Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA JOSÉ SIMÕES | ||
Descritores: | CIRE EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE RENDIMENTO DISPONÍVEL PENSÃO DE ALIMENTOS ABONO DE FAMÍLIA | ||
Nº do Documento: | RP201809101775/15.8T8AVR-E.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/10/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º679, FLS.334-340). | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - O disposto no artº 239º nº 3, al. b), subalínea i) do CIRE é bastante explícito, ao dizer que o rendimento disponível é integrado por todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, aí se incluindo naturalmente, os montantes respeitantes a pensões de alimentos e/ou abonos de família. II - O legislador não faz qualquer ressalva naquele preceito legal – podendo tê-lo feito – a pensões de alimentos e/ou abonos de família. III - Tal preceito legal estabelece apenas um critério objectivo quanto ao montante máximo dessa exclusão, fixando o valor do sustento minimamente digno para o devedor e seu agregado familiar em três vezes o salário mínimo nacional. IV - Não seria razoável fixar o rendimento indisponível em três vezes o SMN e depois excluir desse rendimento pensões de alimentos e/ou abonos de família, montantes que integram o rendimento do agregado familiar do devedor, na medida em que tal não permitia salvaguardar minimamente quer a posição dos credores quer o propósito da lei no sentido de gerar uma maior responsabilização futura do devedor na gestão da sua vida económica. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Pº nº 1775/15.8T8AVR-E.P1 Apelação (390) ACÓRDÃO Por despacho de 24/05/2017, foi admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante requerido pelo insolvente B… (cfr. fls. 9 a 11 dos autos).Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO Aí se determinou, para além do mais, nos termos do art. 239º, nº 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que, durante os cinco anos de duração do período de cessão, o rendimento disponível que o insolvente venha a auferir se considera cedido ao fiduciário, investindo-se nessa qualidade o sr. administrador da insolvência nomeado nestes autos, cuja remuneração e reembolso de despesas ficam a cargo do devedor/insolvente (arts. 240º, nº 1 e 2 e 60º, nº 1 do CIRE). Mais se determinou que, tendo em conta que o insolvente tem a seu encargo três filhos menores com datas de nascimento entre 1999 e 2013, e reside em casa de renda no montante de €400,00, compatível em termos de valores normais de mercado para o número de elementos do agregado familiar do insolvente, o rendimento disponível do insolvente, objeto da cessão ora determinada, será integrado por todos os rendimentos que lhe advenham a qualquer título e sobre os quais detenha disponibilidade/gestão, com exclusão do montante correspondente a três vezes o salário mínimo que para cada ano seja legalmente determinado. Na sequência de requerimento efectuado pelo Sr. Administrador Judicial da Insolvência (AJI) nomeado nos autos em 04/07/2017 (cfr. fls. 12vº), no sentido de saber se o rendimento indisponível equivalente a 3 salários mínimos nacionais fixado incluía ou não os montantes referentes ao abono de família, no montante de €110,76 e à pensão de alimentos, no montante de €250,00 recebidos pelo insolvente, o Tribunal a quo, com data de 23/02/2018 (cfr. fls. 14) proferiu o seguinte despacho: “Conforme do despacho consta, o rendimento disponível corresponde à totalidade dos rendimentos (portanto, independentemente da fonte/origem dos mesmos), com exclusão do montante correspondente a três vezes o montante do salário mínimo nacional em cada ano em vigor”. Inconformado com o teor deste despacho, dele apelou o insolvente, apresentando alegações cujas conclusões são as seguintes: ............................................................... ............................................................... ............................................................... Não foram apresentadas contra-alegações. Foram colhidos os vistos legais. II – QUESTÕES A RESOLVER Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente importando decidir as questões nelas colocadas – e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso –, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – artºs. 635º, 639º e 663º, todos do Código Processo Civil.Assim, em face das conclusões apresentadas, é a seguinte a questão a resolver por este Tribunal: - Saber se a pensão de alimentos devida a um filho menor do insolvente que com ele convive, paga pela mãe daquele, está ou não incluída no cálculo do rendimento disponível a entregar ao fiduciário no processo de insolvência. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos pertinentes à resolução deste recurso decorrem do antecedente relatório, sendo que o despacho recorrido já se mostra transcrito supra.IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Antes de abordarmos a questão do presente recurso, importa salientar dois aspectos não exactamente congruentes, muito embora não tenham relevância para a abordagem da questão enunciada:1 - Por um lado, no requerimento do AJI refere-se que a pensão de alimentos de que o agregado familiar do insolvente beneficia é de €250,00. O insolvente/recorrente nas suas alegações de recurso refere que esse montante é de apenas €125,00. Os autos não dispõem de elementos para aferir qual dos montantes estará correcto. De qualquer modo, a quantificação desse montante exacto não é relevante para a resolução do presente recurso. 2 - Por outro lado, nas alegações de recurso, faz-se referência ao insolvente como sendo do género feminino (cfr. cls 1, 2, 5 e 7) e que a pensão de alimentos devida ao menor é paga pelo pai do mesmo. Ora, o insolvente é um homem e, como tal será necessariamente a mãe do menor que paga a dita pensão de alimentos. Tal deve-se, certamente, a cópia de outro recurso, sem que se tenha feito as necessárias correcções. Dito isto, passemos à análise da enunciada questão. O Tribunal recorrido ao deferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, por considerar estarem verificados os pressupostos elencados no artº 238º do CIRE, fixou que o rendimento disponível do insolvente, será integrado por todos os rendimentos que lhe advenham a qualquer título e sobre os quais detenha disponibilidade/gestão, com exclusão do montante correspondente a três vezes o salário mínimo que para cada ano seja legalmente determinado. A título de esclarecimento, após requerimento do AJI nesse sentido, o Tribunal a quo, entendeu que a pensão de alimentos devida ao menor filho do insolvente está incluída no cálculo do rendimento disponível a entregar ao fiduciário no processo de insolvência. O insolvente/recorrente discorda deste entendimento, sufragando que, para efeitos do cálculo do rendimento disponível a entregar ao fiduciário no processo de insolvência em que tenha sido concedida a exoneração do passivo restante apenas devem ser tidos em conta os rendimentos do próprio insolvente. Vejamos, então, a quem assiste razão. Ora bem, uma das imposições legais para a concessão do benefício da exoneração do passivo restante é a obrigação do devedor, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, ceder o seu rendimento disponível a uma entidade, designada fiduciário e escolhida pelo tribunal (artº 239º nº 2 do CIRE). E, de acordo com o nº 3, al. b), subalínea i) do mencionado preceito legal, integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão “do que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz, em contrário, três vezes o salário mínimo nacional”. (sublinhado nosso) Tal preceito legal, a nosso ver, é bastante explícito, ao dizer que o rendimento disponível é integrado por todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, aí se incluindo naturalmente, os montantes respeitantes a pensões de alimentos e/ou abonos de família. O legislador não faz qualquer ressalva naquele preceito legal – podendo tê-lo feito – a pensões de alimentos e/ou abonos de família. Tal preceito legal estabelece apenas um critério objectivo quanto ao montante máximo dessa exclusão, fixando o valor do sustento minimamente digno para o devedor e seu agregado familiar em três vezes o salário mínimo nacional, que, de resto, in casu, foi o que foi fixado. Com efeito, a lei estabelece, em regra, que todos os rendimentos que venham a ser auferidos pelo insolvente deverão ser afectados aos pagamentos referidos no artº 241º do CIRE, nomeadamente a ser rateado pelos credores da insolvência, excluindo, porém, desse rendimento disponível, o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo essa exclusão exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o SMN. Ora, se por um lado, não se ignora que tendo o requerente, filho(s) menor(es) a seu cargo, tem de providenciar e garantir a satisfação das suas necessidades essenciais, como sejam a alimentação, vestuário, educação, saúde, calçado e habitação, como decorre das responsabilidades parentais (artºs 1874º nº 2 e 1878º ambos do CCivil) e que a pensão de alimentos paga pela progenitora de um deles é gerida para essas necessidades pelo progenitor, não é menos verdade que, tal montante de pensão de alimentos integra o rendimento global do agregado familiar onde se insere o menor e, como tal, entra no cômputo do necessário para determinar o rendimento indisponível do devedor, já que é um provento que advém para o devedor a este título. Na verdade, se a lei alude a rendimentos advenientes ao devedor a qualquer título (citado artº 239º nº 3 do CIRE) não se pode concordar com o recorrente quando sustenta que “para efeitos do cálculo do rendimento disponível a entregar ao fiduciário no processo de insolvência em que tenha sido concedida a exoneração do passivo restante ao insolvente apenas devem ser tidos em conta os rendimentos do próprio insolvente”. Com efeito, se na fixação a excluir do rendimento disponível, para razoavelmente garantir o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, se deve atender às condições e despesas concretas de cada caso, de modo a assegurar o princípio constitucional do respeito pela dignidade humana (artº 59º nº 1 al. a) da CRP), tem também de se ter em consideração todos os proventos advenientes ao devedor e seu agregado familiar seja a que título for, como refere a lei, conciliando-se ainda o interesse do devedor perseguido no instituto da exoneração do passivo restante com o interesse dos credores em ver satisfeitos os seus créditos (neste sentido, vide Acs. do TRL de 16/02/2012 (relator Jorge Leal) e de 20/09/2012 (relator Tomé Damião), ambos disponíveis em www.dgsi.pt). Note-se que, não seria razoável fixar o rendimento indisponível em três vezes o SMN e depois excluir desse rendimento pensões de alimentos e/ou abonos de família, montantes que integram o rendimento do agregado familiar do devedor, na medida em que tal não permitia salvaguardar minimamente quer a posição dos credores quer o propósito da lei no sentido de gerar uma maior responsabilização futura do devedor na gestão da sua vida económica. Face aos argumentos aduzidos, não se vê razão para alterar o decidido pelo T. a quo, improcedendo, desse modo, as conclusões de recurso. V – DECISÃO Nos termos expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.Custas pelo insolvente (sem prejuízo de eventual apoio judiciário de que beneficie). (Processado por computador e integralmente revisto pela Relatora) Porto, 10/09/2018 Maria José Simões Abílio Costa Augusto de Carvalho |