Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1373/19.7T8AVR-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RENDIMENTO INDISPONÍVEL
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
Nº do Documento: RP201911181373/19.7T8AVR-C.P1
Data do Acordão: 11/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A referência ao RMMG, enquanto montante correspondente ao rendimento indisponível do devedor, tem um sentido quantitativo, independentemente da natureza dos montantes auferidos pelo devedor e que para aquele quantitativo contribuam.
II – Os subsídios de férias e de natal, tal como outras prestações retributivas auferidas pelo devedor, integram ou não o rendimento indisponível consoante se contenham no ou excedam o valor fixado como indisponível.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Sumário (da responsabilidade do relator):
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PROCESSO 1373/19.7T8AVR-C.P1

Recorrente – B…

Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:
1 - Por decisão proferida a 4.09.2019, o tribunal recorrido, pronunciando-se sobre pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo recorrente, determinou: “No cotejo dos descritos elementos, considerando que o legislador ordinário entendeu como o mínimo para salvaguardar uma vivência condigna o salário mínimo nacional e que o devedor não suporta o encargo com habitação que, na proporção entre os rendimentos e as demais despesas de subsistência, corresponde ao que mais onera as famílias, determino que o rendimento disponível da insolvente, objeto da cessão ora determinada, seja integrado por todos os rendimentos que lhe advenham a qualquer título, com exclusão do montante correspondente a uma vez o salário mínimo que para cada ano seja legalmente determinado”.

2 – Inconformado com a decisão, a 20.09.2019 veio o insolvente interpor recurso de apelação (nos termos que adiante se esclarecerão).

3 – Por despacho de 4.10.2019, foi alterada a decisão referida em 1. Nos seguintes termos: “(...) a 04.09.2019, aquando da fixação do rendimento disponível, não foi, por manifesto lapso, considerado o encargo que o insolvente tem com a renda de casa. Com efeito, tendo-se dado como provado, designadamente, que o mesmo vive em casa arrendada, aquando da determinação do referido rendimento, como da própria decisão resulta, não se atentou em tal despesa. Assim, retificando o mencionado lapso, em conformidade com a factualidade provada, determino que onde se lê «No cotejo dos descritos elementos, considerando que o legislador ordinário entendeu como o mínimo para salvaguardar uma vivência condigna o salário mínimo nacional e que o devedor não suporta o encargo com habitação que, na proporção entre os rendimentos e as demais despesas de subsistência, corresponde ao que mais onera as famílias, determino que o rendimento disponível da insolvente, objeto da cessão ora determinada, seja integrado por todos os rendimentos que lhe advenham a qualquer título, com exclusão do montante correspondente a uma vez o salário mínimo que para cada ano seja legalmente determinado.» deverá passar ler-se:
«No cotejo dos descritos elementos, considerando que o legislador ordinário entendeu como o mínimo para salvaguardar uma vivência condigna o salário mínimo nacional e que o devedor suporta o encargo com habitação que, na proporção entre os rendimentos e as demais despesas de subsistência, corresponde ao que mais onera as famílias, determino que o rendimento disponível do insolvente, objeto da cessão ora determinada, seja integrado por todos os rendimentos que lhe advenham a qualquer título, com exclusão do montante correspondente a uma vez e meia o salário mínimo que para cada ano seja legalmente determinado.».

4 – Notificado do despacho referido em 3. e de um outro, pelo qual foi notificado para declarar se mantinha interesse no recurso, o apelante veio “declarar que mantém interesse no recurso já́ interposto. O despacho de rectificação, ao determinar que o rendimento indisponível seja de uma vez e meia o salário mínimo, resolve, e bem, a questão das despesas com o arrendamento do insolvente. Mas, ao não estatuir, expressamente, que os salários mínimos são os 14 pagos num ano, deixa em aberto a possibilidade de se entender (como se sabe que é entendido por muitos Administradores Judiciais) que o rendimento disponível do insolvente abrange a totalidade dos subsídios de Natal e de férias – ao arrepio do Ac. Rel. Porto de 22/05/2019 referido nas alegações de recurso”.

II – Do Recurso
5 – A mais do que já ficou dito no Relatório que antecede, o apelante pretende com o seu recurso, agora, que o rendimento anual indisponível do devedor seja fixado em uma vez e meia o salário mínimo que para cada ano seja legalmente determinado, multiplicado por 14”.

6 - Para tanto formulou as seguintes Conclusões:
6.1 - Pese embora constar, da decisão recorrida, que o devedor não suporta o encargo com habitação, o certo é que o Tribunal deu como provado que o insolvente reside em casa arrendada, pressupondo-se que seja ele a pagar a respectiva renda.
6.2 - O Tribunal diz, e bem, que na proporção entre os rendimentos e as demais despesas de subsistência, o encargo com habitação corresponde ao que mais onera as famílias.
6.3 - Dizendo, contraditoriamente, que o devedor não suporta o encargo com habitação, quando é certo que reside em casa arrendada, o Tribunal devia considerar tal encargo na fixação do rendimento indisponível.
6.4 - Ao fixar o rendimento indisponível em uma vez o salário mínimo que para cada ano seja legalmente determinado, a decisão recorrida apenas considera doze salários mínimos por ano, excluindo os subsídios de férias e de Natal.
6.5 - Porém, os subsídios de férias e de Natal são parcelas de retribuição do trabalho e não extras para umas férias ou um Natal melhorados.
6.6 - Sendo a RMMG recebida 14 vezes no ano, o seu valor anual é constituído pelo montante mensal multiplicado por 14, pelo que o mínimo necessário ao sustento minimamente digno de uma pessoa insolvente não deverá ser inferior à remuneração mínima anual.
6.7 - Como ficou provado, o insolvente vive em união de facto e tem uma filha menor a seu cargo, o que.
6.8 - Se a RMMG é razoavelmente considerada o mínimo para um trabalhador se sustentar com dignidade, tendo ele a seu cargo uma filha menor e uma companheira, tal mínimo deve ser acrescido de metade.
6.9 - Na decisão recorrida fez-se errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 239/3 do CIRE, nos artigos 263, 264/1 e 2 e 266/1 do Código do Trabalho e no artigo 3.º do DL n.º 158/2006, de 8 de Agosto.

7 – Não houve resposta, a apelação foi recebida nos termos legais e na Relação, considerando a simplicidade da questão a resolver, dispensaram-se os Vistos. Nada obsta à apreciação do mérito do recurso.

8 - O objeto do recurso consiste apenas em saber se a fixação do rendimento indisponível, feita por referência à RMMG (vulgo, Salário Mínimo Nacional) equivale à ponderação do valor correspondente e anual em 14 ou 12 prestações.

III – Fundamentação
III.I – Fundamentação de Facto
9 - Ainda que o Relatório deste acórdão revele a factualidade bastante à apreciação do recurso, acrescentamos o seguinte, que consta da decisão recorrida[1]:
9.1 - O insolvente tem 44 anos de idade, vive em união de facto e tem uma filha menor a cargo.
9.2 - O insolvente reside em casa arrendada.
9.3 - O insolvente é trabalhador por conta de outrem, auferindo mensalmente um rendimento ilíquido de 700,00€, acrescido de subsidio de alimentação.

III.II – Fundamentação de Direito
10 - Nesta Secção do Tribunal da Relação do Porto foi proferido por este mesmo coletivo e relatado pelo ora relator o acórdão de 23.09.2019, no Processo n.º 324/19.3T8AMT.P1 (entretanto publicado in dgsi) com o seguinte sumário: “I – O montante equivalente ao salário mínimo nacional mensal é o adequado como referência a considerar quando indagamos qual o mínimo do montante a excluir do rendimento disponível, e destinado ao sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar. II – Tal montante tem um sentido quantitativo, independente da natureza dos montantes auferidos pelo devedor e que para aquele quantitativo contribuem. III – Os subsídios de férias e de natal, tal como outras prestações retributivas auferidas pelo devedor, integram ou não o rendimento indisponível consoante se contenham no ou excedam o valor fixado como indisponível. IV – Se a sentença considera que os subsídios de natal e de férias devem ser entregues ao fiduciário, mas ao mesmo tempo fixa um rendimento indisponível que é superior ao rendimento do devedor, mesmo somado daqueles subsídios, há que revogar essa determinação de entrega e respeitar a própria decisão na parte – não objeto de recurso -, que fixou o montante correspondente ao rendimento indisponível”.

11 – O citado acórdão pronuncia-se sobre a mesma questão que constitui o objeto do presente recurso e, por isso, o transcrevemos aqui, no que mais releva:
“(...) A interpretação do sentido da exclusão prevista no citado artigo 239, nº 3, alínea b, i) do CIRE tem obtido um entendimento jurisprudencial alargado. Como refere o Acórdão desta Relação de 24.01.2012[2] “haverá que atender a um limite mínimo, avaliado por um critério geral e abstracto (o razoavelmente necessário para garantir o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar) e a um limite máximo, obtido de forma objectiva (o valor equivalente a três salários mínimos nacionais). II - Tal exclusão surge como reflexo do princípio da dignidade humana, que exige do ordenamento jurídico o estabelecimento de normas que salvaguardem a todas as pessoas o mínimo julgado indispensável a uma existência condigna. III- Esse limite, que assegura a subsistência com o mínimo de dignidade, corresponde ao salário mínimo nacional”.
(...) regressando ao concreto e relevante objeto desta apelação, podemos constatar que o tribunal recorrido, não obstante ter fixado no dispositivo da sua decisão, e como ressalva ao rendimento disponível, “1,5 vezes o salário mínimo nacional”, igualmente determina que – e é desta parte que expressamente apela a recorrente -, “o subsídio de Férias e o subsídio de Natal devem ser sempre objecto de cessão e, por isso, entregues ao Sr. Fiduciário”.
A primeira constatação é a seguinte: como resulta claro do que ficou dito no parágrafo precedente, e na comparação entre a decisão e o facto revelador da remuneração da apelante, foi fixado um montante de rendimento, excluído da cessão, um rendimento indisponível, superior à totalidade do rendimento auferido pela devedora, aqui recorrente, o que, à partida – e embora conhecendo outras decisões que seguiram esse caminho – não fará sentido[3], pois há que admitir que a decisão correspondente ao despacho liminar não tem de ser imutável, antes podendo acompanhar o que dite uma eventual alteração das circunstâncias que a determinaram[4] e porque significará, quase sempre, aqui em concreto, e logo no próprio despacho inicial, que nenhum valor irá ser pago aos credores.
(...) Podemos simplificar, avançando a seguinte constatação: os subsídios de férias ou de natal (tal como, eventualmente, outras atribuições patrimoniais) serão excluídos da indisponibilidade quando – apenas quando -, o montante singelo do rendimento do devedor já alcança o montante fixado como rendimento indisponível. Explicando-nos melhor.
Em primeiro lugar, entendemos que o valor do salário mínimo nacional enquanto equivalente ao sustento minimamente digno é uma referência e é uma referência mensal[5]: o salário mínimo nacional, esse valor de referência, em sede de CIRE, não se confunde com o crédito do trabalhador subordinado.
As fórmulas de cálculo do valor hora ou do rendimento anual, utilizáveis, desde logo, no direito laboral (para efeitos vários como por exemplo o cálculo das horas extraordinárias ou da indemnização por acidente de trabalho) não têm qualquer sentido operacional para o valor mensal que se considerou ser a referência operativa para a ponderação do mínimo de dignidade de sustento do devedor.
Assim, e em segundo lugar, teremos de considerar, respeitando outros entendimentos jurisprudenciais[6], que o salário mínimo nacional, enquanto referência ou padrão mínimo para a estipulação – pelo tribunal e olhando às particularidades de cada caso concreto - do (mínimo) rendimento indisponível do devedor, ou seja, não sujeito a cessão ao fiduciário (artigo 239, n.º 2 e n.º 3, alínea b), ii) do CIRE) é o salário mínimo nacional mensal, legalmente fixado, e não o equivalente a um duodécimo da multiplicação por 14 daquele valor[7].
Sustentar-se o contrário, e sabendo-se que os subsídios de natal e férias são pagos apenas, legal e habitualmente, duas vezes em cada ano (desde logo atendendo à finalidade dos mesmos) equivaleria a reconhecer-se, algo contraditoriamente, que o devedor ficaria com um rendimento indisponível abaixo do mínimo (de sustento digno) durante a maioria dos meses.
Em acórdão proferido a 7.05.2018[8] já esta Secção Cível decidiu, conforme sumariado, que “III - Os subsídios de férias e de Natal devem ser adstritos ao pagamento dos credores, através da sua entrega ao fiduciário” e ficou escrito no corpo do acórdão, também além do mais, o seguinte: “Quanto à consideração dos valores recebidos a título de 13º e 14º mês como rendimento disponível não se vê que belisque o direito às férias ou à subsistência e dignidade humana. Os subsídios de férias e de Natal, sendo um complemento da retribuição com a finalidade de ajudar ao gozo de férias e auxiliar nas despesas, normalmente acrescidas na quadra natalícia, nem por isso devem ser considerados imprescindíveis à satisfação das necessidades básicas da insolvente e, nesse sentido, como foi decidido, devem ser adstritos ao pagamento dos credores, através da sua entrega ao fiduciário”.
Diríamos até, sem que tal choque com a conclusão avançada no acórdão acabado de citar, que a questão relevante, num caso como o presente e nos semelhantes, não é uma questão de qualidade, mas de quantidade. Ou seja, o salário mínimo nacional, sempre que utilizado como referência e como equivalente ao mínimo de subsistência é, tão-só mas relevantemente, um valor, um montante, uma quantidade.
E, por sua vez, os subsídios de férias e de natal (como os prémios de produtividade, as ajudas de custo quando ultrapassam o valor das despesas tidas pelo trabalhador[9], as comissões e outras atribuições patrimoniais[10]) são “rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor”, incluídos ou não na cessão (239, n.º 3 e n.º 3, alínea b) i). Incluídos ou excluídos em razão da quantidade, não da qualidade, pois esta, em todos aqueles casos é a qualidade de “rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor”. Que assim é – ou para que melhor se entenda que é assim -, basta substituir o conceito pela quantidade, pelo valor que em dado momento representa o salário mínimo. Efetivamente, se ficar estabelecido que o rendimento indisponível mensal é de 600,00€ (em vez de se dizer que é de um salário mínimo nacional) ninguém sustentará que o rendimento indisponível fixado foi de 700,00€ (600 X 14/12). Igualmente, se se fixasse o rendimento indisponível em 900,00€ (salário mínimo e meio), ninguém leria ali 1050,00€ (600 X 14/12 X 1.5).
Em suma, não nos mereceria crítica a decisão recorrida na parte em que considera que os subsídios de férias e de natal devem ser entregues ao fiduciário. Mas merece, no entanto. Com efeito, e como se foi adiantando, fixou-se um rendimento indisponível no montante mensal equivalente a salário mínimo e meio e o rendimento auferido pela devedora é no montante mensal de um salário mínimo. Ora, como é bem de ver, 14/12 (1,166) é menor que 1,5. Se a devedora só tem que ceder o que acresce a 1,5 do salário mínimo mensal nacional e os subsídios, obviamente, são rendimento, eles estão incluídos, neste caso, no rendimento indisponível[11].”

12 – Feita a antecedente transcrição, cuidamos que pouco haverá a acrescentar às razões então avançadas, tanto mais que da mesma decorre que os normativos invocados pelo apelante não se mostram violados ou incorretamente aplicados.

13 – O RMMG é, como o próprio nome indica, um valor mensal, tal como o rendimento que o insolvente tem que entregar ao não ao fiduciário. Neste sentido, a questão, em rigor, não é se o RMMG deve ser multiplicado por 12 ou por 14, mas por 1.

14 – O RMMG é uma referência quantitativa, um valor, um montante, e não corresponde à atribuição de uma determinada remuneração, a qual haja de seguir as regras próprias do direito laboral.

15 – O insolvente apenas fica dispensado de entregar o seu rendimento (qualquer que seja a sua natureza: remuneração base, subsídios, prémios...) na exata medida em que ele não exceda o valor correspondente a, no caso, um RMMG e meio.

16 – Em conformidade, a apelação revela-se improcedente.

17 - As custas são a cargo da apelante, atento o proveito (artigo 527, n.º 1, parte final, do CPC), sem embargo do regime previsto no artigo 248 do CIRE.

IV - Dispositivo
Por todas as razões ditas, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e, em conformidade, manter a decisão recorrida, ou seja, fixar o rendimento mensal indisponível no equivalente a uma vez e meia a RMMG.

Custas pela apelante, nos termos dos artigos 527, n.º 1, parte final, do CPC e 248 do CIRE.

Porto, 18.11.2019
José Eusébio Almeida
Carlos Gil
Carlos Querido
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[1] Note-se que o despacho que altera o inicialmente decidido em nada modifica os factos inicialmente considerados, antes refere que “tendo-se dado como provado, designadamente, que o mesmo vive em casa arrendada, aquando da determinação do referido rendimento, como da própria decisão resulta, não se atentou em tal despesa”.
[2] Relator: Desembargador Rodrigues Pires; Processo n.º 1122/11.8TBGDM-B.P1 (dgsi).
[3] Acórdão desta Relação de 11.11.2013 (Relator, Desembargador Augusto de Carvalho, Processo n.º 767/12.3TBMCN-C.P1, dgsi) e da Relação de Coimbra de 12.01.2016 (Relatora, Desembargadora Maria João Areias, Processo n.º 612/15.8T8GRD-C.P1, dgsi), onde se deixou escrito: “(...) as decisões judiciais não são proferidas com base em ficções ou cenários prováveis, mas com base nos dados respeitantes à atual situação económico-social dos insolventes. E, face aos rendimentos atualmente auferidos pelo agregado (...) deverão ficar dispensados de efetuar qualquer cessão enquanto tal situação se mantiver. Se os seus rendimentos vierem a ser aumentados, os insolventes são obrigados a dar conhecimento imediato de tal alteração (...). Como tal, não se descortina qual o interesse ou utilidade em o juiz fixar hipoteticamente qual o montante que asseguraria o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, nomeadamente num valor equivalente ao do salário mínimo nacional para cada um, quando os rendimentos dos insolventes não o atingem”.
[4] Cfr. Acórdãos da Relação do Porto de 27.10.2009 (Relator, Desembargador Ramos Lopes, Processo n.º 304/09.7TBPVZ-B.P1, dgsi) onde ficou escrito: “Também a situação relativa ao estado de saúde da recorrente foi relevada e atendida, pois que expressamente se fez constar que qualquer agravamento daquele, com direto reflexo nas despesas, poderá vir a ser considerado, mediante requerimento fundamentado da devedora” e de 2.06.2011 (Relator, Desembargador Teles de Menezes, Processo n.º 347/08.8TBVCD-F.P1, dgsi), onde ficou dito “admitimos que a alteração do circunstancialismo que esteve na origem da fixação do montante necessário para o sustento minimamente digno do devedor, como o agravamento das despesas por via da doença ora invocada, possa ser aduzida subsequentemente na 1.ª instância, mediante requerimento fundamentado daquele, em moldes de permitir a sua apreciação pelo tribunal competente”. Também no Acórdão da Relação de Lisboa de 15.12.2011 (Relatora, Desembargadora Conceição Saavedra, Processo n.º 350/10.8TJLSB-E.L1-7, dgsi) não deixa de se dizer: “Tal não significa que o montante em questão não possa vir a ser ajustado em momento posterior, a pedido da devedora, ponderadas que sejam outras despesas relevantes e atendíveis que devam ser excluídas da cessão, nos termos e para os efeitos da subalínea iii) da al. b) do nº 3 do art. 239 do C.I.R.E. Contudo, de momento, e no quadro fáctico existente acima descrito, razão não se alcança para modificar a decisão proferida quanto ao valor excluído do rendimento disponível da insolvente”.
[5] Acórdão da Relação de Coimbra de 28.03.2017 (Relator, Desembargador Emídio Santos, Processo n.º 178/10.5TBNZR.C1, dgsi), com o seguinte sumário: Quando o apuramento do rendimento disponível se fizer por força da combinação do corpo do n.º 3 com a alínea b), i), do artigo 239.º, do CIRE, o período de referência a ter em conta em tal apuramento é o de um mês” e onde se deixou escrito, além do mais: “(...) nos meses em que não advierem rendimentos ao devedor ou advierem rendimentos inferiores ao que foi considerado necessário para o sustento minimamente digno dele e da sua família? A resposta é a seguinte: Em primeiro lugar, em tais hipóteses, não há rendimento disponível, logo não há cessão de rendimentos. Em segundo lugar, não nasce, a favor do devedor, o direito de compensar ou de deduzir, nos rendimentos futuros, a ausência de rendimentos ou rendimentos inferiores ao que foi estabelecido como o razoavelmente necessário para o sustento dele e da família (...). Daí que não tenha amparo no artigo 239.º, n.º 2, e no artigo 239.º, n.º 3, alínea b), i), ambos do CIRE, a pretensão dos recorrentes no sentido de que o apuramento do seu rendimento disponível se faça no fim de cada ano do período de cessão”.
[6] Acórdão da Relação de Lisboa de 27.02.2018 (Relatora, Desembargadora Higina Castelo, Processo n.º 1809/17.1T8BRR.L1-7, dgsi), com este sumário “II – Na ausência de prova sobre despesas concretas, o devedor insolvente deve manter na sua disponibilidade, para seu sustento, resguardada da cessão ao fiduciário, pelo menos, quantia equivalente à retribuição mínima garantida, que corresponde, anualmente, à retribuição mínima mensal garantida multiplicada por catorze” e, desta Relação, de 22.05.2019 (Relatora, Desembargadora Maria Cecília Agante, Processo n.º 1756/16.4T8STS-D.P1, dgsi), assim sumariado: “II - Sendo a remuneração mínima mensal garantida recebida 14 vezes no ano e constituindo a remuneração mínima anual 14 vezes aquele montante, o mínimo necessário ao sustento minimamente digno do insolvente não deverá ser inferior à remuneração mínima anual dividida por doze”.
[7] Acórdão da Relação de Lisboa de 22.03.2018 (Relator, Desembargador Pedro Martins, Processo n.º 24815/15.6T8LSB-2, dgsi): onde ficou escrito: “O SMN que tem sido utilizado é o SMN sem mais nada. Os dados invocados pelo insolvente referem-se, no entanto, a SMN mensalizados. Assim, por exemplo, o SMN português de 2017 aparece com o valor de 649,83€ (= 557€ x 14 meses = 7798€: 12 meses). Mas o SMN é o SMN e a sua atribuição por 14 meses em vez de 12 meses é irrelevante para a questão. Ou seja, o SMN é o valor da retribuição mínima mensal garantida e não o valor desta multiplicado por 14 meses e dividido por doze”. Acórdão da Relação de Coimbra de 16.10.2018 (Relator, Desembargador Emídio Santos, Processo n.º 1282/18.7T8LRA-C.C1, dgsi) com o seguinte sumário: “III - A variação, em cada mês, do montante dos rendimentos do devedor não implica a alteração do âmbito da exclusão ditada pela subalínea i) da alínea b) do n.º 3 do artigo 239.º do CIRE; a modificação do âmbito dessa exclusão justifica-se quando haja alteração do que é necessário para o sustento minimamente digno do devedor. Assim, não tem amparo no CIRE a pretensão do devedor no sentido de, nos meses em que recebe subsídio de férias e subsídio de Natal, autonomizar estas prestações, em relação à pensão de reforma, para efeitos da aplicação da exclusão prevista na subalínea i) da alínea b) do n.º 3 do artigo 239.º”.
[8] Processo n.º 3728/13.1TBGDM.P1, relatado pelo Desembargador Augusto Carvalho e no qual intervieram como adjuntos os desembargadores que, na mesma qualidade, ora intervêm nestes autos.
[9] Como se sumaria no acórdão desta Secção, proferido a 30.05.2018 (Relator, Desembargador Carlos Gil, Processo n.º 447/11.2TBPNF.P1, dgsi): “I - A natureza remuneratória ou compensatória de certa prestação não se pode firmar apenas no nome que a entidade pagadora lhe dá, antes deve resultar de uma qualificação atribuída a certa realidade de facto. II - Só se pode concluir que certa importância tem a natureza de ajudas de custo desde que se comprove que se destinou a reembolsar o trabalhador de despesas concretas que suportou por causa ou por força do exercício da sua atividade profissional. III - A circunstância de valores denominados de ajudas de custo terem sido pagos ao longo dos doze meses do ano de 2016, com referência a todos os dias de trabalho de cada um desses meses, com um valor uniforme, aponta, com segurança, no sentido de não terem essa natureza compensatória”.
[10] Desde logo porque o artigo 258, n.º 3 faz presumir que qualquer prestação do empregador ao trabalhador constitui retribuição – João Leal Amado, Contrato de Trabalho – Noções Básicas, 2.ª Edição, Almedina, 2018, págs. 256/260.
[11] Uma situação semelhante à que apreciamos foi decidida pela Relação de Guimarães em 23.05.2019 (Relator, Desembargador António Sobrinho, Processo n.º 4211/18.4T8VNF.G1, dgsi), com o seguinte sumário: “Desde que os subsídios de férias e de natal a receber pela devedora, englobados nos rendimentos totais desta, não ultrapassem objetivamente um salário mínimo nacional e meio fixado como o montante necessário ao sustento digno da insolvente, estão excluídos do rendimento disponível para o fiduciário”.