Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
70423/23.9YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA FONSECA
Descritores: EXCEÇÃO DO CASO JULGADO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
Nº do Documento: RP2024071070423/23.9YIPRT.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O caso julgado material é suscetível de se impor por via da exceção do caso julgado, que impede a reapreciação da relação jurídica material definida por sentença transitada, e por via da autoridade do caso julgado, que vincula ao acatamento noutras decisões que venham a ser proferidas do que ali ficou definido.
II - Não se verifica nem exceção do caso julgado, nem autoridade do caso julgado na circunstância de a primeira sentença fundar a improcedência da ação na inexistência de contrato, ao passo que na segunda ação os direitos se esteiam em lei que os reconhece.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 70423/23.9YIPRT.P1



Sumário
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Relatora: Teresa Fonseca
1.ª adjunta: Ana Olívia Loureiro
2.ª Adjunta: Maria de Fátima Andrade




Acordam no Tribunal da Relação do Porto



I - Relatório
“A..., S.A.” intentou ação especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato contra AA.
Pediu a condenação do R. a pagar-lhe €203,56, acrescidos de juros de mora vencidos de €1,73 e juros de mora vincendos à taxa legal.
Alegou ter prestado serviços ao R. cujo pagamento este omitiu.
O R. deduziu contestação. Por referência ao processo n.º 9933/19.0YIPRT que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível de Santo Tirso - Juiz invocou a exceção de caso julgado e, subsidiariamente, defendeu que se verifica autoridade do caso julgado. Mais impugnou a existência de contrato e a faturação.
Propugnou pela absolvição da instância ou pela improcedência da ação.
A A. exerceu o direito ao contraditório relativamente à matéria do caso julgado.
Houve lugar a saneamento do processo e a audiência de julgamento.
Foi proferida sentença que julgou improcedentes as exceções suscitadas e julgou a ação parcialmente procedente, condenando o R. a pagar à A. €203,56, acrescidos de juros de mora vencidos à taxa legal desde a data da citação até pagamento e absolvendo o R. do pedido quanto ao mais contabilizado a título de juros.
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Inconformado, o R. interpôs o presente recurso, que rematou com as conclusões que se transcrevem.
O Recorrente invocou nos presentes autos a exceção dilatória de caso julgado e autoridade do caso julgado.
A sentença Recorrida julgou improcedente a arguição das referidas exceções.
Ao assim decidir a sentença Recorrida violou entre outros mas sem limitar o preceituado nos artigos 278º/1/e), 576º/2, 577º/i), 580º e 581º, todos do Código de Processo Civil.
O Recorrente invocou as supra referidas exceções e pugnou pela sua procedência alegando que no âmbito do processo nº 9933/19.0YIPRT que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível de Santo Tirso - Juiz 1 foi proferida sentença transitada em julgado em 14 de julho de 2020, que julgou improcedente, por não provada a ação e absolveu o Recorrente da instância.
Nesta e naquela ação, estão as mesmas partes e nas mesmas posições, A..., S.A., como requerente ora Recorrida e AA, como requerido ora Recorrente, assim como naquela ação como nesta é peticionada a condenação do requerido/Recorrente, entre o mais, no pagamento de quantias em dívida pelo fornecimento de serviços de saneamento ao Réu ora Recorrente.
No confronto entre ambas as ações, verifica-se que existe identidade de partes e de causa de pedir uma vez que na anterior ação também se discute a necessidade da existência de um contrato celebrado entre Recorrida (Requerente) e Recorrente (Requerido) - que veio a considerar não existir - para legitimar a cobrança por aquela de pretensos serviços de saneamento alegadamente prestados, bem como o mesmo pedido ou seja o pagamento de quantias a título de pretensos serviços de saneamento, pois muito embora se reporte a serviços prestados em diferentes períodos a verdade é que os pedidos da presente ação estão numa relação de decorrência lógica face ao pedido da outra ação.
Aliás, esta questão referente à verificação da exceção dilatória de caso julgado/autoridade do caso julgado invocada pelo Recorrente foi já dirimida em sede judicial num outro processo judicial, processo esse de contornos totalmente sobreponíveis ao dos presentes autos, tendo o Tribunal entendido que mesmo não existindo a tríplice identidade retro enunciada – nomeadamente por ter considerado que os pedidos eram diferentes de causa para causa – se verificava a exceção dilatória de autoridade de caso julgado.
Efetivamente, tal questão - verificação da exceção dilatória da autoridade de caso julgado - foi tratada no processo judicial que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível de Santo Tirso - Juiz 1 sob o nº 67367/21.2YIPRT, que por sentença transitada em julgado em 8 de Dezembro de 2021, julgando procedente a arguição da referida exceção, proferiu decisão no sentido de julgar improcedente, por não provada a ação intentada pela então A. ora Recorrida e, em consequência, absolveu um outro Réu da instância.
Em situação análoga à destes autos e no sentido do perfilhado e defendido pelo Recorrente, lapidarmente, decidiu a 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto por Acórdão proferido em 20/04/2023, no processo n.º 52169/22.7YIPRT.P1, ter-se por verificada a exceção perentória inominada do efeito de caso julgado e, em consequência, absolveu-se a então ré BB do pedido que contra si foi formulado nos autos pela aqui Recorrida A... S.A.
Acórdão que antecede e que entretanto já foi confirmado igualmente pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 12-10-2023, no processo n.º 52169/22.7YIPRT.P1.S1, 2.ª SECÇÃO relatado pelo brilhante Juiz Conselheiro João Cura Mariano que pode ser consultado in www.dgsi.pt.
Concluindo-se assim pela existência de uma verdadeira e própria repetição de causas, relevante para a existência da exceção de caso julgado.
Mais,
Num outro processo judicial de contornos integralmente sobreponíveis ao dos presentes e em que os(as) intervenientes/partes são precisamente os MESMOS(as) dos presentes autos, a 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto por Acórdão que aqui se junta já transitado em julgado proferido em 07/12/2023, no processo n.º 108732-21.7YIPRT.P1, brilhantemente decidiu precisamente no sentido ora perfilhado pelo então ali e ora aqui recorrente postulando no seu sumário que:
A exceção dilatória do caso julgado «destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual», pressupondo a sua verificação o confronto de duas ações (contendo uma delas decisão já transitada) e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.
Integra a parte decisória da sentença a resposta do tribunal ao elemento material do pedido: esta resposta não faz parte da fundamentação da sentença, mas da decisão.
A falta de afirmação/negação de uma necessária relação contratual como fonte do dever de pagar o preço peticionado de um serviço constituiu-se como uma etapa necessária, situada no campo das premissas, do silogismo que conduziu à decisão final de improcedência. Os factos alegados pela Autora para fundamentar a obrigação de pagamento do preço [assim a cessão de posição contratual por via de uma parceria público-privada/concessão] são os mesmos que, na presente ação, são alegados para justificar o peticionado crédito (o qual se reporta agora a outro período temporal de prestação do mesmo serviço).
Estamos, portanto, perante uma questão – a de que não existe e é necessário um contrato como fonte da obrigação de pagar o preço dos serviços prestados, despida do seu reverso – que se insere dentro dos limites do julgamento feito na sentença proferida naquela ação, em relação à qual se formou caso julgado.
É idêntico ao da ação anterior, para o efeito dos arts. 577.º-i e 581.º do CPC, o pedido deduzido em segunda ação, porquanto a fonte ou causa da pretensão, já julgada insubsistente, é a mesma.
Estando em causa uma apelação diferida de decisão interlocutória (visto o regime dos artigos 644º, n.ºs 2 e 3 do CPC), a natureza acessória desta apelação apenas se refere à oportunidade da sua dedução, que não à natureza do recurso em si mesmo, o qual permanece um recurso independente, cumulado com o recurso da decisão final.
Cabendo julgar a apelação procedente, impõe-se revogar a decisão recorrida, substituindo-a e, convocando-se o lugar paralelo do art. 195º, n.º 2 do CCP, anular o processado que, depois da decisão que julgou improcedente a exceção dilatória agora afirmada, que dela depende absolutamente e por isso que o saneador, o julgamento e a sentença nos autos proferida.”
Destarte, deve julgar procedente por provada a exceção de caso julgado invocada e, revogando-se a sentença Recorrida, deve ser o Recorrente absolvido da instância.
É, por todos, sabido que julgada em termos definitivos certa matéria, numa ação que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objeto desta primeira causa impõe-se necessariamente em todas as outras ações que venham a correr termos entre as mesmas partes, incidindo sobre um objeto diverso, mas cuja apreciação depende decisivamente do objeto previamente julgado, perspetivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda ação.
De outra forma, apesar de a Recorrida ter decaído no primeiro processo e diga-se num segundo processo (aquele que correu termos na 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto sob o processo n.º 108732-21.7YIPRT.P1), poderia propor nova ação sobre a mesma temática jurídica, como se o sistema jurídico admitisse, sem limites, a discussão eterna de questões jurídicas.
O que significaria que as sentenças transitadas em julgado não conferiam aos seus beneficiários direitos efetivos, ficando eternamente submetidas aos efeitos da litigiosidade, ou da chicana processual, promovida pela parte vencida.
Em suma, mostrava-se impedido o prosseguimento desta ação, por via do caso julgado exceção dilatória, que expressamente se invocou nos termos dos artigos 577.º, alínea i) do CPC, e que conduziria à absolvição da instância do Recorrente nos termos e para os efeitos do art.º576.º,n.º 2.
Se assim se não entendesse,
Considerando o facto jurídico de que procede a causa de pedir e os fundamentos de facto daquelas outras sentenças e ora alegados pelo Recorrente, assumem inequivocamente valor de autoridade de caso julgado, autonomizados da decisão de que são pressuposto.
Pelo que, dando-se assim razão, nesta parte, ao Recorrente, procedendo a arguição de autoctonidade de caso julgado, deve revogar-se a sentença recorrida, absolvendo-se o Réu da instância.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada nessa parte a sentença recorrida e substituída por decisão que julgue procedente a exceção dilatória de caso julgado/exceção de caso julgado e absolva o Recorrente dos pedidos.
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As contra-alegações da A. finalizaram com as conclusões que em seguida se reproduzem.
1. Entendeu o Venerando Tribunal a quo reconhecer a legitimidade ativa à recorrida, em virtude da sucessão legal nas B..., S.A..
2. Tenciona o recorrente abalar a decisão proferida, estribando a sua pretensão num único pilar argumentativo, como seja a pretensa violação da autoridade do caso julgado, de molde a poder socorrer-se da recorribilidade ínsita na al. a) do n.º 2 do art. 629.º do CPC.
3. Desde logo assinalamos que os valores aludidos pelo recorrente não correspondem sequer aos peticionados pela aqui recorrida.
4. No demais, considerando que o único esforço recursivo se centra numa pretensa violação da autoridade do caso julgado, cremos, então, que o presente recurso não deve ser, sequer, admitido.
5. Seguindo de perto os ensinamentos de Abrantes Geraldes e as instâncias superiores (vg. Ac. do STJ, de 06/05/2021, Proc. n.º 2218/15.2T8VCT-A.G2- A.S1), propendemos para o entendimento de que perante a inexistência caso julgado violado, a (pretensa) autoridade deste não constitui fundamento de recorribilidade, nos termos e para os efeitos do estatuído na al. a) do n.º 2 do art. 629.º do CPC.
6. De resto, entendimento também já seguido por banda da 2.ª Secção deste mesmo Tribunal Superior, designadamente no Ac. proferido em 16/05/2023, nos autos com o n.º 72556/22.0YIPRT.P1.
7. Ingressando no mérito do recurso propriamente dito, analisadas as decisões em confronto, é inquestionável que a análise hermenêutica que culminou na decisão fundamento (Proc. n.º 9933/19.0YIPRT) avançada pelo recorrente se pauta por uma interpretação deficitária e deturpada dos diplomas legais conformadores da relação sub judice.
8. Sobre a mesma contenda, esta 5.ª Secção do Tribunal ad quem já se pronunciou outrossim - designadamente - nos acórdãos proferidos em 17/04/2023 e 08/05/2023, respetivamente nos autos com o n.º 12226/22.1YIPRT.P1 e n.º 85462/22.9YIPRT.P1,
9. concluindo por não estarmos perante qualquer violação da autoridade de caso julgado, no sentido em que nas ações em confronto, para além da identidade de sujeitos, estão em crise pedidos e causas de pedir distintas.
10. No mesmo sentido ajuizado discorre a 3ª Secção do Tribunal ad quem em acórdão de 10/04/2024, nos autos com o n.º 72546/22.2YIPRT.P1, pela não prejudicialidade do decido em ação anterior, quando esta de revela totalmente omissa na apreciação do regime legal aplicável ao caso sub judice.
11. Efetivamente, a decisão “fundamento” obliterou os contratos de parceria e gestão celebrados entre o Estado Português e o Município de Santo Tirso, bem como desconsiderou (ou pior, desvirtuou!) os DL n.º 93/2015, de 29 de Maio, o DL n.º 194/2009, de 20 de Agosto, o Regulamento n.º 594/2018, de 4 de Setembro e o Regulamento n.º 1008/2020, de 13 de Novembro.
12. Incorrendo no que pretende ver apreciado o recorrente, entende a recorrida que também não estamos perante qualquer violação da autoridade do caso julgado.
13. Com efeito, perante uma questão eminentemente jurídica, inserta na liberdade de julgamento do decisor (cfr. n.º 3 do art. 5.º do CPC), no confronto entre ações é patente a diversidade de matéria e normatividade alegadas e dadas como provadas.
14. Quer isto dizer que na decisão fundamento não foi apreciado o que ficou decidido no aresto de que ora se recorre.
15. Assume relevo, uma vez mais, a destrinça entre “ofensa de caso julgado” e “autoridade de caso julgado”, revelando-se paradigmáticas as decisões proferidas – entre outras – nos Ac. da Relação de Coimbra (Proc. n.º 3435/16.3T8VIS-A.C1) e da Relação de Lisboa (Proc. n.º 131/21.3T8PDL.L1- 7).
16. De igual modo, por se tratar de matéria que amiúde tem vindo a ser colocada à apreciação do Tribunal a quo, ademais da douta decisão de que se recorre, importa evidenciar o pensamento que vem grassando e que determina que «… para que se verifique esta exceção e independentemente da norma invocada, torna-se necessário que os mesmos factos dados como provados na sentença são os únicos que estão alegados na segunda ação, sendo estes os factos que servem de fundamentação de facto e de direito à ação. (…) Por conseguinte, uma determinada decisão jurídica com base num determinado conjunto de factos poderá validamente ocasionar diferente decisão jurídica numa nova ação com base nos mesmos factos, o que quer significar que a exceção de autoridade de caso julgado apenas se aplica às questões fáctico jurídicas concretas decidas anteriormente.»
17. Fazer “tábua rasa” dos contratos de parceria e gestão celebrados entre o Estado e o Município de Santo Tirso, bem como o Decreto-Lei n.º 41/2010, de 29 de abril, o Decreto-Lei n.º 93/2015, de 29 de maio e o DL n.º 194/2009, de 20 de agosto, é perpetuar o abuso de que o recorrente consciente e deliberadamente usufrui: saneamento, sem o pagamento do correlativo preço,
18. resultando em patente violação do princípio constitucional da igualdade entre os munícipes - conforme bem transparece o douto acórdão do Proc. n.º 72546/22.2YIPRT.P1 – que não só que pagam o preço devido pelo serviço, como verão as suas tarifas agravadas em virtude do não pagamento pelos demais vizinhos locais.
Termina pedindo que a sentença se mantenha inalterada.
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II - Questões a dirimir:
a - questão prévia: da admissibilidade do recurso;
b - se deve ser julgada procedente a exceção dilatória do caso julgado ou, subsidiariamente, se se verifica autoridade do caso julgado.
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III - Fundamentação de facto

A) Factos provados
1. Em 2 de novembro de 1999, o Município de Santo Tirso subscreveu escrito em que declarou conceder à C.../Trofa, pelo prazo de 35 anos, a gestão e exploração do Sistema Municipal de Abastecimento de Água do Concelho de Santo Tirso, com referência ao “Serviço Público de Abastecimento de Água”, dentro do perímetro territorial do Concelho de Santo Tirso, em zonas inseridas na União de freguesias ..., ... (... e ...) e ..., União de freguesias ..., ..., ... e ..., freguesia ..., freguesia ..., freguesia ..., freguesia ..., freguesia ..., freguesia ..., União de freguesias ... e ..., freguesia ... e freguesia ....
2. A A..., S.A. tem como objeto a realização de serviços de fornecimento de água e saneamento.
3. Em 5 de julho de 2013, o Estado Português, como primeiro outorgante, e os Municípios de Amarante, Arouca, Baião, Celorico de Basto, Cinfães, Fafe, Santo Tirso e Trofa, na qualidade de segundos outorgantes, subscreveram um escrito com a epígrafe “Contrato de Parceria Pública”, consignando, designadamente, que:
“Cláusula 1.ª
Sistema de Águas da Região ...
1 – Os Municípios decidem constituir o Sistema de Águas da Região ..., doravante designado por Sistema, resultante da agregação dos respetivos sistemas municipais de abastecimento de água para consumo público e de saneamento de águas residuais urbanas, que, para este efeito, abrange o conjunto de atividades elencadas na Cláusula 3.ª e com os limites previstos na solução técnica global a que se refere o número seguinte.
2 – A solução técnica global do sistema corresponde ao conjunto de infraestruturas a construir, a renovar e a ceder pelos Municípios, nos termos dos Anexos I e II ao presente contrato, que dele fazem parte integrante.
3 – Os sistemas municipais que integram o Sistema são constituídos pelas infraestruturas, identificadas nos anexos referidos no número anterior, cuja operacionalidade concorre técnica e fisicamente de forma direta para a prestação dos serviços públicos de abastecimento de água para consumo público e saneamento de águas residuais urbanas aos utilizadores finais, nelas se incluindo os equipamentos e mecanismos funcionalmente afetos ao sistema, a construir pela Entidade Gestora da Parceria (doravante designada por EGP), com a extensão e limites que decorrem do referido anexo.
4 – Nos casos em que os Municípios avoquem as competências relativas ao abastecimento de água para consumo público e de saneamento de águas residuais urbanas delegadas em freguesias ou associações de utilizadores, as áreas em causa são, por iniciativa dos Municípios, integradas no Sistema.
5- Os Municípios de Fafe, Santo Tirso e Trofa, enquanto durar a concessão dos seus sistemas municipais de abastecimento de água para consumo público, agregam exclusivamente os sistemas municipais de saneamento de águas residuais urbanas.
(…)
Cláusula 2.ª
Regime e modalidade
1 – A exploração e a gestão do Sistema são realizadas, em regime de parceria pública prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 90/2009, de 9 de abril, e em exclusividade, pelas B..., S.A., na qualidade de Entidade Gestora da Parceria, nos termos da lei, do presente contrato e do contrato de gestão a outorgar.
2- Com a celebração do presente Contrato, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 90/2009, de 9 de abril, consideram-se delegadas pelos Municípios no Estado as respetivas competências relativas à gestão e exploração dos serviços públicos de abastecimento de água para consumo público e de saneamento de águas residuais urbanas aos utilizadores finais (doravante designados de serviços de águas relativos ao Sistema).
3 – Para efeitos da presente Parceria, os outorgantes obrigam-se a aprovar e realizar o aumento do capital social da B..., S.A., no valor de 13.249.555,00€ (treze milhões, duzentos e quarenta e nove mil, quinhentos e cinquenta euros), através da criação de uma categoria própria de ações, das quais 68,13% serão detidas pela D..., SGPS, S.A., e o remanescente será subscrito pelos Municípios acima identificados.
4 – Nos casos em que, na data de constituição da presente Parceria, a gestão dos sistemas municipais de distribuição de água para consumo público se encontrar concessionada, a EGP, o Município e a concessionária devem celebrar protocolos relativos à faturação e à cobrança dos serviços de saneamento de águas residuais urbanas pela EGP, bem como ao reporte periódico de informação relevante para a execução da Parceria, designadamente em matéria de incumprimentos contratuais, consumos e faturação dos serviços por consumidor.
Cláusula 3.ª
Objeto
1 – A exploração e gestão, em regime de exclusivo, dos serviços de águas relativos ao Sistema compreende a distribuição de água para consumo público e a recolha de águas residuais urbanas aos utilizadores finais, nos termos previstos nos Anexos I e II. (…)
Cláusula 5.ª
Transmissão de contratos
1 – Durante o período de transição a que se refere a Cláusula 14.ª, os Municípios devem transmitir à EGP toda a informação detalhada respeitante aos contratos por si celebrados com terceiros (…)
3 – Os Municípios comprometem-se a transmitir à EGP a sua posição em todos os contratos em vigor que tenham sido outorgados com terceiros por si ou por intermédio de associações de Municípios e que respeitem e sejam indispensáveis à prossecução das atividades identificadas na Cláusula 3.ª, n.º 1 a 4.
(…)
Cláusula 10ª
Prazo
1 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a Parceria cessa no termo de vigência do contrato de concessão de exploração e da gestão do sistema municipal de abastecimento de água e saneamento do Noroeste.
2 – Em caso de substituição do sistema multimunicipal, o Contrato de Parceria mantém-se em vigor por referência ao novo sistema que vier a ser constituído, devendo as Partes acordar nas alterações de adaptação contratual que se mostrem necessárias.
3 – A prossecução das atividades identificadas na Cláusula 3.ª e a assunção de responsabilidades pela EGP apenas tem início no dia seguinte à data em que termine o período de transição previsto na Cláusula 14.ª
(…)
Cláusula 13.ª
Contrato de gestão
1- Os outorgantes devem celebrar com a EGP um contrato de gestão, no prazo máximo de 3 meses após a assinatura do presente contrato.
2 – Sem prejuízo de outros expressamente previstos na lei e no presente contrato, o contrato de gestão deve regular os seguintes aspetos
(…)
e) O modelo de convergência tarifária;
(…)
g) O índice de atualização tarifária;
8…)
Cláusula 22.ª
1 – O contrato de gestão deve prever a existência, durante a vigência da Parceria, de dois períodos tarifários, nos seguintes termos:
a) O primeiro tem a duração de 10 ano e decompõe-se em 2 subperíodos tarifários, cada um de 5 anos, sendo o primeiro subperíodo, que corresponde ao período para a realização do investimento inicial, designado por período de convergência tarifária;
b) O segundo, que decorre entre o termo do primeiro período tarifário e o termo do contrato de gestão, divide-se em subperíodos tarifários, cada um de 5 anos.
2 – Aos períodos tarifários previstos no número anterior correspondem modelos tarifários diferenciados, definidos nos seguintes termos:
a) No primeiro período tarifário, é aplicável um modelo tarifário do tipo “custo de serviço”;
b) No segundo período tarifário, é aplicável um modelo de “incentivos sobre o preço”.
(…)
Cláusula 23.ª
Critérios para a fixação e revisão das tarifas
(…)
5 – Sem prejuízo das tarifas devidas à EGP pela prestação de serviços auxiliares, a estrutura tarifária compreende uma componente fixa e uma componente variável.
6 – A componente fixa a que se refere o número anterior corresponde ao valor necessário para, tendencialmente e em função do número de utilizadores, recuperar, em cada exercício, os gastos da EGP associados à disponibilização dos serviços e que não variam em função do número de utilizadores, designadamente, os gastos com estrutura, recursos humanos ou investimento.
7 – A componente variável a que se refere o n.º 5 corresponde ao valor unitário aplicável em função do nível de utilização do serviço, em cada intervalo temporal, visando recuperar, em cada exercício, os gastos da EGP não recuperados através da componente fixa, para além de assegurar a remuneração devida aos acionistas. (…)”.
4. Em 26 de julho de 2013, o Estado Português, como primeiro outorgante, e os Municípios de Amarante, Arouca, Baião, Celorico de Basto, Cinfães, Fafe, Santo Tirso e Trofa, na qualidade de segundos outorgantes, e a B..., S.A., como terceira outorgante, designada por Entidade Gestora da Parceria ou EGP, subscreveram um escrito com a epígrafe “Contrato de Gestão”, consignando, designadamente, que:
“Cláusula 1.ª
Objeto
O Contrato visa estabelecer os termos e os objetivos da exploração e da gestão dos serviços de águas relativos ao Sistema de Águas da Região ..., doravante designado Sistema, a realizar pela Entidade Gestora da Parceria (doravante designado EGP).
(…)
Cláusula 3.ª
Prazo
1 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o Contrato vigora desde a data da sua celebração e cessa no termo de vigência do contrato de concessão do sistema municipal de água e saneamento do Noroeste.
(…)
Cláusula 8.ª
Sistema de Águas da Região ...
(…)
8- Os Municípios de Fafe, Santo Tirso e Trofa, enquanto durar a concessão dos seus sistemas municipais de abastecimento de água para consumo público, agregam exclusivamente os sistemas municipais de saneamento de águas residuais urbanas.
9 – Os Municípios a que se refere o n.º 8 devem celebrar com a EGP e as respetivas concessionárias protocolos relativos à faturação e à cobrança dos serviços de saneamento de aguas residuais urbanas pela EGP, bem como ao reporte periódico de informação relevante para a execução da Parceria, designadamente, em matéria de incumprimentos contratuais, consumos e faturação dos serviços por utilizador (…)
Cláusula 7.ª
1 – Os utilizadores do Sistema são obrigados a ligar-se às redes do Sistema, nos termos do previsto no Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de agosto, devendo, para o efeito, celebrar contratos de utilização com a EGP, nos termos previstos na cláusula 40.ª, sem prejuízo do disposto na cláusula seguinte a respeito dos utilizadores já ligados aos sistemas municipais à data da celebração do contrato.
(…)
Cláusula 8.ª
Transmissão de contratos relevantes para a execução da Parceria
1 – Durante o período de transição, os Municípios devem colaborar na realização de todas as diligências necessárias para a transmissão da posição contratual (…)
3 – A transmissão da posição contratual é realizada mediante acordo celebrado entre os Municípios e a EGP, com a intervenção de terceiros envolvidos para prestação do consentimento necessário à cessão da posição contratual.
(…)
Cláusula 39.º
Regulamentos municipais de serviços
1 – No prazo de 6 (seis) meses contados do início de vigência do presente Contrato, a EGP deve submeter à CP um projeto de regulamento municipal de serviços tipo, que, com base nos termos do presente contrato, estabeleça os poderes, os direitos e as obrigações da EGP, bem como as obrigações e os direitos dos utilizadores.
2- O projeto de regulamento mencionado no número anterior deve tratar, separadamente, os aspetos relativos à distribuição de água para consumo público e a saneamento de águas residuais
3- O projeto de regulamento deve contemplar, designadamente, as seguintes matérias:
(…)
f) Definição do modo de aplicação das tarifas;
(…)
Cláusula 40.ª
Obrigações de abastecimento e recolha
(…)
4 – A EGP celebra com os utilizadores um contrato de utilização relativo aos serviços de distribuição de água para consumo público e ou de saneamento de águas residuais, salvo se estes não estiveram simultaneamente disponíveis ou o serviço de distribuição de água para consumo público não for prestado pelo EGP no Município.
5- A contratação dos serviços de distribuição de água para consumo público e de saneamento e de saneamento de águas residuais considera-se indissociável, desde que um e outro estejam disponíveis.
(…)
Cláusula 41.ª
Medição e faturação
(…)
6 – A faturação tem periodicidade mensal, salvo consentimento expresso do utilizador, nos termos previstos nos regulamentos municipais, podendo basear-se em estimativa de consumos ou na respetiva comunicação por parte dos utilizadores, nos ternos e condições ali definidos.
(…)
9 – Em caso de mora no pagamento das faturas, estas passam a vencer juros de mora nos termos da legislação aplicável às transações comerciais, desde a data do respetivo vencimento até à data da sua liquidação (…)
10- Em caso de mora no pagamento das faturas por parte de utilizadores que possam ser classificados como consumidores na aceção do n.º 1 do art.º 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de julho, estas passam a vencer juros de mora nos termos da legislação aplicável ao regime das dívidas civis, desde a data do respetivo vencimento até à data da sua liquidação (…)
5. Em data não concretamente apurada anterior a 2013, o Réu AA subscreveu um “contrato de recolha/saneamento de águas residuais” junto do Município de Santo Tirso com referência à habitação sita na Rua ..., Santo Tirso.
6. Desde pelo menos a subscrição indicada em 5), a predita fração tem um ramal de ligação à rede pública de saneamento de águas residuais de Santo Tirso.
7. Em 26 de maio de 2019, a Comissão da Parceria enunciada em 3) deliberou aprovar a “Proposta de Estrutura Tarifária e de Faturação de Serviços a Praticar no Sistema”, consignando designadamente:
a) A tarifa fixa de recolha de águas residuais, devida em função do intervalo temporal objeto de faturação e expressa em euros por cada 30 dias;
b) A tarifa variável de recolha de águas residuais, devida em função do volume de água residual recolhido ou estimado durante o período objeto de faturação, e expressa por euros por cada m3 de água por cada 30 dias;
c) O volume de águas residuais recolhidas dos utilizadores domésticos, quando não exista medição através de medidor de caudal, corresponde ao produto da aplicação de um coeficiente de recolha de referência no âmbito do sistema igual a 90% ao somatório dos volumes de água faturados em cada escalão, apurado em cada fatura, corrigidos de eventuais acertos.
8. Em 15.1.2020, a A... fixou as seguintes tarifas com referência ao sistema municipal de saneamento de águas residuais urbanas de Santo Tirso mencionado em 4):
a) Tarifa fixa: EUR/30 dias:
- Utilizadores do tipo doméstico 5,2573
- Utilizadores do tipo não doméstico 7,8860
b) Tarifa variável: EUR/1000 litros:
Utilizadores do tipo doméstico
- Escalão 1 a 5 000 litros (0,001 a 5,000m3) 0,6612
- Escalão 5 001 a 15 000 litros (5,001 a 15,000m3) 1,3225
- Escalão 15 001 a 25 000 litros (15,001 a 25,000m3) 2,1292
- Escalão ≥ 25 001 litros (>= 25,001 m3) 3,0873
Utilizadores do tipo não doméstico 2,1292
Autarquias e Instituições sem fins lucrativos (ISFL) 1,3225
9. Na habitação indicada em 5), registou-se o consumo dos seguintes volumes de água no contador da mesma, os quais foram comunicados pela C.../Trofa à A...:
- 2022.12.16: Leitor 6,000;
- 2023.02.14: Leitor 50,000;
- 2023.02.14: Leitor 105,000.
10. Em 19 de janeiro de 2023, a Autora emitiu a fatura n.º ..., com referência ao cliente/local do serviço “AA, NIF ...49..., com domicílio na Rua ..., Santo Tirso”, consignando o período de faturação de 2022.12.24 a 2023.01.18, o valor de €19,0400 correspondente à soma da tarifa fixa e variável de saneamento, €8,2066 atinente a resíduos sólidos urbanos, €0,1997 de taxas e €1,27 de IVA, no montante global de €28,72 com data de limite de pagamento em 13/02/2023.
11. Em 22 de fevereiro de 2023, a Autora emitiu a fatura n.º 20231/-...946, com referência ao cliente/local do serviço “AA, NIF ...49..., com domicílio na Rua ..., Santo Tirso”, consignando o período de faturação de 2023.01.19 a 2023.02.17, o valor de €43,9998 correspondente à soma da tarifa fixa e variável de saneamento, €10,1916 atinente a resíduos sólidos urbanos, €0,3869 de taxas e €2,80 de IVA, no montante global de €57,38 com data de limite de pagamento em 17/03/2023.
12. Em 20 de março de 2023, a Autora emitiu a fatura n.º 20231/...115, com referência ao cliente/local do serviço “AA, NIF ...49..., com domicílio na Rua ..., Santo Tirso”, consignando o período de faturação de 2023.02.18 a 2023.03.17, o valor de €31,2363 correspondente à soma da tarifa fixa e variável de saneamento, €9,2260 atinente a resíduos sólidos urbanos, €0,2957 de taxas e €2,02 de IVA, no montante global de €42,78 com data de limite de pagamento em 13/04/2023.
13. Em 24 de abril de 2023, a Autora emitiu a fatura n.º 20231/...670, com referência ao cliente/local do serviço “AA, NIF ...49..., com domicílio na Rua ..., Santo Tirso”, consignando o período de faturação de 2023.03.18 a 2023.04.20, o valor de €58,6778 correspondente à soma da tarifa fixa e variável de saneamento, €11,8036 atinente a resíduos sólidos urbanos, €0,4963 de taxas e €3,70 de IVA, no montante global de €74,68 com data de limite de pagamento em 19/05/2023.
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B) Factos não provados
14. A Autora enviou para a habitação do Réu, por via postal, as faturas mencionadas em 10) a 13) nos meses da respetiva emissão.
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Mais se acrescenta, para melhor esclarecimento, o teor exato do requerimento de injunção, que é o seguinte:
A A..., S.A. é uma sociedade anónima que presta serviços públicos essenciais de água e saneamento aos utilizadores finais, constituída pelo Decreto-Lei n.º 93/2015, de 29 de Maio, alterado pelo Decreto-lei n.º 72/2016, de 4 de novembro, a qual sucedeu nos direitos e obrigações das sociedades extintas, “B..., S.A.” e “Águas E..., S.A.”, sem necessidade de qualquer formalidade, de forma plenamente eficaz e oponível a terceiros, a partir da sua data de entrada em vigor, ou seja, a partir do dia 30 de junho de 2015, nos termos dos n.ºs 3 e 4, do artigo 4.º do referido diploma legal.
Através de um Contrato de Parceria celebrado em 5 de julho de 2013 entre o Estado Português e os municípios de Amarante, Arouca, Baião, Celorico de Basto, Cinfães, Fafe, Santo Tirso e Trofa, foi criado o Sistema de Águas da Região ... que agregou os respetivos sistemas municipais de abastecimento de água para consumo público (com exceção dos municípios de Fafe, Santo Tirso e Trofa) e de saneamento de águas residuais urbanas. Em virtude do Contrato de Gestão da Parceria celebrado em 26 de julho de 2013, foi atribuída à aqui Requerente a gestão e exploração do Sistema de Águas da Região ....
Note-se que a gestão dos serviços municipais é uma atribuição dos municípios, sendo que, por opção destes, é a Requerente que, em regime de parceria, gere e explora os serviços públicos de abastecimento de água para o consumo público e saneamento de águas residuais urbanas, assim como outros serviços decorrentes destas atividades, aos utilizadores finais nos municípios de Amarante, Arouca, Baião, Celorico de Basto e Cinfães. No que concerne aos Municípios de Fafe, Santo Tirso e Trofa, estes agregam exclusivamente os sistemas municipais de saneamento de águas residuais, nos termos da Cláusula 1.ª, n.º 5 do Contrato de Parceria e do disposto no n.º 8, da cláusula 4.ª Contrato de Gestão.
No exercício da sua atividade e no âmbito da relação contratual aqui subjacente, a Requerente prestou serviços ao Requerido, e, consequentemente, foram-lhe emitidas as seguintes faturas, constando, por referência a cada uma delas, os juros vencidos. Sucede que, não obstante se encontrar interpelado para pagar, o Requerido não procedeu ao pagamento da quantia em dívida, razão pela qual se recorre ao presente meio processual, nos termos do disposto no artigo 10.º, do Decreto-lei n.º 269/98, de 1 de setembro.
Todas as medições e cálculos de faturação foram efetuados em conformidade com o acordado contratualmente e de acordo com a legislação em vigor, nomeadamente o Decreto-Lei nº 194/2009. Acresce ainda que o Requerido nunca recusou a prestação dos serviços, tendo recebido as faturas e não procedido à sua devolução, pelo que aceitou tacitamente as mesmas.
Pelo exposto, o Requerido encontra-se, presentemente, em dívida, no montante total das faturas abaixo indicadas e dos respetivos juros vencidos à presente data e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Assim sendo, encontram-se atualmente em dívida as seguintes faturas:
...65, de 28.72 EUR+juros de 14.02.2023 a 27.06.2023 ( 0.42); FT ...70, de 74.68 EUR+juros de 20.05.2023 a 27.06.2023 ( 0.32); FT ...15, de 42.78 EUR+juros de 14.04.2023 a 27.06.2023 ( 0.35); FT ...46, de 57.38 EUR+juros de 18.03.2023 a 27.06.2023 ( 0.64); Em suma, o requerido encontra-se em dívida, à data, da quantia global de 205.29 EUR.
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IV - Enquadramento jurídico

a - Questão prévia: da admissibilidade do recurso
A apelada suscita a questão da inadmissibilidade do recurso, porquanto o único esforço recursivo da apelante se centraria numa pretensa violação da autoridade do caso julgado. Aduz que, seguindo os ensinamentos de Abrantes Geraldes e das instâncias superiores (invoca o ac. do S.T.J. de 06/05/2021, proc. n.º 2218/15.2T8VCT-A.G2- A.S1), se propende para o entendimento de que, perante a inexistência de caso julgado violado, a (pretensa) autoridade deste não constitui fundamento de recorribilidade, nos termos e para os efeitos da al. a) do n.º 2 do art.º 629.º do C.P.C..
Nos termos do disposto no art.º 629.º/1 do C.P.C., o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, ao valor da causa.
O tribunal de 1.ª instância fixou o valor da causa, nos termos e para os efeitos dos arts. 297.º/1, 305.º/4 e 306.º/1 do C.P.C., em € 205,29.
Não oferece, assim, dúvidas que o valor desta ação é inferior ao valor da alçada dos tribunais de primeira instância, que é de € 5 000, 00 (art.º 44.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário).
Sem embargo, de harmonia com a parte final da alínea a) do n.º 2 do aludido art.º 629.º do C.P.C., independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso com fundamento na ofensa de caso julgado.
Pelo menos numa aceção formal, o recorrente esteia o presente recurso, quer na exceção do caso julgado, quer na violação do alcance do caso julgado. Por isso, pelo menos a primeira vertente sempre deveria ser analisada, e, como tal, recebido o recurso.
Importa, em todo o caso, aquilatar se no que se reporta à admissibilidade de recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, esta se estende à autoridade do caso julgado.
O conceito de autoridade do caso julgado foi formulado pela doutrina e é utilizado pela jurisprudência em contraponto à exceção dilatória do caso julgado expressamente regulada nos arts. 577.º/i), 580.º e 581.º do C.P.C..
Os conceitos de exceção dilatória do caso julgado e de autoridade do caso julgado visam definir em que condições a força do caso julgado se repercute noutras ações judiciais e em que se traduz essa repercussão.
A recorrente não alegou razão, nem nós a entrevemos, para proceder à distinção entre uma e outra das situações no que se refere à admissibilidade do recurso. A restrição visada pela recorrente não encontra arrimo na norma contida no art.º 629.º/2/a do C.P.C., que se cinge à menção à ofensa do caso julgado.
Secundamos aqui o ac. da Relação do Porto de 21-11-2023 (proc. 90665/22.3YIPRT-A.P1, Artur Dionísio Oliveira), em que, assinaladamente, se lê: o respeito pelas decisões judiciais e pela segurança jurídica, subjacentes à consagração da admissibilidade dos recursos fundados na ofensa do caso julgado independentemente do valor da ação e da sucumbência, são tutelados tanto pela exceção dilatória do caso julgado como pela exceção perentória de autoridade do caso julgado (…) não deve o intérprete distinguir onde o legislador não distinguiu.
Constatando-se que a decisão recorrida julgou improcedente, quer a exceção do caso julgado, quer a autoridade do caso julgado, independentemente do valor da causa e da sucumbência, o recurso tempestivamente interposto daquela decisão é admissível nos termos do preceituado no aludido art.º 629.º/2/a do C.P.C..
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b - Da exceção do caso julgado e da autoridade do caso julgado
Tenhamos presente que a “A..., S.A.” é uma sociedade anónima que presta serviços públicos essenciais de água e saneamento aos utilizadores finais, constituída pelo Decreto-Lei n.º 93/2015, de 29 de Maio, alterado pelo Decreto-lei n.º 72/2016, de 4 de novembro, que sucedeu nos direitos e obrigações das sociedades extintas “B..., S.A.” e “Águas E..., S.A.”. Ressalta da legislação referida que a gestão dos serviços municipais é uma atribuição dos municípios, sendo por opção destes que a requerente, ora apelada, em regime de parceria, gere e explora os serviços públicos de abastecimento de água para o consumo público e saneamento de águas residuais urbanas, assim como outros serviços decorrentes destas atividades, aos utilizadores finais nos municípios de Amarante, Arouca, Baião, Celorico de Basto e Cinfães.
O R. invoca, em primeira linha, a exceção do caso julgado por referência à sentença proferida na ação n.º 9933/19.0YIPRT, em que as partes são as mesmas dos autos. Considera que os factos alegados pela A. para fundamentar a obrigação de pagamento do preço - a cessão de posição contratual por via de uma parceria público-privada/concessão - naqueloutra e nesta ação são os mesmos. A única diferença residiria em que o crédito ora reclamado se reporta a outro período temporal de prestação do mesmo serviço. Encontrar-nos-íamos perante uma questão que se insere dentro dos limites do julgamento feito na sentença proferida naquela ação, em relação à qual se formou caso julgado. Existiria identidade relativamente à ação anterior porquanto a fonte ou causa da pretensão, já julgada insubsistente, é a mesma.
A identidade de sujeitos é manifesta, pois as partes apresentam-se em ambas as ações na mesma qualidade jurídica e com o mesmo interesse substancial, respetivamente de fornecedora e de consumidor do mesmo serviço.
No âmbito do processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível de Santo Tirso - Juiz 1, sob o n.º 9933/19.0YIPRT, a ora requerente intentou contra o aqui requerido ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, peticionando a condenação deste no pagamento de determinada quantia, pelo fornecimento de pretensos serviços de saneamento ao R., alegadamente ainda não pagos.
No que se refere à presente ação, a requerente invocou que na sequência da utilização pelo requerido dos meios que lhe colocou à sua disposição, esta emitiu as seguintes faturas enumeradas no requerimento executivo: faturas ...65, de 28.72 EUR+juros de 14.02.2023 a 27.06.2023 (0.42); FT ...70, de 74.68 EUR+juros de 20.05.2023 a 27.06.2023 (0.32); FT ...15, de 42.78 EUR+juros de 14.04.2023 a 27.06.2023 (0.35); FT ...46, de 57.38 EUR+juros de 18.03.2023 a 27.06.2023 (0.64).
Não oferece, assim, dúvidas que estão em causa consumos distintos, o pagamento de quantias e faturas diferentes, relativas a períodos temporais não coincidentes.
A exceção do caso julgado pressupõe uma tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir (arts. 580.º e 581.º do C.P.C.).
O caso julgado tem como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão, já que nos termos do art.º 621.º do C.P.C. a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.
Definindo o âmbito de aplicação do caso julgado e da autoridade do caso julgado, ensina Miguel Teixeira de Sousa (in O objeto da sentença e o caso julgado material, B.M.J. 325, pp. 171 e ss.): (…) a exceção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contraria na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a exceção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira idêntica (...).Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de ação ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva e à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente
O caso julgado material pode valer como autoridade do caso julgado quando o objeto da ação subsequente é dependente do objeto da ação anterior ou como exceção do caso julgado quando o objeto da ação posterior é idêntico ao objeto da ação antecedente (cf. Miguel Teixeira de Sousa, O objeto da sentença e o caso julgado material, B.M.J. 325 p. 178).
A autoridade do caso julgado representa o comando de ação ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente (ibidem, p. 179).
Os efeitos do caso julgado material projetam-se em processo subsequente necessariamente como autoridade de caso julgado material, em que o conteúdo da decisão anterior constitui uma vinculação à decisão do distinto objeto posterior, ou como exceção de caso julgado, em que a existência da decisão anterior constitui um impedimento à decisão de idêntico objeto posterior” (ibidem, p. 168).
Sumaria-se no ac. da Relação de Coimbra, de 28-09-2010 (proc. 392/09.6 TBCVL.S1, Jorge Arcanjo): I - A exceção do caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova ação, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objeto e pedido. II - A autoridade do caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no artº 498° do Código de Processo Civil (581º NCPC).
Expostos os fundamentos exarados, afigura-se-nos certo que não se verifica a exceção do caso julgado.
Vejamos, porém, se a questão de fundo não deveria ter sido conhecida a coberto da autoridade do caso julgado.
Lida a fundamentação da sentença na ação n.º 9933/19.0YIPRT, constata-se que esta não apreciou a prestação do serviço de saneamento de águas residuais (vd. fls. 2). Cingiu-se a aferir a verificação dos pressupostos da “cessão da posição contratual regulada nos arts. 424.º e seguintes do Código Civil”.
Já nos presentes autos foi apreciada a matéria atinente à efetivação do saneamento de águas residuais, bem como a matéria do requerimento da A. de 3-1-2024, em que, assinaladamente, se lê: de acordo com o n.º 4 do art.º 63.º do DL n.º 194/2009, de 20 de Agosto “quando a entidade gestora do serviço de abastecimento de água não seja responsável pelos serviços de saneamento e de gestão de resíduos, deve comunicar às entidades gestoras destes serviços uma listagem mensal dos novos utilizadores do serviço de abastecimento, considerando-se todos os serviços contratados a partir da data do início de fornecimento de água, caso estes não tenham sido objeto de contrato autónomo. (…) Resulta do n.º 5 do art. 71 do Regulamento n.º 594/2018, de 4 de Setembro: “Nas situações em que o serviço de saneamento de águas residuais urbanas ou o serviço de gestão de resíduos urbanos não sejam disponibilizados simultaneamente com o serviço de abastecimento de água, consideram-se contratados desde que haja efetiva utilização do serviço e a entidade gestora remeta por escrito aos utilizadores as condições contratuais da respetiva prestação. (…) o R. celebrou com o município de Santo Tirso um contrato de fornecimento de serviço, para a morada de fornecimento constante das faturas. A C... comunicou à ora A., através dos trâmites acima referidos, a referida celebração, com efeitos desde 2001 (…)».
Conforme se lê na sentença proferida em 1.ª instância, a A. enxertou na ação um concurso de pretensões (causas de pedir):
i) a sucessão nos direitos e obrigações das sociedades extintas, “B..., S.A.” e “Águas E..., S.A.;
ii) a sucessão no contrato inicialmente celebrado entre o Réu e o Município de Santo Tirso;
iii) a existência de contrato com o Réu decorrente da mera utilização do serviço.
A anterior ação foi julgada improcedente em virtude de não ter ficado demonstrada a celebração de contrato entre o requerente e a requerida.
Acaso o pedido formulado nestes autos se esteasse num acordo de prestação de serviços celebrado entre as partes relativo aos fornecimentos discriminados nas faturas acima elencadas seria de ponderar se assiste razão ao apelante.
A injunção não se funda, porém, em acordo celebrado com as partes. Da alegação vertida no requerimento injuntivo, e melhor explicitada no articulado de resposta às exceções, emerge que o pedido deduzido nesta ação assenta nos direitos que a própria lei atribui à requerente enquanto gestora e exploradora do Sistema de Águas da Região ... (qualidade que lhe advém dos Contratos de Parceria celebrados em 5 e 26 de julho de 2013 entre o Estado Português e diversos municípios, entre eles o de Santo Tirso, e do Decreto-Lei n.º 93/2015, de 29 de maio) e nos correspetivos deveres que impõe ao requerido enquanto consumidor de água da rede pública (qualidade que lhe advém do acordo de fornecimento de água que mantém com a sociedade C..., S.A.) - é neste sentido que há de ser entendida a alusão ao âmbito da relação contratual aqui subjacente.
Embora a inexistência de contrato anterior entre requerente e requerido esteja protegida por caso julgado material positivo formado no processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível de Santo Tirso - Juiz 1, sob o n.º 9933/19.0YIPRT, tal não impede a apreciação da questão suscitada nestes autos. Isto porque, como se disse, a presente causa de pedir não se esteia nesse pressuposto fáctico. Por isso, a decisão já transitada em julgado não exerce nesta ação o efeito vinculativo próprio da autoridade do caso julgado. Também por isso a demais jurisprudência invocada pelo recorrente resulta inócua para o caso dos autos.
Em conclusão, não se verificam, nem a exceção dilatória do caso julgado, nem a autoridade do caso julgado que devessem ter obstaculizado ao conhecimento de mérito da questão concretamente formulada nestes autos. Prevalece, por conseguinte, a decisão recorrida.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
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Custas pelo apelante, por ter decaído na sua pretensão, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).




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Porto, 10-7-2024.
Teresa Fonseca
Ana Olívia Loureiro
Fátima Andrade