Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANA LUÍSA LOUREIRO | ||
Descritores: | PROVA PERICIAL INDEFERIMENTO | ||
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Nº do Documento: | RP202501232369/21.4T8PNF-C.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/23/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGAÇÃO PARCIAL | ||
Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Nos termos do disposto no art. 388.º do Cód. Civil, a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial. II - O indeferimento do requerimento de produção de prova pericial pressupõe que esta, atento o seu objeto, se mostre impertinente – não respeite aos factos (controvertidos) relevantes para a decisão final – ou dilatória – apesar de respeitar a factos (controvertidos) relevantes para a decisão final, o apuramento de tal factualidade não exige os conhecimentos especiais inerentes a tal meio de prova. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo 2369/21.4T8PNF-C.P1 – Apelação
Tribunal a quo Juízo Central Cível de Penafiel – Juiz 2
Recorrente(s) A..., S.A. Recorrido(a/s) AA BB
*** Sumário: …………………………….. …………………………….. …………………………….. *** Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
Identificação das partes e indicação do objeto do litígio
Os autores AA e BB intentaram ação de processo comum contra a ré A..., S.A., peticionando a condenação desta: A) A concorrer para a demarcação das estremas entre o prédio dos AA. e os prédios contíguos da Ré; B) A reconhecer e ver declarado que essa demarcação deverá ser feita pela linha divisória, traçada a cor vermelha, entre os mencionados prédios contíguos ou confinantes, de Autores e Ré, nas confrontações norte e poente (na perspetiva dos AA.) e sul e nascente (na perspetiva da R.) definida na planta topográfica, à escala 1/500, já junta por certidão como doc. n.º 20, e conforme foi decidido pelo douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 17-01-2021, transitado em julgado. Fundamentam tais pedidos, em síntese, na alegação de que são proprietários do prédio rústico de terreno a pastagem, com a área de 11.247 m2 inscrito na matriz predial rústica da União das Freguesias ..., concelho de Paços de Ferreira, sob o artigo matricial ...77 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o n.º ...06 – freguesia ..., ali registado a favor dos AA. pela AP ... de 1994/11/04, prédio esse que abrange (inclui) uma faixa de terreno com a área de 1.850 m2, faixa de terreno essa que confronta a norte com prédio da ré, a sul com regato que existe dentro do (atravessa o) referido prédio com a área de 11.247 m2, a nascente com a A-42, e a poente com o caminho (ocupado pela ré), pelo que a delimitação entre os 5 prédios contíguos da ré (que identifica no art. 5.º da petição inicial) e o referido prédio dos autores, nas confrontações norte do prédio dos autores e sul do prédio da ré e confrontações poente do prédio dos autores e nascente do prédio da ré é a que está definida no levantamento topográfico, a verde, junto como doc. n.º 15 e assinalada a vermelho na planta junta como doc. nº 20, existindo desacordo entre autores e ré no que concerne a tal delimitação dos limites dos prédios na parte da sua confrontação norte/sul e poente/nascente. Requereram ainda, no âmbito da indicação dos meios de prova, a realização de perícia colegial, nos seguintes termos:
A ré A..., S.A., contestou, por exceção – invocando a existência de caso julgado decorrente da sentença transitada em julgado proferida no processo que correu termos com o n.º 839/19.3T8PNF – e por impugnação. Alegou, em síntese e no que aqui releva, que a faixa de terreno com a área de 1.850 m2 que os autores alegam que integra o seu prédio com a área de 11.247 m2 com o artigo matricial ...77 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o n.º ...06 (parcela que foi reivindicada pelos autores na referida ação n.º 839/19.3T8PNF), fica para lá do limite norte do prédio dos autores, o qual confronta, a norte, com o ribeiro público. Mais alega ter adquirido, por escritura pública de compra e venda outorgada em 17/03/2017 com o vendedor Engº. CC, a propriedade do prédio rústico denominado “...”, sito no lugar ... ou ..., na freguesia .../.... inscrito na matriz sob o artigo ...70 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira com o n.º ...97, o qual confronta do sul com regato, pelo que a delimitação entre o prédio dos autores e este prédio da ré, na parte em que o prédio dos autores confronta, pelo seu lado norte, com o lado sul daquele prédio da ré, é feita pelo ribeiro público aí existente, concluindo pela improcedência da ação e absolvição da ré do pedido.
Em 01-12-2021 foi proferido despacho saneador que, conhecendo da exceção de caso julgado formado pela decisão proferida no processo que, sob o n.º 839/19.3T8PNF, correu termos no Juízo Central Cível de Penafiel (J2), invocada pela ré na contestação, absolveu a ré da instância. Tal decisão de absolvição da ré da instância foi revogada pelo Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 23-05-2022, que veio a transitar em julgado, prosseguindo os autos os seus termos. Realizada audiência prévia, foi proferido em 04-04-2024 o despacho de identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas da prova a que alude o art. 596.º do Cód. Proc. Civil. Em 15-04-2024 a ré apresentou reclamação do despacho de 04-04-2024, quer quanto ao objeto proposto para o litígio, quer quanto à factualidade assente e controvertida. Pronunciou-se ainda quanto ao requerimento de prova pericial apresentado pelos autores na petição inicial, defendendo a inadmissibilidade dos quesitos 2.º e 3.º por não caber no objeto da ação de demarcação (proceder à demarcação de prédios confinantes cujas estremas sejam incertas) a definição dos meios a utilizar (marcos ou tempo necessário à sua colocação) na sua execução, e o indeferimento do quesito 1.º, por colocar os peritos na circunstância de se pronunciarem sobre a demarcação pretendida pelos autores em vez de se reportar às questões que integram a causa de pedir e que importa apurar: existência de propriedade confinante e estremas incertas ou discutidas. A ré requereu ainda a ampliação da perícia nos seguintes termos: Em 16-04-2024 os autores apresentaram reclamação do despacho de 04-04-2024 quanto à factualidade assente e controvertida. Em 17-04-2024 os autores apresentaram requerimento de alteração e adaptação do requerimento probatório anteriormente apresentado, requerendo, no que aqui releva: Em 23-04-2024 a ré pronunciou-se sobre o requerimento probatório apresentado pelos autores, designadamente, e no que aqui releva, sobre a requerida prova pericial, reiterando a posição manifestada no requerimento de 15-04-2024 quanto ao indeferimento dos quesitos 1.º a 3.º e defendendo, quanto aos demais, o seu indeferimento, por inadmissíveis e irrelevantes.
Em 28-05-2024 foi proferido despacho que apreciou as reclamações apresentadas pelas partes, deferindo parcialmente o requerimento de reclamação apresentado pela ré e indeferindo o requerimento de reclamação apresentado pelos autores, tendo sido fixado o Objeto do Litígio e os Temas da Prova, no que aqui releva, nos seguintes moldes (conforme despacho retificado aí proferido – ref. 95420156): Nesse mesmo despacho, o tribunal recorrido, quanto ao requerimento de realização de prova pericial dos autores e requerimento de ampliação da perícia apresentado pela ré, pronunciou-se nos seguintes termos: * Indeferida a perícia com o objeto proposto pelos Autores, torna-se inviável a ampliação do respetivo objeto.Porque assim, determina-se a notificação da Ré para esclarecer se pretende a realização de perícia com o objeto proposto no seu requerimento de 15/4. (…)».
Em 12-06-2024 a ré apresentou requerimento, no que aqui releva, com o seguinte teor:
Em 27-06-2024 os autores, exercendo o contraditório quanto ao requerimento da ré de 12-06-2024 supra referido, pronunciaram-se nos seguintes termos:
Em 08-07-2024 a ré apresenta requerimento em que se pronuncia sobre o requerimento dos autores que antecede.
Em 10-07-2024 o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação deste despacho, concluindo, no essencial: Conclui pela revogação do despacho recorrido e sua substituição por decisão que ordene a realização da perícia com o objeto proposto.
Não foi apresentada resposta.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II – Questões a decidir:
Atentas as conclusões da alegação de recurso, cumpre apreciar se existe erro de julgamento do tribunal recorrido no despacho de indeferimento da prova pericial requerida pela ré, com o objeto por si indicado. Acresce a responsabilidade por custas.
III – Fundamentação:
Os factos a considerar para a apreciação do recurso são os que estão descritos no relatório antecedente.
Análise dos factos e aplicação da lei
São as seguintes as questões de direito parcelares a abordar:
A prova pericial é, a par de outros (por exemplo, prova por documentos; prova por confissão e por declarações de parte; inspeção judicial; prova testemunhal), um meio de prova, que tem por função a demonstração da realidade dos factos – art. 341.º do Cód. Civil – que estão controvertidos no processo – art. 410.º do Cód. Proc. Civil. Nos termos do disposto no art. 388.º do Cód. Civil, a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial. O que caracteriza e distingue a prova pericial de outros meios de prova (designadamente, da prova testemunhal) é a função caraterística do perito - «captar e recolher o facto para o apreciar como técnico, para emitir sobre ele um juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem.» - cfr. Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, pág.171. Como é referido por Luís Filipe Pereira de Sousa, Direito Probatório Material, 3.ª Edição, Almedina, págs. 204 e 205, «[o] traço definidor da prova pericial é, de facto, o de se chamar ao processo alguém que tem conhecimentos especializados em determinados aspetos de uma ciência ou arte para auxiliar o julgador, facultando-lhe informação sobre máximas de experiência técnica que o julgador não possui, e que são relevantes para a perceção e apreciação dos factos controvertidos. Em regra, além de facultar ao julgador o conhecimento dessas máximas de experiência técnica, o perito veicula a ilação concreta que se justifica no processo, construída a partir de tais máximas de experiência. (…) [Quanto ao objeto da perícia, a] prova pericial pode ter por objeto factos, máximas de experiência e prova sobre prova. Quando incide sobre factos, a prova pericial pode visar a afirmação de um juízo de certeza sobre os mesmos ou a valoração de factos ou circunstâncias. Como exemplos da primeira situação, temos uma perícia para determinar a área de um terreno ou a perícia sobre o ADN de alguém. Exemplos da segunda situação, serão uma perícia para determinar as causas dos defeitos de um edifício (facto passado) ou os efeitos das lesões corporais (facto futuro). A função do perito é aqui a de fazer um labor de reconstrução dos factos do passado e de estabelecer uma relação de causa-efeito ou de fazer uma projeção dos efeitos futuros dos factos de acordo com a mesma relação causa-efeito, respetivamente. Podemos distinguir entre uma perícia cientificamente objetiva e uma perícia de opinião. A primeira ocorre quando o objeto da mesma é apenas verificar a exatidão de algum enunciado fáctico feito pela parte, operando por uma metodologia que só pode dar um resultado, v.g., medir a área de um terreno ou um exame de DNA. Na perícia de opinião a regra é da admissibilidade de resultados contraditórios que terá de ser objeto de adequada valoração. A prova pericial tem por objeto máximas de experiência quando o labor pericial visa apenas proporcionar ao juiz regras ou princípios técnicos para que este, recorrendo aos mesmos, possa conhecer ou apreciar os factos. Atua nestes mesmos moldes o técnico que o juiz pode nomear para o elucidar sobre a averiguação e interpretação de factos que o juiz se propõe observar – cf. art. 492.º, n.º 1, do CPC. A prova pericial integra uma prova sobre prova quando versa sobre a valoração de outro meio de prova ou quando visa conhecer o conteúdo e sentido de outra prova. Pense-se no exame grafológico ou na tentativa de recuperar o que consta duma gravação sonora imperfeita.».
Nos termos do disposto no art. 475.º do Cód. Proc. Civil, ao requerer a perícia, a parte tem que indicar logo, sob pena de rejeição, o respetivo objeto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência, podendo a perícia reportar-se quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária. É perante tal indicação do objeto da perícia requerida e enunciação das questões de facto a esclarecer (em concreto) através da perícia que é possível formular um juízo sobre a admissibilidade (pertinência e necessidade) de tal meio de prova, atenta a sua finalidade (objeto em abstrato) definida no art. 388.º do Cód. Civil, nos moldes acima analisados. Dispõe o art. 476.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil que, perante o requerimento de prova pericial, se o juiz entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição. A perícia é impertinente quando não respeita aos factos (controvertidos) relevantes para a decisão final e é dilatória quando, embora respeitando a factos (controvertidos) relevantes para a decisão final, o seu apuramento não exige os conhecimentos especiais que a prova pericial pressupõe (art. 388.º do Cód. Civil) – cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª Edição, Almedina, junho 2017, págs. 325 e 326; António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pág. 539.
Cumpre, assim, aferir se o objeto da perícia requerida pela ré apelante respeita a factos (controvertidos) relevantes para a decisão final cujo apuramento exige os conhecimentos especiais inerentes a tal meio de prova e se para o apuramento de tais factos são necessários conhecimentos especiais.
Resulta do teor do requerimento da ré/apelante de 12-06-2024 e da remissão aí efetuada para o seu anterior requerimento de 15-04-2024 que a ré indicou como objeto da perícia “aferir da cofinância dos prédios de autores e da ré, se sim, que prédios da ré, em concreto confinam com o prédio dos autores, bem como da sua específica demarcação”, tendo apresentado os seguintes 5 quesitos: Através da presente ação pretendem os autores que seja efetuada a demarcação das estremas entre o prédio de que são proprietários (referido em 1 dos factos assentes elencados no despacho de 28-05-2024) e os 5 prédios confinantes da ré (referidos em 3 dos factos assentes elencados no despacho de 28-05-2024) pela linha divisória, traçada a cor vermelha, entre os mencionados prédios contíguos ou confinantes nas confrontações norte e poente (na perspetiva dos autores) e sul e nascente (na perspetiva da ré) definida na planta topográfica, à escala 1/500, que juntaram como doc. 20. A ré defende, na contestação, que o limite norte do prédio de que os autores são proprietários (referido em 1 dos factos assentes elencados no despacho de 28-05-2024) é o ribeiro público aí existente, que separa o referido prédio dos autores de um outro prédio da ré (distinto dos prédios referidos em 3 dos factos assentes elencados no despacho de 28-05-2024), que é o prédio referido em 28 dos factos assentes elencados naquele mesmo despacho. A ré impugna, por conseguinte, a alegação de existência de confrontação entre o prédio dos autores e os seus prédios descritos em 3 dos factos assentes, alegando ainda que tal confrontação também não existe relativamente ao seu prédio referido em 28 dos factos assentes, porque a delimitação entre o prédio dos autores (a norte) e esse seu prédio (a sul), é feita pelo ribeiro ou regato. Ora, tanto a questão da cofinancia física entre o prédio dos autores e os cinco prédios da ré (referidos em 3 dos factos assentes) como a definição das estremas do prédio dos autores face aos prédios da ré referidos em 3 dos factos assentes (a alegação dos autores é que são estes os prédios da ré que confinam com o seu prédio) é matéria expressamente referida pelo tribunal recorrido como matéria controvertida (pontos 1 e 2 dos ‘Factos controvertidos’ elencados no despacho de 28-05-2024). Por outro lado, considerando a causa de pedir da presente ação (composta pela alegação de existirem prédios confinantes, de os autores serem proprietários de um deles, e de haver incerteza quanto à delimitação recíproca) e a previsão normativa em que a mesma se insere (artigos 1353.º e 1354.º do Código Civil) [1], assume claramente relevância para a decisão a proferir o apuramento da concreta localização do regato. Vejam-se as diferentes referências feitas a tal regato na petição inicial, na contestação, e nos títulos de aquisição do prédio da autora, seja enquanto limite desse prédio dos autores – ver, por exemplo, os arts. 71.º, 74.º, 76.º, 77.º, 79.º, 81.º da contestação; o teor dos documentos referidos nos pontos 6, 21 e 22 dos factos assentes –, seja como atravessando o referido prédio dos autores – ver, por exemplo, os arts. 1.º, 42.º, 44.º e 45.º da petição inicial –, seja também como constituindo o limite do prédio da ré referido em 28 dos factos assentes – ver o teor da escritura pública outorgada em 17/03/2017 referida no ponto 28 dos factos assentes e os arts. 70.º, 100.º e 101.º da contestação. De igual modo assume relevância a concreta localização e configuração do prédio dos autores (e dos prédios dos réus) no terreno, desde logo considerando o teor dos títulos de aquisição dos respetivos imóveis – inclusive para se poder apurar da situação de (in)existência de confrontação entre o prédio dos autores e cada um dos prédios da ré (os referidos em 3 e, também o referido em 28), sendo que a (in)existência de confrontação entre o prédio dos autores e os prédios da ré referidos em 3 dos factos assentes integra matéria expressamente elencada pelo tribunal recorrido na seleção efetuada da factualidade controvertida (ver ponto 1. dos factos controvertidos elencados no despacho de 28-05-2024). Veja-se o que dispõe o art. 1354.º do Cód. Civil quanto ao modo de proceder à demarcação: Artigo 1354.º (Modo de proceder à demarcação) 1. A demarcação é feita de conformidade com os títulos de cada um e, na falta de títulos suficientes, de harmonia com a posse em que estejam os confinantes ou segundo o que resultar de outros meios de prova. 2. Se os títulos não determinarem os limites dos prédios ou a área pertencente a cada proprietário, e a questão não puder ser resolvida pela posse ou por outro meio de prova, a demarcação faz-se distribuindo o terreno em litígio por partes iguais. 3. Se os títulos indicarem um espaço maior ou menor do que o abrangido pela totalidade do terreno, atribuir-se-á a falta ou o acréscimo proporcionalmente à parte de cada um.
Verifica-se assim que as questões de facto elencadas pela ré como matéria a ser apreciada e respondida no âmbito da prova pericial requerida assumem relevância neste âmbito, considerando desde logo as descrições dos limites do prédio do qual o prédio referido em 1 dos factos assentes foi desanexado, nomeadamente, referentes às confrontações de tal prédio com ‘ribeiro e limite da freguesia’ (ver, entre outros, arts. 83.º a 85.º da contestação) e o teor dos pontos 5 a 8 e 19 a 22 dos factos assentes elencados no despacho de 28-05-2024. Consta ainda dos pontos 28 e 29 dos factos assentes elencados no despacho proferido em 28-05-2024, nomeadamente no título de aquisição desse prédio, a referência à sua confrontação “de sul com Regato, sito no lugar ... ou ..., na freguesia .../...”. A circunstância das questões de facto apresentadas pela apelante não constarem do elenco dos factos controvertidos constante do despacho de 28-05-2024 em nada obsta a que as mesmas sejam esclarecidas no âmbito da perícia, desde logo, porque podem ser objeto de perícia pontos de facto instrumentais (veja-se, designadamente, a alegação efetuada pela ré na contestação quanto ao concelho em que se localiza o prédio dos autores – arts. 72.º, 73.º, 75.º, 76.º, 126.º, 129.º a 131.º da contestação; a alegação feita pelos autores no art. 3.º da Petição Inicial) – assim, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pág. 325; na jurisprudência, Ac. do TRP de 03-12-2013, proc. 2002/11.2TBVCD.P1.
A perícia requerida não é, assim, impertinente.
O tribunal recorrido indeferiu “as questões suscitadas pela ré”, “pelas razões aduzidas pelos Autores, às quais se adere e aqui se dão por reproduzidas” e “por se afigurar, de igual modo (…) não serem necessários especiais conhecimentos técnicos para a sua apreciação.” Atenta a adesão da decisão recorrida à fundamentação da oposição dos autores de 27-06-2024, considerou o tribunal a quo, na fundamentação da conclusão da desnecessidade de conhecimentos especiais para o apuramento das questões indicadas pela ré, o seguinte: – Quanto aos quesitos 1, 2, 3 e 4, a ré formula as questões por forma a instruir os peritos a pronunciar a resposta que pretendem; – Que tais quesitos se reportam a informação objetiva constante de documentos – a CAOP (Carta Administrativa Oficial de Portugal) que é um instrumento de gestão territorial vertido em diplomas legais cujas normas jurídicas são publicadas e de acesso por parte dos operadores judiciários – cuja análise, interpretação e conclusões competem exclusivamente ao tribunal, não revestindo tais informações qualquer complexidade técnica que o Tribunal careça de análise especializada por recurso a “peritos em engenharia”, tal como sucede, relativamente ao quesito 4, quanto à leitura e interpretação das cadernetas prediais e das certidões do registo predial dos prédios em lide.
Não colhe a objeção quanto à admissibilidade dos quesitos 1 a 4 fundada na alegação de as questões induzirem/condicionarem a resposta dos peritos ‘no sentido pretendido pela ré’: aos quesitos enunciados em 1 [Se existe um regato com curso de leito no sentido Poente – Nascente que passa debaixo das Instalações da R. A..., S.A. e que segue no sentido da Freguesia ..., Concelho de Paredes] e 2 [A linha do referido Regato é, de acordo com a Carta Administrativa Oficial de Portugal (CAOP) emitida pela Direcção-Geral Território, o limite entre o Concelho de Paredes, Freguesia ... a Sul e o Concelho de Paços de Ferreira, Freguesia ... a Norte?] pode ser dada uma resposta afirmativa ou uma resposta negativa (ou uma eventual resposta explicativa, caso se verifique/constate uma situação que não se compreende na dicotomia sim/não); de igual modo a questão 3 [A parcela de terreno em discussão nos autos a Norte do referido Regato, de acordo com a Carta Administrativa Oficial de Portugal (CAOP) emitida pela Direcção-Geral Território, encontra-se no Concelho de Paredes ou no Concelho de Paços de Ferreira?] admite uma resposta explicativa no caso de se constatar não ser exata a resposta à questão nos moldes colocados: localização (integral) da parcela em discussão num concelho ou noutro. Quanto ao quesito 4 [A considerar-se a linha divisória indicada pelos AA. na PI, onde se situa o prédio da R. que confronta a Sul com Regato na conservatória e na matriz, pelo menos desde 1982, referido em 66º da Contestação?], sendo certo que a redação não é a mais feliz nem a mais bem conseguida, afigura-se-nos que uma má formulação da questão (mesmo nos casos em que a formulação seja passível de ‘induzir’ os peritos a uma resposta em determinado sentido) nunca legitimaria, por si só, o indeferimento da perícia, antes justificando (apenas) o indeferimento da formulação apresentada e – desde que o que se pretende apurar se reporte a factos (controvertidos) relevantes para a decisão final, cujo apuramento exige os conhecimentos especiais inerentes a prova pericial – a devida (re)formulação pelo tribunal, no âmbito do despacho previsto no n.º 2 do art. 476.º do Cód. Proc. Civil, da questão de facto a apreciar, substituindo a formulação tendenciosa da questão por uma formulação objetiva (o que sempre constituirá um minus face à possibilidade, expressamente prevista no art. 476.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, de ampliação oficiosa do objeto da perícia – sobre o assunto, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., ponto 2., pág. 326 e 327).
A matéria de facto pertinente a apurar integrada neste quesito reporta-se à definição da configuração e localização do prédio da ré referido no art. 66.º da Contestação (ponto 28. dos factos assentes elencados no despacho de 28-05-2024), face à descrição do referido prédio efetuada no título aquisitivo respetivo (a escritura de compra e venda outorgada em 17 de março de 2017 junta com a contestação como documento 6, ou seja, «prédio rústico, denominado ‘..., composto de mato, com a área de mil oitocentos e cinquenta metros quadrados, a confrontar de norte com PP, de sul com Regato, de nascente com Limite de Concelho e de poente com Caminho, sito no Lugar ... ou ... ou ..., da freguesia ..., concelho de Paços de Ferreira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o número ..., da referida freguesia, onde se mostra registada a aquisição a favor de HH e marido GG, conforme inscrição Ap. Um, de trinta de março de mil novecentos e sessenta e cinco.») e indicação/esclarecimento se tal configuração assim determinada abrange / sobrepõe-se / ocupa alguma parte do prédio que se encontra delimitado por linha vermelha na planta junta como doc. 20 e, em caso afirmativo, em que medida (área e configuração).
Também discordamos da consideração de que o apuramento das questões de facto suscitadas pela ré não exige quaisquer conhecimentos técnicos particulares distintos dos conhecimentos jurídicos que o tribunal tem que ter, com o fundamento de que apenas está em causa a análise de ‘informação objetiva’ constante de documentos juntos aos autos (certidões dos registos prediais e certidões matriciais dos prédios) e que constam da CAOP (Carta Administrativa Oficial de Portugal), diploma legal acessível aos operadores judiciários. Desde logo, e no que concerne ao apuramento (localização) do regato referido no quesito 1, consta alegado pelos autores no art. 14.º da Petição Inicial que em «(…) março de 2000 houve um acordo extrajudicial (…) mediante o qual os AA. (…) cederam à Ré (…) uma outra parcela ou faixa de terreno do seu prédio, atravessada pelo ribeiro, que então corria a céu aberto e posteriormente foi entubado pela R., com a área de 1.557 m2 (…)», pretendendo a ré saber ‘Se existe um regato (…) que passa debaixo das instalações da ré A..., S.A. (…)’. Questionando-se da existência e localização/orientação de um regato subterrâneo, não se nos afigura que se possa afirmar que a perceção de tal factualidade esteja ao alcance dos conhecimentos e experiência comuns, nem que o juiz ou uma pessoa com conhecimentos e experiência ao nível de engenharia/construção/cartografia têm exatamente a mesma capacidade de apreensão da matéria em causa. Quanto aos quesitos 2 e 3, a matéria que se pretende apurar exige conhecimentos ao nível de cartografia (topográfica e/ou temática) que também não estão ao alcance de conhecimentos gerais e experiência comum presentes na generalidade das pessoas instruídas, nomeadamente, considerando a necessidade de conhecimentos específicos nessa área para poder apreciar as questões colocadas no âmbito da interpretação e aplicação da referida CAOP aos ‘terrenos’ em discussão, exigindo as questões suscitadas um conhecimento e experiência técnicos que a generalidade das pessoas não detém. De igual forma, também a questão suscitada no quesito 4 exige conhecimentos e experiência técnica especializada (engenharia, cartografia, topografia) que a generalidade das pessoas não possui.
No que concerne ao quesito 5, o mesmo, tal como está formulado, não é admissível, por encerrar um juízo jurídico conclusivo, a retirar de factos que permitam aferir quais são os limites dos prédios atentas as suas áreas e demais elementos constantes dos títulos de aquisição pertencentes a cada proprietário (sendo que, desde logo, atenta a posição das partes nos articulados e, inclusive, a enunciação dos factos assentes e controvertidos que foi feita pelo tribunal recorrido no despacho de 28-05-2024, não constitui matéria incontroversa a área do prédio dos autores referido no ponto 1 dos factos assentes, como parece resultar do deferimento parcial, quanto a este ponto, da reclamação apresentada pela ré em 15-04-2024 e das posições das partes nos respetivos articulados).
Daqui resulta que a perícia requerida pela ré, contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, não é dilatória, apenas dela devendo ser excluído o quesito 5, por integrar um juízo jurídico conclusivo.
Concluímos, deste modo, pela procedência parcial do recurso, sendo de deferir a perícia requerida, embora restringindo o seu objeto às questões de facto indicadas pela ré nos quesitos 1 a 3 e, quanto ao quesito 4, substituindo-se a formulação apresentada pela ré pela seguinte formulação (mais objetiva): Quesito 4: a) Qual é a concreta configuração e localização do prédio da ré referido no ponto 28 dos factos assentes, de acordo com / considerando a descrição do referido prédio efetuada na escritura de compra e venda outorgada em 17 de março de 2017 junta com a contestação como documento 6 – «prédio rústico, denominado ‘..., composto de mato, com a área de mil oitocentos e cinquenta metros quadrados, a confrontar de norte com PP, de sul com Regato, de nascente com Limite de Concelho e de poente com Caminho, sito no Lugar ... ou ... ou ..., da freguesia ..., concelho de Paços de Ferreira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o número ..., da referida freguesia, onde se mostra registada a aquisição a favor de HH e marido GG, conforme inscrição Ap. Um, de trinta de março de mil novecentos e sessenta e cinco»? b) Tal configuração assim determinada abrange / sobrepõe-se /ocupa alguma parte do prédio que, na planta junta com a Petição Inicial como doc. 20, surge delimitado pela linha vermelha? c) Em caso afirmativo, em que medida (área e configuração) ocorre tal sobreposição?
A decisão sobre custas da apelação, quando se mostrem previamente liquidadas as taxas de justiça que sejam devidas, tende a repercutir-se apenas na reclamação de custas de parte (art. 25.º do Regulamento das Custas Processuais). A responsabilidade pelas custas desta apelação cabe à apelante e aos apelados, na proporção de 1/5 para a apelante e de 4/5 para os apelados, ou seja, na proporção do vencimento (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).
IV – Dispositivo:
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso de apelação e, em consequência, altera-se a decisão proferida pelo tribunal a quo, a qual se substitui por outra a deferir parcialmente a prova pericial requerida pela ré, restringindo o seu objeto às questões de facto indicadas pela ré nos quesitos 1 a 3 e, quanto ao quesito 4, substituindo-se a formulação apresentada pela ré pela seguinte formulação (mais objetiva): Quesito 4: a) Qual é a concreta configuração e localização do prédio da ré referido no ponto 28 dos factos assentes, de acordo com / considerando a descrição do referido prédio efetuada na escritura de compra e venda outorgada em 17 de março de 2017 junta com a contestação como documento 6 – «prédio rústico, denominado ‘..., composto de mato, com a área de mil oitocentos e cinquenta metros quadrados, a confrontar de norte com PP, de sul com Regato, de nascente com Limite de Concelho e de poente com Caminho, sito no Lugar ... ou ... ou ..., da freguesia ..., concelho de Paços de Ferreira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o número ..., da referida freguesia, onde se mostra registada a aquisição a favor de HH e marido GG, conforme inscrição Ap. Um, de trinta de março de mil novecentos e sessenta e cinco»? b) Tal configuração assim determinada abrange / sobrepõe-se /ocupa alguma parte do prédio que, na planta junta com a Petição Inicial como doc. 20, surge delimitado pela linha vermelha? c) Em caso afirmativo, em que medida (área e configuração) ocorre tal sobreposição?
* Caberá ao tribunal a quo praticar os demais atos necessários à realização da prova pericial. * Custas do recurso a cargo da ré/apelante e da autora/apelada, na proporção de 1/5 para a apelante e de 4/5 para os apelados, nos termos do artigo 527.º Cód. Proc. Civil. Notifique.
Porto, 23/1/2025 . (data constante da assinatura eletrónica) Ana Luísa Loureiro Carlos Cunha Carvalho António Carneiro da Silva
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