Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3343/19.6T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARTUR DIONÍSIO OLIVEIRA
Descritores: MANDATO
ADVOGADO
REVOGAÇÃO UNILATERAL
JUSTA CAUSA
INDEMNIZAÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Nº do Documento: RP202406183343/19.6T8MAI.P1
Data do Acordão: 06/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A liberdade de revogação do mandato prevista no artigo 1170.º, n.º 1, do CC, significa que a mesma pode fazer-se unilateralmente, a todo o tempo e não carece de justa causa, bastando que uma das partes declare que não quer a renovação ou a continuação do contrato, podendo esta declaração ser expressa ou tácita, nos termos do disposto no artigo 217.º do Código Civil.
II – Mas a revogação unilateral do contrato pode gerar a obrigação de indemnizar a parte contrária, nos termos e nas situações previstas no artigo 1172.º do CC, a não ser que exista justa causa para aquela revogação, assente em factos imputáveis à parte contrária.
III – Embora esta obrigação de indemnização não assente nos requisitos gerais da responsabilidade civil, pois não pressupõe a prática de um facto ilícito e culposo, configurando uma verdadeira responsabilidade por factos lícitos, tal obrigação depende da existência de um dano, cuja prova cabe ao lesado, e a sua fixação obedece às regras consagradas nos artigos 562.º e seguintes do CC.
IV – Na situação prevista na al. c) do artigo 1172.º do CC, que tutela a expectativa do mandatário na permanência da relação contratual até final e na obtenção da respectiva retribuição, quando o mandato tiver sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, o prejuízo da revogação deve calcular-se em função do lucro (cessante) que o mandato deveria proporcionar ao mandatário se não tivesse sido resolvido.
V – Não constitui quota litis e, por isso, não é proibido pelo artigo 106.º do Estatuto da Ordem dos Advogados o acordo segundo o qual o mandatário tem o direito a receber, a título de honorários, a quantia de 3.000,00 € acrescida de 10% do valor que a mandante vier a receber no processo de inventário, sendo certo que o recebimento do valor correspondente ao quinhão hereditário desta não está dependente de qualquer álea, o que apenas poderá suceder relativamente ao incremento do valor da herança, por via da procedência da reclamação à relação de bens ou por via de um acordo que atribua à mandante um quinhão superior ao que resulta da lei.
VI – Em consonância com os fundamentos da jurisprudência fixada pelo AUJ n.º 4/2002, de 9 de Maio, a condenação no pagamento de juros moratórios a partir da data da sentença que procede à actualização da indemnização pressupõe que tal sentença contenha alguma expressão que revele ter procedido a esse cálculo actualizado.
VII – A condenação no pagamento de uma indemnização à parte contrária previsto nos artigos 542.º, n.º 1, e 543.º do CPC, tem como pressupostos cumulativos o pedido desta e a litigância de má fé do visado, nos termos previstos no artigo 542.º, n.º 2, não impondo a lei qualquer ónus de alegação ou prova dos prejuízos sofridos nem uma correspondência entre estes e o valor da indemnização.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3343/19.6T8MAI.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
AA e BB, advogados, com domicílio profissional na Rua ..., ..., fração B, ... Viseu, intentaram a presente acção declarativa comum contra CC, residente na Rua ..., ..., habitação ..., ... Porto.
Alegaram, em síntese, o seguinte: mediante acordo escrito celebrado entre as partes, os autores comprometeram-se a prestar a ré serviços jurídicos, tendo como objectivo promover o inventário e partilha da herança aberta por óbito do pai desta, mais concretamente o estudo do processo, a instauração e acompanhamento do processo de inventário e, eventualmente, a regularização da situação registal de prédios da herança; mais convencionaram a retribuição devida a título de honorários, nos seguintes termos: pela instauração e acompanhamento do inventário, 3.000,00 €, a pagar em duas prestações de igual montante, vencendo-se a primeira no momento da instauração do processo de inventário e a segunda seis meses após essa data; pelo acompanhamento de cada processo de regularização de imóveis da herança, 1.000,00 €, a pagar na data do início de cada um dos procedimentos; a título de success fee, 10% do valor obtido no processo de inventário; a estes valores acrescia o IVA à taxa legal, sendo ainda devidas pela ré as despesas de expediente, taxas de justiça, emolumentos e outras despesas com os processos; no decurso da tramitação do processo de inventário notarial a ré revogou injustificadamente o mandato, tendo pago apenas 1.500.00 €, não tendo pago o valor restante da remuneração fixa convencionada e valor do IVA, num total de 2.190,00 €, e causando aos autores um dano decorrente do não cumprimento do contrato equivalente à remuneração variável que estes deixaram de auferir; os autores interpelaram a ré solicitando, para além do referido valor de 2.190,00 €, o pagamento de despesas com certidões e documentos obtidos no Serviço de Finanças e na conservatória do registo predial, num total de 69,64 €, bem como o custo de diversas deslocações, num total de 159,72 €, e ainda uma indemnização pela revogação unilateral e infundada do mandato, no valor de 13.139,14 €.
Concluíram deduzindo o seguinte pedido:
«Nestes termos, deve a ação ser julgada provada e procedente e por via disso:
a) Ser a Ré condenada no pagamento aos Autores da quantia que, provisoriamente, por ora se líquida em € 19.329,58;
b) Acrescida dos juros legais, vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, sendo os vencidos no valor de € 158,87 e os vincendos a liquidar posteriormente em sede de execução de sentença;
Num total de € 19.488,45
c) Ser a Ré condenada no pagamento das custas a que deu causa;
d) Ser a Ré sancionada com juros compulsórios à taxa de 5% até efetivo e integral pagamento, nos termos do disposto no artigo 829.º-A, nº 4 do Código Civil».
A ré apresentou contestação onde, para além de arguir a incompetência territorial do tribunal, negou ter contratado os serviços dos autores para promover partilhas, esclarecendo que nunca quis partilhar a herança do pai em vida da mãe, que solicitou os serviços do 1.º autor apenas para corrigir a relação de bens apresentada nas finanças pela sua mãe na sequência do óbito do seu pai, que o referido autor lhe comunicou que os custos seriam de 3.000,00 € a título de honorários, a liquidar em duas prestações de 1.500,00 €, a primeira de imediato e a segunda passados seis meses, acrescidos de despesas, e que só mais tarde lhe pediu que assinasse o contrato escrito que então lhe apresentou, afiançando ser uma mera formalidade, o que a ré fez sem ter a oportunidade de o ler. Mais alegou que os autores não cumpriram o mandato de acordo com as suas instruções e que estes nunca teriam direito à success fee alegadamente convencionada, por não se mostrarem verificados os respectivos pressupostos.
Concluiu pugnando pela improcedência da acção.
Os autores apresentaram articulado onde se pronunciam sobre a defesa apresentada pela ré e pediram a condenação desta como litigante de má-fé, em multa e indemnização no valor equivalente a 10% da condenação.
A ré exerceu o contraditório quanto ao pedido de condenação como litigante de má-fé.
Julgada procedente a excepção de incompetência e remetidos os autos ao tribunal competente, foi proferido despacho a convidar os autores a liquidar o pedido formulado e a concretizar o valor dos bens inventariados que serviu de base ao cálculo de parte do valor peticionado.
Os autores vieram dar cumprimento ao convite formulado, alegando discriminadamente os valores dos bens que compõem a herança, num total de 1.686.773,58 €, acrescentando que, cabendo à ré 1/6 da referida herança, 10% deste quinhão parcela perfaz 28.112,89 €, valor que corresponde ao lucro cessante sofrido pelos autores. Nestes termos, concluem que na alínea a) do pedido, onde se lê: «Ser a Ré condenada no pagamento aos Autores da quantia que, provisoriamente, por ora se liquida em € 19.329,58», deve ler-se: «Ser a Ré condenada no pagamento aos Autores da quantia de € 28.112,89».
A ré exerceu o contraditório relativamente aos esclarecimentos prestados.
Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio, enunciados os temas da prova e apreciados os requerimentos probatórios.
Já depois de admitida a perícia solicitada pelos autores para prova do valor dos bens que integram a herança aberta por óbito do pai da ré, aqueles vieram aceitar o valor indicado no processo de inventário e, em conformidade com esse valor, reduzir o pedido para a quantia de 19.329,58 € acrescida de juros.
O Tribunal admitiu a desistência da perícia e a redução do pedido, condenou os autores nas custas na proporção da redução e designou data para a realização do julgamento.
No decurso do julgamento foi ordenada a realização de laudo pela Ordem dos Advogados, que concluiu como justo o valor de 7.800,00 € a título de honorários pelos serviços alegados e de 4.000,00 € pelos serviços que previsivelmente seriam ainda prestados após a renúncia ao mandato e até à conclusão da partilha.
Veio a ser proferida sentença, que termina com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e condeno a ré a pagar aos autores a quantia de 10.013,68€, acrescida do valor do IVA sobre a quantia de 1.780,48€ desde a data em que vier a ser emitida a factura e de juros calculados sobre a quantia de 280,48€ desde 9 de Outubro de 2019, sobre a quantia de 1.500,00€ desde 9 de Outubro de 2019, sobre a quantia de 8.233,20€ desde a prolação da presente sentença e sobre o valor do IVA desde a data em que vier a ser emitida a factura, todos à taxa de 4% ao ano até efectivo e integral pagamento.
Condeno a ré como litigante de má fé em multa que fixo em 15UC.
Custas a cargo dos autores e da ré, na proporção do decaimento (no remanescente da condenação já sofrida pelos autores na sequência da redução do pedido).
Registe e notifique».
*
Inconformada, a ré apelou da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«1) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou a ação parcialmente procedente e condenou a R. a pagar aos AA. a quantia de 10.013,68€ (parcialmente acrescida de IVA e juros), condenando-a ainda a R. como litigante de má fé em multa de 15UC.
2) A R./Recorrente não se pode conformar com o decidido pelo Tribunal de primeira instância, que entende ser desfasado da realidade e contrário à prova produzida, desde logo no que se refere à sua pretensa intenção de fazer partilhas por óbito do seu pai.
3) É esse o facto inultrapassável que prejudica fatalmente a sorte da ação, na constatação de terem os AA. mandatários agido em sentido contrário às instruções recebidas da R. mandante.
4) Tal como se demonstrará, impõe-se dar como provada a matéria que consta dos factos considerados não provados sob os pontos A a F pelo Tribunal a quo e, consequentemente, haverá de ter-se como não provada a matéria que consta do facto provado sob a alínea 4).
5) Impõem a alteração da referida matéria do facto a correta ponderação do depoimento das testemunhas DD e EE, conjugadas com as informações e demais prova documental junta aos autos em 03/07/2020, sob a Ref. 26189136, e em de 08/01/2021, sob as Refs. Citius 27815387, 27815385 e 27815378.
6) A verdade é que, se em meados de 2018, a R. pretendeu socorrer-se dos serviços de um advogado, o seu interesse era o de tratar de assuntos jurídicos, de natureza essencialmente fiscal, relacionados com a herança aberta por óbito do seu pai, desde logo tendo em vista a correção da relação de bens apresentada pela sua mãe nas Finanças.
7) E isto porque, para além de nela faltar a indicação de diversos bens móveis, a R. encontrava-se a pagar impostos sobre rendimentos que não tinha, nomeadamente por conta de rendas de imóveis que integravam a herança, mas que eram exclusivamente recebidas pela sua mãe.
8) Foi o 1.º A. que comunicou à R. que, perante a natureza questões a resolver, a melhor solução seria intentar um processo de inventário, o que a R., médica de profissão e sem especiais conhecimentos da terminologia jurídica, entendeu a expressão “inventário” no sentido que decorre do dicionário (listagem e descrição dos bens, móveis e imóveis, de alguém), até porque o que pretendia era efetivamente corrigir a relação de bens apresentada pela sua mãe nas finanças por óbito do seu pai.
9) Mas a R. nunca pretendeu fazer partilhas ou dividir bens da herança enquanto a sua mãe fosse viva.
10) Nesse sentido depôs a testemunha DD, solicitadora, a que o Tribunal de 1.ª instância atribui valor e credibilidade “na medida em que não se anteviu ter qualquer interesse na causa e ter conhecimento dos factos, concretamente do decurso dos acontecimentos em que interveio” (cf. depoimento registado no ficheiro digital 20211105101341_15641467_2871487, aos minutos 00:06:02 a 00:06:50, supra transcrito e que aqui se dá por reproduzido).
11) Não se ignora que a testemunha EE acabou por depor em sentido contrário, no entanto fê-lo de forma muito titubeante e apenas ao fim de cinco minutos e meio de insistência da Mma. Juiz de 1.ª instância, contrariando o que inicialmente declarou, no sentido de não saber o que pretenderia a R. depois de apurar a real extensão do património do seu falecido pai (cf. depoimento registado no ficheiro digital 20211008105551_15641467_2871487, entre os minutos 00:09:30 e 00:15:00, com especial relevo à passagem dos minutos 00:11:29 a 00:12:15, supra transcrita, que aqui se dá por reproduzida.
12) Acresce que, tal como o Tribunal reconhece na sentença, relativamente a esta testemunha e à sua filha (a também testemunha FF, que nenhum conhecimento pessoal e direto revelou sobre esta matéria), há que sopesar “a circunstância de poderem estar actualmente desavindos com a ré”, considerando o facto de ter sido aquele em tempos namorado da R./Recorrente, ao ponto de admitir a existência de uma “desavença claramente percepcionada”.
13) Assim sendo, a R./Recorrente não se conforma nem pode aceitar que o Tribunal sustente a sua convicção decisória, no que à prova testemunhal diz respeito, unicamente no depoimento desta testemunha.
14) Ora, a única testemunha que se revelou verdadeiramente isenta, credível e sem qualquer interesse ou desejo pessoal em relação à sorte da causa foi, por isso, a solicitadora DD, e, conforme visto, a mesma não tem quaisquer dúvidas de que a R./Recorrente não tinha intenção de fazer partilhas.
15) No mesmo sentido, não pode deixar de relevar a informação e a demais documentação notarial junta aos autos em 03/07/2020, sob a Ref. 26189136, e em 08/01/2021, sob as Refs. Citius 27815387, 27815385 e 27815378, no sentido de não ter sido praticado qualquer ato no Inventário com o n.º ... a partir da renúncia do 1.º A. à procuração.
16) Com efeito, tal não pode deixar de confirmar o alegado pela R./Recorrente, já que, de outro modo, teria constituído um novo mandatário e levado o processo até ao fim, ao invés de deixar que, já naquele ponto, a instância fosse suspensa e depois extinta por deserção.
17) Por outro lado, a sentença reconhece que os AA. não informaram previamente a R. do real conteúdo do clausulado que apuseram no email que constitui a minuta que a levaram a assinar, conforme decorre dos factos provados sob as alíneas 6) a 10) da fundamentação da sentença recorrida.
18) Aliás, os AA. nem sequer procuraram alegar a prática de quaisquer atos orientados à comunicação e explicitação do teor do clausulado, incluindo a success fee que nele fizeram incluir sem qualquer negociação prévia, conforme resultou do depoimento da testemunha EE, aos minutos 00:16:00 a 00:18:09 e 00:20:30 a 00:21:05, supra transcrito e que aqui se dá por reproduzido.
19) Como se sabe, em matéria de direito probatório vigora o princípio da livre apreciação da prova, devendo seguir as “regras da experiência comum”, obedecendo a critérios explicáveis e sindicáveis pelas partes e, se for o caso, pelo tribunal superior (art. 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC).
20) Livre convicção não significa arbítrio, subjetividade pura, antes devendo seguir os princípios das chamadas “regras da experiência comum”, obedecendo a critérios explicáveis e sindicáveis pelas partes e, se for o caso, pelo tribunal superior.
21) À luz dessas regras comuns de experiência, uma vez comprovados certos factos, pode-se inferir outros factos não conhecidos, porque é normalmente o que sucede sem grande margem de erro (id quod plerumque accidit); ou seja, estes factos não conhecidos são os que, normalmente, à luz dessas regras, ocorrem como consequência daqueles.
22) Vale isto por dizer que se impõe dar como provada a matéria que consta dos factos considerados não provados sob os pontos A a F supra transcritos, julgando-se como não provada a matéria que consta da alínea 4) dos factos provados.
23) Tal alteração da matéria de facto, imposta pelos meios de prova que se analisaram, importa a improcedência da ação, na constatação de que os AA. incumpriram o mandato conferido pela R. e agiram contra as suas instruções, ao instaurarem um inventário para partilha quando o seu propósito era apenas o de retificar a relação de bens apresentada pela sua mãe junto das Finanças, aditando os bens que lhe faltavam, e com isso deixar de pagar impostos sobre rendimentos que eram auferidos apenas pela sua mãe.
24) Tal como decorre da alínea a) do art. 1161.º do CC, a obrigação primeira do mandatário é praticar os atos compreendidos no mandato segundo as instruções do mandante, obrigação secundada por idêntico dever prescrito no art. 97.º, n.º 2, do EOA.
25) O mandato é, portanto, um contrato de prestação de serviços em que o prestador é o mandatário, que age de acordo com as instruções e o querido e programado pelo mandante, sendo o valor da dita “confiança” condição sine qua non para a sua subsistência (art.º 97.º, n.º 1, e 100.º do EOA).
26) Mandato e procuração não se confundem, pois se o primeiro pode ser revogado tacitamente (art. 1171.º do CC), a segunda carece de um ato expresso do mandante, que deve ser notificado ao mandatário por via processual (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01/02/1993, melhor citado supra).
27) Tal como a R./Recorrente demonstrou, os AA. não cumpriram o mandato de acordo com a instruções recebidas, e, depois disso, foram os próprios a renunciar à procuração no processo de inventário que se encontrava pendente.
28) Assim sendo, nenhum direito assiste aos AA. de obterem da R. qualquer indemnização, por não se verificar os pressupostos legais constantes do art. 1172.º, al. d), do CC, erradamente considerados na sentença em crise.
29) Acresce que os AA. convocaram como critério de determinação da indemnização a que se arrogam o estipulado a título de honorários e que designaram de “success fee”, ou seja, “10% do valor obtido no processo de inventário”, convenção esta que não pode ser tida como válida, por dois motivos: primeiro, porque constitui quota litis proibida pelo Estatuto da Ordem dos Advogados; e segundo, porque tem de ser excluída do contrato, por força do regime legal previsto no DL n.º 446/85, de 25/10, relativo às Cláusulas Contratuais Gerais.
30) Com efeito, qualquer “success fee”, enquanto “majoração dos honorários em função do resultado obtido” (art. 106.º do EOA), deve ser isso mesmo, um acrescento ao valor dos serviços contratados, e nunca a parte mais significativa dos mesmos, sob pena de infração disciplinar e verificação de um pacto de quota litis travestido de quota palmária (cf. GUSTAVO BRANDÃO DO NASCIMENTO, “Dos Honorários de Advogado”, Almedina, 2020, pp. 52 e 53, supra citado).
31) Por outro lado, e tal como a sentença em crise expressamente reconhece, o contrato de honorários aqui em causa deve ser qualificado como de adesão (art. 1.º, n.º 2 do DL n.º 446/85), sendo que, não obstante, os AA. não informaram previamente a R. do real conteúdo do clausulado que a levaram a assinar, sem qualquer explicação suplementar.
32) Por tal motivo, só podem considerar-se excluídas do contrato todas as cláusulas que não foram comunicadas ou informadas à R., que assim delas não teve conhecimento antecipado (arts. 3.º a 6.º e 8.º do referido DL n.º 446/85).
33) Ao exposto soma-se o facto de os AA. não terem obtido qualquer resultado que importe premiar, considerando que deram início a um serviço que não era o realmente visado pela R., não o levaram até ao fim e não obtiveram qualquer resultado favorável à R., que se manteve a pagar impostos por rendimentos que não obtinha!
34) Vale isto por dizer que nem mesmo na versão dos AA. haverá qualquer “taxa de sucesso a considerar”, uma vez que os mesmos pretendem baseá-lo em 10% do valor da quota da R. na referida herança, quota essa que lhe cabia já por força da lei e independentemente de qualquer atividade dos AA.
35) Não pode, por isso, aceitar-se o entendimento de que, caso o mandato tivesse sido pontualmente cumprido, os AA. teriam direito a haver a quantia de 11.761,72€, o que, aliás, é frontalmente contrariado pela Ordem dos Advogados, na rejeição de laudo aos honorários peticionados pelos AA.
36) Mais até, a Ordem dos Advogados fixou em 4.000€ o valor dos serviços que previsivelmente seriam ainda prestados após a renúncia ao mandato e até à conclusão da partilha e, tal como a sentença recorrida reconhece é “incontornável que o trabalho realizado não é equivalente àquele que teriam tido caso o inventário tivesse seguido os seus termos até ao final.”
37) Assim sendo, ainda que os AA. tivessem, por mera hipótese, direito a reclamar da R./Recorrente qualquer montante a título de lucros cessantes, tendo em conta a fase em que os autos de inventário se encontravam no momento da renúncia à procuração, o mesmo teria de se limitar a uma parte daqueles 4.000€ (7/10, no entender da sentença, que reduziriam o valor a receber pelos AA. a 2.800€).
38)Já no que à parte fixa dos honorários diz respeito (aos alegados 3.000€ pagáveis em duas prestações de 1.500€), nada há a considerar, atendendo a que os AA. nada peticionam a tal propósito na ação e se limitam a reclamar da R. uma indemnização por lucros cessantes (art. 609.º, n.º 1, do CPC).
39) E assim sendo, na parte em que condena a R. a pagar aos AA. a quantia de 1.780,49€ (sendo 280,49€ para completar a primeira prestação de honorários convencionada e 1.500,00€ referentes à segunda prestação de igual montante), a sentença proferida é nula, nulidade que expressamente se argui para todos os efeitos legais (art. 615.º, n.º 1, als. d) e) do CPC).
40) À luz de tudo quanto se deixa exposto, impõe-se concluir no sentido da total improcedência da ação, absolvendo-se a R. do pedido contra si formulado pelos AA.
41) Mas mesmo que assim não se entendesse, por mera hipótese, e se julgasse terem os AA. direito a receber da R. quaisquer valores a título de honorários em falta e a título de indemnização por lucros cessantes, sempre os mesmos se limitariam, respetivamente, aos montante de 1.780,49€ e 2.800€, acrescidos de IVA à taxa legal, o que subsidiariamente se invoca para os devidos efeitos legais.
42) E do que vai dito e demonstrado, tanto ao nível da matéria de facto como da matéria de direito, resulta também evidente que a R. não pode ser condenada como litigante de má-fé, por não se verificarem as circunstâncias para tanto consideradas pelo Tribunal de 1.ª instância.
43) Na verdade, a R. limitou-se a lançar mão da Contestação, e a prestar as suas declarações de forma concordante, para contrapor a matéria da PI com a realidade dos factos, para demostrar o modo como os AA. se apresentaram a litigar e para se defender de uma ação que considerada injusta e infundada, mantendo-se convicta de que será absolvida do pedido formulado nos autos pelos AA., na parte em a ação que não improcedeu já em 1.ª instância.
44) Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, impõe-se concluir pela não verificação dos elementos objetivos e subjetivos elencados no art. 542.º do CPC de que depende a condenação na multa prevista no art. 27.º, n.ºs 3 e 4, do RCP, impondo-se a absolvição da R. da litigância de má fé que nos autos lhe é imputada.
45) Face ao exposto, a decisão recorrida violou de forma manifesta o disposto nos arts. 1161.º, n.º 1, 1171.º e 1172.º, al. d), do CC, nos arts. 67.º, n.º 2, 97.º, 100.º e 106.º do EOA, nos arts. 3.º a 6.º do DL n.º 446/85, de 25/10, bem como nos arts. 552.º, 607.º, n.ºs 4 e 5, 608.º, n.º 2, 609.º, n.º 1, e 615.º, n.º 1, als. d) e e), do CPC, e ainda no art. 27.º, n.ºs 3 e 4, do RCP, razão pela qual não deve ser mantida».
Terminou pugnando que, na procedência da apelação, a sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que que julgue a acção totalmente improcedente e absolva a ré da litigância de má-fé ou, assim não se entendendo, reduza o valor a pagar aos autores a montante nunca superior a 4.580,49 €.
*
Os autores responderam à alegação da recorrente, pugnando pela total improcedência do recurso interposto, e deduziram recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões:
«1. Ainda que a decisão de fundo (a condenação da Ré no pagamento dos honorários e respectiva indemnização) se mostre acertada, a sentença agora proferida apresenta, salvo melhor opinião, alguns vícios que carecem de revisão por parte desta instancia superior, a saber:
● A liquidação da indemnização por lucros cessantes;
● A contagem dos juros de mora;
● A improcedência do pedido indemnizatório decorrente da condenação da Ré como litigante de má-fé.
Da indemnização por lucros cessantes
2. A revogação, pela Ré, do contrato de mandato sem justa causa que o justifique, conferiu aos Autores o direito a serem indemnizados nos termos do disposto no art. 1172º, al. c) do CC.
3. Tal indemnização, nos termos do citado artigo, visa ressarcir os Autores dos lucros cessantes que deixaram de auferir na decorrência de revogação ilícita do contrato de mandato.
4. Conforme expressamente reconhece a sentença recorrida, “caso o mandato tivesse sido pontualmente cumprido, viriam os autores a ter direito a haver a quantia de 11.761,72€”.
5. Sendo esse o efectivo prejuízo pelo lucro cessante sofrido pelos Autores – o qual se encontra devidamente concretizado, dispensando-se assim o recurso a qualquer critério de equidade.
6. Desta forma, sendo possível determinar o valor concreto do prejuízo sofrido pelos Autores a título de lucros cessantes (como é o caso dos presentes autos), deverá ser esse o valor a ser fixado nos termos do disposto no art. 1172º do CC.
7. Sem prescindir, verifica-se que o a fixação da compensação em 7/10 do valor do prejuízo afigura-se altamente injusta, na medida em que, no momento da revogação do mandato o trabalho estava praticamente concluído, faltando apenas formalizar o acordo de partilha já alcançado.
8. Assim, deverá a sentença recorrida ser revista nesta parte, condenando-se a Ré no pagamento de 11.761,72€ a título de compensação por lucros cessantes, ao invés dos 8.233,20€ que ali se encontram arbitrados.
9. Sendo que, entendimento contrário, como aquele plasmado na sentença recorrida, configura uma manifesta violação do citado art. 1172º do CC.
Da contagem dos juros de mora
10. Nos termos do disposto no art. 805º, nº 1 do CC, o devedor fica constituído em mora após a sua interpelação – judicial ou extra judicial - para o cumprimento da obrigação.
11. Sendo que, tratando-se de crédito ilíquido, apenas se verifica a mora após a sua liquidação (art. 805º, nº 3 do CC).
12. In casu, conforme reconhecido na própria sentença recorrida, os Autores liquidaram a obrigação de indemnização por lucros cessantes na Petição Inicial que deu causa aos presentes autos.
13. Ali procedendo à determinação/quantificação concreta do montante exacto devido pela Ré a título de indemnização por lucros cessantes, expondo de forma clara e fundamentada os critérios utilizados para essa determinação.
14. Desta feita, aquando da sua citação para a presente acção a Ré considerou-se interpelada para o pagamento de um crédito devidamente liquidado, pelo que a partir deste momento ficou a Ré dotada da informação necessária para proceder ao pagamento e evitar os prejuízos decorrentes da passagem do tempo que os juros de mora visam acautelar.
15. Sendo esse o momento da sua constituição em mora nos termos e para os efeitos do disposto no art. 805º do CC.
16. Nessa medida, ao valor que a Ré venha efectivamente a ser condenada a título de indemnização por lucros cessantes deverão acrescer juros de mora contados desde a sua citação até efectivo e integral pagamento.
17. Assim não o reconhecendo, violou a sentença recorrida a supra citada disposição legal.
Da indemnização devida pela litigância de má-fé
18. No que diz respeito À fixação da indemnização devida nos termos do disposto no art. 543º do CPC, vigoram duas teses distintas:
- Uma que entende que todos os prejuízos e despesas sofridas pela parte lesada com a litigância de má-fé têm de ser alegados e comprovados por esta;
- Outra que considera que o conteúdo da indemnização é fixado pelo Tribunal, recorrendo a critérios de justiça e equidade.
19. Cremos que a segunda, recusada pelo Tribunal a quo e que sustenta que o juiz fixa por si, recorrendo ao seu livre e prudente arbítrio, o conteúdo da indemnização, é aquela que melhor resulta da letra da lei e que melhor se adequa à ratio da norma.
20. E isso fica especialmente evidenciado pelo teor do nº 1 do art. 542º e do nº 3 do art. 543º do CPC, donde resulta uma evidente concessão de um poder discricionário ao juiz na determinação do conteúdo e do valor a arbitrar a título de indemnização.
21. Fosse intenção do legislador fazer depender a fixação de uma indemnização da efetiva alegação e prova dos prejuízos por parte do lesado, os supra mencionados artigos perdiam toda a sua razão de ser.
22. Ao legislar nos termos em que o fez, mormente através da redacção das mencionadas disposições legais, o legislador revelou uma vontade expressa e inequívoca de conferir ao Tribunal uma autonomia, uma discricionariedade, que lhe permita, de acordo com o seu superior critério e apreciando o comportamento processual da parte infractora e recolhendo as provas que entender necessárias, fixar a indemnização que entender ajustada às especificidades do caso, sem que isso importe uma prévia alegação dos prejuízos por parte do lesado.
23. Esta posição é reforçada pelo facto de, normalmente, atendendo ao decurso dos processos, os prejuízos decorrentes da litigância de má-fé de uma das partes, não serem determináveis para a parte lesada.
24. É exactamente o que ocorre in casu, veja-se que os Autores, no momento em que alegaram a má-fé processual da Ré, não tinham elementos para determinar as efectivas despesas que decorreriam da invocada má-fé.
25. Em rigor, ainda não o têm, apenas o conseguindo fazer devidamente após a conclusão definitiva do processo - sendo esse o momento para apuramento final dos danos provocados pela actuação danosa da Ré.
26. Mesmo no que concerne com outros prejuízos (como se refere na al. b) do nº 1 do art. 543º do CPC), não tinham os Autores como os antecipar ou prever – sendo certo que jamais se poderia adivinhar o dispêndio de tempo e o consumo de energia que este processo acarretaria.
27. Em face desta notória incapacidade de antecipar os prejuízos, não se afigura minimamente acertado o entendimento de que cabia a estes o ónus de alegar e comprovar previamente esses prejuízos, sendo que qualquer valor que estes tivessem alegado seria sempre meramente especulativo.
28. E é por ter noção desta impossibilidade objetiva de determinar e comprovar os prejuízos que, nos termos acima desenvolvidos, o legislador conferiu ao Tribunal o poder de fixar o conteúdo da indemnização sem necessidade dessa alegação ou prova, apenas recorrendo ao seu prudente arbítrio e seguindo critérios de justiça e razoabilidade, tendo por base a realidade de facto por si já conhecida.
29. Sendo que, para tal, dispunha de toda a informação necessária para, de acordo com o seu prudente critério e norteando-se por critérios de equidade, justiça e experiência, determinar o justo conteúdo da indemnização.
30. No limite, chegando ao momento de determinar a indemnização devida e entendendo carecer de mais elementos para o efeito, pendia sobre o Tribunal, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 543º do CPC, o ónus de ouvir as partes e, depois de devidamente esclarecido, decidir de acordo com o seu livre e prudente arbítrio.
31. O que não poderia fazer era escudar-se na falta de elementos para, sem mais, indeferir o pedido indemnizatório formulado, quando, como requerido, poderia e deveria condenar recorrendo aos juízos de equidade que a lei lhe permite.
32. Nessa medida, ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto no art. 543º do CPC, devendo a sentença recorrida ser revista nessa parte, condenando-se a Ré no pagamento de uma indemnização aos Autores em quantia a arbitrar por este Tribunal nos termos do mencionado artigo do art. 345º, nº 3 do CPC».
Terminou pugnando pela procedência do recurso subordinado, alterando-se a decisão recorrida em conformidade com as conclusões apresentadas.
*
II. Objecto do Recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelo recorrente, são as seguintes:
Do recurso principal:
1. O erro no julgamento da matéria de facto no que concerne à alínea 4) dos factos provados e aos pontos A a F dos factos não provados.
2. A improcedência da acção como decorrência da propugnada alteração da decisão sobre a matéria de facto.
3. A indemnização devida aos autores por força da revogação do contato de mandato, nomeadamente a utilização da success fee como critério de determinação dessa indemnização.
4. A nulidade da sentença no que respeita à parte fixa dos honorários dos autores.
5. A insubsistência da condenação da ré como litigante de má-fé.
Do recurso subordinado:
6. O cálculo da indemnização por lucros cessantes.
7. A contagem dos juros de mora.
8. A indemnização devida aos autores pela litigância de má-fé da ré.
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II. Fundamentação
A. Os Factos
1. Factos julgados provados pelo tribunal a quo
São os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal de primeira instância:
1) Os autores exercem a profissão de advogado, sendo portadores das cédulas profissionais ...... e ......, respetivamente.
2) A ré exerce a profissão de médica.
*
3) Em data anterior a 28 de Setembro de 2018, ainda durante o Verão, os autores reuniram-se com a ré nas instalações da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos, no Porto, no sentido de esta os consultar no âmbito da profissão dos autores.
4) A ré pretendia que os autores a aconselhassem quanto à questão da partilha dos bens da herança aberta por óbito do seu Pai, GG.
5) O primeiro autor informou a ré que seria necessário a mesma outorgar uma procuração e assinar um contrato de prestação de serviços jurídicos.
6) O primeiro autor remeteu à ré por mensagem de correio electrónico de 28 de Setembro de 2019 uma cópia do texto do documento correspondente à minuta do contrato.
7) Tal documento não estava legível.
8) Os autores e a ré celebraram um acordo, que reduziram a escrito, mediante o qual esta mandatou aqueles para lhes prestar serviços no âmbito da profissão destes.
9) Ficou estipulado o seguinte:
“Assunto: contrato de prestação de serviços jurídicos.
Em conformidade com o pedido que nos foi formulado no sentido prestar serviços jurídicos, vimos pela presente esclarecer os termos em que estes serão prestados.
I – Determinação da entidade a quem os serviços serão prestados
Para todos os efeitos a prestação de serviços acordada será realizada por ordem e no interesse de:
• CC, NIF ......, portadora do Cartão do Cidadão ..., válido até 20.12.2018 e residente na Rua ..., ..., habitação ..., Porto.
De ora em diante designada por “Cliente”.
II – Dos serviços prestados e do seu objectivo
Os serviços prestados têm como objetivo promover o inventário e partilha por morte do pai da Cliente.
No âmbito do contrato de prestação de serviços jurídicos serão prestados os seguintes serviços:
• Estudo do processo;
• Instauração e acompanhamento de processo de inventário;
• Eventualmente, regularização da situação registral de prédios da herança.
Estes serviços serão prestados pessoalmente pelos advogados signatários ou por qualquer outro advogado no qual estes venham a substabelecer os poderes que lhe serão conferidos.
III – Termo da prestação de serviços
Não havendo qualquer expansão dos serviços solicitados, a prestação de serviços termina com a realização das supra referidas diligências.
IV – Honorários e despesas
Pela prestação dos supra referidos serviços serão devidos os seguintes honorários cumulativos:
• Pela instauração e acompanhamento do inventário, 3.000,00€ (três mil euros), a pagar em duas prestações de igual montante, uma que se vencerá no momento da instauração do processo de inventário e a seguinte seis meses após essa data;
• Pelo acompanhamento de cada processo de regularização de imóveis da herança 1.000,00€ (mil euros), a pagar na data do início de cada um dos procedimentos;
• A título de success fee 10% do valor obtido no processo de inventário.
A estes valores deverá a crescer o valor do IVA à taxa legal.
Acrescem ainda as despesas de expediente com os processos, de acordo com a tabela praticada pelos signatários bem como as taxas, taxas de justiça, emolumentos e outras despesas com os processos as quais, quando possível, devem ser pagas pela cliente diretamente às entidades competentes logo após solicitação do advogado subscritor.
Estes valores serão pagos em dinheiro, cheque ou transferência bancária para a conta com o IBAN ..., ou outra a designar.
No sentido de iniciar a prestação de serviços, pedimos que nos seja devolvida cópia da presente missiva devidamente assinada, o que, desde já, se declara que equivalerá ao acordo para que os serviços sejam prestados da forma e nas condições aqui elencadas.”.
10) O clausulado foi elaborado pelos autores.
11) A ré assinou e entregou aos autores uma procuração, conferindo-lhes poderes de representação para a prossecução do mandato no âmbito do processo de inventário a instaurar.
12) Em 8 de Outubro de 2018, os autores deram entrada do requerimento inicial do processo de inventário no Cartório Notarial do Senhor Dr. HH, a que foi atribuído o n.º....
13) E deram disso conhecimento à ré.
14) A ré desconhecia a situação registal e matricial de parte dos bens imóveis que compunham o acervo hereditário.
15) Haviam sido realizados negócios entre familiares sem que tivessem sido cumpridos os requisitos de forma.
16) A herança era composta por quotas sociais.
17) Por prédios construídos sobre terrenos da herança sem o devido averbamento fiscal e registral.
18) E por bens móveis.
19) Foram identificados bens não relacionados pela cabeça-de-casal.
20) A ré entregou aos autores documentos sem qualquer organização ou referências.
21) Os autores elaboraram uma relação de bens provisória para identificar os bens e para conferir quais estariam duplicados, quais já não pertenceriam ao acervo hereditário e quais os que estariam em falta nessas referências documentais.
22) Os autores fizeram buscas nas matrizes prediais e nas conservatórias para identificar os imóveis.
23) Os autores trocaram com a ré mensagens de correio electrónico, realizaram telefonemas e tiveram com a ré reuniões presenciais.
24) O primeiro autor reuniu-se por duas vezes com a solicitadora Dra. DD.
25) Esta solicitadora conhecia o acervo hereditário por ser a pessoa a quem o Pai da ré recorria para regularizar a situação jurídica dos prédios que vieram a compor o acervo hereditário.
26) Os autores trocaram ainda correspondência e telefonemas com os mandatários que vieram a representar os demais interessados no inventário.
27) Os autores prestaram à ré os seguintes serviços:
a.- Reunião com a cliente.
b.- Estudo do assunto e documentos fornecidos.
c.- Deslocação à conservatória do registo predial para obtenção de documentos.
d.- Reunião com a cliente.
e.- Elaboração de listagem dos bens a partilhar e sua identificação.
f.- Elaboração do requerimento de inventário e sua apresentação em 8 de Outubro de 2018.
g.- Deslocação a Matosinhos e reunião com a solicitadora Dra. DD.
h.- Análise de despacho proferido pelo notário datado de 15 de Outubro de 2018.
i.- Elaboração de requerimento e sua apresentação em 17 de Outubro de 2018.
j.- Análise do auto de compromisso de honra da cabeça de casal datado de 9 de Novembro de 2018.
k.- Reunião com a cliente.
l.- Deslocação a Matosinhos e reunião com a solicitadora Dra. DD.
m.- Análise do requerimento apresentado pela cabeça de casal em 28 de Novembro de 2018.
n.- Análise do despacho proferido pelo notário de 29 de Novembro de 2018.
o.- Deslocação ao serviço de finanças para obtenção de documentos em 5 de Dezembro de 2018.
p.- Elaboração de requerimento e sua apresentação junto do serviço de finanças em 5 de Dezembro de 2018.
q.- Análise da relação de bens apresentada pela cabeça de casal em 13 de Dezembro de 2018.
r.- Reunião com a cliente para discutir a relação de bens em 20 de Dezembro de 2018.
s.- Reunião com a cliente para discutir a relação de bens em 28 de Dezembro de 2018.
t.- Elaboração da reclamação contra a relação de bens.
u.- Apresentação da reclamação contra a relação de bens em 3 de Janeiro de 2019.
v.- Troca de mensagens de correio electrónico com o mandatário da contraparte.
w.- Análise da notificação de 10 de Janeiro de 2019.
x.- Elaboração do requerimento e sua apresentação em 25 de Janeiro de 2019.
y.- Análise do despacho proferido pelo notário de 30 de Janeiro de 2019.
z.- Elaboração do requerimento e sua apresentação em 5 de Fevereiro de 2019.
aa.- Análise do despacho proferido pelo notário de 19 de Fevereiro de 2019.
ab.- Análise da resposta à reclamação apresentada pela cabeça de casal de 4 de Março de 2019.
ac.- Elaboração de requerimento e sua apresentação em 7 de Março de 2019.
ad.- Análise de requerimento apresentado pela contraparte de 7 de Março de 2019.
ae.- Análise de despacho proferido pelo notário de 18 de Março de 2019.
af.- Análise do requerimento apresentado pela contraparte em 19 de Março de 2019.
ag.- Análise de despacho proferido pelo notário em 27 de Março de 2019.
ah.- Troca de e-mails com o mandatário da contraparte.
ai.- Análise de nova relação de bens apresentada pela cabeça de casal em 30 de Abril de 2019.
aj.- Análise de despacho proferido pelo notário em 4 de Junho de 2019.
ak.- Análise de correção da nova relação de bens apresentada pela cabeça de casal de 30 de Abril de 2019.
al.- Troca de informações escritas e telefónicas com a cliente.
am.- Apresentação da renúncia ao mandato em 18 de Junho de 2019.
*
28) O primeiro autor interpelou a ré por mensagem de correio electrónico datada de 19 de Março de 2019 para proceder ao pagamento do valor de 1.500,00€, acrescido de IVA, por transferência bancária para o número de conta que indicou, bem como para pagar o valor correspondente ao IVA da primeira prestação, tudo no total de 2.190,00€.
29) Na mesma mensagem chamou a atenção para a ré ponderar um eventual acordo de partilha, escolhendo os bens da sua preferência para preencher o quinhão hereditário de 1/6.
30) A ré enviou ao primeiro autor uma mensagem de texto, por telemóvel, no dia 11 de Abril de 2019, pelas 9h36, com o seguinte conteúdo:
“Bom dia / Não esqueci da minha obrigação… mas estou sem cartão da empresa… que vai para ... / Faço transferência no domingo se não se importar… senão tenho de ir ao banco / Aguardo resposta e peço desde já que desculpe”.
31) O primeiro autor respondeu, no mesmo dia: “Bom dia. Sem problema. Pode fazer domingo. Cumprimentos”.
32) No dia 17 de Abril de 2019, o primeiro autor tentou contactar a ré por telefone.
33) A ré não atendeu e enviou ao primeiro autor, pelas 19h53, com o seguinte conteúdo: “Posso ligar mais tarde?”.
34) No dia 23 de Abril de 2019, pelas 11h42, o primeiro autor enviou mensagem de texto para o telemóvel da ré, com o seguinte conteúdo: “Bom dia Dra CC. Ainda não me aparece a transferência na conta. Já efetuou? Melhores cumprimentos”.
35) Não obteve resposta.
36) Em 2 de Maio de 2019, o primeiro autor enviou uma mensagem de correio electrónico à ré com o seguinte conteúdo: “Cara Dra. CC, Em anexo remeto novo ato processual da cabeça-de-casal face ao qual temos de tomar posição. Queira ler para que possamos decidir a posição a tomar. Tenho disponibilidade para me ocupar deste assunto dia 9, quinta-feira. Não antes, uma vez que tenho audiências todos os dias até dia 8.
Mais recordo que se encontra em mora no pagamento de honorários acordados já vencidos de € 2.190,00 (…)”.
37) O primeiro autor telefonicamente a ré em 6 de Maio de 2019 e em 8 de Maio de 2019.
38) A ré enviou ao primeiro autor as seguintes mensagens de texto: “Agora não posso falar.” e “Posso ligar mais tarde?”.
39) O primeiro autor remeteu à ré a mensagem de correio electrónico de 12 de Junho de 2019, pela qual reiterou a interpelação para pagamento da quantia 2.190,00€ e para ponderar um eventual acordo de partilha, escolhendo os bens da sua preferência para composição do quinhão hereditário de 1/6, mais tendo evidenciado que a falta de pagamento dos honorários e a falta de resposta à questões colocadas tornavam inviável a continuação do exercício do mandato, fixando o prazo até ao dia 17 de Junho para proceder ao pagamento e responder às questões colocadas, com a cominação “de resolver com justa causa, por incumprimento da sua parte, o contrato de mandato celebrado e, consequentemente, renunciar ao mandato forense nos autos de inventário”.
40) A ré responder por mensagem de correio electrónico em 16 de Junho de 2019, às 23h59, com o seguinte teor: “Peco desculpa se não atendi alguma chamada mas possivelmente ligou estaria a trabalhar
So tenho um mail anterior onde me pede o pagamento restante, mas lembro-me de termos falado e ficar acordado enviar o respectivo recibo (havia a duvida quanto a ser no meu nome....), podem pois enviar pf por mail
Mais, parece-me de ser conveniente, para uma relação de confiança entre as duas partes- a que paga e a que presta o serviço- o envio que em que descrimine os serviços por si efetuados e custo dos mesmos, solicitando entao, apos, o pagamento da parte restante.
Em relação a acordo quanto a receber 1/6 da Herança já lhe tinha transmitido que não e essa a minha vontade nem interesse.
Aguardo factura e informação restante”.
41) O primeiro autor respondeu à ré mediante mensagem de correio electrónico em 17 de Junho de 2019, recordando os contactos, a mensagem de 19 de Março, justificando ser “completamente contrário ao acordo assinado a referência que faz a «descrimine os serviços por si efetuados e custo dos mesmos, solicitando então, apos, o pagamento da parte restante”, salientando ter a ré sempre acompanhado o desenrolar do processo, a quem sempre comunicou o teor do mesmo, inclusive remetendo documento e requerimento da cabeça-de-casal e informando da necessidade de tomar posição.
42) A ré respondeu por mensagem de correio electónico em 18 de Junho de 2019, pelas 9h48, com o seguinte teor: “Agradecia o envio urgente da factura e a relacao dos servicos efectuados
Desde ja, como nao existe uma relacao de confianca por nenhuma das partes, fica sem efeito a procuracao que lhe passei, e dispenso os V . servicos
Para ser cumprida a minha parte referida no contrato, aguardo que me faca um relatorio das funcoes que efectuou e respectivos custos e envie factura dos 1500 euros”.
43) No mesmo dia, os autores comunicaram no processo de inventário a renúncia ao mandato.
44) E remeteram à ré, mediante carta registada com aviso de receção, uma nota de comunicação dos serviços prestados, das despesas suportadas na execução do mandato, dos honorários devidos e da indemnização devida pela revogação unilateral do contrato de mandato, reclamando as quantias de 2.190,00€ já antes solicitada, a quantia de 69,64€ a título de despesas com certidões e documentos obtidos no Serviço de Finanças e na conservatória do registo predial, a quantia de 159,72€ pelo custo das duas deslocações ao escritório da solicitadora e cinco deslocações ao Porto para reunir com a ré, e 13.139,14€ a título de indemnização pela revogação do mandato.
45) A carta veio devolvida com a menção “objecto não reclamado”.
46) O primeiro autor remeteu à ré a mensagem de correio electrónico de 9 de Julho de 2019, remetendo em anexo cópia da carta referida em 44).
47) Em resposta de 15 de Julho de 1019, a ré enviou a mensagem com o seguinte teor: “Boa tarde
Pode explicar me melhor... em que consiste ......
Obrigada desde ja”.
48) Os autores emitiram à ré em 17 de Junho de 2019 a factura-recibo no valor de 1.219,51€, acrescida de IVA, no total de 1.500,00€.
49) A herança aberta por óbito de GG era composta pelos seguintes bens:
- Valores monetários depositados em contas bancárias - 24.273,73€;
- Trinta libras em ouro, com o valor de 5.000,00€.
- Anel de curso, em ouro amarelo, com o valor de 500,00€.
- Um relógio de pulso de marca Omega, com o valor de 100,00€.
- Uma Pistola, 6,35 mm, star, D 611 37, com o n.º de série: ..., com o valor de 200,00€.
- Veículo automóvel de marca Volvo, modelo ..., com a matrícula “..-..-QD”, com o valor de 1.000,00€.
- Veículo automóvel de marca Lancia, modelo ..., com a matrícula “JX-..-..”, com o valor de 200,00€.
- Trator Marca Mitsubishi¸ com o valor de 1.500,00€.
- Recheio completo que se encontra na casa de habitação do prédio identificado na verba 22 da relação de bens apresentada pela cabeça-de-casal, composto, de entre outros, de 5 camas, 4 sofás, 3 roupeiros, 1 papeleira, 1 relógio de sala de caixa alta, com o valor global de 2.500,00€.
- Três pares de botões de punho, com o valor de 120,00€.
- Três alfinetes de gravata com o valor de 120,00€.
- Dois anéis de homem com o valor de 1000,00€.
- Cinco fios de prata, duas alianças de prata, duas argolas de brincos, um medalhão quadrado barra, duas pulseiras com o valor de 200,00€.
- Sete salvas de prata com o valor de 350,00€.
- Quatro jarras pequenas com o valor de 180,00€.
- Três argolas com o valor de 30,00€.
- Dois castiçais com o valor de 150,00€.
- Oito tigelas com o valor de 500,00€.
- Um cinzeiro com o valor de 50,00€.
- Três corta papéis com o valor de 30,00€.
- Uma caneta, um lacrador e um tinteiro, com o valor de 90,00€.
- Uma escova, dois pentes e um espelho de prata, com o valor de 50,00€.
- Um corta papéis, calçadeira com o valor de 15,00€.
- Um cinzeiro pequeno, com o valor de 15,00€.
- Duas canetas PARKER e uma CROSS, com o valor de 30,00€.
- Relógio senhora e pulseira de ouro com o valor de 500,00€.
- Medalhão oval com esmalte e ouro c/fotografias dos netos, com o valor de 100,00€.
- Dois fios com medalhões, com o valor de 650,00€.
- Quatro alfinetes de senhora em ouro, concha e duas pombas, com o valor de 230,00€.
- Duas alianças, com o valor de 250,00.
- Três anéis Senhora, com o valor de 450,00€.
- Três anéis de Homem, com o valor de 550,00€.
- Um anel de ouro branco gravado, com o valor de 200,00€.
- Três alfinetes de gravata de homem, com o valor de 250,00€.
- Uma pulseira fina, duas medalhinhas e uma figa de ouro, com o valor de 150,00€.
- Quatro pares de brincos, com o valor de 150,00€.
- Um medalhão de abrir gravado pendente com decoração, com o valor de 250,00€.
- Relógio de pulso do Avô, com o valor de 100,00€.
- Relógio de prata de bolso, com o valor de 250,00€.
- Três porta moedas de prata (1 de homem e 2 de senhora), com o valor de 350,00€.
- Treze moedas de prata, com o valor de 130,00€.
- Um terço de prata, com o valor de 35,00€.
- Um medalhão de prata, com o valor de 15,00€.
- Duas alianças de prata, com o valor de 25,00€.
- Um alfinete moeda, com o valor de 50,00€.
- Uma escrava pulseira de prata trabalhada, com o valor de 60,00€.
- Um colar de pérolas, com o valor de 100,00€.
- Prédio urbano, afecto a serviços, sito na Rua ...., ... Porto, inscrito na respectiva matriz sob o n.º ..., fracção “FB”, da União das Freguesias ..., ..., ..., ... e ..., Concelho do Porto, descrito na competente Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ..., fracção “FB”, com o valor patrimonial de 18.220,95€.
- Prédio urbano, destinado a comércio, sito na Rua ..., ... Porto, inscrito na respectiva matriz sob o n.º ..., fracção “K”, da União das Freguesias ..., ... e ..., Concelho do Porto, com a área bruta privativa de 65 m2, descrito na competente Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ..., fracção “K”, com o valor patrimonial de 81.892,03€.
- Prédio Urbano, destinado à habitação, sito na Rua ..., com entrada pelo n.º ... e ..., referentes a dois andares, susceptíveis de utilização independente, inscritos (ambos) na respectiva matriz sob o n.º ..., da União das Freguesias ... e ..., Concelho de Matosinhos, descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º..., da referida Freguesia e Concelho, com o valor patrimonial de 130.660,00€.
- Prédio Urbano, destinado ao comércio, sito na Avenida ...., ... ..., inscrito na respectiva matriz sob o n.º ..., fracção “A”, da União das Freguesias ... e ..., Concelho de Matosinhos, descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ..., fracção “A”, com o valor patrimonial de 72.832,68€.
- Prédio Urbano, destinado ao comércio, sito na Avenida ...., ... ..., inscrito na respectiva matriz sob o n.º ..., fracção “B”, da União das Freguesias ... e ..., Concelho de Matosinhos, descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ..., fracção “B”, da referida Freguesia e Concelho, com o valor patrimonial de 72.832,68€.
- Prédio Urbano, destinado à habitação, sito na Avenida ...., ... ..., inscrito na respectiva matriz sob o n.º ..., fracção “F”, da União das Freguesias ... e ..., Concelho de Matosinhos, descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ..., fracção “F”, com o valor patrimonial de 54.950,00€.
- Prédio Urbano, destinado à habitação, sito na Rua ..., Lote ....10/88, Edifício ...., porta ..., ... ..., inscrito na respectiva matriz sob o n.º ..., fracção “AX”, da freguesia ..., Concelho de Loulé, descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º ..., fracção “AX”, com o valor patrimonial de 70.200,00€.
- Prédio Urbano, destinado à habitação, sito na Rua ..., Lote ....10/88, Edifício ...., porta ..., ... ..., inscrito na respectiva matriz sob o n.º ..., fracção “BB”, da freguesia ..., Concelho de Loulé, descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º ..., fracção “BB”, da referida Freguesia e Concelho, com o valor patrimonial de 78.622,48€.
- Prédio Urbano, destinado ao comércio, sito na Rua ..., ... Espinho, inscrito na respectiva matriz sob o n.º ..., fracção “A”, da Freguesia e Concelho de Espinho, descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Espinho sob o n.º ..., fracção “A”, com o valor patrimonial de 17.433,63€.
- Prédio Urbano, destinado ao comércio, sito na Rua ..., ... Espinho, inscrito na respectiva matriz sob o n.º ..., fracção “B”, da Freguesiae Concelho de Espinho, descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Espinho sob o n.º ..., fracção “B”, com o valor patrimonial de 38.037,00€.
- Prédio rústico, denominado de prado, composto de vinha, inscrito na respectiva matriz sob o n.º ..., da União das Freguesias ..., Concelho ..., confrontando a Norte com o Rio, a Sul com II, a Nascente com JJ e a Poente com KK, descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Condeixa-a-Nova sob o n.º ..., com o valor patrimonial de 17,36€.
- Prédio rústico, denominado de prado, composto de vinha com duas Oliveiras, inscrito na respectiva matriz sob o n.º ..., da União das Freguesias ..., Concelho ..., confrontando a Norte com o Rio, a Sul com II, a Nascente com LL e a Poente com JJ, descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Condeixa-a-Nova sob o n.º ..., com o valor patrimonial de 21,55€.
- Prédio rústico, denominado de prado, composto de vinha com uma ..., pinhal e mato, inscrito na respectiva matriz sob o n.º ..., da União das Freguesias ..., Concelho ..., confrontando a Norte com o Rio, a Sul com caminho, a Nascente com MM e a Poente com Herdeiros de NN, descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Condeixa-a-Nova sob o n.º ..., com o valor patrimonial de 59,26€.
- 1/7 (uma sétima parte) indivisa, sem determinação de parte ou Direito do Prédio Rústico, denominado de valadas, composto de Olival com trezentos e sessenta Oliveiras, catorze tanchas, vinha velha, mata de cedros e quatro nogueiras, inscrito na respectiva matriz sob o n.º ..., da União das Freguesias ... e ..., Concelho ..., confrontando a Norte com Estrada, a Sul com OO e outros, a Nascente com Baldio da Câmara e a Poente com Estrada Camarária, descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Condeixa-a-Nova sob o n.º ..., com o valor patrimonial de 304,52€.
- Prédio rústico, referente a uma parcela de terreno, inscrito na respectiva matriz sob o n.º ..., da Freguesia ..., Concelho de Espinho, sito na Rua ..., confrontando a Norte com PP, a Sul com QQ, a Nascente com a Rua ... e a Poente com RR, descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Espinho sob o n.º ..., com o valor patrimonial de 0,60€.
- Prédio rústico, denominado de boiça, referente a uma terra de semeadura, inscrito na respectiva matriz sob o n.º ..., da União das Freguesias ..., Concelho ..., confrontando a Norte com Caminho, a Sul com SS, a Nascente com MM e a Poente com SS, não descrito na Conservatória do Registo Predial, com o valor patrimonial de 3,89€.
- Prédio urbano, referente a um terreno para construção, sito na ..., Zona Industrial ..., ..., ... ..., Vila Nova de Gaia, confrontando a Norte com Lote n.º ..., a Sul com novo arruamento, a Nascente com A... e a Poente com novo arruamento, inscrito na respectiva matriz sob o n.º ..., da Freguesia ..., Concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ..., com o valor patrimonial de 25.419,35€.
- Jazigo com três m2 no cemitério de Espinho, referente à sepultura com o n.º ..., com o valor de 250,00€.
- Prédio rústico sito em Prado, freguesia ... e concelho ..., composto por terra de semeadura, com uma área de 0,130 ha, confrontando a Norte com Rio, a Sul com TT, a Nascente com UU e de Poente com VV, descrito na matriz predial rústica sob o artigo matricial n.º ... da predita freguesia, cm o valor patrimonial de 20,05€.
- Prédio rústico sito em ..., freguesia ... e Concelho ..., composto por pinhal e mato, confrontando a Norte com WW, a Sul com LL e outro, a Nascente com XX e de Poente com YY, descrito na matriz predial rústica sob o artigo matricial n.º ... da predita freguesia, com o valor patrimonial de 10,18€.
50) O Pai da ré faleceu intestado, no estado de casado, em regime comunhão geral de bens, tendo deixado a suceder-lhe, para além do cônjuge, dois filhos, entre os quais a ré.
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2. Factos julgados não provados pelo Tribunal a quo
O tribunal recorrido julgou não provado que:
A.- Ao contratar os serviços dos autores, a ré pretendia corrigir a relação de bens apresentada pela sua mãe por óbito do seu pai perante o serviço de finanças, seja por nela faltar a indicação de bens, seja porque a ré se encontrava a pagar impostos sobre rendimentos da herança que eram exclusivamente recebidos pela Mãe.
B.- A ré nunca pretendeu fazer partilhas ou dividir bens da herança enquanto a Mãe fosse viva.
C.- O que o primeiro autor sabia.
D.- O primeiro autor referiu à ré que o prazo de seis meses deveria corresponder à duração do processo.
E.- O documento referido em 8) e 9) foi assinado pela ré sem a esta ser dada a oportunidade de o ler.
F.- O primeiro autor disse à ré que o mesmo era necessário para a Ordem dos Advogados, afiançando ser uma “mera formalidade” e que “poderia confiar”.
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G.- Os autores procuraram contactar a ré telefonicamente dada a falta de pagamento e de tomada de posição depois da mensagem de 19 de Março de 2019 mencionada em 28).
H.- A ré não atendeu as chamadas.
I.- A ré não telefonou ao primeiro autor na sequência da mensagem de 17 de Abril de 2019.
J.- A ré não respondeu à mensagem de 2 de Maio de 2019 mencionada em 36).
K.- A herança aberta por óbito de GG era composta por outros bens para além dos discriminados na alínea 49).
L.- Os bens imóveis que a compunham geraram rendas no valor 115.133,90€.
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3. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
a. Nos termos do artigo 640.º, n.º 1, do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, (a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, (b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida, e (c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, conforme preceitua a al. a), do n.º 2, do mesmo artigo.
Concatenando estes ónus, a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, com o ónus de alegar e formular conclusões consagrado no artigo 639.º do CPC, que impende sobre o recorrente independentemente do recurso visar a matéria de facto e/ou a matéria de direito, Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6.ª ed., Coimbra 2020, pp. 196 e s.) sintetiza assim o sistema que vigora sempre que a apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
- O recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
- Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
- Relativamente aos factos cuja impugnação se funde em prova gravada, deve indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes (podendo proceder à transcrição dos excertos que considere oportunos);
- O recorrente deve ainda deixar expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No caso vertente, a recorrente principal indicou de forma expressa e discriminada, tanto na motivação como nas conclusões da sua alegação, os pontos de facto que considera incorretamente julgados – o ponto 4 dos factos julgados provados e os pontos A a F dos factos julgados não provados.
Indicou, igualmente, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre cada um desses pontos – julgar não provada a matéria de facto constante daquele ponto 4 e provada a matéria de facto constante destes pontos A a F.
Por fim, fundamentou a sua discordância na prova que descreve e analisa na referida alegação – os documentos juntos aos autos em 03.07.2020 e em 08.01.2021 e os depoimentos das testemunhas EE e DD. Porém, não o fez relativamente a todos os pontos concretos objecto de impugnação, nos termos que serão melhor explicitados infra, o que determina a rejeição da impugnação quanto a esses pontos, ou seja, na estrita medida e que este ónus primário não foi cumprido.
Acresce que a recorrente transcreveu a parte dos depoimentos das testemunhas em que se baseia, mais indicando o minuto e o segundo do início e do fim de cada um desses excertos.
Nestes termos, com excepção da factualidade relativamente à qual não foi observado o ónus consagrado no artigo 640.º, n.º 1, al. b), do CPC, nada obsta ao conhecimento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
b. Dispõe, por sua vez, o artigo 662.º, n.º 1, do CPC, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A análise e a valoração da prova na segunda instância está, naturalmente, sujeita às mesmas normas e princípios que regem essa actividade na primeira instância, nomeadamente a regra da livre apreciação da prova e as respectivas excepções, nos termos previstos no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, conjugado com a disciplina adjectiva dos artigos 410.º e seguintes do mesmo código e com a disciplina substantiva dos artigos 341.º e seguintes do Código Civil (CC), designadamente o artigo 396.º no que respeita à força probatória dos depoimentos das testemunhas.
É consabido que a livre apreciação da prova não se traduz numa apreciação arbitrária, pelo que, nas palavras de Ana Luísa Geraldes (Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, pág. 591), «o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância». De resto, como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra 2019, p. 720), o juiz deve «expor a análise crítica das provas que foram produzidas, quer quando se trate de prova vinculada, em que a margem de liberdade é inexistente, quer quando se trate de provas submetidas à sua livre apreciação, envolvendo os motivos que o determinaram a formular o juízo probatório relativamente aos factos considerados provados e não provados».
Mas não podemos olvidar que, por força da imediação, da oralidade e da concentração que caracterizam a produção da prova perante o juiz da primeira instância, este está numa posição privilegiada para apreciar essa prova, designadamente para surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir a espontaneidade e a credibilidade dos seus depoimentos, que frequentemente não transparecem na gravação. Por esta razão, Ana Luísa Geraldes (ob. cit. página 609) salienta que, em caso de dúvida, «face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte».
No caso vertente, como vimos, a recorrente principal pugnou pela alteração da decisão no que respeita à factualidade descrita no ponto 4 dos factos julgados provados e nos pontos A a F dos factos julgados não provados.
A referida recorrente entende que a prova produzida não demonstra que a mesma pretendesse que os autores a aconselhassem quanto à questão da partilha dos bens da herança aberta por óbito do seu pai (diferentemente do que consta do ponto 4 dos factos julgados provados), antes demonstrando que, ao contratar os serviços dos autores, pretendia apenas corrigir a relação de bens apresentada pela sua mãe no serviço de finanças na sequência do óbito do seu pai – seja por nela faltar a indicação de bens, seja porque a ré se encontrava a pagar impostos sobre rendimentos da herança que eram exclusivamente recebidos pela mãe – e que nunca pretendeu fazer partilhas ou dividir bens da herança enquanto a mãe fosse viva, 0 que o primeiro autor sabia (ao contrário do que consta dos pontos A a C dos factos julgados não provados).
A respeito destes factos, o tribunal a quo fundamentou assim a sua convicção:
Os factos das alíneas 4), A) a C) foram julgados com referência às declarações de parte da autora e à prova documental, corroborada pelas declarações de parte dos autores e pelo depoimento da testemunha EE. De facto, a falta de credibilidade atribuída às declarações da autora foram o início da prova do inverso do declarado, tal é inverosímil a versão que trouxe a juízo.
A ignorância do que seja o inventário não colhe, pois que, apesar do sentido jurídico mais amplo (por exemplo, de mero inventário-arrolamento), tem no uso comum um significado indissociável de partilha de bens. Mais: o propósito da ré de partilhar os bens resulta bem espelhado no teor do documento correspondente à redução a escrito do contrato de prestação de serviço, assinado pela ré (e cujo valor probatório não seria afastado mesmo que esta não o tivesse lido, sendo certo que EE inclusive confirmou tê-lo a ré lido sem pressão), bem como da mensagem de correio electrónico do mandatário da cabeça-de-casal (Mãe da ré) reenviada pelo primeiro autor à ré para esta tomar conhecimento da proposta de partilha de bens (rectior, de composição dos quinhões de cada interessados) e para se pronunciar sobre a mesma e a resposta dada pelo primeiro autor, datada de 27 de Março de 2019, com conhecimento à ré. Acresce que do teor da mensagem de correio electrónico de 16 de Junho de 2019 e concretamente da expressão “Em relação a acordo quanto a receber 1/6 da Herança já lhe tinha transmitido que não e essa a minha vontade nem interesse” não se extrai que a ré não quisesse proceder à partilha mas antes que não pretendia receber essa percentagem prevista na lei mas mais do que a lei previa (como explicou em declarações o primeiro autor e nisso se encontrou concordância com a actuação da ré). Por último, o propósito da ré resulta bem explicado pela testemunha EE quando referiu que a ré queria efectivamente a partilha (aliás “queria dinheiro puro e duro”).
Ouvida toda a prova gravada e analisados todos os documentos juntos aos autos, não vemos qualquer razão para dissentir da análise feita pelo Tribunal a quo.
Na verdade, as declarações prestadas pela recorrente principal, para além da natural parcialidade decorrente do seu interesse na causa, revelaram-se confusas e inverosímeis.
Começou por esclarecer que pretendia apenas resolver um problema fiscal (devido ao facto de estar a pagar IRS sobre rendimentos da herança aberta por óbito do seu pai, sem que beneficiasse desses rendimentos) e completar “o inventário” que a sua mãe havia elaborado de forma incompleta (querendo referir-se à relação de bens apresentada por esta no serviços de finanças na sequência do óbito do seu pai), mas que nunca pretendeu fazer partilhas antes do óbito da sua mãe. Acrescentou que o autor a aconselhou a “fazer um inventário”, o que interpretou como uma nova lista ou relação dos bens que integravam a herança, desconhecendo que esse inventário visasse a partilha dos bens.
Mas, como dissemos, estas afirmações revelam-se totalmente inverosímeis.
Desde logo porque a ré não esclareceu – nem se consegue vislumbrar – em que termos uma nova relação de bens iria resolver o seu “problema fiscal”. Quer esta nova relação bens se destinasse apenas a apurar a totalidade do acervo hereditário deixado pelo seu pai (e a ser guardada até à morte da sua mãe, para então servir de base à subsequente partilha), quer se destinasse a ser entregue no serviço de finanças em substituição da anterior, a tributação das rendas pagas à herança não iria sofrer qualquer alteração, o que apenas poderia suceder por via da partilha, ainda que parcial, da herança, designadamente dos bens geradores daqueles rendimentos. Não ocorrendo esta partilha, só um acordo entre os herdeiros quanto à imediata distribuição das rendas ou outra forma de compensação poderia obstar aos prejuízos alegados pela ré, mas nenhuma prova nos permite, sequer, supor que tal hipótese tivesse sido equacionada.
Por outro lado, causa muita estranheza que, estando o trabalho de relacionação e de actualização registal dos bens do pai da ré a ser feito por uma solicitadora amiga da família – a testemunha DD, como foi esclarecido pela própria – a ré tenha solicitado os serviços dos autores, muito provavelmente mais dispendiosos, apenas para continuar esse trabalho.
Em suma, não é credível que a recorrente tivesse procurado os autores apenas para obter um serviço que já havia sido iniciado por uma solicitadora e que não se mostrava apto a resolver o “problema fiscal” de que se queixava.
Causa, igualmente, estranheza que uma pessoa com formação académica superior desconheça que um processo de inventário tem em vista a partilha dos bens entre os diversos interessados, como é do conhecimento da generalidade da população, incluindo a menos instruída, fazendo mesmo parte do imaginário e, até, da literatura nacionais as disputas familiares relacionadas com os processos de inventário.
Em todo o caso, mesmo admitindo que a ré desconhecesse esse facto, é impossível que não tivesse tomado conhecimento do mesmo em diferentes momentos.
Desde logo quando subscreveu o contrato de prestação de serviços jurídicos referido no ponto 9 dos factos provados, no qual se refere expressamente que “os serviços prestados têm como objetivo promover o inventário e partilha por morte do pai da Cliente” (voltaremos a este assunto mais adiante).
Mas também quando foi proposto o processo de inventário referido no ponto 12 dos factos provados e ao longo da sua tramitação. Com efeito, para além de estar provado que os autores deram conhecimento daquela proposição à recorrente (cfr. ponto 13 dos factos provados), resulta da prova produzida, designadamente das mensagens trocadas entre as partes, que a própria ré apresentou propostas de partilha dos bens, que foram rejeitadas pelos restantes herdeiros (a sua mãe e o seu irmão), e que rejeitou as propostas de partilha apresentadas por estes últimos. Referimo-nos, designadamente, aos e-mails enviados pelo autor AA em 04.02.2019, 19.03.2029, 12.06.2019 e 17.06.2019 e pela ré em 16.06.2019, bem como à troca de mensagens telefónicas de 29.01 e 27.03. Se o processo em questão não tivesse como propósito a partilha dos bens da herança deixada pelo pai da ré, estas propostas e contrapropostas de partilha não fariam sentido.
De resto, das mensagens e da correspondência trocada entre as partes não decorre que, alguma vez, a ré tenha manifestado alguma surpresa pela pendência de um inventário para partilha da herança aberta por óbito do seu pai, nem sequer quando decidiu dispensar os serviços dos autores. Na verdade, perante as insistências do autor AA para que a ré pagasse os honorários nos termos acordados, sob pena de resolver o contrato de mandato por incumprimento daquela (cfr. e-mail de 17.06.2019), esta limitou-se a exigir a entrega prévia de uma relação dos serviços prestados, a afirmar que não existia uma relação de confiança entre as partes, a dar sem efeito a procuração que passou aos autores e a dispensar os respectivos serviços (cfr. e-mail de 18.06.2019). Ora, não é minimamente verosímil que a ré, pelo menos, não manifestasse surpresa e desagrado se os autores tivessem proposto o referido processo de inventário sem o seu conhecimento e contra a sua vontade.
A falta de credibilidade das declarações da ré foi ainda corroborada pelo facto de ter afirmado que sempre teve boas relações com a sua mãe e o seu irmão e que sempre usufruiu de todos os bens da herança, procurando assim reforçar a tese de que nunca quis fazer partilhas antes da morte da sua mãe e que as mesmas a prejudicariam, pois apenas teria direito a receber 1/6 da herança.
Desde logo porque a afirmação de que usufruía de todos os bens da herança é dificilmente conciliável com a afirmação de que era apenas sua mãe que recebia as rendas dos prédios dessa herança.
Mas sobretudo porque as boas relações entre a ré e a sua mãe e irmão foram peremptoriamente negadas pela testemunha EE, que manteve uma relação amorosa com a ré e que descreveu o mau relacionamento que esta tinha com os referidos familiares, por entender que estes a estavam a prejudicar ou que a iriam prejudicar nas partilhas e por não anuírem à sua pretensão de receber mais do que 1/6 dos bens da herança ou do respectivo valor.
De resto, se a ré tivesse um bom relacionamento com a família e não houvesse qualquer diferendo a respeito da herança deixada pelo seu pai, não se compreenderia que tivessem constituído advogados distintos para tratar dos assuntos dessa herança.
Em contrapartida, as declarações prestadas pelos autores, apesar do seu interesse na causa e da parcialidade daí decorrente, revelaram-se coerentes e verosímeis, tendo o autor AA, secundado pelo autor BB, esclarecido que a ré o contactou por intermédio da testemunha EE e da filha deste, queixando-se de que não estava a usufruir dos bens deixados pelo seu pai, que era a sua mãe quem recebia os rendimentos desses bens e que temia que esta beneficiasse o seu irmão, em seu prejuízo, pelo que queria fazer partilhas. Mais esclareceu que a ré queria receber logo ½ da herança, que lhe explicou que isso apenas seria possível por acordo, sem o qual apenas teria direito a 1/6. Mais esclareceu que propôs o inventário, que sempre comunicou tudo à ré, inclusivamente a rejeição da sua proposta de partilha e as contrapropostas apresentadas, que foram recusadas pela ré.
Estes depoimentos foram corroborados pela referida testemunha EE. Para além do já exposto, esta referiu sem qualquer hesitação que a ré não pretendia apenas conhecer todo o património deixado pelo seu pai, mas também receber dinheiro, o que naturalmente pressupunha fazer partilhas, total ou parcialmente. Mais acrescentou não acreditar que os autores enganassem a ré, avançando com um processo de partilhas contra a sua vontade.
Esta testemunha aludiu também a uma reunião ocorrida antes de a ré ter procurado os serviços dos autores, em que esteve presente o advogado da família (onde forram abordados diversos assuntos, designadamente a divisão do preço dum terreno que a mãe da ré queria vender e o problema gerado pelas rendas recebidas pela herança), na qual a ré e o referido advogado terão considerado que a partilha dos bens não era uma boa solução, porque a ré apenas receberia o correspondente à sua quota hereditária, quando ela queria mais do que este 1/6. Mas daqui não se pode extrair que, quando procurou os autores, a ré não pretendesse avançar com a referida partilha ou, pelo menos, não tivesse acedido à sugestão dos autores nesse sentido, consciente do que isso significava, ainda que pudesse ter o propósito ou a esperança de obter por essa via mais do que lhe estava legalmente assegurado.
Nada do que ficou dito é contrariado pelo depoimento da testemunha DD, que revelou pouco saber com relevância para a apreciação dos factos impugnados. Na verdade, esta testemunha limitou-se a descrever o trabalho que fez ainda em vida do pai da ré, acrescentando que foi ela quem elaborou a relação de bens que veio a ser apresentada nas finanças pela cabeça-de-casal, com a consciência de que a mesma estava incompleta. Mais esclareceu que, posteriormente, nada mais lhe foi pedido pela família, a não ser quando foi contactada pela ré e pelo aqui autor AA para que lhes fornecesse os elementos que tinha sobre os bens que compunham a herança. Referiu ainda achar que não havia qualquer conflito familiar, mas revelou não ter mantido contacto com a família depois de ter elaborado a relação de bens para fins tributários. Mais referiu julgar que a ré não queria fazer as partilhas, tanto mais que nunca lhe falou disso, tendo apenas a intenção de perceber porque tinha de declarar rendas que não recebia. Mas esta explicação não se mostra minimamente verosímil. Para além do que já dissemos, certamente que a ré não necessitaria de um novo advogado, para além do advogado da família e da solicitadora que havia tratado da declaração dos bens da herança junto das finanças, para perceber por que razão as rendas auferidas pela herança se reflectiam na sua declaração de rendimentos para efeitos de IRS.
A análise que fizemos também não é contrariada pela circunstância de estar documentalmente demonstrado que não foi praticado qualquer acto no processo de inventário após a renúncia à procuração por parte dos aqui autores, estando esse processo suspenso desde então. São inúmeras, no plano das hipóteses, as razões possíveis para esta inércia. Não cremos que a prova produzida nos permita afirmar com segurança a ou as razões determinantes. Em todo o caso, o que a prova seguramente não demonstra é que os ora autores tivessem enganado a ré, intentando um processo de inventário contra a sua vontade. Perante a referida prova, afigura-se mais verosímil que a ré tenha perdido interesse no prosseguimento do inventário por ter visto goradas as suas tentativas de obter, por via de um acordo com os restantes interessados, mais do que o correspondente ao seu quinhão hereditário de 1/6 (mais concretamente a adjudicação de ½ da herança a si e de outra metade ao seu irmão, ficando a mãe de ambas com o usufruto de todos os bens).
Por tudo quanto ficou exposto, improcede a impugnação quanto aos pontos 4 dos factos provados e A a C dos factos não provados.
O mesmo sucede relativamente à impugnação dos pontos D a F dos factos não provados. Relativamente a estes pontos, o tribunal a quo fundamentou assim a sua decisão:
No que respeita aos factos das alíneas D), E) e F) foram os mesmos julgados não provados porquanto não foi reconhecida credibilidade às declarações da ré e não foi produzida qualquer outra prova que sustentasse a sua versão. De facto, ainda que a mensagem de correio electrónico remetida em 28 de Setembro de 2018 estivesse ilegível (conforme provado), tal não é o bastante para concluir que no momento da assinatura não tivesse a ré lido o documento (leitura que aliás foi confirmada pela testemunha EE) ou sequer que tivesse sido coartada ou limitada a oportunidade de ler antes de assinar.
Para contrariar esta argumentação, a recorrente invoca a factualidade descrita nos pontos 6 a 10 dos factos provados, o depoimento da testemunha EE e as regras da experiência comum. Contudo, não estabelece, de forma explícita ou implícita, qualquer relação entre estes ou quaisquer outros meios de prova e o ponto D dos factos não provados, debalde se procurando na alegação de recurso os meios de prova em que a recorrente se baseia para considerar demonstrado aquele facto. Deste modo, a recorrente não cumpriu o ónus primário consagrado no artigo 640.º, n.º 1, al. b), do CPC, no que respeita a este ponto da matéria de facto, pelo que se impõe a rejeição da sua impugnação.
O mesmo não sucede relativamente à factualidade descrita nos pontos E e F dos factos não provados, que a recorrente entende decorrer dos pontos 6 a 10 e do depoimento da testemunha EE, analisados à luz das regras da experiência. Mas não podemos subscrever esta análise.
Como se refere na decisão recorrida, a circunstância de a mensagem de correio electrónico remetida em 28.09.2018 ser ilegível, conforme referido nos pontos 6 e 7, não é bastante para se concluir que a ré não tivesse lido esse documento posteriormente, no momento em que o assinou, ou que, de alguma forma, os autores tivessem criado algum entrave a essa leitura, designadamente menosprezando a sua relevância, sugerindo que se tratava de uma mera formalidade. Muito menos se extrai essa conclusão dos pontos 7 a 10 dos factos provados, onde apenas se refere a redução a escrito do acordo celebrado entre as partes, se transcreve o seu teor e se acrescenta que o referido clausulado foi elaborado pelos autores (isto independentemente do enquadramento jurídico que se possa fazer destes factos).
Acresce que os factos em causa foram apenas confirmados pela ré, cujas declarações não mereceram a credibilidade do tribunal, não tendo sido confirmados por qualquer outra prova, tendo mesmo sido infirmados pelo depoimento da testemunha EE, que afirmou ter estado presente na reunião entre o autor AA, a ré e a testemunha DD, mais esclarecendo que, após essa reunião, já na rua e sem a presença da aludida solicitadora, o referido autor entregou à ré um contrato de honorários, explicou-lhe de forma explícita o seu conteúdo, tendo a ré lido a primeira parte desse contrato, aposto a sua assinatura no mesmo sem qualquer pressão do autor e ficado com uma cópia desse contrato. Também o autor AA confirmou este episódio, afirmando que a ré leu o contrato, discutiu o seu teor consigo, aceitou-o e assinou em cima do capot do carro do autor.
É, assim, manifesto que a prova produzida não é suficiente para se julgar provado que o referido documento tenha sido assinado pela ré sem que lhe tenha sido dada a oportunidade de o ler ou que o autor AA lhe tenha dito que o mesmo era necessário para a Ordem dos Advogados, afiançando ser uma “mera formalidade” e que “poderia confiar”.
Pelo exposto, improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto que, consequentemente, se mantém inalterada.
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B. O Direito
1. A recorrente principal começa por afirmar que, à luz da factualidade que deve ser considerada provada, a acção deverá improceder, visto decorrer daquela factualidade que os autores incumpriram o mandato que lhes foi conferido pela ré, agindo ostensivamente contra as instruções desta ao instaurarem um inventário para partilha de bens, apesar de saberem perfeitamente que não era essa a sua vontade, assim violando a obrigação prevista nos artigos 1161.º, al. a), do Código Civil (CC) e 97.º, n.º 2, do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA).
Sucede que, tendo improcedido na sua totalidade a impugnação da decisão da matéria de facto, esta argumentação perdeu a sua base de sustentação. Assim, a improcedência desta argumentação dispensa outros desenvolvimentos.
2. Afirma, de seguida, a mesma recorrente que aos autores não têm direito a qualquer indemnização, por não se verificarem os pressupostos do artigo 1172.º, al. d), erradamente considerados na sentença recorrida. Na verdade, acrescenta, foram os próprios autores a renunciar à procuração no processo de inventário que se encontrava pendente, sendo certo que mandato e procuração não se confundem, pois se o primeiro pode ser revogado tacitamente (art. 1171.º do CC), a segunda carece de um ato expresso do mandante, que deve ser notificado ao mandatário por via processual (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01/02/1993, melhor citado supra).
Compreende-se mal esta argumentação, que parece assentar numa errada interpretação da sentença recorrida.
Importa, antes de mais, deixar claro que a referida sentença menciona a al. d), do artigo 1172.º, do CC, por mero lapso, sendo absolutamente manifesto que baseia a indemnização atribuída aos autores na revogação do contrato pela mandante, nos termos da al. c), do mesmo artigo 1172.º, citando textualmente o seu conteúdo, e não pelos mandatários, conforme pressupõe a al. d).
Acresce que, diferentemente do que parece ter entendido a recorrente, o tribunal a quo não se baseou numa suposta revogação tácita da procuração por parte da mandante. Baseou-se, isso sim, na revogação expressa, tanto do contrato de mandato, como da procuração, por via da declaração de 18 de Junho de 2019. Na verdade, refere-se na decisão recorrida que esta declaração «comporta dois segmentos: “fica sem efeito a procuracao que lhe passei” e “dispenso os V . serviços”, mais se acrescentando que «[n]ão obstante a linguagem leiga mas por referência aos parâmetros de interpretação da declaração de vontade consagrados no art. 236.º do Código Civil, julga-se ser de extrair que a ré não só revogou a procuração (“fica sem efeito a procuração”) como o contrato de mandato (“dispenso os V. serviços”)».
É certo que a mandante não revogou o mandato no próprio processo de inventário, nos termos previstos no artigo 47.º, n.ºs 1 e 2, do CPC. Mas, como se esclarece na sentença recorrida, esta norma regula apenas os termos em que a revogação e a renúncia do mandato produzem efeitos no processo, não se ocupando dos efeitos da revogação e da renúncia extraprocessual do mandato ou da procuração. Ora, como bem refere a decisão recorrida, a revogação extraprocessual não deixa de o extinguir o contrato de mandato, nos termos do artigo 1170.º do CC, e de extinguir a procuração, nos termos do disposto no artigo 265.º, n.º 2, do CC, ainda que tal extinção não produza efeitos no processo enquanto não for dado cumprimento ao disposto no artigo 47.º do CPC.
Nestes termos, como veremos melhor infra, estão efectivamente verificados os pressupostos de que o artigo 1172.º, al. c), do CC, faz depender a obrigação de indemnizar o mandatário – a revogação, pela mandante, de um mandato oneroso, conferido para determinado assunto.
É certo que acabaram por ser os próprios autores a declarar no processo de inventário a renúncia ao mandato judicial que lhes havia sido conferido pela ré, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 47.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Mas fizeram-no já depois de a ré lhes ter comunicado por escrito a revogação do mandato e da procuração, ou seja, quando já havia cessado o contrato de mandato que serviu e base à procuraçã0 – o que, nos termos do artigo 265.º, n.º 1, 2.ª parte, determina a extinção da procuração – e quando esta já havia sido expressamente revogada pela representada. Dito de outro modo, a renúncia declarada no processo de inventário ocorreu quando os autores já não podiam agir como mandatários da ré e nem sequer tinham poderes de representação desta, ainda que esta falta de poderes de representação ainda não tivesse sido formalizada no processo, por inércia da ré.
Neste contexto, não vemos que outra atitude os autores pudessem assumir, sob pena de incorrerem em responsabilidade disciplinar e/ou civil, uma vez que a prática de novos actos no processo em representação da ré contrariaria a vontade expressa desta e que a inércia pura e simples dos autores seria violadora das suas obrigações profissionais e deontológicas.
Defender que a renúncia levada a efeito no circunstancialismo acima descrito impede o direito dos autores a uma indemnização pela prévia revogação do mandato, traduzir-se-ia numa verdadeira perversão da lei, permitindo que a mandante contornasse a sua obrigação de indemnização ao forçar os autores, com a sua inércia, a renunciar ao mandato forense.
3. A liberdade de revogação prevista no artigo 1170.º, n.º 1, do CC, significa que a mesma pode fazer-se unilateralmente – não exigindo a vontade de ambos os contraentes (vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 6.ª ed., p. 277) –, a todo o tempo e não carece de justa causa (neste sentido, vide Batista Machado, RLJ, ano 118.º, p. 279). Basta, portanto, que uma das partes declare que não quer a renovação ou a continuação do contrato, podendo esta declaração ser expressa ou tácita, nos termos do disposto no artigo 217.º do Código Civil.
Mas a revogação unilateral do contrato pode gerar a obrigação de indemnizar a parte contrária, nos termos e nas situações previstas no artigo 1172.º do CC.
Em conformidade com o disposto na al. c), desse artigo 1172.º, «[a] parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer: (…) [s]e a revogação proceder do mandante e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente».
É, precisamente, esta a situação vertente, pois resulta dos factos apurados que a mandante revogou o contrato de mandato que celebrou com os autores (bem como a procuração por via da qual lhes conferiu poderes de representação, o que bastaria para se considerar revogado o mandato, nos termos do disposto no artigo 1179.º do CC), esse contrato de mandato é oneroso, pois foi expressamente acordado o pagamento de uma retribuição como contrapartida pelos serviços jurídicos a prestar, como decorre dos pontos 8 e 9 dos factos provados (onerosidade que, de resto, sempre se presumiria, por força do disposto na segunda parte, do n.º 1, do artigo 1158.º do CC, visto que o contrato de mandato teve como objecto actos que os autores praticam no exercício da sua profissão de advogados), e foi conferido para um determinado assunto: “promover o inventário e partilha por morte do pai da Cliente”, como consta do acordo subscrito pelas partes.
Como escreve Manuel Januário da Costa Gomes (Em Tema de Revogação do Mandato Civil, p. 272), «quando o mandato se integra numa destas espécies, o mandatário detém uma forte expectativa na permanência da relação contratual até final e na obtenção de uma determinada retribuição global. É, assim, de toda a justiça que o mandante que põe cobro às expectativas da permanência do vínculo, indemnize o mandatário pelos prejuízos sofridos».
Todavia, a doutrina e a jurisprudência têm entendido de forma pacífica que não há lugar a esta indemnização se existir justa causa para a revogação do contrato, conquanto essa justa causa assente em factos ou circunstâncias imputáveis à contraparte. Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. II, 3.ª ed., p, 735), «seria, de facto, intolerável que o contraente provocasse pela sua conduta a revogação e ainda por cima obtivesse a indemnização pelo prejuízo que alegue ter sofrido».
Tratando-se de um conceito indeterminado, não definido pelo legislador, o seu conteúdo deve ser apreciado livremente pelo tribunal, naturalmente com o apoio da reflexão jurisprudencial e doutrinal já efectuadas.
Assim, a respeito do que se deva entender por justa causa, diz-se o seguinte no Ac. do TRP acima citado: «Sendo um conceito indeterminado (não definido pelo legislador), a justa causa há-de corresponder a qualquer facto, situação ou circunstância – que poderão ser ou não imputáveis à contraparte – que torne inexigível, de acordo com as regras da boa fé, a manutenção da relação contratual. Mas, tal como se referiu supra, enquanto factor de exclusão da obrigação de indemnizar a cargo da parte que revoga o contrato, quando este é livremente revogável (como aqui acontecia), apenas releva a justa causa que se reconduza a um comportamento ou actuação da contraparte, de forma a que possa afirmar-se que a revogação do contrato decorreu de uma determinada actuação da contraparte que, segundo as regras da boa fé, tornava inexigível para a parte revogante a manutenção da relação contratual».
Desenvolvendo um pouco mais este conceito, afirma-se no sumário do Ac. do STJ, de 05.05.2005 (proc. n.º 05B489), que «pode considerar-se como justa causa qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual, todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação, designadamente qualquer conduta contrária ao dever de correcção e lealdade (ou ao dever de fidelidade na relação associativa)».
Acrescenta-se no mesmo acórdão, citando Pires de Lima e Antunes Varela, «que, “em Itália, é unanimemente reconhecida como causa justa não a causa subjectiva – a falta de confiança, superveniente, do mandante no mandatário – mas a causa objectiva, considerando-se como tal toda a circunstância que torne contrário aos interesses do mandante o prosseguimento da relação jurídica”».
No caso e apreço, nada nos factos apurados nos permite afirmar a existência de uma justa causa para a resolução do contrato, designadamente que os mandatários, aqui recorridos, tenham agido contra as instruções da mandante, propondo um processo de inventário que sabiam ser contrário à vontade desta, mostrando-se manifestamente insuficiente para preencher aquele conceito de justa causa a falta de confiança invocada pela ré na missiva de 18.06.2019, por via da qual esta resolveu unilateralmente o mandato e a procuração, resolução que parece basear-se, apenas, no facto de os autores, a partir de 19.03.2019, a terem interpelado por diversas vezes para proceder ao pagamento da parte dos honorários que já estava vencida, nos termos do acordo escrito que celebraram (cfr. pontos 28, 34, 36 e 39 dos factos provados), e de não terem acedido ao pedido formulado apenas na missiva de 16.06.2019 para que os autores lhe enviassem previamente uma discriminação dos serviços por si efetuados e do custo dos mesmos (cfr. ponto 40 dos factos provados), com o argumento de que tal exigência era contrária ao acordo assinado e de que a ré sempre acompanhou o desenrolar do processo (cfr. ponto 41 dos factos provados). Na verdade, o artigo 105.º do EOA apenas impõe que o advogado apresente ao cliente a respectiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados nos casos em não existe convenção prévia reduzida a escrito (cfr. n.º 2, do referido artigo), que no caso existia, conforme já referimos.
Nestes termos, na ausência de outros factos susceptíveis de integrar o conceito de justa causa de resolução, assiste aos autores o direito à indemnização prevista no artigo 1172.º do CC.
4. Embora esta obrigação de indemnização não assente nos requisitos gerais da responsabilidade civil, pois não pressupõe a prática de um facto ilícito e culposo, configurando antes uma verdadeira responsabilidade por factos lícitos, tal obrigação depende da existência de um dano e a sua fixação obedece às regras consagradas nos artigos 562.º e seguintes do CC.
Segundo Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. II, 3.ª ed., Coimbra, 1986, p. 734), «[q]uando o mandato (oneroso) tiver sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, o prejuízo da revogação calcular-se-á em função da compensação que o mandato devia proporcionar normalmente ao mandatário».
Foi este o critério adoptado na decisão recorrida, a qual, com fundamento no disposto no artigo 564.º, n.º 1, do CC, acabou por fixar a indemnização devida por referência ao valor que, para além da remuneração fixa de 3.000.00 € já vencida na data da revogação do contrato, seria devido a final, correspondente a 10% do valor que a ré viesse a receber no processo de inventário.
Contudo, considerando que o trabalho realizado não é equivalente àquele que os autores teriam tido caso o inventário tivesse seguido os seus termos até ao final, o tribunal a quo considerou que se impunha «delimitar o dano para o efeito de fixação do quantum indemnizatório», alertando que tal não se traduz numa dedução de qualquer lucro pelo trabalho não realizado, pois que os factos da compensatio lucri cum damno teriam de ser alegados pela ré a título de excepção.
Nestes termos, considerando que a ré teria direito a receber 1/6 da herança, no valor de 117.617,19 €, como decorre dos pontos 49 e 50 dos factos provados, o tribunal a quo concluiu que os autores teriam direito a haver a quantia de 11.761,72 € caso o mandato não tivesse sido revogado. Contudo, considerando que o valor do dano efectivamente sofrido ficou aquém deste valor, o tribunal a quo, socorrendo-se de um juízo de equidade, «ponderando a relevância do peso inicial da actividade do advogado para apreender o contexto do litígio, a pretensão do constituinte e a factualidade relevante para sustentar a pretensão em juízo, os serviços efectivamente prestados (tal-qual resultou provado), a fase em que os autos de inventários se encontravam no momento da revogação e o trabalho que ainda era expectável os autores terem até à conclusão da partilha», julgou «adequado fixar a indemnização a título de lucros cessantes em 7/10 daquele valor, ou seja, 8.233,20€».
A recorrente principal insurgiu-se contra o critério assim utlizado, afirmando que aqueles 10% do valor que viesse a ser obtido no processo de inventário, que os autores qualificam como uma success fee, constitui uma verdadeira quota litis, proibida pelo artigo 106.º EOA, e que tal cláusula se deve considerar excluída do contrato, por força do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais (CCG) previsto no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.
Argumenta a recorrente que qualquer “success fee” ou “majoração dos honorários em função do resultado obtido”, para usar a terminologia legal, deve ser isso mesmo: um acrescento ao valor dos serviços contratados e nunca a parte mais significativa dos mesmos, pois o recebimento dos honorários pelo advogado não pode estar na sua maior parte dependente da álea do resultado, como sucede no caso dos autos.
Mas a matéria de facto apurada não permite esta conclusão de que a maior parte dos honorários acordados ficou dependente da álea do resultado da lide.
O tribunal recorrido considerou que tal álea nem sequer existe, uma vez que, para além dos 3.000,00 € fixados “pela instauração e acompanhamento do inventário” e dos 1.000,00 € devidos “pelo acompanhamento de cada processo de regularização de imóveis da herança”, os “10% do valor obtido no processo de inventário” não correspondem a uma success fee, pois o valor a obter no processo de inventário não depende de qualquer álea, correspondendo sempre ao valor percentual do quinhão hereditário de cada interessado, podendo não estar previamente determinado, mas sendo sempre determinável por via deste critério. Só assim não será, de acordo com a decisão recorrida, se tiver sido equacionada a possibilidade de um acordo que altere o peso relativo de cada quinhão hereditário, ou se o acervo hereditário passar a integrar bens que não tenham sido inicialmente relacionados, na sequência de uma reclamação apresentada pelo mandatário a que diz respeito a referida cláusula remuneratória, acrescentando-se na decisão recorrida que nenhuma destas hipóteses foi equacionada no caso concreto.
Não podemos subscrever na íntegra esta posição do tribunal a quo, por partir de premissas que não se mostram inteiramente correctas. Na verdade, dos factos julgados provados resulta que os autores, enquanto mandatários constituídos pela ré, reclamaram da relação de bens apresentada pela cabeça-de-casal no processo de inventário, tendo esta respondido, após o que apresentou uma nova relação de bens (cfr. ponto 27 – q. a u., ab. ai. e ak.), mais resultando daqueles factos que discutiram a celebração de um eventual acordo nesse processo (cfr. pontos 29, 39 e 40), o que é igualmente corroborado pelos documentos juntos aos autos e antes analisados. É, todavia, verdade que a proposta de acordo mencionada nos factos provados se cingiu à possibilidade de escolha, pela ré, dos bens que iriam preencher o seu quinhão hereditário de 1/6, não tendo sido vertida naqueles factos a proposta a que aludimos supra na apreciação da impugnação da matéria de facto, de atribuição à ré de um quinhão superior a 1/6.
Seja como for, não comungamos da afirmação de que não havia margem para sucesso.
A esta luz, entendemos que a cláusula negocial em análise não traduz uma pura fixação prévia do montante dos honorários em função do valor do quinhão hereditário da recorrente, cuja fixação estivesse apenas dependente da simples avaliação dos bens que integram a herança, como foi preconizado na sentença recorrida.
Mas também não consideramos que essa cláusula consagre uma pura majoração do valor dos honorários em função do resultado obtido. Na verdade, apenas estaríamos perante uma pura sucess fee, para usar o anglicismo adoptado pelas partes, se a majoração do valor dos honorários estivesse exclusivamente dependente do resultado aleatório da lide, podendo dar-se o caso de não haver lugar a qualquer majoração em virtude do desfecho da acção ser totalmente desfavorável à parte responsável pelos honorários em questão. No caso, esta álea absoluta não existia, pois a ré sempre teria direito a receber o valor correspondente a 1/6 da herança, por ser este o seu quinhão hereditário. Mas a cláusula em apreço compreendia também a possibilidade – essa sim puramente aleatória – de a ré demonstrar que o acervo hereditário compreendia mais bens do que os relacionados pela cabeça-de-casal ou de acabar por celebrar um acordo que lhe permitisse receber mais do que 1/6 do valor da herança e, por alguma destas vias, incrementar o valor dos honorários em função destes resultados.
Nestes termos, a cláusula negocial em análise, para além da quantificação de um valor fixo a pagar (em parte de imediato e noutra parte no prazo de seis meses), combina a determinação prévia de um valor percentual a calcular em função do valor do assunto confiado a advogado, com uma majoração a calcular em função do resultado obtido.
Em todo o caso, nada nos permite afirmar que o valor dos honorários estipulado pelas partes esteja dependente, na sua maior parte, da álea do resultado da lide. Deste modo, tal estipulação não configura uma quota litis travestida de quota palmarium, proibida pelo artigo 106.º, n.ºs 1 e 2, do EOA, antes se subsumindo à previsão do n.º 3, do mesmo artigo.
Assim sendo, ao contrário do que defende a recorrente, nada impede que o tribunal tenha em conta tal estipulação contratual na fixação da indemnização prevista no artigo 1172.º do CC, mais concretamente na determinação dos lucros cessantes, à luz do artigo 564.º, n.º 1, do mesmo código.
5. Veio, porém, a recorrente alegar que, «os AA. não informaram previamente a R. do real conteúdo do que apuseram no email que constitui a minuta que a levaram a assinar (“A título de success fee 10% do valor obtido no processo de inventário”, sic), sem qualquer explicação suplementar – o que é reconhecido e aceite na sentença recorrida», acrescentando que «[i]sso mesmo resulta de forma inequívoca da prova produzida e que importa a alteração da decisão da matéria d e facto, nos termos já vistos, até porque os AA. nem sequer procuraram alegar a prática de quaisquer atos orientados à comunicação e explicitação do teor do clausulado» e que «tal como a sentença em crise expressamente reconhece, isso é o suficiente para que o contrato aqui em causa seja qualificado como de adesão, à luz do disposto no n.º 2 do art. 1.º do DL n.º 446/85, de 25/10».
Assim, visto que, nos termos do disposto nos artigos 3.º a 6.º deste diploma legal, se consideram excluídas dos contratos as cláusulas que não tenham sido comunicadas e/ou informadas ao aderente em termos que permitam pressupor o seu conhecimento efetivo, a recorrente não aceita que a sentença em crise, sem qualquer sustentação legal, jurisprudencial ou doutrinal e ao arrepio do previsto no artigo 8.º daquele Decreto-Lei, tenha decidido que não devem ser retiradas consequências ao nível do incumprimento daqueles deveres e da validade do clausulado.
Analisada a sentença recorrida, verifica-se que a mesma qualificou o contrato em causa como um contrato de adesão, por considerar que o mesmo foi celebrado mediante a apresentação de um clausulado elaborado pelos autores, conforme decorre do ponto 10 dos factos provados.
Discordamos desta leitura dos factos apurados. O que resulta dessa factualidade é, tão somente, que os autores e a ré celebraram um acordo, que reduziram a escrito, mediante o qual a última mandatou os primeiros para lhe prestarem serviços no âmbito da profissão destes (cfr. ponto 8), que esse acordo tem o teor descrito no ponto 9 dos factos provados e que o respectivo clausulado foi elaborado pelos autores (cfr. ponto 10). Mas esta factualidade revela-se insuficiente para sustentar a referida qualificação, pelas razões que passamos a expor.
Para designar a figura jurídica que a lei denomina de cláusulas contratuais gerais (CCG) são usadas, com frequência, nomenclaturas diversas: contratos de adesão, condições negociais gerais ou contratos standard. Nestas denominações realça-se o modo de formação do acordo, numa relação jurídica concreta; a terminologia legal, por sua vez, realça o momento anterior da formulação abstracta das cláusulas.
A sua regulamentação, ligada à defesa do consumidor, por sua vez reflexo da defesa da parte mais débil, está contida no DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, sucessivamente alterado pelo DL n.º 220/95, de 31 de Agosto (e Declaração de Rectificação n.º 114-B/95), pelo DL n.º 249/99, de 7 de Julho, pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, pela Lei n.º 32/2021, de 25 de Maio, pelo Decreto-Lei n.º 108/2021, de 12 de Julho, pelo Decreto-Lei n.º 109-G/2021, de 10 de Dezembro, pela Lei n.º 10/2023, de 3 de Março, e pelo Decreto-Lei n.º 123/, 2023, de 26 de Dezembro.
Este diploma não nos dá uma noção de CCG, provavelmente por considerar ser esta uma tarefa da doutrina e da jurisprudência. Mas, no seu artigo 1.º, indica as suas características essenciais: «a) são pré-elaboradas, existindo disponíveis antes de surgir a declaração que as perfilha; b) apresentam-se rígidas, independentemente de obterem ou não a adesão das partes, sem possibilidade de alterações; c) podem ser utilizadas por pessoas indeterminadas, quer como proponentes, quer como destinatários» - Almeida Costa/Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais - Anotação ao Decreto-Lei nº 446/85 de 25 de Outubro, Coimbra 1991, p. 17.
Joaquim de Sousa Ribeiro (Cláusulas Contratuais Gerais e o Paradigma do Contrato, p. 13.) define-as da seguinte forma: «cláusulas preformuladas com vista à disciplina uniforme de uma série, em regra indeterminada, de contratos de certo tipo a celebrar pelo predisponente ou por terceiro».
Em princípio, todas as cláusulas deste género se submetem ao regime instituído no diploma referido. Contudo, esse mesmo diploma, no seu artigo 3.º, consagra algumas excepções.
No caso em análise, apenas se apurou que as cláusulas do contato celebrado entre a ré, na qualidade de mandante, e os autores, na qualidade de mandatários, foram elaboradas por estes, o que cremos ocorrer com a generalidade dos contratos de mandato celebrados entre advogados e os seus clientes. Mas nada nos factos apurados nos permite afirmar que essas cláusulas tenham sido elaboradas antes da celebração do acordo entre as partes, isto é, que já estivessem disponíveis antes de surgirem as declarações que as perfilha, que se apresentassem rígidas, sem possibilidade de alterações, independentemente de obterem ou não a adesão das partes, e que estivessem disponíveis para ser utilizadas por pessoas indeterminadas, seja como proponentes ou como destinatários das mesmas. Pelo contrário, a sua redacção sugere que foram feitas à medida dos interesses dos concretos outorgantes, nomeadamente das pretensões da ré a respeito da herança aberta por óbito do seu pai. Como ali se começa por afirmar, o clausulado foi elaborado em conformidade com o pedido formulado, tendo em vista promover o inventário e partilha por morte do pai da cliente, traduzida na prestação de serviços jurídicos especificamente discriminados, nomeadamente a instauração e acompanhamento de processo de inventário e, eventualmente, a regularização da situação registal de prédios da herança.
A leitura que fazemos mantém-se mesmo que nos cinjamos à cláusula que prevê a denominada success fee, pois nada nos factos apurados permite concluir que esta cláusula tivesse sido pré-elaborada, tendo em vista a celebração de um número indeterminado de contratos com um número indeterminado de clientes, sem prévia negociação entre as partes.
Não há, assim, que convocar o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, designadamente as regras de repartição do ónus da prova aí previstas, maxime a respeito da comunicação das cláusulas e da prestação de informações a seu respeito.
Acresce que, como vimos, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto improcedeu na sua totalidade, tendo-se mantido a decisão de julgar não provado que o documento referido em 8) e 9) tenha sido assinado pela ré sem que a esta ter sido dada a oportunidade de o ler, bem como a decisão de julgar não provado que o primeiro autor tenha dito à ré que aquele documento era necessário para a Ordem dos Advogados, afiançando ser uma “mera formalidade” e que “poderia confiar”.
Provou-se, apenas, repete-se “os autores e a ré celebraram um acordo, que reduziram a escrito, mediante o qual esta mandatou aqueles para lhes prestar serviços no âmbito da profissão destes”, com o teor discriminado no ponto 9 dos factos provados.
Por conseguinte, ao contrário do que defende a recorrente, mantém-se a conclusão de que nada impede que o tribunal tenha em conta tal estipulação contratual na fixação da indemnização prevista no artigo 1172.º do CC, mais concretamente na determinação dos lucros cessantes, à luz do artigo 564.º, n.º 1, do mesmo código.
6. No que concerne ao valor da indemnização devida ao abrigo das referidas normas, a recorrente principal considera que nada é devido, porque os autores não obtiveram qualquer resultado que importe premiar, ou seja, não há qualquer “taxa de sucesso” a considerar para efeitos de majoração. De resto, acrescenta a mesma recorrente, a Ordem dos Advogados fixou em 4.000,00 € o valor dos serviços que previsivelmente seriam ainda prestados após a renúncia ao mandato e até à conclusão da partilha e, tal como a sentença recorrida reconhece é “incontornável que o trabalho realizado não é equivalente àquele que teriam tido caso o inventário tivesse seguido os seus termos até ao final”, pelo que, ainda que os autores tivessem direito a reclamar da recorrente qualquer montante a título de lucros cessantes, tendo em conta a fase em que os autos de inventário se encontravam no momento da renúncia à procuração, o mesmo teria de se limitar a 7/10 daqueles 4.000,00 €, no entender da própria sentença recorrida, ou seja, 2.800,00 €.
Mais uma vez, compreende-se mal o raciocínio da recorrente, designadamente quando cinge o valor dos lucros cessantes ao montante que, segundo o laudo da Ordem dos Advogados, corresponde aos honorários que seriam devidos a final pelos serviços que não chegaram a ser prestadas, ignorando, pura e simplesmente, o montante que corresp0nde aos honorários que seriam igualmente devidos a final pelos serviços efectivamente prestados, sem esclarecer por que razão considera que estes não integram o conceito de lucros cessantes.
Ora, não carece de grande esforço argumentativo a afirmação de que o lucro que os autores deixaram de auferir por virtude da revogação do mandato corresponde aos 10% do valor que a ré viesse a receber se o inventário tivesse seguido os seus termos até final, pois era esse o valor que a recorrente teria de lhes pagar a final, para além dos montantes fixos que já se haviam vencido, nos termos do acordo escrito celebrado entre as partes.
Também não assiste razão à recorrente quando afirma que a cláusula que prevê a denominada success fee não tem aplicação no caso, por não se ter registado qualquer taxa de sucesso, isto é, porque os autores não obtiveram qualquer resultado favorável à ré, uma vez que a quota de 1/6 da herança sempre caberia à ré por força da lei. Embora os factos carreados para os autos não sejam claros a esse respeito, não podemos descartar a possibilidade de ter havida uma efectiva taxa de sucesso, visto que os aurores, na qualidade de mandatários da ré, reclamaram da relação de bens apresentada pela cabeça-de-casal, tendo esta apresentado uma nova relação. Seja como for, já vimos que a cláusula em questão não contempla uma pura majoração em função do resultado obtido, nos termos da 2.ª parte, do n.º 3, do artigo 106.º do EOA, contemplando igualmente um critério de fixação prévia de parte dos honorários em função do valor do assunto confiado aos autores, mais concretamente em função do valor da quota hereditária da ré.
Nestes termos, resultando da factualidade apurada nestes autos que o valor dos bens a partilhar ascendia a um total de 117.617,19 € (cfr. ponto 49 dos factos provados), que o quinhão hereditário da ré correspondia a 1/6 (cfr. ponto 50 dos factos provados), podemos concluir com segurança que, se os autores tivessem mantido a sua qualidade de mandatários da ré até terminar o processo de inventário, teriam direito a receber a título de honorários, para além dos 3.000,00 € anteriormente vencidos, pelo menos a quantia de 11.761,72 €, como bem concluiu a sentença recorrida.
7. Porém, o Tribunal a quo entendeu que este valor excede a medida do dano efectivamente sofrido, tendo em conta o trabalho efectivamente desenvolvido pelos autores e aquele que previsivelmente faltaria prestar até à conclusão do assunto que lhes foi confiado, afirmando ser «incontornável que o trabalho realizado não é equivalente àquele que teriam tido caso o inventário tivesse seguido os seus termos até ao final. De facto, não chegou a ser decidido o incidente de reclamação à relação de bens, não houve conferência de interessados, mapa da partilha, nem sentença homologatória. (…) Assim, tendo em conta a globalidade do assunto confiado pela ré aos autores, ponderando a relevância do peso inicial da actividade do advogado para apreender o contexto do litígio, a pretensão do constituinte e a factualidade relevante para sustentar a pretensão em juízo, os serviços efectivamente prestados (tal-qual resultou provado), a fase em que os autos de inventário se encontravam no momento da revogação e o trabalho que ainda era expectável os autores terem até à conclusão da partilha», o Tribunal a quo julgou «adequado fixar a indemnização a título de lucros cessantes em 7/10 daquele valor, ou seja, 8.233,20 €».
Os recorrentes subordinados insurgiram-se contra este entendimento, afirmando que o prejuízo que efectivamente sofreram a título de lucros cessantes corresponde ao montante de 11.761,72 € que teriam auferido se a ré não houvesse revogado o mandato, mais alegando que a redução da indemnização a 7/10 deste valor se revela altamente injusta, na medida em que, no momento da revogação do mandato, o trabalho estava praticamente concluído, faltando apenas formalizar o acordo de partilha já alcançado. Assim, deverá a sentença recorrida ser revista nesta parte, condenando-se a ré no pagamento de 11.761,72 € a título de compensação por lucros cessantes, ao invés dos 8.233,20 € que ali se encontram arbitrados.
De harmonia com o disposto nos artigos 562.º e seguintes do CC, maxime no artigo 564.º, o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
No caso concreto, os danos que os autores pretendem ver ressarcidos correspondem aos benefícios que deixaram de auferir, ou seja, à diminuição dos lucros que iriam auferir se a ré não tivesse revogado o mandato. Ora, julgamos ser de linear clareza que estes lucros cessantes correspondem, por definição, aos valores que os autores deixaram de auferir, deduzidos das despesas que teriam de suportar no cumprimento do mandato (e, eventualmente, dos lucros que a própria revogação lhe pudesse trazer).
Como se escreve no ac. do TRL, de 01.07.2010 (proc. n.º 2464/03.1TBALM.L1-6), «[a] ratio da previsão da alínea c) do art. 1172.º do CCivil é a tutela da confiança. Tutela-se o direito do mandatário à retribuição do mandato, pois que um dos pressupostos da responsabilidade do mandante-revogante é que o mandato seja retribuído. Por isso, em ambas as situações da alínea c) o prejuízo do mandatário traduz-se na perda da retribuição a que tinha direito, procurando-se fixar o lucro cessante do mandatário. (…) A indemnização deve restabelecer o status quo ante (…). Será na diferença entre o que teria gasto e o que teria recebido deduzido do que ganhou por não ter de cumprir integralmente o contrato celebrado com a Ré, que se encontrará a indemnização justa». No mesmo sentido vide, a título de exemplo, o ac. do TRG, de 30.01.2014 (proc. n.º 67/12.9TCGMR.G1), onde se escreve o seguinte: «manifesto é que a indemnização à autora devida será a equivalente ao que deixou de auferir pelo facto de o mandato não ter chegado ao seu termo normal, deduzido do que ganhou pelo facto de não ter tido de cumprir integralmente o mandato que a vinculava à Ré», onde se inclui, nos termos do mesmo acórdão, as «quantias que a Autora passou a auferir e auferirá (…) em razão da criação de novas relações de conteúdo económico».
Igualmente no mesmo sentido, na doutrina, Alexandra Menezes (citada no ac. do TRP, de 24.09.2018, proc. n.º 1638/16.0T8PVZ.P1) esclarece que nos «casos subsumidos na previsão da al. c) do artigo 1172.º do CC está-se (…) a tutelar o direito à retribuição do mandatário sendo certo (…) que “o prejuízo do mandatário traduz-se na perda da retribuição a que tinha direito”. Concluindo-se: “Portanto, se se tratar de mandato por tempo determinado ou para determinado assunto e for revogado sem justa causa, tem o mandatário direito a ser indemnizado da retribuição que perdeu”».
Acresce que, como se escreve no ac. do TRP, de 19.11.2020 (proc. n.º 10608/19.5T8PRT.P1), «[c]abe ao lesado demonstrar a dimensão do seu dano real que deve ser calculado de acordo com a teoria da diferença».
No caso concreto, como vimos, foi possível apurar o valor que, no final do inventário, seria devido aos autores.
Diferentemente, não se apurou, pois nem sequer foi alegado por nenhuma das partes, que os autores tenham auferido algum ganho pelo facto de não terem tido de cumprir integralmente o mandato que os vinculava à ré, designadamente que tenham auferido alguma quantia em razão da criação de novas relações de conteúdo económico tornadas possíveis pela referida revogação. Nestes termos, nenhuma quantia importará deduzir a este título pois, como bem refere a Sra. Juíza a quo, os factos da compensatio lucri cum damno teriam de ser alegados pela ré a título de excepção (neste sentido, vide o ac. do TRL, de 07.04.2005, proc. n.º 1083/2005-2).
Também não foi possível apurar que despesas os autores deixaram de suportar com a revogação do mandato. Contudo, essa redução de despesas infere-se da factualidade apurada, pelo que não pode deixar de ser deduzida ao valor dos honorários que os autores deixaram de auferir.
Deste modo, tal como fez o tribunal a quo, ainda que com fundamentos não inteiramente coincidentes, concluímos que os autores lograram demonstrar um dano indemnizável, mas não o seu exacto valor.
Nestes casos, a lei permite – artigos 661.º do CPC e 565.º do CC – que o tribunal relegue para momento posterior a fixação do quantum indemnizatório, condenando naquilo que se vier a liquidar no respectivo incidente. Porém, tal possibilidade apenas diz respeito aos danos que, não estando determinados, sejam determináveis. Neste sentido, Vaz Serra, em comentário ao Ac. STJ, de 6 de Março de 1980, RLJ, Ano 114, p. 287 e 288.
«Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos», isto é, no caso de danos indeterminados e indetermináveis, 0 n.º 3, do artigo 566.º, do CC, prevê a possibilidade de o tribunal fixar uma indemnização com base na equidade.
No caso concreto, o tribunal a quo considerou que o instrumento que permite relegar para o incidente de liquidação a fixação da indemnização não comportaria qualquer mais valia na determinação do valor exacto do lucro cessante dos autores, pelo que decidiu fixar o quantum indemnizatório por referência ao critério previsto no n.º 3, do artigo 566.º, do CC, ou seja, segundo juízos de equidade e tendo em conta as circunstâncias concretas do caso.
Sem prejuízo de não haver uma total identidade entre os fundamentos esgrimidos pelo tribunal a quo e os fundamentos aqui trazidos à colação, afigura-se correcta a opção, adoptada na decisão recorrida, pelo mecanismo da equidade previsto no artigo 566.º, n.º 3, do CC. Na verdade, não vislumbramos que mais se poderia apurar no âmbito de um posterior incidente de liquidação, tendo em conta que a determinação dos dispêndios, financeiros ou de outra ordem, que os autores deixaram de suportar na sequência da revogação do mandato por parte da ré sempre se colocariam num plano hipotético, tendo em conta os imponderáveis a que está sujeita a tramitação de um processo de inventário.
Impõe-se, portanto, o recurso à equidade, dentro dos limites tidos por provados, para se determinar em que medida deve ser reduzido o valor dos honorários que seria devido aos autores se a ré não tivesse revogado o mandato, tendo em contra os dispêndios que estes teriam de suportar.
Tendo em conta, como fez a decisão recorrida, a fase em que os autos de inventário se encontravam no momento da revogação e o trabalho, incluindo deslocações, que era expectável os autores terem até à conclusão da partilha, sabendo-se que não chegou a ser decidido o incidente de reclamação à relação de bens, não houve conferência de interessados, mapa da partilha, nem sentença homologatória, julga-se adequado fixar a indemnização a título de lucros cessantes em 7/10 do valor da retribuição que seria devida a final, tal como fez a decisão recorrida, num total de 8.233,20 €.
8. A recorrente principal veio ainda pugnar pela revogação da sua condenação a pagar aos autores a quantia de 1.780,49 €, devida a título de remuneração já vencida na data em que o mandato foi revogado (bem como a pagar o respectivo IVA quando for emitida a respectiva factura).
Alegou, para tanto, que os autores nada peticionaram a tal propósito, limitando-se a reclamar da ré uma indemnização por lucros cessantes, pelo que, nesta parte, a sentença é nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) e e), do CPC.
A Sra. Juíza a quo pronunciou-se, à luz do artigo 617.º, n.º 1, do CPC, afirmando o seguinte:
«Analisando a petição inicial e os seus fundamentos, julga-se que a referida quantia está contida no valor peticionado a título de honorários e que o fundamento em que assenta encontra-se expressamente alegado (cfr. arts. 4.º, 67.º, 90.º a 92.º da petição inicial), ou seja, o acordo de pagamento da quantia de 3.000,00€, acrescida de IVA, em duas prestações, dos quais a ré apenas pagou 1.500,00€, sendo o remanescente em dívida de 1.780,49€, a que acrescerá IVA na data em que vier a ser emitida a factura correspondente à segunda prestação.
Em suma, com referência às nulidades apontadas pela recorrente, não se antevê que tenham sido cometidas, pelo que não há fundamento para proferir despacho de suprimento».
Tem razão a Sra. Juíza a quo quando esclarece que a causa de pedir vertida na petição inicial não se cinge aos lucros cessantes decorrentes da revogação do mandato pela ré, anteriormente analisados, abarcando igualmente o acordo de pagamento da quantia de 3.000,00 € + IVA pela instauração e acompanhamento do inventário, a realizar em duas prestações de igual montante, já vencidas na data da aludida revogação e apenas parcialmente cumpridas. Na verdade, os factos constitutivos do direito dos autores a receber os honorários assim estipulados e vencidos, com fundamento na responsabilidade civil contratual, estão abundantemente descritos na referida peça processual, nomeadamente nos artigos 4.º e 66.º a 90.º.
Por outro lado, ainda que o valor do pedido líquido ali deduzido não tenha sido claramente explicitado, não restam dúvidas de que o mesmo abarcava o valor dos honorários já vencidos. Na verdade, para além das diversas alusões ao direito a receber da ré a quantia de 2.190,00 €, correspondente à parte que ficou por pagar dos referidos 3.000,00 € + IVA, os autores alegam que interpelaram a ré para pagar essa quantia, bem como a quantia de 69,64 €, relativa a despesas com certidões e documentos obtidos no Serviço de Finanças e na conservatória do registo predial, a quantia de 159,72 €, relativa a duas deslocações ao escritório da solicitadora ali identificada e a cinco deslocações ao Porto para reunir com a ré, e ainda uma indemnização pela revogação unilateral e infundada do mandato, no valor de € 13.139,14. Não obstante a soma destas parcelas perfazer 15.558,80 €, os autores alegaram ter interpelado a ré para pagar um total de 19.329,58 €, acrescida de juros já vencidos no valor de 158,87 €, valores que acabou por verter no pedido que deduziu, mas sem deixar de mencionar que o capital peticionado correspondia a uma liquidação provisória do dano.
Não obstante a apontada incongruência, é inquestionável que este pedido abarcava todas as parcelas antes discriminadas, inclusivamente a correspondente aos honorários vencidos antes da revogação do mandato.
Posteriormente, considerando que os autores deduziram um pedido ilíquido, o tribunal a quo convidou-os a aperfeiçoar a petição inicial, liquidando o pedido e alegando, em conformidade, o valor dos bens inventariados (cfr. despacho de 28.01.2020).
Em resposta a este convite, os autores vieram conferir nova redacção aos artigos 129.º e 130.º da petição inicial, acrescentar à mesma os artigos 131.º a 133 e conferir nova redacção à al. a) do pedido, a qual deixou de fazer referência à liquidação provisória, passando a peticionar a condenação da ré no pagamento aos autores da quantia de 28.112,89 €.
Do exposto decorre com toda a clareza que, pese embora as alterações introduzidas no articulado a respeito do pedido de indemnização pela revogação unilateral e infundada do mandato, manteve-se inalterada a restante cauda de pedir, que assim continuou a abarcar os factos constitutivos do direito dos autores a receber os honorários estipulados e já vencidos na data da revogação do mandato, com fundamento na responsabilidade civil contratual.
É certo, porém, que o pedido entretanto liquidado pelos autores corresponde ao valor dos lucros cessantes indicado nos novos artigos aditados à petição inicial, gerando uma nova incongruência entre o valor dos danos alegado e o valor do pedido. Mas esta incongruência não nos permite concluir que os autores se abstiveram de peticionar o valor dos honorários vencidos. Com igual propriedade poderíamos concluir que se abstiveram de peticionar a totalidade dos lucros cessantes decorrentes da revogação do mandato.
Seja como for, nem o pedido assim liquidado torna a petição inepta (sendo cero que esse pedido foi, entretanto, reduzido ao valor inicialmente pedido), nem a condenação proferida pela primeira instância foi além desse pedido. E tanto basta para concluirmos que a Sra. Juíza a quo não condenou em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, pelo que a sentença recorrida não padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. e), do CPC.
É, igualmente, claro que a Sra. Juíza a quo não apreciou qualquer questão de que não podia tomar conhecimento, pois a questão da condenação da ré a pagar aos autores os honorários vencidos com base na responsabilidade contratual foi expressamente suscitada por estes, nos termos antes expostos, pelo que o não conhecimento dessa questão é que geraria a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Pelo exposto, improcedem as nulidades invocadas pela ré.
Acresce que, como refere Pedro Romano Martinez (Da Cessação do Contrato, Almedina, 3ª ed., p. 507), citado no Ac. do STJ, de 12.07.2018 (proc. n.º 216/15.5T8GRD.C1.S1), «a revogação unilateral do mandato não prejudica os direitos do mandatário que se hajam vencido em momento anterior».
Nestes termos, nenhuma razão ocorre para que se revogue a condenação da ré no pagamento da referida quantia de 1.780,49 €.
9. A decisão recorrida condenou a ré a pagar juros de mora sobre esta quantia, contados desde a data de vencimento de cada uma das parcelas que a compõem.
Já no que concerne à indemnização pelos lucros cessantes, considerou que os juros moratórios são devidos desde a data da prolação da sentença, sem fundamentar esta opção.
Os recorrentes subordinados insurgiram-se contra esta decisão, afirmando que, tendo liquidado esta obrigação de indemnização na petição inicial, a ré ficou constituída em mora com a citação para a acção, por ter sido então interpelada para o cumprimento da referida obrigação, em conformidade com o disposto nos artigos 805.º, n.ºs 1 e 3, do CC.
De harmonia com o preceituado nos artigos 804.º e 806.º do CC, os juros de mora destinam-se a reparar os danos causados ao credor pelo retardamento culposo da prestação pecuniária devida.
Nos termos do disposto no artigo 805.º, n.º 1, do mesmo código, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir. Mas a mora não depende de interpelação nas situações previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do mesmo artigo 805.º, designadamente se a obrigação provier de facto ilícito. Neste caso, o devedor constitui-se em mora no momento da prática do facto ilícito. Esta regra especial está em consonância com o disposto no artigo 566.º, n.º 2, do CC (nos termos do qual, «[s]em prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos».
Por força da 1.ª parte, do n.º 3, do artigo 805.º, do CC, se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor. Porém, tratando-se de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, a 2.ª parte deste mesmo n.º 3 preceitua que o devedor se constitui em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da 1.ª parte.
Este segmento normativo, acrescentado ao texto primitivo do artigo 805.º, n.º 3, do CC, pelo DL n.º 262/83, de 16 de Junho, suscitou muitas dúvidas de interpretação, designadamente no que respeita à sua articulação com a norma já citada do artigo 566.º, n.º 2, do CC – e que vieram a dar origem ao acórdão de uniformização de jurisprudência (AUJ) n.º 4/2002, de 9 de Maio, publicado no Diário da República, I Série A, nº. 146, de 27 de Junho –, pois enquanto esta apontava para o vencimento de juros a partir da data da sentença que fixa a indemnização, actualizada à data da mesma, aquela aponta para o vencimentos dos juros a partir da citação.
Como se afirma no ac. do STJ, de 04.11.2021 (proc. n.º 590/13.8TVLSB.L1.S1, rel. Maria João Vaz Tomé), «[a] contagem de juros de mora desde a citação tem em vista a mesma finalidade que a atualização da indemnização à data da sentença: “imputar ao lesante o risco da depreciação monetária” ou da erosão do valor da moeda – porquanto, desde o início de vigência do DL n.º 200-C/80, de 24 de junho, os juros de mora têm também a função de compensar a desvalorização monetária. Interpretado à luz dos princípios gerais que regem a obrigação de indemnização e o respetivo cálculo, o preceito do art. 805.º, n.º 3, do CC, deve, pois, ser considerado como concretização da teoria da diferença. Tem por objetivo a consagração de um critério abstrato de cálculo dos danos sofridos pelo lesado, decorrentes da demora no pagamento, ulteriores à citação e anteriores à liquidação, sem afastar a teoria da diferença».
Por isso, como se acrescenta no mesmo acórdão, «[s]e o juiz calcula o montante indemnizatório com base em valores atualizados, em critérios contemporâneos da decisão, não se afigura teleologicamente adequada a aplicação retroativa do corretor monetário. Por conseguinte, a sua intervenção apenas se justifica a partir da data da sentença do Tribunal de 1.ª Instância que, no que toca ao cálculo da correção monetária, constitui, nos termos do art. 566.º, n.º 2, a mais recente que pode e deve ser tida em conta».
É, precisamente, esta a jurisprudência obrigatória fixada pelo AUJ acima citado: «Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação».
Porém, decorre desta jurisprudência obrigatória e dos respectivos fundamentos que a fixação dos juros moratórios a partir da data da sentença que procede à actualização da indemnização pressupõe que tal sentença contenha alguma expressão que revele ter procedido a esse cálculo actualizado, designadamente a referência ao critério de cálculo plasmado no artigo 566.º, n.º 2, do CC, e à consideração da desvalorização do valor da moeda, inexistindo fundamento legal para concluir pela presunção natural de que o juiz da primeira instância procedeu à actualização da compensação a que se reporta o mencionado acórdão de uniformização de jurisprudência. Neste sentido se pronunciou o ac. do STJ, de 16-02-2004 (proc. n.º 04B2616, rel. Salvador da Costa), no qual se afirma que «[u]ma decisão actualizadora da indemnização, em rigor, pressupõe que sobre algo já quantificado incida algum elemento ou índice de actualização».
Por isso, acrescenta-se no mesmo acórdão, que «[s]e na sentença apelada nada se expressou sobre a impropriamente designada actualização à luz do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, designadamente à consideração da desvalorização da moeda entre o tempo do evento danoso e o da sua prolacção, queda na espécie inaplicável a interpretação da lei decorrente daquele Acórdão».
No mesmo sentido se pronunciou o ac. do TRP, de 02-12-2004 (proc. n.º 0436044, rel. Fernando Batista), e o ac. do TRG, de 12.01.2017 (proc. n.º 1881/13.3TJVNF.G1, rel. Anabela Miranda Tenreiro).
No caso concreto, a sentença recorrida não faz qualquer menção reveladora de ter actualizado o montante indemnizatório que arbitrou. Não faz, designadamente, qualquer referência à desvalorização do valor da moeda e nem sequer invoca o disposto no artigo 566.º, n.º 2, do CC. Deste modo, nada nos permite concluir que procedeu à actualização do montante indemnizatório em questão.
Nestes termos, estando em a responsabilidade civil por factos lícitos, nos termos já expostos, e tendo os autores liquidado o dano na petição inicial, ainda que provisoriamente (cfr. artigo 569.º do CC), assiste razão aos recorrentes subordinados quando afirmam que a ré se constitui em mora com a citação para a acção, nos termos do disposto no artigo 805.º, n.º 1, e 3, do CC.
Procede, assim, nesta parte, o recurso subordinado, importando determinar que sobre a indemnização devida pelos lucros cessantes incidem juros de mora desde a data da citação da ré para esta acção até integral pagamento.
10. Resta apreciar a condenação da ré como litigante de má-fé, que foi objecto de impugnação tanto no recurso principal como no recurso subordinado.
A recorrente principal considera que essa condenação deve ser revogada por não se verificarem as circunstâncias para tanto consideradas pelo Tribunal de 1.ª instância, mais alegando que se limitou a lançar mão da contestação e a prestar as suas declarações de forma concordante, para contrapor a matéria da petição inicial com a realidade dos factos, para demostrar o modo como os autores se apresentaram a litigar e para se defender de uma ação que considerada injusta e infundada, mantendo-se convicta de que será absolvida do pedido formulado nos autos pelos autores, na parte em a ação que não improcedeu já em 1.ª instância.
De acordo com o disposto no artigo 542.º, n.º 2, do CPC, diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver alterado a verdade dos factos ou tiver omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A má-fé a que se reportam as referidas alíneas a) e b) é a má-fé material ou substancial, aquela que se refere à relação jurídica material (vide, Alberto dos Reis, CPC Anotado, II, 3ª ed., p. 264). As restantes alíneas respeitam à chamada má-fé instrumental.
Em qualquer dos casos, a litigância de má-fé surge como um instituto processual, de tipo público e que visa o imediato policiamento do processo. Não se trata de uma manifestação de responsabilidade civil, que pretenda suprimir danos, ilícita e culposamente causados a outrem, através de actuações processuais. Corresponde antes a um subsistema sancionatório próprio, de âmbito limitado e com objectivos muito práticos e restritos.
No essencial, não relevam aí todas e quaisquer violações de normas jurídicas, mas apenas as actuações tipificadas nas diversas alíneas do citado artigo 542.º, n.º 2, do CPC; não é requerido dano: a conduta é punida em si, independentemente do resultado; exige-se dolo ou grave negligência, e não culpa lato sensu, em moldes civis; as consequências são apenas multa e, nalguns casos, indemnização calculada em moldes especiais (artigos 542.º, n.º 1, e 543.º, do CPC).
Tem-se entendido que a conclusão no sentido da litigância de má-fé não se pode extrair, mecanicamente, da simples alegação de factos pessoais que não se provaram ou da negação de factos pessoais que vieram a provar-se (acs. do STJ de 20.10.98 e da Relação do Porto de 24.10.02, disponíveis em www.dgsi.pt, nºs conv. 34689 e 35094, respectivamente).
Acresce que a má-fé processual não opera no domínio da interpretação e aplicação das regras do direito, mas no domínio dos factos; como se diz no ac. do STJ de 03.01.2007, in www.dgsi.pt, a sustentação de posições jurídicas, porventura desconformes com a correcta interpretação da lei, não basta à conclusão da litigância de má fé de quem as sustenta.
No caso concreto, o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão na circunstância de a ré ter «apresentando defesa cuja falta de fundamento não podia deixar de ignorar, alterando a verdade dos factos e fazendo do processo um uso manifestamente reprovável ao procurar impedir a descoberta da verdade», ou seja, nas alíneas a), b), e c) da norma legal acima citada, mais acrescentando o seguinte: «Tal forma de actuação vai muito para além do que é consentâneo com o honesto exercício do direito de defesa e não pode deixar de ser sancionada. Em reforço, acrescenta-se: a ré tinha (e tem, designadamente em sede de recurso) uma linha de argumentação recta e perfeitamente defensável e que se prende com a validade da convenção dos honorários; já nada justifica e é de todo incompreensível a defesa à outrance da negação do propósito de proceder à partilha, quando, fossem bens ou fosse dinheiro/tornas, foi manifesto que queria uma parte do acervo patrimonial do Pai (pelos vistos mais do que inclusive tinha legalmente direito, não se contentando e sentindo-se prejudicada com o quinhão legal de 1/6 que lhe competia)».
Atenta a análise que fizemos a respeito da impugnação da matéria de facto, não podemos deixar de subscrever o entendimento assim preconizado pela primeira instância.
É certo que, como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, 2019, pp. 592 e 593), «[a] lei não coloca entraves irrazoáveis à introdução em juízo de pretensões ou de meios de defesa, nem consente que se faça do direito de ação um interpretação correspondente a uma verdadeira petição de princípio, segundo a qual o acesso aos tribunais estaria reservado aos que tivessem razão. Se um dos objectivos do exercício do direito de ação é o reconhecimento de uma situação jurídica tutelável, o recurso legítimo aos tribunais não pode restringir-se àqueles que inequivocamente tenham a razão do seu lado. Ao invés, a lei confere uma vasta amplitude ao direito de ação ou de defesa, de maneira que, para além da repercussão no campo das custas judiciais, não retira do decaimento qualquer outra consequência a não ser que algumas das partes aja violando as regras e princípios básicos por que devem pautar a sua atuação processual».
Sucede que, no caso concreto, a instrução da causa revelou que a ré alterou dolosamente a verdade dos factos, alegando e procurando fazer crer ao tribunal a ocorrência de acontecimentos que se apurou não serem verdadeiros, designadamente que os autores instauraram e fizeram prosseguir um processo de inventário para partilha da herança aberta por óbito do pai da recorrente, sem o seu conhecimento e consentimento e contra o que sabiam ser a sua vontade, e que a mantiveram na ignorância quanto ao teor do contrato escrito que a levaram a assinar, onde foram previstos os honorários a pagar pelos referidos serviços jurídicos.
Acresce que foi no apuramento destes factos que se consumiu boa parte da instrução da causa.
Pelo exposto, entendemos dever manter a sua condenação como litigante de má-fé.
Contudo, afigura-se-nos excessivo o montante da multa aplicada, atentos s critérios fixados no artigo 27.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais (RCP) e os factos apurados.
Embora sejam significativos os reflexos que esta litigância de má-fé teve na tramitação do processo, designadamente na morosidade da sua instrução, nos termos já expostos, não podemos olvidar que nem toda a tramitação processual foi determinada ou condicionada pela defesa agora alvo de censura, tendo a ré esgrimido outros argumentos insusceptíveis de censura à luz do instituto da litigância de má-fé e que sempre demandariam a sua apreciação jurisdicional.
Acresce que a presunção de que a ré beneficia de um estatuto económico superior ao do trabalhador indiferenciado, dada a sua profissão, não pode ser sobrevalorizada, pois dos factos apurados nada resulta sobre os seus rendimentos e as suas despesas, desconhecendo-se mesmo se trabalha na medicina pública, na medicina privada ou em ambas. É certo que os factos provados revelam que é herdeira de um património considerável. Mas também revelam que esse património ainda não foi partilhado, desconhecendo-se quando o será.
Tudo ponderado, afigura-se equilibrada reduzir o valor da multa pela litigância de má-fé para 10 UC.
11. Os recorrentes subordinados, por sua vez, insurgiram-se quanto à improcedência do pedido, oportunamente deduzido, de condenação da ré numa indemnização a seu favor, ao abrigo do disposto nos artigos 542.º, n.º 1, e 543.º do CPC.
A decisão recorrida fundamentou assim tal improcedência:
«Não sendo embora unânime, tem-se vindo a entender que não basta à parte a mera invocação do direito a haver uma indemnização. Terá de indicar as concretas despesas e prejuízos sofridos, bem como os seus montantes, competindo-lhe ainda fazer a respectiva prova, sob pena de não lhe poder ser arbitrada a indemnização pedida.
Ou seja, perante a falta de alegação e prova da repercussão da conduta da contraparte que actuou de má fé na esfera patrimonial da parte que formula o pedido nos termos da al. b) do n.º1 do art. 543.º do nCPC (note-se que só pode ser relegado para momento posterior a fixação do quantum e não já a definição do direito, que pressupõe a afirmação do dano, pelo que se impõe que pelo menos sejam alegados, na pendência da causa, que prejuízos a parte sofreu ou está a sofrer com a lide), não pode ser fixada tal indemnização.
Ora, não tendo os autores alegado quaisquer factos que suportem a pretensão nos termos explicitados, cumpre indeferir este pedido indemnizatório».
Por sua vez, a ré veio pugnar pela tese contrária e, por conseguinte, pela improcedência desta pretensão dos recorrentes subordinados.
A questão é controvertida, como nos dá conta o ac. do TRG, de 11.05.2017 (proc. n.º 1639/14.2 TBVCT.G2): «Quanto à produção de prova dos prejuízos sofridos pela parte lesada duas correntes de opinião tem surgido: uma defendendo que a parte contrária prejudicada com a litigância de má fé deve não só indicar as despesas e os prejuízos sofridos (e seus montantes), como ainda fazer prova dos mesmos, sob pena de não lhe ser arbitrada a indemnização pedida; e outra defendendo que não obstante tal alegação e prova das despesas e prejuízos sofridos não ter sido feita pela parte alegadamente prejudicada com a litigância de má fé, sempre mesmo assim o tribunal lhe deverá fixar uma indemnização de acordo com um prudente arbítrio. (Vide, a propósito, Rui Correia de Sousa, in “Litigância de má fé” Qui Iuris págs. 11/12”)».
Acrescenta-se no mesmo acórdão que, «sem embargo de se reconhecer que as soluções dadas à questão não têm sido de absoluto consenso, parece-nos claramente mais assertiva, por em absoluta conformidade e coerência com a lei e mais razoável a segunda por duas ordens de motivos: pode a parte lesada não conseguir reunir atempadamente os elementos necessários a produção da prova dos prejuízos sofridos ou, noutros casos, pode a mesma não conseguir identificar a totalidade desses prejuízos. Então aí competirá ao tribunal prudentemente fixar a indemnização entendida como justa.
Em favor desta corrente anote-se que para arbitrar a indemnização em causa não se torna necessário que o requerente formule um pedido certo pois “se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, serão ouvidas as partes e fixar-se-á depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte” (n.º 2 do mencionado artigo 543.º do Código de Processo Civil).
Daqui se vê que são coisas distintas o âmbito da indemnização e o seu montante; aquele tem de ser a sentença a definir-lhe os contornos; este será decidido ou não pela sentença, consoante os elementos disponíveis.
Não os havendo ou sendo insuficientes, impõe-se a respectiva recolha, que até poderá decorrer oficiosamente, para ser tomada, então, posição.
Assim o esclarece o Senhor Professor Alberto dos Reis: “a apreciação da má fé e a condenação em multa e indemnização não pode o juiz relegá-las para depois da sentença; (…) o que pode e deve deixar para depois da sentença é a fixação do quantitativo da indemnização”, que resolverá, ouvidas as partes e pedidas as informações ou esclarecimentos ou ordenadas as diligências indispensáveis, “usando de prudente arbítrio” (Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 3ª edição – Reimpressão, pág. 276 página 281).
Deixado o quantitativo da indemnização para depois da sentença, tem o juiz larga margem de manobra na sua fixação, não estando vinculado aos valores suportados pela parte, ainda que compreendidos no conteúdo da indemnização previamente determinado, até porque a lei lhe faculta o recurso ao prudente arbítrio e à razoabilidade».
No mesmo sentido, afirma-se no ac. do TRE, de 26.10.2023 (proc. n.º 96624/20.3YIPRT.E1) que «embora a lei faça depender o pagamento da indemnização do pedido, não faz depender a fixação do seu montante da prova do mesmo, podendo este assumir uma forma unitária, abarcando danos patrimoniais e não patrimoniais, cabendo ao julgador fixar o montante ou os montantes em razão do prudente arbítrio e da razoabilidade do caso».
Em face do regime legal, maxime do disposto nos artigos 542.º, n.º 1 (que faz depender a condenação em indemnização à parte contrária do pedido desta, sem lhe impor qualquer ónus de alegação ou prova dos prejuízos sofridos), e 543.º do CPC (que não impõe uma correspondência entre o valor dos prejuízos sofridos e o valor da indemnização, a qual não reveste uma verdadeira função indemnizatória, antes prevalecendo a sua função sancionatória), aderimos à jurisprudência antes citada, pelo que deverá proceder, também nesta parte, o recurso subordinado, revogando-se a decisão recorrida, na parte em que indeferiu a condenação da ré a pagar uma indemnização aos autores com fundamente na litigância de má-fé.
De harmonia com o disposto no artigo 543.º, n.º 1, do CPC, a indemnização pode consistir no reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos (denominada indemnização simples), ou no reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má-fé (indemnização agravada), devendo o juiz optar pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, conforme preceituado no n.º 2, do mesmo artigo.
Segundo Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 3.ª edição, Coimbra, 1981, p. 278), «o tribunal imporá ao litigante ou a indemnização simples, ou a indemnização agravada, conforme o grau de má fé, conforme a maior ou menor gravidade da conduta dolosa. O dolo, do mesmo modo que a culpa, é susceptível de graduação: pode ter revestido feição sumamente escandalosa e revoltante, pode ter-se manifestado em termos menos irritantes e graves, quase a roçar pela culpa lata. No 1.º caso deve o juiz condenar na indemnização da alínea a); no segundo está indicado que utilize a espécie de indemnização autorizada pela alínea b). O que não tem de ser levado em conta é a capacidade económica e financeira do condenado, nem tão pouco o valor da acção. A condição económica do arguido é elemento a considerar, como vimos, na fixação da multa, mas nenhuma influência deve exercer sobre a questão da indemnização». No mesmo sentido se pronuncia Lebre de Freitas, como nos dá nota o ac. do TRG antes citado.
Atento o já exposto supra, designadamente a intensidade do dolo da ré, não restarão grandes dúvidas de que a indemnização a arbitrar deverá ser a prevista na al. b).
Contudo, na total ausência de elementos para fixar neste acórdão a importância dessa indemnização, impõe-se lançar mão do mecanismo previsto no artigo 543.º, n.º 3, do CPC, ouvindo-se as partes e fixando-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável.
12. Por tudo quanto ficou exposto, em síntese conclusiva, improcede totalmente o recurso principal deduzido pela ré e procede parcialmente o recurso subordinado deduzido pelos autores. Consequentemente, importa revogar parcialmente a sentença recorrida, mais concretamente na parte em que condenou a ré a pagar juros de mora sobre a indemnização devida pelos lucros cessantes apenas a partir da dada da sentença, bem como na parte em que indeferiu o pedido de condenação da ré numa indemnização aos autores com fundamento da litigância de má-fé, decidindo-se que os referidos juros de mora se vencem desde a data da citação para a acção até integral pagamento e condenando-se a ré a pagar aos autores uma indemnização, nos termos previstos nos artigos 542.º, n.º 1, e 543.º, n.º 1, al. b), do CPC, a fixar pelo Tribunal a quo, depois de ouvidas as partes, nos termos previstos no artigo 543.º, n.º 3, do mesmo código.
Atentos os respectivos decaimentos, as custas do recurso principal serão suportadas pela ré/recorrente e as custas do recurso subordinado serão suportadas por ambas as partes, na proporção de 2/3 para os autores/recorrentes e 1/3 para a ré/recorrida (cfr. artigo 527.º do CPC).
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IV. Decisão
Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação do Porto julgam totalmente improcedente o recurso principal e parcialmente procedente o recurso subordinado. Consequentemente:
- Revogam a sentença recorrida na parte em que condenou a ré a pagar juros de mora sobre a indemnização devida pelos lucros cessantes apenas a partir da dada da sentença e determinam que esses juros se vencem desde a data da citação para a acção até integral pagamento;
- Revogam a sentença recorrida na parte em que indeferiu o pedido de condenação da ré numa indemnização aos autores com fundamento da litigância de má-fé e condenam a ré a pagar aos autores uma indemnização, nos termos previstos nos artigos 542.º, n.º 1, e 543.º, n.º 1, al. b), do CPC, a fixar pelo tribunal a quo, depois de ouvidas as partes, nos termos previstos no artigo 543.º, n.º 3, do mesmo código.
Custas do recurso principal pela ré/recorrente.
Custas do recurso subordinado por ambas as partes, na proporção de 2/3 para os autores/recorrentes e 1/3 para a ré/recorrida.
Registe e notifique.
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Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
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Porto, 18 de Junho de 2024
Artur Dionísio Oliveira
João Proença
Anabela Dias da Silva