir. - - Pontos 33, 34, 35, 36 dos factos provados -A Autora alegou: - 40. Posto isto, no dia 9 de julho de 2018, foi informada pelo supra referido concessionário da D ... que, o motor do seu veículo tinha um pistão totalmente danificado e uma válvula parcialmente partida. - 41.Segundo aquele concessionário, a válvula terá batido no pistão e por conseguinte danificado o mesmo, e em consequência uma “camisa” do bloco rachou. - 42. Nesta sequência, de imediato o representante da A. contactou com um dos legais representantes da segunda R. – BB – e comunicou o sucedido, no entanto prontamente lhe transmitiu que a sua empresa não teria qualquer responsabilidade no incidente, e que uma eventual avaria apenas poderia ter origem em algum defeito de montagem das peças originais D ... adquiridas em estado de novo, pelo mecânico (Cfr. Doc. n.º 2 que se junta). - 43. Ora face à resposta dada pela segunda R., o representante da A. contactou novamente com o primeiro R. transmitindo-lhe o sucedido mais tendo voltado a reforçar que a sua viatura se encontrava carregada e que precisava de seguir viagem para o destino - Holanda -, pelo que aquele teria de adotar uma solução urgente (Cfr. Doc. n.º 15 que se junta). - 44. Porém, e para total espanto da A., o primeiro R. declinou de imediato a assunção de qualquer responsabilidade no sucedido, mais tendo afirmado inclusive que a existir qualquer defeito no motor, aquele só poderia ter origem na retificação do bloco e colaça do motor, portanto nos serviços prestados pela segunda R.. Julgaram-se provados os seguintes factos: 33. Do que a Autora foi informada pelo referido concessionário no dia 9 de julho de 2018, tendo de imediato o seu legal representante contactado com um dos legais representantes da 2ª Ré – BB – e comunicado o sucedido. 34. Este prontamente lhe transmitiu que a sua empresa não tinha qualquer responsabilidade e que uma eventual avaria apenas poderia ter origem em algum defeito de montagem das peças pelo mecânico. 35. Em face desta resposta, o representante da Autora contactou novamente com o 1º Réu, transmitindo-lhe o sucedido e solicitando uma solução urgente, dado que a sua viatura se encontrava carregada e precisava de seguir viagem para o destino. 36. Porém, o 1º Réu transmitiu não ter responsabilidade e que a existir qualquer defeito no motor, este teria origem na retificação do bloco e colaça do motor feita pela 2ª Ré. Na fundamentação da decisão ponderou-se como se passa a transcrever: “[…] Os factos provados nºs 28 a 36 resultaram das declarações do legal representante da Autora conjugadas com o depoimento da testemunha II, seu motorista, elementos de prova devidamente entrecruzados com a folha de assistência de fls. 70, o mapa de registo da atividade do veículo de fls. 72 e a fatura de comunicações de fls. 73 e 74, cujos contactos telefónicos pertencem ao 1º Réu AA e ao legal representante da 2ª Ré Retificadora como admitido a fls. 168 verso. No que respeita ao concreto dano verificado no motor, atendeu-se também à prova pericial realizada, cujo relatório consta a fls. 112 a 116 dos autos e ao relatório elaborado pela D ... após a avaria correspondente ao documento nº 24 da petição inicial, e, bem assim, aos esclarecimentos prestados pelo Senhor perito e ao depoimento da testemunha JJ, funcionário do concessionário D ... que realizou tal análise. Em especial no que tange aos segmentos em que a prova por declarações foi dissonante, que respeita ao conteúdo dos contactos realizados com os Réus, importará detalhar que mereceu inteiro acolhimento a narração do legal representante da Autora, refletida nos factos provados, não só por ser aquela que melhor se coaduna com as regras da lógica e da experiência comum, mas também por a versão dos Réus, além de com estas não se compatibilizar, não encontrar ressonância em qualquer outro elemento probatório, o que já sucede quanto à versão da Autora Na verdade, se o 1º Réu AA confirmou os aludidos contactos – como não poderia deixar de ser em face da prova documental supra aludida – e certificou ter-lhe sido transmitido que o veículo estava carregado, em Irún, adiantando ainda que a Autora tinha de chamar um pronto socorro pois não tinha condições para lá se deslocar – o que vai de encontro ao relato do legal representante da Autora de que aquele se recusou a deslocar-se ao local, não apresentando qualquer solução –, contraditoriamente, afirmou que aquela nunca lhe solicitou que reparasse o veículo. Ora, o que resulta objetivamente dos autos é que a Autora contactou o 1º Réu AA assim que teve conhecimento da avaria do motor, não tendo este logrado apresentar qualquer justificação lógica alternativa para a circunstância de a Autora o ter contactado duas vezes no dia da avaria (em 06.07.2018), uma delas às 08h33 – momento da ocorrência conforme resultou das declarações do legal representante da Autora – e novamente no dia 09.07.2018, data em que tomou conhecimento pelo concessionário D ... do problema verificado no motor. Na verdade, tendo os referidos contactos efetivamente ocorrido nos momentos exarados, não se descortina nos autos qualquer outra razão para a sua existência, que não a de terem servido para comunicar a ocorrência, pedir uma solução e reclamar responsabilidades. Do mesmo modo, também o legal representante da 2ª Ré Retificadora atestou ter recebido o contacto da Autora, ressalvando, contudo, que o mesmo se cingiu à questão colocada por esta sobre o motivo pelo qual uma válvula poderia partir e, interpelada por aquele, respondeu que não havia nenhum problema e que queria saber “por nada”. Ora, além deste relato não encontrar apoio em qualquer outro elemento probatório e se afigurar como a solução passível de ser dada no confronto entre a concreta avaria e o registo da chamada telefónica por alguém que nega a denúncia atempada dos defeitos, o certo é que não se afigura minimamente crível que em face de uma avaria desta magnitude – que danificou o motor ao ponto de justificar a sua substituição – após uma intervenção realizada pela 2ª Ré Retificadora no concreto órgão que avariou, a Autora a tivesse contactado tão somente para colocar uma questão, sem relatar o que acontecera e afirmando até, em desacordo com a realidade, que não tivera qualquer problema, quando o problema vivenciado não era de somenos importância. No que tange em particular à concreta avaria, conjugada a prova pericial realizada, incluindo os esclarecimentos prestados pelo Senhor perito em audiência de julgamento, com o relatório elaborado pelo concessionário D ... após a avaria, e com o depoimento da testemunha JJ que realizou tal análise, é possível concluir que a avaria verificada em 06.07.2018 deveu-se à fratura da válvula de escape de um dos cilindros do motor – que havia sido retificada pela 2ª Ré – , cuja rutura causou danos nos restantes elementos desse cilindro: camisa, válvulas, câmara de combustão e pistão”. Sugerem os apelantes a alteração da decisão do ponto 30, no sentido de se julgar provado: - “O autor ligou ao primeiro Réu dia 6 de Julho de 2018”. Para sustentar a alteração da decisão faz apelo ao depoimento da testemunha HH. Estava em causa apurar se a autora comunicou ao primeiro réu que em 06 de julho 2018 o veículo sofreu uma avaria e estava parado na estrada. A testemunha em causa não revelou ter qualquer conhecimento dos factos, mais precisamente que contatos foram estabelecidos entre a Autora e o primeiro réu, quando em 06 de julho 2018 o camião ficou parado na estrada. A testemunha veio depor apenas sobre os serviços de retificação executados no motor, explicando detalhadamente em que consistiu o trabalho que executou (retificação das sedes e das válvulas). Desta forma, não pode o seu depoimento sustentar a alteração pretendida. Em relação aos pontos 33 a 36 dos factos provados, os apelantes sugerem as seguintes alterações: - “Do que a autora foi informada pelo referido concessionário no dia 9 de Julho de 2018”, e “O representante da Autora contactou novamente com o 1º Réu”. Consideram que a restante matéria deve julgar-se não provada. Os apelantes consideram que existe excesso de valoração das declarações de parte do legal representante da autora, subvertendo o instituto do ónus da prova. Sustentam, ainda, a alteração no depoimento da testemunha HH. Sobre a prova produzida por declarações de parte, cumpre ter presente que nos termos do art. 466º/1 CPC as partes podem prestar declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto. As declarações prestadas são apreciadas livremente pelo tribunal, salvo se constituírem confissão, como se prevê no art. 466º/3 CPC. A parte deve ser admitida a prestar declarações apenas sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto e que sejam instrumentais ou complementares dos alegados. Daqui resulta que não merece relevo probatório as declarações que assentem em relato de terceira pessoa e ainda, aquela em que a parte se limita a narrar os factos alegados no respetivo articulado. Como refere FERNANDO PEREIRA RODRIGUES: “[…] também é suposto que a parte ao requerer a prestação das suas declarações não seja apenas para confirmar o que já narrou nos articulados através do seu mandatário. Seria inútil a repetição do que já é do conhecimento do tribunal. Por isso, estarão sobretudo em causa factos instrumentais ou complementares dos alegados de que a parte tenha tido conhecimento direto ou em que interveio pessoalmente e que se mostrem com interesse para a descoberta da verdade”[14]. LEBRE DE FREITAS a propósito do valor probatório das declarações de parte observa:” [a] apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efetivamente ouvidas”[15]. O valor probatório das declarações de parte, avaliado livremente pelo tribunal, estará sempre dependente do confronto com os demais elementos de prova. Na fundamentação da decisão respeitou-se o critério legal, porque as declarações de parte foram livremente valoradas como meio de prova em confronto com a demais prova produzida (testemunhal, documental, pericial e declarações de parte) e por isso, não merece censura a consideração de tal meio de prova. Por outro lado, o depoimento da testemunha HH não justifica a alteração da decisão, porque a testemunha não foi inquirida sobre as circunstâncias em que ocorreu a avaria no veículo. Quanto à comunicação da avaria, a testemunha limitou-se a referir que apenas tomou conhecimento da mesma quando a ré foi citada para a ação, mas sem dar qualquer explicação adicional, sobre o motivo do conhecimento, na medida em que a testemunha não figura como parte, nem é o legal representante da segunda ré, razão pela qual o seu depoimento nesta parte não merece qualquer relevo probatório. A testemunha apenas foi inquirida sobre a natureza do trabalho que executou e confrontado com a questão da causa do dano na válvula, não indicou um concreto motivo, refutando qualquer responsabilidade, mas sem qualquer sustentação, pois não voltou a analisar ou verificar o motor. Contudo, não deixou de admitir que ocorrendo o embate do pistão na válvula, esta fica empenada e acaba por partir. Aliás, o depoimento da testemunha revelou-se algo contraditório e confuso, porque se por um lado, referiu que se mostrava necessário substituir as válvulas do motor (“porque estavam muito desgastadas”) e casquilhos da viela, bem como, as molas de escape dando conhecimento do facto ao seu patrão, não deixou de proceder à retificação das válvulas e de executar o trabalho. Por outro lado, referiu que não se deve mexer na cabeça do pistão, contrariando as considerações tecidas pelo perito no seu relatório (página 1416-1417 dos processo eletrónico) e os acertos devem ser realizados noutras peças do motor (“retifica-se o batente onde as camisas encaixam para compensar a diferença”). O depoimento da testemunha não permite obter qualquer conclusão sobre a causa da avaria, na sequência da reparação efetuada pela segunda ré e sobretudo, não permite concluir que a ré usou os procedimentos exigíveis na execução do trabalho. Conclui-se, assim, que não se justifica a alteração da decisão, que se mantém. - - Pontos 39, 40, 48 dos factos provados -Na petição a autora alegou: - 49. Pelo que foi assim a A. obrigada a contratar uma outra empresa, igualmente transportadora de serviço internacional, no caso a sociedade “U..., Lda”, a qual enviou um veículo pesado ao local onde se encontrava depositada a viatura avariada da A. e aí procederam ao transbordo da carga e posterior entrega da mesma aos clientes da A., sitos na Holanda. - 50. Para pagamento dos serviços prestados pela referida transportadora e acima discriminados, a A. assumiu um custo de €2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros) (Docs. n.º 18 e 19 que se juntam e se consideram por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos). 58. O que gerou uma inevitável quebra nas receitas expectáveis – perda de ganho - no referido mês de julho de 2018, acarretando deste modo mais um prejuízo para a A. em cerca de €5.209,93 (cinco mil duzentos e nove euros e noventa e três cêntimos) (Doc. n.º 23 que se junta e se considera por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos). Provou-se: 39. Em face disso, e perante a posição dos Réus, a Autora contratou uma outra empresa de transporte internacional, denominada “U..., Lda”, que enviou um veículo pesado ao local onde se encontrava depositada a viatura avariada da Autora e procedeu ao transbordo da carga e posterior entrega da mesma aos clientes. 40. Por estes serviços a Autora pagou 2.400,00€. 48. O que gerou uma quebra nas receitas e um prejuízo em montante não concretamente apurado. Na fundamentação da decisão considerou-se como se passa a transcrever: “[…] Por sua vez, a decisão de considerar provados os factos nºs 37 a 48 fundou-se nas declarações do legal representante da Autora e no depoimento da testemunha II, seu motorista, conjugadas com o relatório de atividade de fls. 75 e 76, fatura de fls. 79, comprovativo de pagamento de fls. 80, faturas de fls. 81, 82 e 83 e recibo de fls. 85. A propósito, o legal representante da Autora explicou que, na sequência da última avaria, o veículo teve de ser transportado por camião grua, pois o motor não podia trabalhar, sendo que foi transportado para a oficina mais próxima da marca, dado que o custo de o trazer para Portugal rondava os 15/20 mil euros. Esclareceu, ademais, que era impossível reparar um motor com estes danos e, por isso, substituiu-o por um motor recondicionado, tendo, a propósito, a prova pericial realizada concluído que “Um motor com este tipo de problemas e tendo em conta os antecedentes, a substituição do motor por outro recondicionado é uma solução mais rápida e mais aconselhada”, acrescentando que “nada indica que os valores apresentados estejam fora do que é razoável para a situação em causa”. Em particular no que concerne ao facto de este veículo ser o único que à data a Autora utilizava no exercício da sua atividade, este resultou demonstrado pelas declarações do legal representante da Autora, conjugado com o depoimento do motorista II e com o documento de fls. 245, na sequência da notificação do Tribunal realizada em audiência de julgamento, por tal facto ser essencial complementar atenta a urgência invocada e ter emergido da instrução da causa (ata de 11.12.2020)”. Os apelantes sugerem a alteração da decisão, no sentido de se julgar provado: -“A Autora contratou uma empresa de transporte internacional, denominada “U..., Lda”, para transporte de mercadoria a 16-08-2018;” e, - “A Autora transferiu a 25-09-2018, 2.400,00€ para a conta ...”; - “Não houve quebra nas receitas ou prejuízo”, ou em alternativa, e assim não se entendendo, ser dado como não provado o facto 48. Sustentam os apelantes a alteração da decisão, sob os pontos 39 e 40, na fatura junta sob doc. 18 da contestação, porque na mesma se refere que aos serviços prestados pela “U..., Lda” à Autora “os artigos faturados foram colocados à disposição do adquirente em 16-08-2018”. Ora, o veículo da Autora ficou imobilizado do dia 6 ao dia 19 de Julho. No dia 16 de Agosto, há muito estava reparado. A fatura emitida prevê como condições de pagamento “pronto pagamento”, no entanto a transferência apenas foi feita dia 25-09-2018. Existe na alegação dos apelantes um lapso, porque os réus não juntaram documentos com a contestação e o documento em causa encontra-se junto com a petição. Apenas a leitura integral do documento permite a sua correta interpretação. Resulta do seu teor que foi emitido em 16 de agosto de 2018 e com data de vencimento em 16 de agosto de 2018. O excerto do documento que os apelantes transcrevem está truncado e não reflete o que está escrito no documento. A frase completa é a seguinte: “(Alínea f) do número 5 do Art. 36º CIVA) Os Artigos faturados foram colocados à disposição do adquirente em 16-08-2018”. A declaração inscrita no documento, consta para efeito de declaração de IVA. O mesmo documento contém na “descrição”: “Origem: Garagem D ... em Irun – Espanha Destino: Rotterdam – Holanda Transporte de oito viaturas usadas de marca ... discriminadas conforme o CMR nº ... Isento Artigo 14º do CIVA (ou similar) Viaturas transladadas de um camião avariado da Empresa P..., Lda. para o camião .. TV .. da U..., Lda”. Os apelantes não confrontaram o declarante e as testemunhas com o teor do documento. Por outro lado, não resulta do documento que o serviço de transporte foi executado em 16 de agosto de 2018. Acresce que dada a natureza do serviço em causa seria impensável que o mesmo se iniciasse e concluísse no mesmo dia, quando estamos a falar do transporte terrestre entre Irun-Espanha e Roterdão-Holanda. Da singela análise da fatura apenas se extrai que o serviço em causa foi faturado em 16 de agosto de 2018. O talão de transferência bancária comprova a ordem e transferência. O confronto de tal documento com as declarações de parte do legal representante da autora e com o depoimento da testemunha II é que permitem concluir que o pagamento do serviço de transporte foi efetuado, tal como se considerou na fundamentação da decisão, com argumentos que não merecem censura, porque conformes com a prova produzida. Não se justifica desta forma a alteração da decisão. Quanto ao ponto 48 dos factos provados, os apelantes sustentam a alteração no documento nº 23, junto com a contestação. Da análise do documento concluem que não existe qualquer quebra na receita, muito pelo contrário: no mês de Julho de 2018 houve uma faturação de €8.704,60, sendo que em Julho de 2019 a faturação foi nula. Não existe qualquer demonstração de quebra nas receitas e prejuízo. Mais uma vez os apelantes fazem referência a um documento que não existe, porque na contestação não juntaram qualquer documento. O documento nº 23, junto pela autora com a petição, contém um gráfico com a variação da faturação nos anos de 2018 e 2019. Está em causa apurar a variação de receitas no mês de julho de 2018, motivada pela paragem do camião entre 06 de julho e 19 de julho desse ano. Não merece assim qualquer relevo o volume de faturação em julho de 2019, a que se reportam os apelantes. Conclui-se que também sob este ponto, não se justifica alterar a decisão de facto. Improcedem, assim, as conclusões de recurso sob os pontos 1 a 27, mantendo-se a decisão de facto. - - Responsabilidade dos réus e nexo de causalidade, no pressuposto da alteração da decisão de facto -Nas conclusões de recurso sob os pontos 45 a 49 e 53 a 58 os apelantes insurgem-se contra o segmento da sentença que considerou que as rés não ilidiram a presunção de culpa e bem assim, quanto ao nexo de causalidade entre o defeito e os danos resultantes da contratação de um veículo para transporte da mercadoria para a Holanda, mas no pressuposto da alteração da decisão de facto. Contudo, mantendo-se inalterada a decisão de facto e não se insurgindo os apelantes contra os fundamentos de direito, nada cumpre reapreciar quanto a tal matéria. Improcedem as conclusões de recurso, sob os pontos 45 a 49 e 53 a 58. - - Liquidação dos danos -Nos pontos 50 a 52 das conclusões de recurso os apelantes insurgem-se contra o segmento da sentença que relegou para liquidação a fixação da indemnização pelos prejuízos sofridos com a quebra de receitas, motivada pela paragem do veículo. Na sentença, fundamentou-se a decisão, nos termos que se passam a transcrever: “ Além disso, decorre da matéria de facto assente que tal cumprimento defeituoso do contrato determinou a imobilização do veículo no período compreendido entre os dias 6 e 19 de julho de 2018, durante o qual a Autora não exerceu o seu objeto social, ou seja, não efetuou transportes de mercadorias com o referido veículo, o que gerou uma quebra nas receitas e um prejuízo em montante não concretamente apurado. Ora, uma vez que os aludidos danos foram causados pelo facto ilícito e culposo consistente no cumprimento defeituoso do contrato pelos Réus, são danos indemnizáveis ao abrigo da citada disposição legal, sendo que, quanto ao dano correspondente à quebra das receitas, não havendo elementos para fixar a quantidade, impõe-se condenar no que vier a ser liquidado em incidente posterior (artigos 609º, nº 2 e 358º, nº 2 do CPC)”. Argumentam os apelantes que quanto à condenação a liquidar em execução de sentença, o requisito essencial para que o tribunal possa remeter para liquidação em execução de sentença é que se prove a existência de danos, ainda que se desconheça o seu valor. Não tendo a autora logrado provar os danos que alegou, não é possível relegar para execução o apuramento, a determinação e a prova dos próprios danos – nº 2 do artigo 609ºCPC. Mais observam que a Autora juntou documentos referentes à perda que alega ter. Refere e atribui um valor concreto de perdas. Não pede a condenação em valor a apurar em incidente de liquidação de sentença e por isso, perante o pedido e o valor apresentado, a sentença deveria seguir uma das duas vias: dar o prejuízo já quantificado pela autora como provado ou não provado. Claramente não ficaram os danos demonstrados. Não dando por provado o valor peticionado pela recorrida sempre teria que dar como improcedente o pedido pelos mesmos. A questão que se coloca consiste em determinar se estão reunidos os pressupostos para relegar para liquidação a fixação do montante da indemnização, quanto o dano relacionado com perda de receitas. Como se prevê no art.564º/1 CC “o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”. De acordo com o nº2 do mesmo preceito, “na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”. Como manifestação do princípio do dispositivo e face à previsão do art. 609º/1 CPC, o juiz, na sentença, não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir. Não respeitando tais limites a sentença é nula, nos termos do art. 615º/1 /2/e) CPC. Contudo, como se prevê no art. 609º/2 CPC, se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida. A obrigação ilíquida é aquela em que o seu valor não está apurado. Contudo, a liquidação só visa concretizar o objeto da condenação, com respeito do caso julgado decorrente da ação declarativa, onde se fixou a obrigação[16]. De acordo com o regime previsto no art. 360º/4 CPC quando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial. Relegando-se para liquidação o apuramento do objeto da condenação representa por parte do tribunal o reconhecer que assiste ao autor ou ao réu um direito de crédito. No caso presente a autora veio peticionar os prejuízos sofridos com a quebra nas receitas expectáveis - perda de ganho - no mês de julho de 2018, que quantificou em cerca de €5.209,93 (cinco mil duzentos e nove euros e noventa e três cêntimos). Apurou-se, tão só, que a imobilização do veículo gerou uma quebra nas receitas e um prejuízo em montante não concretamente apurado. Apurou-se o dano e o nexo de causalidade entre o dano e a avaria no camião. Contudo, não foi possível quantificar o valor do prejuízo sofrido, o que justificou a fixação da obrigação em montante ilíquido. Por aplicação do regime previsto no art. 604º/2 CPC o juiz não ultrapassou os limites do pedido, quando de forma motivada relegou a fixação do montante da indemnização para liquidação, sendo certo que os danos estão apurados. A liquidação visa apenas a quantificação do prejuízo sofrido. Desta forma, apesar de ser deduzido um pedido líquido não está o juiz vinculado ao valor peticionado e mesmo que não consiga apurar o montante exato do prejuízo, tal circunstância não determina a improcedência da pretensão formulada. Conclui-se que a decisão não merece censura quando relegou, em parte, para liquidação o montante da indemnização devida pelos réus à autora. Improcedem, as conclusões de recurso sob os pontos 50 a 52. - - Do prazo para denúncia dos defeitos -Nas conclusões de recurso, sob os pontos 28 a 41, os apelantes suscitam a caducidade do direito de ação, porque os defeitos não foram objeto de denúncia no prazo de 30 dias e a denúncia apenas ocorreu com a citação para os termos da ação. Trata-se de uma questão nova, atenta a postura assumida pelos apelantes na contestação, onde alegaram o que se passa a transcrever: “ art.39º No dia seguinte, o Réu AA foi informado pelo sócio-gerente da Autora que o camião tinha soltado um tubo de água e tinha batido na ventoinha, e que o motorista do mesmo ouviu um barulho, tendo chamado a assistência D .... Art.40º A assistência viu a anomalia, substituiu o tubo de água, disse que estava tudo bem e que o veículo podia continuar a viagem. Art.41º Assim, e pelo descrito, nenhuma culpa assiste aos Réus e, como tal, estes nada têm a indemnizar à Autora. Na realidade, Art.42º O veículo apresentava um mau estado de conservação. Art. 43º No veículo eram aplicadas peças de sucata, sem qualquer garantia. Art.44º O Réu AA efetuou a obra de acordo com as instruções da Autora e com peças por esta fornecidas. Art.45º O Réu AA efetuou a obra com o Engenheiro da D .... Art. 46º O Réu AA avisou que o veículo ainda apresentava anomalias, sendo que a Autora se recusou a repará-las. Art. 47º Se saía fumo do interior do motor isto era por alguma anomalia ter acontecido, normalmente originada pela perda de água quando a mangueira da mesma se soltou. Art.48º Se os pistões ficaram danificados, o que se desconhece, tal pôde ser causado pela avaria referida em 1º, ou seja, falta de água como foi referido; Art.49º Ou igualmente porque os injetores não foram substituídos, isto porque o sócio da Autora disse para não o fazer já que era muito caro; Art.50º Ou por perda de óleo pela bomba do motor, já que a bomba colocada era da sucata e adquirida pelo sócio da Autora. Art 51º A válvula partida ficou danificada devido à injeção mal feita pelos injetores, o que provocou um acumular de combustível injetado erradamente pelos injetores. Art. 52º Em relação ao pistão tocar na válvula é impossível porque, na montagem e no trabalhar do motor, seria logo detetado. Art.53º Se a válvula estivesse mal retificada quando o motor fizesse o ciclo de admissão ouvia-se o barulho dos gases de admissão a saírem pelo escape. Art. 54º Todas as válvulas são rodadas com esmeril grosso e fino para uma melhor vedação. Art.55º O pistão nunca toca nas válvulas. Art.56º A face do motor só saiu 0,08 centésimas de milímetro. A Autora não quis colocar casquilhos de pé de biela para fazer essa compensação. Um pistão nunca deve ser cortado no seu topo. Art. 57º Por outro lado, e mesmo que alguma culpa fosse imputável aos Réus, sempre se diz que o direito da Autora em reclamar os prejuízos está caduco/prescrito, caducidade/prescrição que se invoca já que a reparação, como se referiu, terminou em Junho de 2018 e a ação só foi instaurada em Julho de 2019.[…]” Decorre dos fundamentos da defesa a invocação da exceção de caducidade, mas apenas por ter decorrido mais de um ano entre a data em que foi reparado o veículo e a data da instauração da ação. Nada se refere a respeito da denúncia dos danos, admitindo-se até em relação à avaria ocorrida em 04 de julho de 2018, que o réu AA tomou conhecimento dos factos. Acresce que em relação às demais anomalias verificadas, os apelantes-réus limitaram-se a apresentar uma explicação para o sucedido, sem questionar a denúncia dos defeitos. É na contestação que é deduzida toda a defesa, ficando precludido o direito de o fazer em articulado posterior, salvo tratando-se de articulado superveniente (art. 573º/1/2 CPC). O recurso consiste no pedido de reponderação sobre certa decisão judicial, apresentada a um órgão judiciariamente superior ou por razões especiais que a lei permite fazer valer[17]. O recurso ordinário (que nos importa analisar para a situação presente) não é uma nova instância, mas uma mera fase (eventualmente) daquela em que a decisão foi proferida. O recurso é uma mera fase do mesmo processo e reporta-se à mesma relação jurídica processual ou instância[18]. Dentro desta orientação tem a nossa jurisprudência[19] repetidamente afirmado que os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova. O tribunal de recurso vai reponderar a decisão tal como foi proferida. Podemos concluir que os recursos destinam-se em regra a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, apenas se excetuando: o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC); a existência de questão de conhecimento oficioso; a alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 272º do CPC); e a mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada. Verifica-se que os factos e novos argumentos que os apelantes vêm introduzir nas conclusões do recurso não podem ser considerados, pois constituem factos novos (só com a citação para ação se procedeu à denúncia dos defeitos), já que em sede de contestação não foram alegados. Se os novos factos e os novos fundamentos de sustentação da defesa resultaram da discussão da causa, recaía sobre as partes ao abrigo do art. 5º/3 CPC, suscitar junto do tribunal “a quo“, a sua consideração em sede de decisão, o que também não ocorreu. Conclui-se, assim, nos termos do art. 627º CPC que nenhuma relevância merece, nesta sede, os factos novos que os apelantes vêm alegar e bem assim, os novos fundamentos de sustentação da sua defesa, pois os mesmos não foram considerados na decisão objeto de recurso e não são de conhecimento oficioso, sendo certo que ao tribunal de recurso apenas cumpre reapreciar as matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal “a quo“ ficando por isso vedado a apreciação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada). Tal como o juiz da 1ª instância, em sede de recurso, o tribunal “ad quem“ está limitado pelo pedido e seus fundamentos e pela defesa tal como configurados na ação, motivo pelo qual está impedido de conhecer do objeto do recurso nesta parte. Improcedem, assim, as conclusões de recurso sob os pontos 28 a 41. - - Caducidade do prazo para exercer o direito à eliminação dos defeitos -Nos pontos 42 a 44 das conclusões de recurso os apelantes insurgem-se contra o segmento da sentença que julgou improcedente a exceção de caducidade do direito de ação. Considerou-se na sentença, sobre a concreta questão, o que se passa a transcrever: “Da caducidade ou prescrição dos direitos Comprovada a execução da obra com defeito e o direito da Autora a ser indemnizada, coloca-se, por fim, a questão suscitada pelos Réus de caducidade/prescrição dos direitos da Autora. Neste particular, o dono da obra deve, sob pena de caducidade, denunciar ao empreiteiro os defeitos da obra dentro dos trinta dias seguintes ao seu conhecimento (artigo 1220º, nº 1 do Código Civil), sobre si incidindo o ónus da prova de tal facto. Acresce que, sendo os defeitos conhecidos, os direitos do dono da obra caducam se não forem exercidos dentro de um ano a contar da recusa da aceitação da obra ou da aceitação com reserva, e, sendo os defeitos desconhecidos do dono da obra e este a aceitou, o prazo de caducidade conta-se a partir da denúncia, não podendo, contudo, aqueles direitos ser exercidos depois de decorrerem dois anos sobre a entrega da obra (artigo 1224º do Código Civil), impendendo sobre o empreiteiro o ónus da prova de tal exceção (artigo 343º, nº 2 do Código Civil). Conforme ressuma do regime legal da empreitada, e porque os Réus na sua contestação referem-se indistintamente à caducidade/prescrição, impõe-se dilucidar que a lei prevê expressamente a caducidade como consequência da denúncia extemporânea dos defeitos e do não exercício atempado dos direitos que assistem ao dono da obra, sendo que o instituto da prescrição é aplicável no seu prazo ordinário de vinte anos (artigo 309º do Código Civil) apenas à indemnização prevista no artigo 1223º do Código Civil e às consequências da responsabilidade contratual. No caso concreto, emerge da matéria assente que o primeiro defeito foi conhecido pela Autora no dia em que se manifestou, isto é, em 04.07.2018, tendo esta no próprio dia comunicado o mesmo ao 1º Réu, não tendo a Autora alegado nem provado ter comunicado o defeito à 2ª Ré. No entanto, e uma vez que nenhum dano se demonstrou ter sofrido quanto ao aludido vício, nenhum direito lhe assiste, pelo que fica prejudicada a decisão sobre a verificação da caducidade ou prescrição do direito. Por seu lado, quanto ao segundo defeito, demostrou-se, de igual modo, que este foi conhecido pela Autora no dia em que se manifestou, em 06.07.2018, tendo esta no próprio dia comunicado ao 1º Réu, sendo que, após ter sido informada pelo concessionário da marca do concreto problema verificado, em 09.07.2018, de imediato comunicou à 2ª Ré e ao 1º Réu o sucedido. Do exposto deflui que o defeito manifestado em 06.07.2018 foi atempadamente denunciado a ambos os Réus. Acresce que, a presente ação deu entrada em Tribunal em 02.07.2019, o que significa que os direitos foram exercidos pela Autora dentro de um ano contado desde as aludidas denúncias. Em face do exposto, conclui-se pela improcedência da exceção da caducidade referente ao defeito manifestado em 06.07.2018 e da exceção da prescrição a que está sujeito o direito de indemnização previsto no artigo 1223º do Código Civil aqui exercido, porquanto sujeito ao prazo ordinário estabelecido na lei civil”. Defendem os apelantes que o prazo de caducidade de um ano se iniciou em 26 de junho de 2018, quando foi feito o teste de rodagem do veículo e por isso, quando a ação foi instaurada em 02 de julho tinha decorrido mais de um ano. Entendemos que tal via de argumentação não pode ser acolhida, tendo presente o critério previsto no art. 1224º CC e os factos apurados, matéria que foi devidamente analisada na sentença. Estando em causa apreciar se ocorreu a caducidade do direito da autora para o exercício do direito à eliminação dos defeitos, cumpre ter presente o regime previsto no art. 1224º CC. Com efeito, em relação aos defeitos que não sejam do conhecimento do dono da obra no momento da aceitação da obra foi fixado um prazo de caducidade para o exercício dos direitos pelo dono da obra, prazo esse de um ano, após a denúncia atempada dos defeitos e, um segundo prazo limite de dois anos, após a entrega da obra, independentemente da data do conhecimento dos defeitos e da sua denúncia[20]. O exercício do direito à eliminação dos defeitos apenas se verifica em relação à avaria detetada em 06 de julho de 2018. Resulta dos factos provados que em 09 de julho de 2018 o legal representante da autora tomou conhecimento dos defeitos e comunicou aos réus as deficiências que o veículo apresentava (cfr. pontos 29 a 36 dos factos provados). A ação foi instaurada no dia 02 de julho de 2019. A ação foi instaurada no prazo de um ano a contar da data da denúncia dos defeitos e dentro do prazo de dois anos sobre a entrega do veículo reparado (que ocorreu em 03 de julho de 2018), sendo certo que o facto relevante para o início do prazo se situa na data da denúncia e não, como defendem os apelantes com a conclusão da obra. Desta forma, tal como decidido na sentença, não se verifica a exceção de caducidade do direito de ação. Improcedem as conclusões de recurso sob os pontos 42 a 44. - Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pelos apelantes.- III. Decisão:Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e nessa conformidade: - julgar improcedente a impugnação da decisão de facto; e - confirmar a sentença. - Custas a cargo dos apelantes.* Porto, 04 de maio de 2022(processei e revi – art. 131º/6 CPC) Assinado de forma digital porAna Paula Amorim Manuel Domingos Fernandes Miguel Baldaia de Morais ________________________________________________ [1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990. [2] JOSÉ LEBRE DE FREITAS E A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO Código de Processo Civil – Anotado, vol II, 2ª edição, pag. 675 e ANSELMO DE CASTRO Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pag. 141. [3] ANTUNES VARELA J.M.BEZERRA, SAMPAIO NORA, Manual de Processo Civil, ob.cit., pag. 688. [4] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, pag. 240 [5] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Lisboa, Lex, 1997, pag. 77. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos sobre o Novo Processo Civil, ob. cit., pag. 78. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA E RUI PINTO Código de Processo Civil Anotado, vol I, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, pag. 467-468. [6] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, Julho, 2013, pag. 126. [7] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, ob. cit., pag. 225. [8] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, Janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada pag.272. [9] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol IV, Coimbra Editora, Coimbra, pag. 569. [10] Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005 - www.dgsi.pt. [11] Ac. STJ 28.05.2009 - Proc. 115/1997.5.1 – www.dgsi.pt. [12] Ac. Rel. Porto de 19 de setembro de 2000, CJ XXV, 4, 186; Ac. Rel. Porto 12 de dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt [13] ANTÓNIO DOS SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil – Novo Regime, Coimbra, Almedina, Setembro 2008, 2ª ed. revista e atualizada pag. 299 e Ac. STJ 20.09.2007 CJSTJ, XV, III, 58, Ac STJ 28.02.2008 CJSTJXVI, I, 126, Ac. STJ 03.11.2009 – Proc. 3931/03.2TVPRT.S1; Ac. STJ 01.07.2010 – Proc. 4740/04.7 TBVFX-A.L1.S1 (ambos em www.dgsi.pt). [14] FERNANDO PEREIRA RODRIGUES Os meios de prova em Processo Civil, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pag. 72 [15] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum – À luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pag. 278 [16] Cfr. SALVADOR DA COSTA Os Incidentes da Instância, 8º edição, Almedina, Coimbra, 2016, pag.247 [17] CASTRO MENDES Direito Processual Civil – Recursos, ed. AAFDL, 1980, pag. 5. [18] CASTRO MENDES, ob. cit., pag. 24-25 e ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil , vol V, pag. 382, 383. [19] Cfr. os Ac. STJ 07.07.2009, Ac. STJ 20.05.2009, Ac. STJ 28.05.2009, Ac. STJ 11.11.2003 Ac. Rel. Porto 20.10.2005, Proc. 0534077 Ac. Rel. Lisboa de 14 de maio de 2009, Proc. 795/05.1TBALM.L1-6; Ac. STJ 15.09.2010, Proc. 322/05.4TAEVR.E1.S1(http://www.dgsi.pt) [20] Cfr. JOÃO CURA MARIANO Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 5ª edição revista e aumentada, Almedina, 2013, pag. 146-147 |