Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
466/21.5PAVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO AFONSO LUCAS
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
RELAÇÃO DE NAMORO
LESÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
QUALIFICAÇÃO
Nº do Documento: RP20240605466/21.5PAVNG.P1
Data do Acordão: 06/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL/CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - Para efeitos do preenchimento deste específico elemento típico do crime de violência doméstica, uma relação de namoro não é aquilo que dela se diz, mas sim aquilo que ela é efectivamente.
II - Qualquer elemento probatório de natureza clínica apenas e só pode atestar a existência da lesão examinada, das suas características e consequências, e, quanto muito, qual o evento fisicamente relevante (por exemplo, uma pancada), que, em abstracto, se mostra apto, em termos de compatibilidade causal, a determinar uma lesão com tais características – mas jamais pode atestar qual o específico processo causal que, no caso concreto, determinou a lesão observada.
III - O que está em causa na qualificação do crime de violência doméstica, mais do que a gravidade objectiva das consequências determinadas pela actuação do agente, é aquilo que a respectiva prática revela por via de uma especialmente acentuada desconsideração por determinado conjunto de valores aqui protegidos.

(da responsabilidade do relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 466/21.5PAVNG.P1

Referência : 18160724

Tribunal de origem: Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 7 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO

No âmbito do processo comum (tribunal singular) nº 466/21.5PAVNG que corre termos no Juízo Local Criminal do Porto – Juiz 7, em 14/02/2024 foi proferida Sentença, cujo dispositivo é, na parte aqui relevante, do seguinte teor:

« III. DECISÃO

Pelo exposto decide-se:

a) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, al. b) do Código Penal, na pena de 1 (um) e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período, nos termos impostos pelo nº 5 do artigo 50º, do Código Penal, sujeita a regime de prova, ao abrigo do disposto no artigo 53º, nº 1, 2 e 3 do Código Penal e 34º-B, nº 1 da Lei nº 112/2009, de 16/09, de acordo com o plano de reinserção que venha a ser elaborado pela DGRSP, bem como ao afastamento do arguido da vítima, do local onde a mesma resida ou local de trabalho e a proibição da contactar por qualquer meio.

b) Condenar o arguido a pagar à ofendida BB a quantia de € 300,00 (trezentos euros), a título de indemnização fixada ao abrigo do disposto nos artigos 82º-A, do Código de Processo Penal e 21º, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro. ».

Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 16/03/2024, o arguido AA, extraindo da motivação as seguintes conclusões :

A. O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito do acórdão proferido no dia 14-02-2024, nos presentes autos que condenou o aqui Recorrente AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, al. b) do Código Penal, na pena de 1 (um) e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período

B. O Recorrente não se conforma com tal decisão, nem com os argumentos que a sustentam, pelos fundamentos que a seguir se presenta. Entende o Recorrente existir manifesto erro na fixação da matéria de facto provada nos pontos 1, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 15 16, 17, 18, 19 e 20, uma vez que a matéria factual nesses pontos contida, deveria sempre ter sido considerada como não provada porque entendemos não ter sido produzida e examinada em sede de audiência de julgamento prova suficiente para dar como provada essa factualidade.

C. A lei processual penal permite ao julgador que este aprecie a prova presente nos Autos e/ou a produzida em sua presença, com base exclusiva no seu próprio entendimento, compreensão, (a livre apreciação), de acordo com a sua própria convicção, e segundo regras de experiência, (artigo 127.º do C.P.P.) para determinar a valoração da prova apresentada

D. Entende o Recorrente que os factos provados nos referidos pontos foram incorrectamente julgados e consequentemente impor-se-ia uma decisão diferente, nomeadamente, a absolvição do Recorrente pela falta de prova ou prova insuficiente para condenar o aqui recorrente.

E. A prova produzida em julgamento, baseou-se fundamentalmente no depoimento do Arguido, nas declarações da ofendida, nas declarações da mãe da ofendida, e nas testemunhas CC e DD, EE, e, é, em nosso modesto entendimento, manifestamente insuficiente para, sem mais, determinar como provada que o Recorrente cometeu efectivamente o crime de que vinha acusado.

F. Com o devido respeito, o Arguido discorda da decisão proferida por entender que o Tribunal a quo analisou erradamente a prova produzida em audiência de julgamento violando os princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo

G. O Recorrente, a ofendida – BB e a mãe da ofendida não consideravam a relação entre o Recorrente e a ofendida como relação de namoro, uma relação estável. Eram amigos. A própria ofendida assumiu que não havia nenhuma obrigação de fidelidade entre eles. Foi esse o entendimento dos envolvidos. No entanto, o tribunal a quo pretendeu forçar o namoro e quase que obrigar o aqui Recorrente e Ofendida a consolidar essa relação. Ora vejamos,

H. O tribunal esteve mal ao apoiar a sua convicção em testemunhas que viviam no mesmo local (Residencial ...). Não trouxeram nada de novo. Apenas vieram afirmar perante o tribunal aquilo que lhes tinha sido dito pela ofendida, BB.

I. Impunha-se que o Tribunal a quo, ainda que cautelarmente, ponderasse e admitisse a versão que foi apresentada pelo Arguido, dando-lhe credibilidade, porque sólida e segura contrariamente às testemunhas que apenas disseram aquilo que a ofendia lhes tinha contado. Portanto, depoimentos indirectos e tendenciosos.

J. Sucede que em momento algum ficou demonstrado que o recorrente tivesse atentado contra a integridade física da ofendida. Ninguém presenciou/ testemunhou a referida agressão. O tribunal a quo baseou-se somente nas declarações da ofendida e no relatório forense – decorridos 2 dias - após os factos.

K. É, ainda, de destacar que a condenação em apreço parte, erroneamente, do pressuposto de que o Arguido e a ofendida mantinham uma relação de namoro efectiva, o que não corresponde à verdade. Eram simplesmente amigos.

L. Perante os testemunhos do Arguido e da ofendida, concluímos que não estamos perante um crime de violência doméstica porque não estão reunidos os pressupostos do tipo legal. Nesse sentido, o Tribunal a quo deveria ter alterado a qualificação do crime. Mas não o fez.

M. O Arguido, a ser condenado, tendo em conta a prova produzida em audiência de julgamento deveria ter sido operada a alteração da qualificação jurídica prevista no art.º 358.°, n.º 3, do C.P.P., tal como se impunha, haveria de ser sempre por um crime de ofensas a integridade física simples p. e p. no artigo 143.° do Código Penal.

N. A ofendida, apesar de instada pela equipa do INEM, no dia da agressão recusou-se ir ao hospital para ser observada, referindo que se sentia bem. Só recorre ao hospital no dia 28/04/2021.

O. As lesões constantes no relatório, elaborado equipa do INEM que esteve no local (Cfr Fls 183 e seg), são incompatíveis com as lesões descritas no relatório clínico forense (Cfr Fls 19 e 20). O relatório Forense não refere que as lesões são causa directa das eventuais agressões. Refere que são compatíveis.

P. Não se poderá aceitar tal condenação, pois que esta apenas se baseou em presunções judiciais.

Q. Tal como esta consagrado no artigo 349º do C.C." presunções são as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido." Como tal, não são verdadeiros meios de prova, mas sim meras operações mentais ou lógicas firmadas pelo julgador com base nas regras da experiência.

R. In casu, o Tribunal simplesmente fundamentou a condenação em juízos de probabilidade.

S. Acontece que, no momento da decisão, o juiz, sem partis pris ou prejuízo, deve basear-se apenas em provas para estabelecer a culpabilidade, não devendo partir da convicção ou da suposição de que o Arguido é culpado, sendo certo que o recurso à presunção não pode ser a via aberta para suprir a falta de prova dos factos.  

T. Pelo exposto o Tribunal a quo violou, ainda, o disposto no n.º 2. do art. 32.º da Constituição da República Portuguesa.

U. Em sede de audiência, no nosso entender, não há prova suficiente para que o Tribunal a quo dar como provados os factos que vêm imputados ao Arguido e interpretá-los de uma forma subjectiva, incorrendo assim o Tribunal a quo em erro na interpretação que fez da prova produzida.

V. Este mal o tribunal a quo, quando baseia a sua convicção em print de mensagens de um número de telefone que não se provou pertencer a Recorrente.

W. Por tudo o exposto, violou o douto Tribunal, entre outros, o artigo 32.º n.º 2 da C.R.P. (principio da presunção de inocência) e ainda os artigos 97.º n.º 5, 127.º e 374.º n.º 2, todos do Código do Processo Penal.

O recurso foi admitido.

A este recurso respondeu o Ministério Público, propugnando pela improcedência do recurso, referenciando em resumo o seguinte :

i. Impugnação da decisão quanto à matéria de facto.

Invoca, em primeiro lugar, o recorrente que o Tribunal julgou incorrectamente uma parte dos factos apurados em sede de audiência de julgamento, nomeadamente os que constituem o núcleo objectivo da infracção que lhe foi imputada – traduzida nos factos 4 a 9 e 11 a 20 da sentença recorrida.

No caso vertente, o recorrente apela para o vício que consiste na “prova de um facto com base em provas insuficientes ou não bastantes para prova desse mesmo facto, nomeadamente com violação das regras de prova”. No entanto, resulta com meridiana clareza do texto da decisão recorrida qual o caminho seguido pelo Tribunal a quo até à decisão sobre a matéria de facto, desde a aquisição da prova até à sua valoração, sendo que, no que tange a este aspecto, a decisão do Tribunal respeitou os limites balizados pelo art.º 127.º do CPP.

O recorrente atribui grande relevância a questões não decisivas que, em seu entender, constituem contradições entre a motivação e os factos provados. Porém, como se pode constatar da simples leitura da sentença recorrida, a Mm.a Juiz a quo explicou de forma clara, racional e compreensível o motivo pelo qual decidiu considerar como provada a matéria impugnada, designadamente porque razão entendeu qualificar a relação entre a ofendida e o arguido como relação de namoro e por que razão entendeu ter-se provado que o arguido agrediu a ofendida. E a ponderação do Tribunal parece-nos acertada e suficiente para justificar cabalmente a matéria de facto julgada como provada.

Sublinha-se que apesar de ofendida e o arguido afirmarem que a sua relação não era de namoro, facto é que todas as características que descreveram e referiram existirem no seu relacionamento integram, salvo melhor opinião, o conceito de relação de namoro: encontravam–se durante o dia e dormiam juntos quase todos os dias; relacionavam-se sexualmente com frequência; frequentavam juntos a casa das respectivas famílias. De tal modo que quer a mãe do arguido, quer os vizinhos ouvidos (que referiram que os mesmos viviam juntos) os viam como namorados.

Sublinha-se ainda, no que à agressão diz respeito, que o depoimento da queixosa, conjugado com os depoimentos dos vizinhos CC e DD e da transeunte FF (que conseguiu abrigo para a arguida) não deixam margem para a existência de quaisquer dúvidas, salvo melhor opinião, pelo que outra não poderia ter sido a decisão da matéria de facto.

Por tudo isto, relativamente à matéria em causa, o Tribunal a quo não demonstrou ter ficado com dúvidas razoáveis, não tendo cabimento invocar em tal situação o princípio in dúbio pro reo.

(…)

É manifesto, pois, que o arguido pretende apenas a substituição da ponderação do Tribunal pela sua própria, o que a lei não permite.

ii. O erro de direito.

Em face do previamente exposto, resulta claro que a sentença não enferma de erro de direito. A qualificação jurídica da factualidade dada como provada afigura-se correcta e suficiente quanto ao crime que está em causa nos autos.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer que emitiu propugna pela improcedência do recurso, realçando os seguintes aspectos :

« [N]ão obstante o arguido não classifique a relação como sendo de namoro, o certo é que a descrição que ambos fazem do relacionamento que mantiveram é de molde a preencher a previsão legal do crime pelo qual foi condenado.

Por outro lado, tal como bem resulta da fundamentação relativa à decisão quanto à matéria de facto, não subsistem dúvidas de que a vítima foi agredida na data em causa, e que o seu agressor foi o arguido.

Na verdade, e ao contrário do que o arguido afirma, a prova desses factos não assenta unicamente no depoimento da ofendida e no protocolo clínico referente ao seu atendimento hospitalar posterior.

Assenta, também, nos depoimentos prestados pelas testemunhas que lhe prestaram socorro, que vendo a ofendida com lesões, diligenciaram pela vinda do INEM, que indagando sobre o que acontecera obtiveram informação de que o arguido a agredira, da testemunha que, na ocasião em causa, viu o arguido dentro do quarto daquela, referindo que, em jeito de explicação para o facto de a mesma se achar na rua, pedindo socorro, aquele dissera que a ofendida era doida.

Assim, concluiu-se que o tribunal não incorreu em qualquer erro na apreciação da prova, antes tendo feito uma cuidada análise da mesma, conjugando-a entre si e interpretando-a à luz das regras da experiência, antes sendo o arguido quem procede a uma interpretação parcial e interessada da prova.

Termos em que ENTENDEMOS ser de negar provimento ao recurso, devendo manter-se na íntegra a decisão condenatória. ».

Foi cumprido o disposto no artigo 417º/2 do Cód. de Processo Penal, nada vindo a ser acrescentado no processo.


*

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência.

Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir.


*

II. APRECIAÇÃO DO RECURSO

 

O objecto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, devendo assim a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como é designadamente o caso das nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento (previstas expressamente no art. 119º do Cód. de Processo Penal e noutras disposições dispersas do mesmo código), ou dos vícios previstos no art. 379º ou no art. 410º/2, ambos do Cód. de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995), podendo o recurso igualmente ter como fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada, cfr. art. 410º/3 do Cód. de Processo Penal.

São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – cfr. arts. 403º, 412º e 417º do Cód. de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 (proc. 91/14.7YFLSB.S1)[[1]], e de 30/06/2016 (proc. 370/13.0PEVFX.L1.S1)[[2]]. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, ‘Curso de Processo Penal’, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».

A esta luz, as questões a conhecer no âmbito do presente acórdão são as de apreciar e decidir sobre :

1. saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, nos termos do art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal.

2. saber se na Sentença recorrida foram violados os princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo.

3. saber se estão reunidos os pressupostos típicos do crime de violência doméstica pelo qual o arguido vem condenado.


*


Comecemos por fazer aqui presente o teor da decisão recorrida, na parte da mesma que releva para a presente decisão.

 

a. É a seguinte a matéria de facto considerada pelo tribunal de 1ª Instância :

« II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Factos provados

Da acusação pública:

1. O arguido e BB iniciaram uma relação de namoro no mês de dezembro de 2020;

2. Na madrugada do dia 26 de abril de 2021, cerca da 1 hora, o casal regressava a pé para o quarto que a ofendida BB tinha arrendado, na Residencial ..., na R. ..., no Porto, vindos da casa de um amigo, situada na Rua ..., no Porto onde a ofendida tinha jantado;

3. Aproveitando que se encontravam sozinhos, a ofendida questionou o arguido dos motivos que o tinham levado a mostrar-se agressivo nos telefonemas que lhe tinha efetuado quando ela já se encontrava em casa do amigo GG, o que levou a que se desentendessem e iniciassem uma discussão;

4. Determinada a pôr cobro àquele desacato a ofendida comunicou ao arguido de que, ao contrário do que tinham combinado, naquela noite não dormiria no seu quarto, sugerindo-lhe que fosse embora, para sua casa, o que o arguido não aceitou;

5. Em face da insistência do arguido em pernoitar no seu quarto, a ofendida pegou no telemóvel e pediu auxílio à polícia;

6. De imediato, o arguido pegou no telemóvel na ofendida e arremessou-o para o chão, partindo-o, e de seguida deferiu-lhe um soco na face;

7. Depois o arguido agarrou a mala que a ofendida trazia a tiracolo e arrastou-a pelo chão, o que lhe esganava o pescoço, até que, em resultado da força imprimida, a alça da carteira rebentou;

8. Além das dores sofridas, atenta a brutalidade da atuação do arguido, naquele momento a ofendida temeu pela sua vida, porque apesar dos seus apelos de socorro não acorreu nenhuma pessoa àquele local;

9. Entretanto o arguido cessou com a sua atuação, o que permitiu à ofendida recolher os seus pertences, com exceção do telemóvel que o arguido apanhou e se recusou a entregar-lho;

10. De seguida, com o arguido à sua frente, dirigiram-se ambos para a Residencial ..., onde a ofendida tinha o seu quarto arrendado;

11. Quando já se encontravam junto da porta da Residencial, a ofendida aproveitou o facto do arguido estar sentado para abrir a porta e ali entrar;

12. Mas, apercebendo-se disso, o arguido segurou a porta com o pé, impedindo a ofendida de a fechar, conseguindo assim aceder ao interior daquela residencial;

13. Já no seu interior, o arguido deslocou-se à cozinha da residencial e a ofendida aproveitando essa ocasião, e com receio do comportamento que o arguido pudesse adoptar, fugiu pela Rua ... abaixo, pedindo ajuda a quem ali passava, acabando por ser socorrida e por ser chamado o INEM e a polícia;

14. Em consequência direta e necessária da atuação do arguido, além de dores nas zonas atingidas, a ofendida sofreu:

- na face: duas equimoses rosadas na pálpebra inferior direita com 1x0,5 cm. de maiores eixos; equimose rosada na pálpebra inferior e superior esquerda pericentrimétrica;

- no abdómen: equimose arroxeada com halo amarelado na fossa ilíaca esquerda medindo 7x4 cm. de maiores eixos;

- no membro superior direito: equimose arroxeada estendendo-se do 1/3 inferior da face posterior do braço até ao 1/3 superior da face postero-lateral do antebraço medindo 10x5 cm. de maiores eixos; escoriações com crosta sanguínea seca envoltas por equimose arroxeada, com edema, medindo no seu conjunto 6x3 cm. de maiores eixos; escoriações com crosta sero-hemática seca sobre as articulações interfalângicas proximais do 2º, 3º e 4º dedos;

- no membro superior esquerdo: duas equimoses arroxeadas na face posterior da metade distal do braço, a mais pequena com 1 cm. de diâmetro, a maior com 5 cm. de diâmetro;

- no membro inferior direito: escoriações com crosta sanguínea seca na face anterior do joelho numa área de 3x2 cm.; equimoses arroxeadas na face anterior do joelho, numa área de 5x10 cm. de maiores eixos;

- no membro inferior esquerdo: escoriações com crosta sanguínea seca na face anterior do joelho numa área de 3x3 cm., rodeadas por equimoses múltiplas, que se estendem no terço distal da coxa ao terço proximal da perna, numa área de 20x10 cm. de maiores eixos; escoriação com crosta sanguínea seca sobre o maléolo externo, medido 2 cm. de diâmetro; equimose arroxeada na face externa do pé com 1 cm. de diâmetro.

15. Estas lesões determinaram que recebesse assistência e tratamento no SU do Hospital ..., e 10 (dez) dias para a sua cura, mas que não afetaram a sua capacidade para o trabalho geral nem profissional;

16. Nos dias seguintes, pelo menos até ao dia 11/05/2021, o arguido enviou várias mensagens para o telemóvel da ofendida, mostrando-se arrependido do seu comportamento e pedindo-lhe desculpa, apesar do que a ofendida não reatou o relacionamento com ele;

17. Ao atuar da forma descrita o arguido quis, como conseguiu, molestar fisicamente e maltratar o corpo e saúde da sua namorada e atingi-la na sua integridade física;

18. Sabia que os seus atos afetavam a dignidade pessoal da ofendida, bem como o seu equilíbrio psicológico e emocional, e eram adequados a criar nela angústia e sentimentos de insegurança e dependência em relação a si, aterrorizando-a e humilhando-a, o que igualmente quis e conseguiu;

19. Fê-lo com total indiferença pelos deveres de respeito àquela devidos, sem qualquer motivo justificativo e com o fim exclusivo de fazer valer a sua vontade pelo recurso à violência física;

20. Agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Do relatório social:

21. AA tem origem num núcleo familiar de mediano estatuto socioeconómico, o pai desenvolvia a profissão de jornalista e a mãe de empregada de escritório, tendo o seu processo de desenvolvimento educativo decorrido num ambiente familiar relacional e afetivamente coeso, mas marcado por atitude educativa bastante protetora e desculpabilizante, designadamente por parte da progenitora, assumindo o pai postura mais distanciada e menos interveniente;

22. Durante o percurso escolar precocemente começou a manifestar problemas de adaptação à dinâmica escolar, designadamente, absentismo, desinteresse pelas atividades letivas, insucesso escolar e indisciplina, tendo protagonizado condutas motivadoras de intervenção reparadora, nomeadamente período de suspensão escolar e medidas tutelares educativas;

23. Aos dezasseis anos foi-lhe determinada medida tutelar de internamento, tendo permanecido em consequência, no Centro Educativo ... no Porto, durante cerca de dois anos, aí concluído o 6º ano de escolaridade e obtido formação profissionalizante;

24. Após o regresso ao meio livre e agregado familiar de origem, iniciou atividade profissional, tendo desenvolvido, de forma ainda pouco consolidada, com alternância frequente, trabalhos de curta duração em atividades diversas, nomeadamente empregado de mesa e balcão em estabelecimento de restauração, ajudante de serralheiro e formação informal de produção musical via online;

25. Segundo afirmou, experienciou consumo de estupefacientes desde os dezasseis anos, mantendo consumo ocasional de haxixe e bebidas alcoólicas;

26. AA continua a integrar como sempre o agregado familiar de origem, coabitando com os pais, ambos com cerca de quarenta e oito anos e uma irmã, de vinte e quatro anos, com quem mantém relacionamento classificado como solidário;

27. Residem em apartamento arrendado, tipologia T3, com satisfatórias condições de conforto e habitabilidade, situado em zona residencial do centro urbano de ..., sem indicadores de problemática social disfuncional;

28. O arguido desenvolve, sem estabelecimento de vínculo contratual formal, atividade laboral no apoio à exploração de alguns estabelecimentos de restauração e bebidas (bares), na ..., afirmando auferir dessa atividade remuneração média equivalente ao salário mínimo nacional;

29. O pai encontra-se desempregado e a mãe e a irmã estão profissionalmente ativas como assistentes de loja, resultando situação económica do agregado familiar classificada como contida, mas capaz do suprimento dos encargos fixos assumidos, dos quais relevam, segundo referido, a renda de casa no montante de 700€ mensais. O arguido, economicamente autónomo, contribui com cerca de 200€ mensais para as despesas familiares, não declarando outros encargos fixos significativos;

30. À data da factualidade subjacente aos autos em referência, AA mantinha com a ofendida, que conhecia já há alguns anos, relacionamento que descreveu como próximo e com alguma intimidade, mas sem compromisso de namoro assumido, remetendo, nos últimos tempos anteriores aos factos, alguma conflituosidade relacional decorrente de alegados “problemas psicológicos e atitude ciumenta” evidenciados pela mesma, com quem refere não ter mantido desde então qualquer contacto pessoal;

31. Há cerca de um ano assumiu novo relacionamento de namoro classificado por ambos os elementos do casal como gratificante e harmonioso. O arguido mantém círculo alargado de amigos, oriundos preponderantemente do meio musical, manifestando interesse pela atividade de Disco Jockey, função que desenvolve por vezes em eventos e espaços festivos e de diversão e em que ocupa preponderantemente os tempos livres, a par do convívio com a namorada, funcionária em um estabelecimento hoteleiro;

32. Para além das situações processuais protagonizados com o sistema de justiça tutelar, AA foi anteriormente condenado pela prática de crime de consumo de estupefacientes em processos penais distintos: processo nº 26/19.0SJPRT, com trânsito em julgado em 29-04-2019, em pena de multa, cuja substituição por trabalho a favor da comunidade foi revogada por incumprimento por parte do arguido e processo nº 1114/18.6PJPRT, com trânsito em julgado em 29-09-2020, em pena de multa;

33. A eclosão da situação processual em referência e a factualidade subjacente provocaram, segundo o próprio, manifestação de hostilidade e repúdio a si dirigidas junto da rede social que integrava com a ofendida, com repercussões negativas no seu estado anímico, motivando recurso a acompanhamento clínico psicológico que mantém na ULSF de ...;

34. Manifesta inconformismo e alguma revolta com a abertura da situação jurídico-penal em referência e a sua constituição como arguido, embora reconhecendo em abstrato a ilicitude e nocividade dos factos constantes na acusação, mas formulando relativamente aos mesmos atribuições externas de responsabilidade.

Mais se provou que:

35. Entre Dezembro de 2020 e Abril de 2021 o arguido e a ofendida conviviam diariamente, passeavam juntos, relacionavam-se sexualmente de forma regular, dormiam juntos, nomeadamente no quarto da residencial onde a ofendida vivia, e conheciam os familiares próximos.

2. Factos não provados

Não há factos não provados com relevância para a decisão da causa.»

b. É a seguinte a motivação da decisão de facto apresentada pelo Tribunal de 1.ª Instância:

«3. Convicção do tribunal

A convicção do tribunal fundou-se no conjunto da prova produzida em julgamento, a qual se encontra integralmente documentada e valorada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal.

Comecemos por esclarecer que apesar de o arguido e a ofendida (à data com 20 e 22 anos de idade, respectivamente) declararem em audiência de julgamento que não tinham uma relação de namoro, tendo dificuldade em classificar o relacionamento que mantinham, o que foi apurado pelo Tribunal relativamente ao relacionamento entre ambos, leva-nos à conclusão de que o mesmo deve ser considerado de namoro, para efeitos de preenchimento do tipo objectivo da violência doméstica.

Assim, do conjunto das declarações de ambos, resulta que entre Dezembro de 2020 e Abril de 2021, iniciaram um relacionamento em que se encontravam diariamente, relacionavam-se sexualmente regularmente, passeavam juntos, conheciam as respectivas famílias, e o arguido pernoitava regularmente na Residencial ..., onde a ofendida BB viva num quarto alugado. Para além disso, eram vistos pelas pessoas conhecidas e até por familiares, como namorados, assim o declararam as testemunhas CC e DD, que à data eram namorados, e também viviam num quarto na Residencial ..., e a própria mãe do arguido, a testemunha EE, declarou que os via como namorados.

Atente-se, ainda, que apesar de o arguido em audiência de julgamento tentar afastar-se de classificar o relacionamento com a ofendida como namoro, invocou essa qualidade quando apresentou uma queixa contra a ofendida por violência doméstica, e em que lhe foi conferido o Estatuto de Vítima e quando respondeu às questões colocadas no âmbito da Ficha de Avaliação de Risco para Vítimas de Violência Doméstica (processo incorporado nos presentes autos com o nº 334/21.0PEGDM – fls. 79 a 165).

No que concerne aos factos sob discussão o arguido, no essencial, negou a sua prática, admitindo apenas que se instalou uma discussão entre ambos quando efectuavam, a pé, o percurso de casa do amigo GG até à residencial ..., discussão essa relacionada com traições. Afirmou que junto à entrada da residencial a ofendida começou a ficar muito nervosa e agressiva lhe chamou porco e lhe cuspiu na roupa.

Sucede que as declarações da ofendida, conjugadas com a demais prova, testemunhal e documental, mereceram total credibilidade por parte do tribunal.

A ofendida descreveu com o pormenor possível toda a dinâmica dos factos ocorridos na noite em causa, bem como os motivos pelos quais começaram a discutir no percurso para a residencial. Durante o caminho o arguido começou a falar com um tom de voz mais agressivo, o que a levou a ficar alarmada, dizendo ao arguido que não queria que fosse com ela, nem que pernoitasse na residencial, acabando por chamar a P.S.P. porque se sentiu assustada, altura em que o arguido lhe atirou o telemóvel ao chão e começou a agredi-la, agarrando a sua mala, puxando-a pelo pescoço, desferindo-lhe socos e pontapés, provocando a sua queda, enquanto a depoente gritava “socorro” e “polícia”, acabando por se conseguir soltar do arguido depois de o ter mordido. A agressão desferida pelo arguido ocorreu na Rua ..., artéria que dista poucos metros da Residencial ..., na Rua .... A ofendida recolheu as sua coisas que estavam espalhadas pelo chão, entre as quais se incluía o almoço que tinha trazido do McDonalds, local onde trabalhava, e quando tentava alcançar o telemóvel o arguido chutou-o, e a ofendida não consegui apanhá-lo. Ficou em pânico e caminhou até à residencial e ali chegados o arguido sentou-se no chão e começou a chorar, altura em que a ofendida abriu a porta da residencial e quando tentava fechar a porta e ali se proteger, o arguido colocou o seu pé na porta impedindo o seu fecho e entrou na residencial, enquanto a ofendida gritava novamente por ajuda. Quando o arguido entrou dirigiu-se à cozinha e a ofendida aproveitou essa oportunidade para fugir pela Rua ... abaixo, acabando por ser socorrida por uma senhora que lhe deu protecção, recolhendo-a inclusivamente na sua casa da cliente a onde a testemunha se dirigia, dali tendo sido chamada chamando a P.S.P. e o INEM. A ofendida só saiu do inteiror dessa casa quando chegou a P.S.P. uma vez que o arguido ainda andou a rondar as imediações.

A ofendida explicou que não quis ser transportada pelo INEM ao hospital, pois preferiu ir para casa da sua mãe e depois foi assistida no Hospital ....

A mãe da ofendida, BB, explicou que a sua filha a data dos factos já tinha saído de casa, fazendo uma vida autónoma, mas mantinha contacto e boas relações com a mesma.

Explicou que a ofendida chegou a casa, de madrugada, toda magoada na cara, mãos, joelhos, tornozelos e fotografou o estado em que a mesma se encontrava (fotos juntas a fls. 149 a 157) e que a sua filha só dizia repetidamente: “O AA bateu-me. Ele arrastou-me pelo pescoço”. Levou a sua filha ao Hospital e explicou ainda que sentia que a sua filha tinha medo de pôr fim à relação, chegando-lhe a mesma a confidenciar tal facto, porque o mesmo era muito insistente, e até perante uma situação que já tinha ocorrido anteriormente em que a ofendida vivia na companhia de umas amigas na Rua ... e o arguido ficou a atirar pedra toda a noite contra a casa quando ali foi impedido de ficar pela ofendida.

As testemunhas CC e DD, à data namorados, viviam no Porto num quarto da Residencial .... Conheciam a BB por ali viver, e viam o arguido como seu namorado, pernoitando o mesmo naquele local com regularidade.

Estavam ambos no quarto, quando ouviram gritos de pedido de socorro. Como a janela do quarto que ocupavam ficava virada para a zona lateral do edifício, não conseguiam ver o que se passava na via pública, mas decidiram chamar a polícia, ainda sem conhecimento de que era a ofendida que pedia socorro. Porque ouviram agitação no interior do edifício e a porta a bater decidiram descer e deparam com o arguido no interior da casa. O arguido referiu-lhe que tinha tido um desentendimento com a BB, não deu pormenores, afirmando que a mesma não estava bem e que era maluca. Estranharam e ficaram apreensivos a aguardar a chegada da ofendida, o que não sucedeu.

A testemunha CC viu a ofendida um ou dois dias depois, na residencial, acompanhada pela sua mãe, apercebendo-se que a mesma apresentava marcas no pescoço; por seu turno a DD não viu a ofendida nos dias que se seguiram, e a mesma deixou de estar na ... e soube das agressões através de uma republicação de uma mensagem da DD em que referiu que tinha sido agredida.

A testemunha FF prestou um depoimento merecedor de total credibilidade, não tendo qualquer ligação ou conhecimento de qualquer uma das pessoas envolvidas nos presentes autos. Por ocasião dos factos estava a fazer entregas ao domicílio de farturas (farturas A...) numa cliente cuja residência se situava na Rua .... Ouviu gritos de pedido de socorro e surgiu-lhe uma rapariga, com sangue, magoada nos joelhos, nas mãos, no pescoço, muito ofegante. A cliente a quem a testemunha foi fazer a entrega logo lhes disse para se refugiarem no interior da sua casa, o que fizeram. O indivíduo que a tinha agredido ainda rondou a porta, e logo chamaram a P.S.P. e o INEM. Recorda-se que a jovem estava sem telemóvel e deu-lhe o seu nome na rede social Instagram caso precisasse do seu auxílio, o que veio a concretizar-se na sua indicação como testemunha.

Foram ainda inquiridas duas testemunhas ao abrigo do disposto no artigo 340º do C..P.P a requerimento da defesa do arguido. A primeira foi a sua mãe, EE, que para além de reconhecer que o arguido e a ofendida eram namorados, pois apesar de a ofendida lhe ser apresentada como amiga, chegou a dormir em sua casa com o seu filho, a fazer refeições e a participar em festas de aniversário, nada de relevante afirmou, pois veio declarar que a ofendida se agredia a si mesmo, julgamos que com esta declaração pretenderia justificar as lesões apresentadas pela ofendida, que em nada são compatíveis com a auto mutilação; por seu lado, a actual namorada HH apenas veio depor em favor do comportamento do arguido para consigo, o que, no caso, é manifestamente inócuo.

O tribunal atendeu ainda ao print de mensagens de fls. 27 e ss de fls. 64; fls 127 a 148; fotografias de fls. 149 a 155; informação do INEM de fls. 182; relatório social junto a 08/01/2024 – refª 37753574 e certificado do registo criminal junto a 08/01/2024 – refª 37747229; e ao relatório da perícia de avaliação do dano corporal de fls. 19 e ss..»

c. É como segue a apreciação e qualificação jurídico–penal da matéria de facto que foi efectuada pelo Tribunal de 1.ª Instância :

«4. Apreciação jurídica.

O Crime de Violência Doméstica

O arguido vem acusado da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea b) do Código Penal.

Estabelece o referido preceito que “Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações de liberdade e ofensas sexuais: b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; (…) é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.

Esta redacção da norma foi introduzida Lei nº 19/2013, de 21 de Fevereiro, altura em que o legislador optou por acrescentar expressamente à al. b) as relações de namoro, pois pairava sobre a jurisprudência e a doutrina a questão de saber se as relações de namoro poderiam estar já integradas nas “relações análogas aos cônjuges, ainda que sem coabitação”.

“Em abstrato, o namoro é uma fase do relacionamento amoroso para conhecer o outro, e não um fim em si, de comunhão de vida, que é própria do casamento ou da união de facto. É uma fase transitória que, com frequência acaba no rompimento amoroso, por as expectativas de um ou ambos os namorados não serem aquelas que esperavam (Ac. TRC de 24-04-2012, proc. n.º 632/10.9PBAVR.C1). O leque de definições possíveis para a relação de namoro será tão vasto e abrangente, quanto a época e cultura social em que o mesmo se insere.

(…)

Em termos gerais, o namoro será, hoje, um relacionamento entre duas pessoas que se atraem física e psicologicamente e que, mesmo duradouro, é desprovido de vínculo de natureza familiar, embora possa se encaminhar para tanto. Ao contrário do que acontecia tradicionalmente, nos dias de hoje a sociedade considera ser perfeitamente aceitável que os casais desde cedo partilhem a cama de forma regular, que viajem juntos, que desenvolvam atividades diárias em conjunto, de forma pública, o que permite um conhecimento muito mais profundo do casal

(…).

Tratar-se-á, portanto, de um compromisso entre duas pessoas que se relacionam por tempo indeterminado, partilhando e comungando afetos e interesses pessoais comuns. Regra geral, já não existe aquele pedido tradicional, sem prejuízo de se nos afigurar que a prova ou demonstração dessa ligação entre as duas partes se mostra relevante”(dissertação apresentada à Universidade Católica Portuguesa para obtenção do grau de Mestre em Direito Criminal, elaborada por Dora Faria Calejo Machado Pires, sob orientação da Professora Doutora Maria Elisabete Ferreira, com o título “O sentido e o alcance da inserção das relações de namoro e equiparadas no crime de violência doméstica – Reflexões críticas acerca do alargamento do tipo” citada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-06-2019, relatado pelo Juiz Desembargador Jorge Gonçalves)

Concluindo, perante as já apontadas características da relação entre a ofendida e o arguido e dadas como provadas no ponto 35 dos factos provados, a nossa conclusão é a de que a relação entre ambos preenche o conceito de namoro exigido pela norma. A relação entre ambos decorria já há 6 meses, com relações afetivas, íntimas e tendencialmente estáveis ou duradouras, que ultrapassam a mera amizade ou relações fortuitas.


*

A criminalização destas condutas veio dar resposta, por um lado, ao facto de muitos dos comportamentos tutelados pela norma não configurarem a prática do crime de ofensas à integridade física simples, por outro lado, resultou da consciencialização ético-social da comunidade sobre a gravidade individual e social destes comportamentos (neste sentido v. Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, pág. 329 e 330), permitindo tutelar a pessoa individual e a sua dignidade humana, mas a final, e como bem jurídico protegido pela norma a saúde, como bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental do sujeito passivo da relação que, no caso, é cônjuge ou quem com o agente conviver em condições análogas às dos cônjuges (também neste sentido v. Catarina Sá Gomes, O crime de maus tratos físicos e psíquicos infligidos ao cônjuge ou ao convivente em condições análogas às dos cônjuges, AAFDL, Lisboa 2002, pág. 59 e 60).

A conduta prevista pela norma em causa tanto pode consistir em maus tratos físicos, como em maus tratos psíquicos, que se traduzem em humilhações, provocações, molestações, ameaças, mesmo que não configuradoras em si do crime de ameaça e outros comportamentos equiparados.

A conduta criminosa pode verificar-se com uma única conduta agressiva, desde que a sua gravidade intrínseca a possa qualificar como tal (cfr. Ac. da RL de 29/04/1987, in Col. de Jur. ano XII, tomo 2, pág. 183 e os Acs. do S.T.J. de 17/10/996 e de 14/12/1997, in Col. de Jur.-Acs. do S.T.J., ano IV, tomo 3, pág. 170 e ano V, tomo 3, pág. 235, respectivamente).

No caso dos autos, não se suscitam quaisquer dúvidas que a gravidade da conduta do arguido justifica o seu enquadramento no crime de violência doméstica, atentando-se desde logo à extensão das lesões descritas no ponto 14 dos factos provados.

Com a sua conduta o arguido causou angústia, tristeza, insegurança, ansiedade, dores físicas e desgaste psicológico à ofendida, perturbando-a assim no seu bem-estar, integridade física, sossego e liberdade de movimentos, atingindo-a física, psíquica e emocionalmente, o que conseguiu, bem sabendo que a afectava na sua saúde física e psíquica, querendo ainda atingi-la na sua dignidade enquanto ser humano, o que conseguiu.».

Apreciemos então as questões suscitadas, pela ordem de prevalência processual sucessiva que revestem.

1. De saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, nos termos do art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal.

No segmento inicial do seu recurso, vem o arguido suscitar a usualmente designada impugnação ampla da matéria de facto, invocando haver o tribunal a quo incorrido em erro no julgamento da mesma desde logo no que tange a terem–se por demonstrados os pressupostos necessários ao preenchimento dos crimes pelos qual vem condenada.

Esta via de sindicância da decisão da matéria de facto em sede de recurso mostra–se em especial regulada no artigo 412º/3/4/6 do Cód. de Processo Penal.

Neste caso, a apreciação suscitada não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) valorada em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pela recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art. 412º do Cód. de Processo Penal.

O erro de julgamento ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado ; ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.

Notar–se–á, não obstante, que nos casos de tal impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, mas antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, e sempre na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pela recorrente.

E é exactamente por o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituir um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, os aludidos erros que a recorrente deverá expressamente indicar, que se impõe a este o ónus de proceder a uma especificação sob três vertentes, conforme estabelecido no art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal, onde se impõe que, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, a recorrente deve especificar :

a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados,

b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida,

c) as provas que devem ser renovadas, quando seja caso disso.

A assim exigida especificação traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal exercício recursivo com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõem decisão diversa da recorrida, com a explicitação da razão pela qual assim se entende.

Sendo que, com relação às duas últimas especificações, recai ainda sobre a recorrente uma outra exigência: sendo invocada prova que haja sido objecto de gravação, tais especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação – é o que resulta do nº4 do art. 412º do Cód. de Processo Penal, que exactamente exige que «Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo a recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação ».

Retomando quanto se vinha dizendo, quando se pretenda efectivamente sindicar a decisão recorrida no âmbito desta apreciação mais alargada resultante da impugnação da matéria de facto, resulta imposto pelo texto do nº3 do art. 412º do Cód. de Processo Penal que não é uma qualquer divergência que pode levar o Tribunal ad quem a decidir pela alteração do julgado em sede de matéria de facto. Quando, no artigo 412º/3/b) do Cód. de Processo Penal se alude às «concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida», deve distinguir-se essa situação daquelas em que as provas em causa, sem imporem decisão diversa, admitiriam decisão diversa da recorrida na base de um outro juízo sobre a sua fidedignidade.

Notar–se–á que a remissão para o verbo impor, especificamente estipulada no art. 412º/3/b) do Cód. de Processo Penal, consubstancia a exigência de verificação de uma obrigação impreterível, de um imperativo, de um dever mandatório inquebrável e sem alternativas. Assim, não basta estar demonstrada a possibilidade de existir uma solução em termos de matéria de facto alternativa à fixada pelo tribunal a quo. Na verdade, é raro o julgamento onde não estão em confronto duas, ou mais, versões dos factos (arguida/assistente ou arguido/Ministério Público ou mesma arguida/arguida), qualquer delas sustentada, em abstracto, em prova produzida, seja com base em declarações dos arguidos, seja com fundamento em prova testemunhal, seja alicerçada em outros elementos probatórios.

Por isso, haver prova produzida em sentido contrário, ou diverso, ao acolhido e considerado relevante pelo Tribunal a quo, não só é vulgar, como é insuficiente para, só por si, alterar a decisão em sede de matéria de facto.

O que aqui se mostra necessário é que o recorrente demonstre que a prova produzida no julgamento só poderia ter conduzido, em sede de elenco de matéria de facto provada e não provada, à solução por si (recorrente) defendida, e não àquela consignada pelo Tribunal.

Estas ideias encontram eco indisputado na jurisprudência, podendo citar–se, por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15/12/2005 e de 09/03/2006 (procs. nº 2951/05 e 461/06)[[3]], onde se escreve que «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse: antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros» ; ou ainda o acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça de 23/11/2011 (proc. 158/09.3GBAVV.G2.S1)[[4]], onde se consigna o seguinte :

«IV – Como o STJ vem decidindo, o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova (art. 430.º do CPP), uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que a recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento – art. 412.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP. V - O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento pela 2.ª instância, dirigindo-se somente ao reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa, indicadas pela recorrente, e não a todas as provas produzidas na audiência.

VI - Por isso, o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, sendo certo que ao exercício dessa tarefa o tribunal de recurso apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas, pelo que, se entender que a valoração e apreciação feitas se mostram correctas, se pode limitar a aderir ao exame crítico das provas efectuadas pelo tribunal recorrido. ».

É que, como se refere por exemplo no acórdão da Relação do Porto de 26/11/2008 (relatado por Maria do Carmo Silva Dias e publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 139º, nº 3960, págs. 176 e segs.), e citado pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/05/2022 (proc. 299/20.6GAVGS.P1)[[5]], «não podemos esquecer a percepção e convicção criada pelo julgador na 1.ª instância, decorrente da oralidade da audiência e da imediação das provas. O juízo feito pelo Tribunal da Relação é sempre um juízo distanciado, que não é “colhido directamente e ao vivo”, como sucede com o juízo formado pelo julgador da 1ª. Instância».

A credibilidade das provas e a convicção criada pelo julgador da primeira instância «têm de assentar por vezes num enorme conjunto de situações circunstanciais, de tal maneira que essa convicção criada assenta não tanto na quantidade dos depoimentos prestados, mas muito mais em outros factores» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/01/2003, proc. nº 024324)[[6]], fornecidos pela imediação e oralidade do julgamento. Neste, «para além dos testemunhos pessoais, há reacções, pausas, dúvidas, enfim, um sem número de atitudes que podem valorizar ou desvalorizar a prova que eles transportam» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/07/2003, proc. nº 3100/02)[[7]].

Como se escreve no supramencionado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/05/2022, «o recurso da decisão em matéria de facto da primeira instância não serve para suprir ou substituir o juízo que o tribunal da primeira instância formula, apoiado na imediação, sobre a maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. O que a imediação dá, nunca poderá ser suprimido pelo tribunal da segunda instância. Este não é chamado a fazer um novo julgamento, mas a remediar erros que não têm a ver com o juízo de maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. Esses erros ocorrerão quando, por exemplo, o tribunal pura e simplesmente ignora determinado meio de prova (não apenas quando não o valoriza por falta de credibilidade), ou considera provados factos com base em depoimentos de testemunhas que nem sequer aludem aos mesmos, ou afirmam o contrário».

Efectuadas estas considerações – como forma de enquadramento dos limites em que se move a invocação desta forma de impugnação ampliada do exercício de fundamentação de facto por parte do tribunal a quo –, vejamos quanto sucede no caso concreto dos autos.

No caso, o recorrente vem invocar o incorrecto julgamento da matéria de facto por parte do tribunal de primeira instância, reportando a sua impugnação à consideração como incorrectamente dados como provados dos factos constantes nos pontos 1, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 da matéria de facto provada, a qual – por atacado – «deveria sempre ter sido considerada como não provada porque entende[mos] não ter sido produzida e examinada em sede de audiência de julgamento prova suficiente para dar como provada essa factualidade».

A primeira nota que não pode deixar de efectuar–se é a de que o exercício de impugnação efectuado pelo recorrente neste caso passa no essencial pela crítica à convicção adquirida pelo tribunal recorrido, mas pretendendo ver o seu próprio juízo pessoal prevalecer sobre a livre apreciação que serviu de base àquela e ao resultante juízo de condenação formulado pelo tribunal recorrido – propugnando a substituição da convicção formada pelo tribunal pela sua própria, numa inversão legal de papéis funcionais que não está, de todo, no sustento do regime processual aqui em causa.

Por outras palavras, com base nos argumentos que vêm aduzir, pretende em grande parte que este tribunal de recurso formule uma nova e diversa convicção, e por essa via modifique ou altere os factos provados de molde a ir ao encontro dos seus interesses.

Ora, “a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão” - Acórdão do Tribunal Constitucional nº 198/2004 de 24/03/2004 [[8]].

O tribunal de recurso vai, pois, apenas pronunciar-se sobre os concretos pontos impugnados, sendo absolutamente necessário que o recorrente nesta especificação seja claro e completo, sem esquecer que, nesta especificação, serão totalmente inconsequentes considerações genéricas de inconformismo sobre a decisão.

Revertendo à materialidade da impugnação recursória, alega o recorrente discordar da circunstância de a convicção do tribunal recorrido quanto à matéria de facto provada assentar desde logo na valoração do «depoimento do Arguido, nas declarações da ofendida, nas declarações da mãe da ofendida, e nas testemunhas CC e DD, EE, e, é, em nosso modesto entendimento, manifestamente insuficiente para, sem mais, determinar como provada que o Recorrente cometeu efectivamente o crime de que vinha acusado».

Pois bem, liminarmente se dirá que a argumentação expendida pelo arguido, quer nas motivações, quer nas conclusões do recurso, não é de todo eficiente para produzir qualquer alteração da matéria de facto.

E não o é desde logo porque, em grande parte, e no que diz respeito à indicação das concretas provas (com concretização das específicas passagens daquelas gravadas) em que se funda a impugnação e que determinariam a imposição de decisão diversa da adoptada pelo tribunal a quo relativamente aos invocados pontos da matéria de facto – exercício que se exige ao recorrente nos já citados termos do art. 412º/3/b)/4 do Cód. de Processo Penal –, crê–se manifestamente não adequada a respectiva execução.

Na verdade, e com duas exclusivas excepções adiante assinaladas, o recorrente limita–se a aludir genericamente ao sentido das suas próprias declarações e das de algumas testemunhas ; contudo, sendo certo estarmos em presença da invocação de elementos de prova produzidos em audiência de julgamento e aí objecto de gravação, o arguido não transcreve nem indica quais as concretas passagens dos mesmos que imponham decisão diferente da do tribunal a quo.

As únicas excepções que podem descortinar–se a esta desadequação procedimental por parte do recorrente têm a ver com os seguintes aspectos, adiante melhor analisados :

– quanto à causalidade, que é imputada ao arguido nos termos dos pontos 6., 7., 8., 17., 18., 19. e 20. da matéria de facto provada, determinante das lesões físicas da ofendida que se mostram por sua vez assinaladas nos pontos 14. e 15. da matéria de facto provada, matéria relativamente à qual o recorrente apela ao teor de elementos de prova documental e pericial juntos aos autos,

– e quanto à caracterização do relacionamento entre si e a ofendida como sendo de namoro, tal como imputado no ponto 1. da matéria de facto provada, matéria relativamente à qual recorta uma passagem das suas próprias declarações e outra do depoimento da ofendida.

Relativamente a toda a restante matéria de facto provada ora impugnada, e como extrai do que acima fica dito, não se mostra dado pelo recorrente cumprimento do dever de especificação aqui imposto.

Nessa – substancial – parte, o recorrente apenas enuncia a sua pretensão quanto a um determinado resultado final, alegando (como vimos) que a prova produzida é insuficiente para a demonstração dos factos que indica, e comodamente remetendo para este tribunal ad quem o suposto encargo de percorrer toda a prova e oficiosamente retirar conclusões sobre quais as relevantes passagens concretas da mesma que se ajustem àquela pretensão final.

Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25/01/2017 (proc. 802/14.0GCVIS.C1)[[9]], «Na impugnação da matéria de facto o recorrente deverá indicar a sessão de julgamento em que as declarações ou depoimentos constam e localizar a passagem em causa na gravação, entre os minutos em que produziu prova oralmente, de modo a deixar claro qual a parte da declaração ou depoimento que se quer que o Tribunal de recurso ouça ou aprecie».

Assim, num caso como o do presente recurso e com relação a grande parte da matéria de facto provada impugnada (à excepção dos concretos pontos acabados de ressalvar), se o recorrente não indica pela forma processualmente devida as provas e razões que impõem uma decisão diferente, de nada valem as considerações genéricas de discordância com o juízo probatório do tribunal, assim como se revela inútil na fase de recurso a mera reafirmação de uma apreciação e valoração genérica de elementos de prova que integram os autos.

Tenhamos presente, neste sentido, o Acórdão do S.T.J. de 24/10/2002 (proc. 02P2124)[[10]], em que pode ser lido o seguinte: «o labor do tribunal de 2.ª Instância num recurso de matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (por leitura e/ou audição), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (e eventualmente a partir dos) nos pontos incorrectamente julgados, segundo o recorrente, e a partir das provas que, no mesmo entender, impõem decisão diversa da recorrida – art.º 412.º, n.º 3, als. a) e b) do C.P.P. e levam à transcrição (n.º 4 do art.º 412.º do C.P.P.)».

Assim, e com relação à matéria de facto em causa nos pontos 4., 5., 9., 11., 12., 13. e 16. da matéria de facto provada, o que temos é, tão apenas, a manifestação de discordância do ora recorrente relativamente à credibilidade que, da parte do tribunal a quo, mereceram alguns dos depoimentos testemunhais produzidos em audiência, e a que apenas alude genericamente, como se disse.

Ora, e como resulta de quanto já acima se expôs, a credibilidade atribuída a uma versão relativamente a outra, mesmo num caso, como o ora presente, caso em que aquela que se tem por prevalente tem origem essencialmente na própria pessoa ofendida, é uma questão de convicção.

É certo que todo o julgador deve ter presente que, por mais honesta e por mais prudente que seja uma pessoa, pode estar enganada ou errar ela própria sobre o assunto sobre o qual fala. Por isso mesmo, tendo em conta a extrema relatividade que tem a prova testemunhal em face da certeza judiciária, particularmente estando em causa um objecto processual com a natureza daquele dos presentes autos, há que ter muita ponderação na sua apreciação.

Porém, nada obsta a que um depoimento ou testemunho possa ser suficiente para convencer o juiz, tudo se resumindo à credibilidade que merecem para o julgador aqueles que surgem à sua frente, e desde que o caminho de convicção trilhado pelo tribunal no âmbito da utilização das ferramentas da imediação e da oralidade de que dispõe, não ofenda patentemente as regras da experiência comum, antes resultando fundamentados racionalmente os factos dados como provados com base nas respectivas declarações, muito em especial quando confirmadas por outros elementos probatórios, derivados de provas directas ou indirectas, devidamente conjugadas entre si.

Dito de outro modo, quando a atribuição de credibilidade ou de falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não é racional, se mostra ilógica e é inadmissível face às regras da experiência comum.

Como expressivamente se consigna no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/02/2023 (proc. 446/19.0T9CTB.C1)[[11]], «I - O único limite que o princípio da livre apreciação da prova impõe à discricionariedade de apreciação da prova oral por parte do julgador resulta das regras da experiência comum e da lógica supostas pela ordem jurídica. II - A livre apreciação da prova oral é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância, porque é a 1ª instância que vê e ouve a arguida e testemunhas, que aprecia os seus gestos, hesitações, espontaneidade ou a falta dela, em suma, os seus comportamentos não verbais, é a 1ª instância que formula as perguntas que entende pertinentes, que encaminha o interrogatório e/ou a inquirição da forma que considera ser a mais conveniente, tudo faculdades de que o tribunal da relação não pode lançar mão e que impõem severas limitações à reapreciação da prova».

Pois bem, desde já se adianta que foi exactamente aquilo que o tribunal a quo fez, tendo levado a cabo um exercício de indagação incidente sobre os vários elementos probatórios produzidos, traduzido num exame crítico e conjugado dos mesmos – remetendo–se nesta parte desde já quanto se expressa em sede de motivação da decisão da matéria de facto.

In casu, o tribunal a quo explicou por referência às razões de ciência, ao grau de verosimilhança, ao conteúdo e consistência intrínseca dos depoimentos, explicando porque atribuiu mais credibilidade a determinados relatos que a outro.

Resulta também claro da análise da motivação da decisão da matéria de facto que para o tribunal a quo a imagem global dos factos resultou da correlação e conjugação entre vários elementos de prova, e não numa análise fragmentada e descontextualizada dos mesmos.

Também constatamos, nesta ordem de ideias, que o julgador não emitiu nenhum dado de raciocínio que pudesse sugerir arbitrariedade ou preconceito na decisão, nem tão pouco subverteu, ocultou ou extrapolou o significado de nenhum dado probatório.

A explicação do tribunal a quo é lógica, assenta em critérios de senso comum, está respaldada nos princípios da imediação, da oralidade e do contraditório que são característicos da audiência, revelando absoluto respeito do princípio de livre apreciação da prova previsto no art. 127º do Cód. de Processo Penal.

E terá assim de prevalecer, sobre a divergente convicção do arguido acerca do sentido global da prova.

Em conclusão, o recurso do arguido, além de não viabilizar sequer processualmente a reapreciação da prova nesse segmento, não é hábil a determinar a propugnada alteração da matéria de facto em causa nos pontos 4., 5., 9., 11., 12., 13. e 16. da matéria de facto provada – sendo o recurso, logo nesse âmbito, improcedente.

Vejamos, então, quanto aos concretos aspectos relativamente aos quais se considera que o exercício de impugnação do julgamento da matéria de facto cumpre os mínimos para que se tenha por processualmente adequado.

Começando pelo ponto 1. da matéria de facto provada, aí se consigna o seguinte:

1. O arguido e BB iniciaram uma relação de namoro no mês de dezembro de 2020.

Insurge–se o recorrente contra a consideração como assente que o relacionamento que existia entre o arguido e a ofendida possa ser tido como uma relação de namoro, alegando (e concluindo) que o ora recorrente, a ofendida (BB) e a mãe desta não consideravam a relação entre o recorrente e a ofendida como relação de namoro, uma relação estável, mas antes os tinham como amigos, sendo que a própria ofendida assumiu que não havia nenhuma obrigação de fidelidade entre eles. No entanto, «o tribunal a quo pretendeu forçar o namoro e quase que obrigar o aqui recorrente e ofendida a consolidar essa relação».

Em sustento da sua alegação, recorta o arguido/recorrente em especial trechos das suas próprias declarações e do depoimento da ofendida, gravados em audiência, o que faz nos seguintes termos :

– quanto às declarações do arguido AA, gravadas no ficheiro refª 20240109144952_16515792_2871500, transcreve–se a seguinte trecho a partir do minuto 00:01:21 :

Juíza: Diz-se então que o senhor e esta senhora iniciaram uma relação amorosa em Novembro de 2020, foi assim?

arguido: Não era uma relação amorosa. Nós éramos amigos mais chegados se assim se pode dizer, por outras palavras, agora, sendo mesmo uma relação nunca foi.

Juíza: O que é amigos chegados?

arguido: Amigos coloridos, a bem dizer, por estas palavras. Tínhamos alguma afinidade, e assim, mas nunca assumindo uma relação.

Juíza: Os senhores conheceram-se quando?

arguido: Já nos conhecíamos à muito tempo. Mas darmo-nos assim…

Juíza: Mas há anos???

arguido: Há, Há anos de vistas. Mas conhecermo-nos mais, mais, por volta da época em que houve a pandemia

Juíza: Caracteriza melhor que tipo de relacionamento é que o senhor tinha com esta senhora

arguido: Passávamos algum tempo juntos. Ia a casa dela como ela ia a casa da minha mãe, também. Relacionávamo-nos intimamente, sim, posso dizer isso. Mas, sendo algo assumido, uma relação em que poderia dizer que ela era minha namorada assim, não.

Juíza: Do seu ponto de vista não considerava que ela fosse sua namorada?

arguido: Não

Juíza: Relacionava-se sexualmente com ela?

arguido: Sim

Juíza: Falava diariamente com ela?

arguido: Sim, falávamos

Juíza: Ao telefone ou pessoalmente?

arguido: Ambos. Quando estávamos juntos falávamos

Juíza: Publicamente comportavam-se como? Davam a mão? Beijavam-se em público?

arguido: Não

Juíza: Conhecia a família dela?

arguido: Sim. Cheguei a conhecer a mãe e o pai. Tal como ela conheceu a minha mãe e o meu pai, também

Juíza: Como é que você foi apresentado aos pais dela e como é que o senhor a apresentou aos seus pais?

arguido: Senho uma amiga, mas toda a gente reparava que havia ali uma ligação, mas, sendo sempre uma amiga mais chegada.

– quanto às declarações da testemunha/ofendida BB, gravadas no ficheiro refª 20240109151938_16515792_2871500, transcreve a seguinte passagem a partir do minuto 00:01:31 :

Procuradora: Namoravam?

testemunha: Não namorávamos. Mas a nossa relação, começou em novembro/Dezembro. Foi quando começou a partilhar mais a minha casa ou a casa partilhada.

Procuradora: Não eram namorados mas relacionavam-se...

testemunha: Sim, não eramos namorados...Ninguém pediu namoro a ninguém

Procuradora: Havia um implícito acordo de fidelidade de não andar com outras pessoas?

testemunha: Eu era uma pessoa ciumenta se visse alguma aproximasse dele eu dizia..

testemunha: Não eramos namorados propriamente (4:40)

Juíza: Aceita que ele não tivesse essa obrigação (de fidelidade)?

testemunha: Claro que sim, claro que sim.

Juiza: Vocês publicamente apresentavam—se como namorados?

testemunha: Não

Juíza: Como disse aos seus pais quem era ele? Um amigo?? Há muita gente que tem o hábito de dizer que é um amigo colorido…

testemunha: Exacto. É assim. Eu não dizia que era meu namorado. Nós não namorávamos. (6:00)

Juíza: O que é que os seus achavam que ele era relativamente a si?? (7:10)

testemunha: Mas isto eu falava abertamente com os meus pais. Os meus pais sabiam perfeitamente que não éramos namorados, mas que eu tinha algum interesse na pessoa.

Vejamos.

Comece por se referir que é verdade quanto alega o recorrente e no que tange ao teor objectivo das declarações e depoimento assim transcritos.

E isso mesmo não deixa de assinalar o tribunal a quo quando, abordando precisamente esta questão, começa por referir o seguinte: «Comecemos por esclarecer que apesar de o arguido e a ofendida (à data com 20 e 22 anos de idade, respectivamente) declararem em audiência de julgamento que não tinham uma relação de namoro, tendo dificuldade em classificar o relacionamento que mantinham, o que foi apurado pelo Tribunal relativamente ao relacionamento entre ambos, leva-nos à conclusão de que o mesmo deve ser considerado de namoro, para efeitos de preenchimento do tipo objectivo da violência doméstica».

E o certo é que, considerando o mais nessa sequência explanado em sede de motivação, se julga não se justificar a alteração da sua decisão quanto a este ponto da matéria de facto provada.

Na verdade, e de forma muitíssimo sintética, deve dizer–se que, para efeitos do preenchimento deste específico elemento típico do crime de violência doméstica aqui em causa, uma relação de namoro não é aquilo que dela se diz, mas sim aquilo que ela é efectivamente.

Como refere a Conselheira Ana Barata Brito – em “A ‘relação de namoro’ como elemento do tipo de crime violência doméstica” [[12]], incluso em “Estudos em homenagem ao Juiz Conselheiro António Henriques Gaspar”, ed. 2019, a pág. 46 –, «para o direito penal pode configurar namoro uma relação que as pessoas que se interrelacionam não denominam nem consideram como tal. E pode também acontecer a hipótese inversa», acrescentando, sempre com particular relevo para uma situação como aquela dos autos, «O que releva, então, na relação de namoro? O grau de compromisso? O tempo? A permanência? A existência de um projecto comum? A possibilidade de progressão para uma relação mais sólida? Relevará o nome que se dá à relação, ou esta é independentemente do que se lhe chame? Neste contexto de linguagem e de realidade de vida, e sabendo-se que uma pré-determinação de um conceito legal de namoro não faz sentido, como concretizar o sentido que a expressão assume no âmbito do artigo 152.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal (CP)? Não é o sentido que a expressão toma no dia-a-dia a decidi-lo, pois os sujeitos podem considerar-se namorados, podem ser vistos como tal pela sociedade, mas a sua relação pode ficar fora do sentido jurídico da expressão; e, no reverso, pode configurar juridicamente "namoro" uma relação que os próprios não assumam como tal.».

É certo e indiscutível que uma das primordiais fontes nas quais o intérprete/julgador há–de recolher contributos fácticos para formar «a imagem global do facto para se decidir sobre a realização do tipo» – cfr. Ana Barata Brito, ob. citada, pág. 49 – será a imagem que os próprios integrantes da relação em apreciação reportem da mesma.

Mas isso só por si, e como acima acaba de se aludir, pode não ser determinante.

E assim será nomeadamente quando toda a exteriorização e manifestação do relacionamento em causa, a extrair de circunstâncias concretas que se tenham por seguramente demonstradas, traduza um relacionamento cuja arquitectura seja correspondente ao que, de acordo com normais regras de experiência, lógica e senso comum, poderá traduzi–se em namoro em termos suficientes para suscitar uma ponderação sobre a especial protecção da norma penal aqui em causa.

O que nos remete para a inevitabilidade de chamar aqui liminarmente à colação a alteração legislativa que, em 2013, e por via da Lei 19/2013, de 21 de Fevereiro, foi introduzida na alínea b) do nº 1 do art. 152º do Cód. Penal, que precisamente foi aquela que acrescentou a «relação de namoro» – a par da relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, já prevista – como alvo da previsão e tipificação criminal, alargando assim de forma muito significativa o leque de situações que passaram a ficar sob a protecção deste tipo legal, bastando-se agora o legislador com o estabelecimento de uma relação amorosa não fortuita ou de carácter puramente sexual, onde a intimidade dos afectos associada a alguma continuidade na ligação propicia o desenvolvimento de comportamentos de maior confiança, de mais à vontade, que poderão deixar expostos à violência, através de atitudes atentatórias da dignidade dos visados, aqueles que nesse vínculo se revelam mais frágeis ou subjugáveis ao domínio pelo outro.

Neste sentido, António Latas, em “As alterações ao Código Penal introduzidas pela Lei 19/2013 de 21 de fevereiro”,[[13]], onde ademais consigna (a pág. 25) que «o que se pretenderá é tutelar a posição de quem, apesar de não viver em relação de conjugalidade ou análoga, mantém ou manteve uma relação afetiva, emocional e de intimidade com o agente traduzida na noção social de relação de namoro. Noção de relação de namoro que, enquanto elemento típico objetivo, parece–me aproximar-se de definição colhida no Dicionário Houaiss da Língua portuguesa para um dos significados de namorar, pelo que há-de considerar-se como tal o relacionamento amoroso entre duas pessoas em que a aproximação física e psíquica, fundada numa atração recíproca, aspira à continuidade, deixando de fora meros namoros passageiros, ocasionais, fortuitos, flirts».

Assim, o art. 152º/1/b) do Cód. Penal, ao remeter para o elemento típico da relação de namoro, apela a um conceito indeterminado que tem de ser preenchido e concretizado com factos adicionais ou complementares, mas sem perder de vista que, na sua génese, e como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/06/2019[[14]], «o legislador [em 2013] pretendeu incluir no crime de violência doméstica as relações de namoro, que envolvam um vínculo afetivo/sentimental que excede a mera amizade e as relações fortuitas, com o fito de prevenir e sancionar as condutas violentas exercidas pelo parceiro íntimo por causa dessa relação».

Ora, como se consigna no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/02/2022 (proc. 666/20.5PIPRT.P1)[[15]] consigna que «II - Na tipificação do crime de violência doméstica, o legislador não definiu o conceito de namoro, provavelmente pelo seu carácter dinâmico, necessariamente ajustado à realidade actual. III - Essa margem de manobra de apreciação concedida ao intérprete não sacrifica a legalidade e a tipicidade da norma».

Daí que, como muito bem se mostra norteado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29/09/2021 (proc. 265/20.1GBFLG.P1)[[16]] «apesar de a expressão relação de namoro ter um sentido comummente aceite que não suscita controvérsia, é certo que não deixa de ser sempre, em alguma medida, um juízo valorativo. Nas situações em que se possa suscitar alguma divergência quanto à classificação da relação será avisado que o julgador procure concretizar o mais possível entre os factos provados os elementos identificadores da relação que auxiliam na referida avaliação».

Pois bem, no caso dos autos, o tribunal a quo, prosseguindo o seu exercício de motivação do julgamento desta secção da matéria de facto provada, vem a consignar o seguinte «do conjunto das declarações de ambos [arguido e ofendida], resulta que entre Dezembro de 2020 e Abril de 2021, iniciaram um relacionamento em que se encontravam diariamente, relacionavam-se sexualmente regularmente, passeavam juntos, conheciam as respectivas famílias, e o arguido pernoitava regularmente na Residencial ..., onde a ofendida BB viva num quarto alugado. Para além disso, eram vistos pelas pessoas conhecidas e até por familiares, como namorados, assim o declararam as testemunhas CC e DD, que à data eram namorados, e também viviam num quarto na Residencial ..., e a própria mãe do arguido, a testemunha EE, declarou que os via como namorados.

Atente-se, ainda, que apesar de o arguido em audiência de julgamento tentar afastar-se de classificar o relacionamento com a ofendida como namoro, invocou essa qualidade quando apresentou uma queixa contra a ofendida por violência doméstica, e em que lhe foi conferido o Estatuto de Vítima e quando respondeu às questões colocadas no âmbito da Ficha de Avaliação de Risco para Vítimas de Violência Doméstica (processo incorporado nos presentes autos com o nº 334/21.0PEGDM – fls. 79 a 165).».

E é, aliás, neste conspecto que vem a considerar como assente no ponto 35. da matéria de facto provada – cujo julgamento, note–se, não é sequer objecto de impugnação recursória – que «Entre Dezembro de 2020 e Abril de 2021 o arguido e a ofendida conviviam diariamente, passeavam juntos, relacionavam-se sexualmente de forma regular, dormiam juntos, nomeadamente no quarto da residencial onde a ofendida vivia, e conheciam os familiares próximos».

Ou seja, considera o tribunal a quo, com base na conjugação dos elementos de prova a que alude, que o comportamento do arguido e da ofendida permitem identificar a relação entre ambos como sendo uma relação de namoro, essencialmente pela estabilidade da relação, a respectiva natureza e âmbito íntimo, a constância da companhia mútua, muito próxima da coabitação, e a imagem socialmente transmitida de toda esta materialidade.

Também nesta parte, o exercício de apreciação probatória levado a cabo pela primeira instância é lógico, e assenta em critérios de senso comum, mostrando–se respaldado nos princípios da imediação, da oralidade e do contraditório que são característicos da audiência, revelando absoluto respeito do princípio de livre apreciação da prova previsto no art. 127º do Cód. de Processo Penal, permitindo sustentar a conclusão de estarmos perante uma relação de namoro que, como, por todos, se escreveu no já citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/02/2022 (666/20.5PIPRT.P1), «é um compromisso entre duas pessoas que se relacionam durante um lapso de tempo indeterminado, com partilha e comunhão de afetos e interesses pessoais» – não sendo aqueles aludidos trechos das declarações e depoimento de arguido e ofendida que impõem decisão diversa daquela vertida no ponto 1. da matéria de facto provada.

A convicção do tribunal a quo terá, pois, de prevalecer sobre aquela, divergente, do arguido.

Vejamos agora no que tange à matéria vertida nos pontos 6., 7., 8., 14., 15., 17., 18., 19. e 20. da matéria de facto provada, e cujo teor, recorde–se, é o seguinte :

6. De imediato, o arguido pegou no telemóvel na ofendida e arremessou-o para o chão, partindo-o, e de seguida deferiu-lhe um soco na face;

7. Depois o arguido agarrou a mala que a ofendida trazia a tiracolo e arrastou-a pelo chão, o que lhe esganava o pescoço, até que, em resultado da força imprimida, a alça da carteira rebentou;

8. Além das dores sofridas, atenta a brutalidade da atuação do arguido, naquele momento a ofendida temeu pela sua vida, porque apesar dos seus apelos de socorro não acorreu nenhuma pessoa àquele local;

14. Em consequência direta e necessária da atuação do arguido, além de dores nas zonas atingidas, a ofendida sofreu:

- na face: duas equimoses rosadas na pálpebra inferior direita com 1x0,5 cm. de maiores eixos; equimose rosada na pálpebra inferior e superior esquerda pericentrimétrica;

- no abdómen: equimose arroxeada com halo amarelado na fossa ilíaca esquerda medidndo 7x4 cm. de maiores eixos;

- no membro superior direito: equimose arroxeada estendendo-se do 1/3 inferior da face posterior do braço até ao 1/3 superior da face postero-lateral do antebraço medindo 10x5 cm. de maiores eixos; escoriações com crosta sanguínea seca envoltas por equimose arroxeada, com edema, medindo no seu conjunto 6x3 cm. de maiores eixos; escoriações com crosta sero-hemática seca sobre as articulações interfalângicas proximais do 2º, 3º e 4º dedos;

- no membro superior esquerdo: duas equimoses arroxeadas na face posterior da metade distal do braço, a mais pequena com 1 cm. de diâmetro, a maior com 5 cm. de diâmetro;

- no membro inferior direito: escoriações com crosta sanguínea seca na face anterior do joelho numa área de 3x2 cm.; equimoses arroxeadas na face anterior do joelho, numa área de 5x10 cm. de maiores eixos;

- no membro inferior esquerdo: escoriações com crosta sanguínea seca na face anterior do joelho numa área de 3x3 cm., rodeadas por equimoses múltiplas, que se estendem no terço distal da coxa ao terço proximal da perna, numa área de 20x10 cm. de maiores eixos; escoriação com crosta sanguínea seca sobre o maléolo externo, medido 2 cm. de diâmetro; equimose arroxeada na face externa do pé com 1 cm. de diâmetro.

15. Estas lesões determinaram que recebesse assistência e tratamento no SU do Hospital ..., e 10 (dez) dias para a sua cura, mas que não afetaram a sua capacidade para o trabalho geral nem profissional;

17. Ao atuar da forma descrita o arguido quis, como conseguiu, molestar fisicamente e maltratar o corpo e saúde da sua namorada e atingi-la na sua integridade física;

18. Sabia que os seus atos afetavam a dignidade pessoal da ofendida, bem como o seu equilíbrio psicológico e emocional, e eram adequados a criar nela angústia e sentimentos de insegurança e dependência em relação a si, aterrorizando-a e humilhando-a, o que igualmente quis e conseguiu;

19. Fê-lo com total indiferença pelos deveres de respeito àquela devidos, sem qualquer motivo justificativo e com o fim exclusivo de fazer valer a sua vontade pelo recurso à violência física;

20. Agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Nesta parte recorta–se a impugnação do recorrente relativamente à circunstância de haver agredido fisicamente a ofendida nos termos descritos, vindo alegado que em momento algum ficou demonstrado que o arguido assim tivesse procedido, sendo que «ninguém presenciou/testemunhou a referida agressão», tendo–se o tribunal a quo baseado «somente nas declarações da ofendida e no relatório forense – decorridos 2 dias - após os factos».

Em suporte da sua alegação, refere que as lesões constantes no Relatório elaborado pela equipa do INEM que esteve no local (cfr. fls 183 e seg.), são incompatíveis com as lesões descritas no Relatório clínico forense de Perícia de avaliação do dano corporal em direito penal (cfr. fls. 19 e 20), sendo que este último não refere que as lesões são efeito directo das eventuais agressões, mas tão apenas que são compatíveis.

Não lhe assiste, porém, razão.

Começando pelas alegadas divergências objectivas, na descrição das lesões observadas na pessoa da ofendida, entre o Relatório elaborado pela equipa do INEM que esteve no local no dia dos factos (cfr. fls 183 e seg.), e o Relatório clínico forense de Perícia de avaliação do dano corporal em direito penal elaborado pelo INML com base em observação da ofendida dois dias depois dos factos (cfr. fls. 19 e 20), desde logo se diga que não é sem alguma dificuldade que se logra identificar a que disparidades se reporta em concreto o recorrente – nem este, diga–se, se dá ao trabalho de as identificar.

Quanto muito temos lesões observadas depois, e não verificadas antes, mas não o contrário – e muito menos alguma incompatibilidade, como vem alegado.

Seja como for, a verdade é que não pode perder–se de vista o diferente contexto e circunstâncias em que cada uma das observações foi efectuada – aquela do INEM no dia dos factos é uma observação necessariamente superficial, que tão apenas tem em vista detectar alguma situação que justifique intervenção clínica mais emergente – o que, manifestamente, não foi aqui o caso ; já a segunda, no âmbito do Exame corporal levado a cabo no INML, é efectuada de modo mais profundo, cuidado e demorado, incidindo desde logo sobre todas as partes do corpo da ofendida, e permitindo detectar inclusive a eventual manifestação entretanto ocorrida de lesões não imediatamente perceptíveis naquela liminar observação imediata aos factos.

Só esta constatação, que se crê evidente de acordo com elementares regras de lógica e de experiência comum reportada a situações semelhantes, já seria suficiente para explicar qualquer divergência objectiva.

Ainda a este propósito mais se diga que é bem verdade, como refere o recorrente, que «O relatório Forense não refere que as lesões são [efeito] direct[o] das eventuais agressões. Refere que são compatíveis». Não é só verdade – é absolutamente indiscutível.

Simplesmente, e como se julga óbvio, qualquer elemento probatório de natureza clínica – maxime relatórios, exames ou mesmo depoimentos dos peritos –, em situações similares à dos autos, apenas e só pode atestar a existência da lesão em causa, das suas características e consequências, e, quanto muito, qual o evento fisicamente relevante (por exemplo, uma pancada), que, em abstracto, se mostra apto, em termos de compatibilidade causal, a determinar uma lesão com tais características – mas jamais pode atestar qual o concreto (no mesmo exemplo, se a pancada foi determinada por deliberada actuação humana de terceiro ou do próprio lesionado, ou se resultou de uma queda fortuita) processo causal que no caso determinou a lesão observada.

É exactamente apenas e só o que destes elementos resulta, e dos mesmos, pela sua própria natureza, nada mais poderia resultar.

Não é, até por isso, tal circunstância que, pressuposta a compatibilidade causal que o próprio recorrente admite demonstrada clinicamente, impede a demonstração da concreta causalidade por outra via probatoriamente válida e adequada.

Precisamente nesta sequência, cumpre ademais, e mais relevantemente, assinalar que, muito ao contrário do alegado, não é verdade que nesta parte o tribunal a quo «apenas se baseou apenas em presunções judiciais».

Na verdade, e como da motivação da decisão de facto decorre, atendeu o tribunal a quo desde logo ao depoimento da ofendida BB, que relatou a forma como o arguido a atingiu corporalmente nos termos dados por assentes, elemento de prova directa dos factos.

Que, nos termos a que já acima se aludiu, o recorrente, por si, não atribua credibilidade e, assim, valor a tal elemento de prova, é uma coisa ; que daí se inviabilize a validade que lhe atribuiu o julgador de primeira instância, é outra diametralmente diversa.

Mas mais.

Tão eloquente na demonstração do acerto da decisão do tribunal a quo no julgamento dos factos aqui em causa como o depoimento da ofendida, é quanto resulta demonstrado nos autos no que tange ao comportamento do arguido nos dias imediatos aos factos, e traduzido no teor de mensagens escritas que enviou à ofendida – conforme vertido no ponto 16. da matéria de facto provada, não sendo assim correcta e (mais uma vez vaga) alegação do recorrente de que «não se prova» que tal mensagem tenha sido por si enviada.

Aí, o arguido pede desculpa à ofendida e lamenta se a magoou fisicamente em termos tão evidentes (na perspectiva que aqui releva) como «Desculpa se te magoei» ou «ESPERO TE BEM E ESPERO NÃO ESTEJAS ALEIJADA MAN ESPERO MESMO QUE NÃO» – cfr. fl. 27 dos autos.

Em suma, não são, de todo, os elementos probatórios invocados pelo recorrente que permitem inverter a decisão da matéria de facto relativamente a esta matéria, relativa às agressões físicas perpetradas sobre a pessoa da ofendida e às lesões decorrentes das mesmas.

Em suma, não se julga que os elementos de prova que vêm referenciados pela recorrente permitam inquinar a leitura que o tribunal a quo fez da prova produzida, isto é, não se demonstra, como seria necessário, a existência de prova que imponha decisão diversa.

O que decorre dos termos do recurso, nesta parte, é que não agrada ao arguido a convicção a que chegou o tribunal em resultado da avaliação feita pelo mesmo efectuada da prova produzida em audiência de discussão e julgamento.

Ora, o recorrente poderá não concordar com a apreciação que nessa parte é feita pelo julgador, mas em momento algum a sua própria apreciação alternativa permite contrapor a decisão que foi adoptada e os alicerces da mesma, tendo–se já verificado que, nos aspectos essenciais assinalados, inexiste qualquer elemento de prova que imponha uma decisão diversa.

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, não se considera verificado qualquer erro de julgamento da matéria de facto dada por assente na decisão recorrida.

E em conformidade improcede esta parte do recurso.

2. De saber se na Sentença recorrida foram violados os princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo.

Argumenta ainda o recorrente que o tribunal recorrido, em sede de valoração dos elementos probatórios dos autos, desrespeitou o princípio da livre apreciação da prova previsto no art. 127º do Cód. de Processo Penal, pois que, pese embora o mesmo permita ao julgador que este aprecie a prova com base exclusiva no seu próprio entendimento, compreensão, de acordo com a sua própria convicção, e segundo regras de experiência, no presente caso os factos provados foram incorrectamente julgados, pelo que se imporia uma decisão diferente, nomeadamente, a absolvição por falta de prova ou prova insuficiente para condenar o aqui recorrente.

Nesta mesma perspectiva, mais invoca que, devendo o juiz no momento da decisão, sem partis pris ou prejuízo, basear-se apenas em provas para estabelecer a culpabilidade – não devendo partir da convicção ou da suposição de que o arguido é culpado (sendo certo que o recurso à presunção não pode ser a via aberta para suprir a falta de prova dos factos) –, no presente caso assim não sucedeu, tendo o tribunal a quo violado também o disposto no nº 2 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa.

Julga–se, contudo, e em face de quanto vem de se apreciar e decidir, que não foram violados os aludidos princípios.

Na verdade, e como se constata, o recorrente assenta esta parte da sua pretensão recursória no pressuposto de que a valoração da prova produzida nos autos deveria ter como resultado os termos por si próprio, enquanto recorrente, invocados em sede da respectiva impugnação.

Ou seja, a proposta recursiva do recorrente é a de que, devendo a prova ser analisada nos termos por si propugnados, então deve concluir–se que mal andou o tribunal a quo na sua análise, violando os princípios processuais aqui em causa.

Já vimos, porém, que assim não sucede.

Começando pelo princípio do in dúbio pro reo, é consabido que a condenação de uma pessoa pela prática de qualquer crime exige que a convicção positiva do julgador assente numa certeza que - alicerçada por sua vez em elementos probatórios concretos e seguros o bastante - afaste as dúvidas sobre essa mesma convicção. As exigências de segurança probatória em sede de julgamento criminal exigem um pouco mais do que uma mera indiciação de que o arguido alvo do mesmo estaria envolvido na prática material dos factos consubstanciadores do objecto processual em causa.

Donde, a ter-se por afectada a rigorosa certeza probatória que qualquer condenação penal exige como seu fundamento – quando, por via das circunstâncias ligadas à produção de prova nos autos se tenha por inquinado o processo de formação da convicção do Tribunal na correspondente parte – não será de assacar ao arguido a actuação imputada, sendo certo que é princípio basilar do Direito Penal o de que qualquer dúvida razoável na convicção do julgador deve ser valorada em benefício do arguido (in dubio pro reu).

Ou seja, um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido, conforme ensina Figueiredo Dias, em “Direito Processual Penal”, I, pág. 213.

O princípio em causa é, pois, violado quando o tribunal decide contra alguém tendo dúvidas consistentes nesse sentido e em relação à fiabilidade da prova.

Ora, em sede de recurso, a eventual violação desta manifestação do princípio da presunção de inocência plasmado no art. 32º/2 da Constituição da República Portuguesa, deve resultar seja do texto da decisão recorrida (de forma directa e imediata, decorrendo, inequivocamente, da motivação da convicção do tribunal explanada naquele texto), seja porque o tribunal considerou assentes factos duvidosos desfavoráveis ao arguido mesmo que não tenha manifestado ou sentido a dúvida, mesmo que não a reconheça (isto é, quando do confronto com a prova produzida se conclui que se impunha um estado de dúvida).

Porém, o princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos, é, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.

Como se escreveu no Acórdão da Relação de Coimbra de 10/12/2014 (proc. 155/13.4PBLMG.C1)[[17]], «a dúvida relevante de que cuidamos, não é a dúvida que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador, após a produção da prova, mas antes apenas a dúvida que o Julgador não logrou ultrapassar».

Ora, daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.

Pois bem, no caso vertente, o Tribunal a quo não se quedou por um non liquet de facto, ou seja, não permaneceu na dúvida razoável sobre os factos relevantes à decisão.

No presente caso, é inegável, analisando a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, que não se detecta qualquer estado de dúvida na explanação efectuada na motivação da decisão da matéria de facto, antes nela se manifesta uma convicção segura, pelo que não havia que lançar mão do princípio in dubio pro reo, destinado, como vimos, a fazer face aos estados dubitativos do julgador e não a dar resposta às dúvidas da recorrente sobre a matéria de facto, no contexto da valoração probatória por ela efectuada e com base na qual pretende ver substituída a convicção formada pelo tribunal a quo.

Fica, deste modo, afastada a invocada violação do princípio in dubio pro reo.

O princípio da livre apreciação da prova mostra–se expresso no art. 127º do Cód. Processo Penal, que prevê que «salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente».

O que tal significa e traduz é, como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/07/2021 (proc. 343/18.7SMPRT.P1)[[18]], que na apreciação e valoração dos elementos probatórios disponíveis e, assim, no processo de formação da sua convicção quanto à matéria de facto, «o julgador não está vinculado a conceções políticas ou ideológicas predefinidas ou a prova tarifada, podendo ajuizar as probabilidades das máximas da experiência necessárias à prova indirecta, exigindo-lhe que se liberte dos seus processos psicológicos e da sua moral pessoal, e se coloque numa posição imparcial». Como contraponto, a livre apreciação da prova tem sempre de se traduzir numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão de modo a que seja possível, por qualquer pessoa, entender porque é que o tribunal se convenceu de determinado facto, ou, dito de outro modo (porque é que o juiz conferiu credibilidade a uma testemunha e descredibilizou outra, por exemplo).

Como diz o Prof. Figueiredo Dias (em ‘Direito Processual Penal’, 1º Vol., págs. 202/203), «a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo ».

Ou seja, estamos perante um princípio basilar que, não obstante, não pode fazer perder de vista os próprios limites inerentes ao mesmo - e que determinam, acima de tudo, que não se está perante um poder discricionário, a usar pelo mesmo julgador sem qualquer critério.

A violação de tal princípio não se confunde, porém, só ocorrerá quando, maxime, o tribunal não enuncie todos os meios de prova produzidos e valorados ; ou quando não dê conta dos critérios adoptados na respectiva valoração, assim inviabilizando a compreensão da razão pela qual os factos plasmados na decisão foram dados como provados ou não ; ou quando a apreciação da prova não se revele criteriosa, e seja efectuada ao arrepio de critérios 1ógicos e objectivos, ou de elementares regras de experiência comum, fazendo uso desajustado dos princípios da imediação e da oralidade.

Porém, “Se a decisão factual do tribunal recorrido se baseia numa livre convicção objectivada numa fundamentação compreensível e naquela optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03/06/2015 (proc. 12/14.7GBSRT.C1)[[19]] –, inexistirá desrespeito do princípio em causa.

Pois bem contemplada a sentença de que se recorre e a correspondente valoração que da prova aí foi feita pelo tribunal a quo, crê–se manifesto que o percurso adoptado para a formação da convicção alcançada por este se mostra suficientemente objectivada e motivada.

No âmbito da sua decisão sobre a matéria de facto, o tribunal explana de forma criteriosa e completa o processo de formação da sua convicção, o que se traduz não apenas na indicação dos meios de prova utilizados, como na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas produzidas – ou seja, de tudo o que o julgador privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pela ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio que seguiu e das razões da sua convicção.

Tanto assim é, aliás, que de todo se divisa que na argumentação expendida em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto, o recorrente tenha tido a mais ténue dificuldade em compreender tal percurso de formação da convicção do tribunal recorrido e os critérios da mesma – questão muito diversa de com os mesmos concordar, ou não, materialmente.

Mostra–se assim possível aferir uma correcta utilização do princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127º do Cód. de Processo Penal, tendo em vista a verdade prático-jurídica baseada numa convicção objectivável e motivável.

Não se verifica, pois, que a sentença recorrida haja desrespeitado o princípio de livre apreciação probatória.

3. De saber se estão reunidos os pressupostos típicos do crime de violência doméstica pelo qual o arguido vem condenado.

Já em sede de recurso da Sentença em matéria de Direito, vem o arguido/recorrente discordar da adequação da qualificação jurídico penal dos factos enquanto crime de violência doméstica.

Perspectiva o recorrente a sua impugnação sob duas vertentes.

Assim, e por um lado, e na directa sequência da sua impugnação ampla do julgamento da matéria de facto, vem também aqui propugnar que a condenação decidida parte, erroneamente, do pressuposto de que o arguido e a ofendida mantinham uma relação de namoro, o que não corresponde à verdade, pois eram simplesmente amigos. Donde, o tribunal a quo nunca deveria ter condenado por crime de violência doméstica tal como previsto pelo art. 152º/1/b) do Cód. Penal.

Por outra parte, realça que o tipo legal de crime de violência doméstica apela a uma conduta que se traduza em maus-tratos, donde, como a própria expressão legal sugere, a acção não pode limitar-se a uma mera agressão física ou verbal, ou à simples violação de alguma ou algumas das liberdades da vítima, tuteladas por outros tipos legais de crimes. Assim, propugna, verdadeiramente o que temos no presente caso não é um comportamento que se enquadrem no aludido tipo legal – pelo que o arguido, a ser condenado, tendo em conta a prova produzida em audiência de julgamento, deveria sê–lo por um crime de ofensas a integridade física simples, p. e p. no art. 143° do Cód. Penal, operando–se a correspondente alteração da qualificação jurídica como previsto no art. 358°/3 do Cód. de Processo Penal.

Vejamos.

De acordo – na parte que aqui releva – com o disposto no art. 152º/1/b) do Cód. Penal, incorre na prática de um crime de violência doméstica, sendo punido com pena de prisão de dois a cinco anos, «Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns … A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro».

A especialidade que distingue este tipo de crime, e no que aos elementos típicos do mesmo respeita, passa desde logo pelos seguintes elementos :

- a existência de um especial relacionamento entre as pessoas do agente e do ofendido, no caso a já supra referenciada relação de namoro,

- e a verificação de um comportamento que, de forma reiterada ou não, viola aquele valor jurídico aqui protegido e que configure a prática de maus tratos físicos ou psíquicos.

A função da previsão típica de violência doméstica é, pois, prevenir as frequentes formas de violência no âmbito designadamente da família - quer na relação parental, quer na conjugal ou em realidades análogas, que, por normalmente assumirem uma forma subtil e envolverem uma actuação praticada no âmbito privado, fora da possibilidade de ser presenciada por terceiros, e aproveitando-se disso mesmo, particularmente colocam em crise o desenvolvimento harmonioso da personalidade e o bem-estar das pessoas.

Na actuação típica de crime de violência doméstica identifica–se, como primordial traço distintivo relativamente a actos típicos nomeadamente (na normalidade dos casos) de ofensas à integridade física, injúrias, ameaças ou outros, o pressuposto de estarmos perante uma situação de maus tratos.

Esses traços distintivos começam por encontrar–se na ponderação daqueles que são os bens jurídicos em causa na criminalização da violência doméstica.

De acordo com Plácido Conde Fernandes (in «Violência doméstica – novo quadro penal e processual penal», Revista do CEJ, nº 8 (especial), 1º semestre de 2008, págs. 304/308), esse bem jurídico é «a saúde enquanto manifestação da dignidade da pessoa humana e da garantia da integridade pessoal contra os tratos cruéis, degradantes ou desumanos, num bem jurídico complexo que abrange a tutela da sua saúde física, psíquica, emocional e moral».

Para André Lamas Leite (in «A violência relacional íntima», Revista Julgar, nº 12, Novembro de 2010, pág. 49), «o fundamento último das acções abrangidas pelo tipo reconduz-se ao asseguramento das condições de livre desenvolvimento da personalidade de um indivíduo no âmbito de uma relação interpessoal próxima, de tipo familiar ou análogo».

A propósito desta caracterização, podem citar–se, sem preocupações de exaustão, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/04/2012 (proc. 632/10.9PBAVR.C1)[[20]], onde se escreveu que «o bem jurídico protegido no crime de violência doméstica, agora autonomizado do crime de maus tratos a que alude o art.152-A, do Código Penal, continua a ser plural, complexo, abrangendo a integridade corporal, saúde física e psíquica e a dignidade da pessoa humana, em contexto de relação conjugal ou análoga e, atualmente, mesmo após cessar essa relação», ou o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08/09/2020 (proc. 672/19.2GBAMT.P1)[[21]], no qual se escreve que «Característica indelével do crime de violência doméstica é o seu bem jurídico, que lhe confere não apenas autonomia mas legitimidade constitucional (artº 18º CRP) de interferência / regulação/ limitação, nas relações humanas e sociais, num âmbito específico destas (relações familiares ou análogas). Assim fundamental na apreciação de tal ilícito é que os factos em que se desdobra (ou o facto em que se traduz - pois que tanto pode ser um como vários - de modo reiterado ou não, infligir maus tratos – artº 152º 1 CP) signifiquem a afectação da dignidade pessoal da vítima através do seu desrespeito como pessoa traduzida a mais das vezes no desejo de sujeição/dominação sobre a mesma e a sua manipulação. Dos termos legais do artº 152º1 CP resulta a nosso ver que o conceito de violência doméstica podendo traduzir-se em actos reiterados ou não, deles têm de resultar “maus tratos físicos ou psíquicos”» ; no mesmo sentido os Acórdãos, também do Tribunal da Relação do Porto, de 13/01/2021 (proc. 799/18.8GBPNF.P1)[[22]] e de 28/04/2021 (proc. 668/19.4GAFLG.P1)[[23]].

Por isso, onde se sustenta aquele algo mais relativamente aos ‘meros’ crimes que visam punir isoladas ofensas corporais ou morais das vítimas, é desde logo na remissão deste tipo legal para a noção de maus tratos (físicos ou psíquicos), e não já na sua pluralidade ou sequer na sua gravidade objectiva em termos de sequelas físicas ou psíquicas.

Em suma, estamos perante um bem jurídico que é complexo, pluriofensivo, protegendo em primeira linha, a saúde da vítima e ainda, de forma reflexa ou secundária, uma especial relação de confiança e/ou de convivência, posta em perigo ou efectivamente lesada com a prática da conduta típica, tudo estando na capacidade dessa ofensa para pôr em causa a pacífica convivência familiar, parafamiliar ou doméstica, e abalar a confiança da vítima no seu agressor.

Não poderá, finalmente, perder–se de vista, e agora adentrando também no âmbito do tipo subjectivo deste crime, que o traço distintivo da violência doméstica, e que releva para a consideração de estarmos perante um caso de tutela jurídico–penal que visa proteger mais do que a soma dos diversos ilícitos típicos que o podem preencher (como ofensas à integridade física, injúrias ou ameaças), é o contexto motivacional que determina a actuação que é levada a cabo pelo respectivo agente.

No crime de violência doméstica, o agente dos factos actua com o intuito assumido de desrespeitar os interesses juridicamente protegidos de natureza pessoal, não de qualquer sujeito, mas de uma pessoa (ofendido) que mantém – ou manteve – consigo um relacionamento e uma ligação de natureza emocional e com carácter de estabilidade, que determinou uma vivência comum, e assim um especial dever de respeito independentemente das circunstâncias em que, porventura, tal relacionamento haja cessado.

Assim, e como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04/06/2018 (proc. 121/15.5GAVFL.G1)[[24]], «embora o tipo legal de violência doméstica abranja acções típicas que já encontram previsão noutros tipos legais, o seu fundamento deve ser encontrado na protecção de quem, no âmbito de uma concreta relação interpessoal, vê a sua integridade pessoal, liberdade e segurança ameaçadas com tais condutas, sendo, pois, o enfoque colocado na situação relacional existente entre agressor e vítima» – sublinhado agora aposto.

Do que deve ponderar–se também é, pois, do intuito do agente e da susceptibilidade de os seus actos determinarem uma tal vivência, e o facto de por essa forma se desrespeitar um especial relacionamento pessoal (tipificado) com a pessoa ofendida.

Ora, perante todo este conjunto de considerações, e revertendo–as ao caso dos autos, considera–se desde logo, e no que se reporta à primeira vertente da impugnação do recorrente nesta parte, que não pode, porém, ter sucesso tal via recursória.

Na verdade, e sucintamente, tal pretensão assentava em pressupostos que, como resulta da análise já acima efectuada, não se verificam.

Tais pressupostos passavam, naturalmente, pela procedência das alterações pelas quais o arguido pugnava relativamente à matéria de facto assente, por via do recurso em sede de matéria de facto que vinha efectuado – muito em especial, neste segmento, no sentido da não demonstração que entre arguido e ofendida existisse, à data dos factos, uma relação de namoro nos termos e para os efeitos tipificados na alínea b) do art. 152º/1 do Cód. Penal.

Era, pois, a inversão do sentido pelo qual o ponto da matéria de facto ali impugnado se mostra considerado na sentença recorrida, que sustentaria, aqui a jusante, o não preenchimento liminar de tal pressuposto de tipicidade do crime em causa por parte do arguido.

Ora, com relação a tais factos vimos já não merecer censura a sentença recorrida, devendo assim ser mantida integralmente a sua decisão quanto a tal matéria.

Isto é, decidido e assente se mostra que deverá prevalecer a consideração de que efectivamente entre arguido e ofendida existia uma relação de namoro para os efeitos jurídico–penais aqui em causa.

Assim, o relacionamento existente entre arguido e ofendida é, à partida, tipicamente adequado à ponderação sobre a verificação dos demais pressupostos do crime de violência doméstica imputado – cabendo, pois, levar a cabo tal tarefa «fazendo apelo ao bem jurídico que se quer proteger, aferindo se esse bem jurídico se encontra efetivamente lesado, se essa lesão é significante, e a tudo procedendo tendo ainda em conta o referente jurisprudencial e a reflexão doutrinária. Em suma, compete ao julgador, em cada caso novo, que traz sempre a dificuldade de caso-não-resolvido, diagnosticar se se está, ou não, em presença de um abuso de situações de poder no âmbito de determinadas relações afectivas, com degradação da integridade pessoal da pessoa-vítima» – cfr. referido por Ana Barata Brito, em ob. citada, pág. 53.

Isso fazendo, e reportando já à restante e substancial vertente da impugnação da qualificação jurídico–penal que vem decidida, considera–se que efectivamente o arguido preencheu também os demais pressupostos de tipicidade e ilicitude ínsitos na previsão criminal de violência doméstica pela qual vem condenado.

Assim, considera–se que a conduta do arguido, pese embora traduzida numa actuação temporalmente unitária e delimitada, perpetrado sobre a pessoa da ofendida, é reveladora de um comportamento determinado de agressivamente perturbar e constranger a ofendida através da prática de um conjunto de actos claramente susceptíveis de violar a sua integridade física e psíquica, bem como a consideração e honra pessoais que lhe são devidas.

Neste exacto sentido, também não poe deixar de se ponderar em que os concretos gestos de agressão física objectivamente assumem uma dimensão material algo grave, mesmo na economia da norma aqui em questão e à luz do vasto bem jurídico pela mesma protegido – recorde–se que o arguido não apenas desferiu um soco na cara da ofendida, como depois a arrastou pelo chão, puxando–a pela mala que a ofendida trazia a tiracolo, o que lhe esganava o pescoço, de tal forma que em resultado da força imprimida a alça da carteira rebentou. São, nesta perspectiva, e como bem assinala a decisão recorrida, elucidativas a variedade e extensão das lesões sofridas pela ofendida.

Acresce que tai actos de agressão física se mostram acompanhados de outros – quer a destruição parcial e subtracção do telemóvel, quer ainda a perseguição à ofendida e invasão abrupta do seu espaço habitacional contra a sua vontade – que, além de traduzirem clara ofensa àqueles valores morais protegidos da ofendida, robustecem a sua categorização típica criminal por via da constatação de a actuação assim levada a cabo ter tido como única, exclusiva e singela causa o facto de o arguido não ter gostado a decisão de a ofendida não pretender pernoitar consigo.

Ou seja, foi por uma questão directa e imediatamente imanente do núcleo relacional de natureza conjugal do casal, que aquelas agressões e actuações ocorreram. O arguido agrediu física e moralmente a ofendida precisamente por um motivo intimamente ligado a esse relacionamento, revelando todo o circunstancialismo da sua actuação um particular desrespeito pela integridade da ofendida, que de tal forma desvalorizou na ponderação com um mero desentendimento e ocasional rejeição de contactos, que não hesitou em julgar adequado ofender a primeira com as ditas agressões por não ser do seu agrado os segundos.

Realça–se que o que está em causa na qualificação aqui em causa, e ao contrário do propugnado pelo recorrente, mais do que a gravidade objectiva das consequências determinadas pela actuação do agente, é sim aquilo que a respectiva prática revela por via de uma especialmente acentuada desconsideração por determinado conjunto de valores que se revelam no caso concreto.

Neste conspecto, considera–se que essa especial motivação do agente determina a conclusão de que no âmbito da sua actuação se divisa uma procura de amesquinhar a pessoa da sua namorada, recorrendo a um conjunto de actos que prejudica a sua saúde física e psíquica, assim a mal–tratando.

Em suma, e ao contrário do que defende o arguido/recorrente, temos de concluir que bem andou a primeira instância ao subsumir a apurada conduta do arguido no crime de violência doméstica, nos termos em que pelo mesmo vem condenado.

Improcede, assim, esta derradeira pretensão recursória.


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III. DECISÃO

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em não conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas da responsabilidade do recorrente, fixando-se em 4 U.C.´s a taxa de justiça (cfr. art. 513º do Cód. de Processo Penal e 8º/9 do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último).


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Porto, 5 de Junho de 2024

Pedro Afonso Lucas

Donas Botto

Maria Luísa Arantes


(Texto elaborado pelo primeiro signatário como relator, e revisto integralmente pelos subscritores – sendo as respectivas assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo da primeira página)

________________________
[[1]] Relatado por Nuno Gomes da Silva, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[[2]] Relatado por Arménio Sottomayor, acedido em https://www.stj.pt  
[[3]] Relatados ambos por Simas Santos, e acedidos em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[[4]] Relatado por Oliveira Mendes, acedido em www.dgsi.pt/jtstj.nsf
[[5]] Relatado por Pedro Vaz Pato, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[[6]] Relatado por Afonso Correia, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[[7]] Relatado por Leal Henriques, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[[8]] Disponível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040198.html  
[[9]] Relatado por Orlando Gonçalves, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf
[[10]] Relatado por Simas Santos, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[[11]] Relatado por Luís Ramos, disponível em www.dgsi.pt/jtrc.nsf.
[[12]] Disponível em https://tre.tribunais.org.pt/fileadmin/user_upload/docs/criminal/RELACAO_DE_NAMORO_VIOLENCIA_DOMESTICA.pdf 
[[13]] Disponível em https://tre.tribunais.org.pt/fileadmin/user_upload/docs/criminal/Alter_Cod_Penal_Lei_19-2013.pdf
[[14]] Disponível em “Col. Jurisprudência”, Ano XLIV, tomo III, pg. 161 .
[[15]] Relatado por Horácio Correia Pinto, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[[16]] Relatado por Maria Joana Grácio, não publicado.
[[17]] Relatado por Vasques Osório, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf
[[18]] Relatado por Nuno Pires Salpico, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[[19]] Relatado por Fernando Chaves, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf
[[20]] Relatado por Orlando Gonçalves, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf
[[21]] Relatado por José Carreto, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[[22]] Relatado por Pedro Vaz Pato, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[[23]] Relatado por Paulo Costa, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[[24]] Relatado por Jorge Bispo, acedido em www.dgsi.pt/jtrg.nsf