Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANA OLÍVIA LOUREIRO | ||
Descritores: | JUNÇÃO DE DOCUMENTOS EM RECURSO IMPUGNAÇÃO PAULIANA ANTERIORIDADE DO CRÉDITO | ||
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Nº do Documento: | RP202505121249/21.8T8PVZ.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/12/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A junção de documentos em sede de recurso pode admitir-se, além dos casos de superveniência dos mesmos, quando apenas se revelem necessários em resultado do julgamento de primeira instância. Não cabem nesta previsão, contudo, aqueles que visem provar ou infirmar factos alegados em sede de articulados e que sejam datados de momento anterior a tais articulados e/ou ao julgamento da causa, pois nesse caso não ocorreu superveniência e nem houve qualquer imprevisibilidade da decisão que se debruçou sobre factos alegados pelas partes em momento próprio. II - Não pode confundir-se a data do reconhecimento judicial de um crédito (ou mesmo a data da instauração da ação com vista à sua cobrança) com a data da constituição desse crédito. III - Na impugnação pauliana a anterioridade do crédito afere-se pela data da sua constituição e não pela data do seu vencimento. IV - O crédito indemnizatório fundado na responsabilidade civil extracontratual nasce com a prática do evento danoso que é causa da obrigação | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo número 1249/21.8T8PVZ.P1, Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim, Juiz 6
Recorrentes: AA, BB e CC Recorrida: A..., SA
Relatora: Ana Olívia Loureiro Primeira adjunta: Teresa Pinto da Silva Segundo adjunto: Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório: 1. Em 19-04-2021, A..., S.A. propôs ação declarativa a seguir a forma de processo comum contra AA, BB, CC e Banco 1..., S.A., pedindo a declaração de nulidade, por simulação, dos negócios de venda de dois imóveis pelos dois primeiros réus ao terceiro, com o consequente cancelamento do registo da propriedade dos mesmos a favor deste, bem como da hipoteca constituída a favor do quarto réu. Subsidiariamente pediu a declaração de ineficácia, em relação a si, desses negócios de compra e venda por via de impugnação pauliana, e o consequente reconhecimento do direito de executar no património do terceiro réu os imóveis adquiridos aos dois primeiros. Alegou, em suma, que a primeira ré foi sua funcionária, tendo praticado, quando no exercício das suas funções, atos tipificados como crimes e geradores de um prejuízo de 330.785,99 que levaram à instauração de processo disciplinar que conduziu ao seu despedimento bem como à apresentação de queixa crime, que deu origem a processo comum singular em que a arguida (aqui primeira ré) foi condenada pela prática de um crime de burla informática e das comunicações e de um crime de falsidade informática, bem como no pagamento à autora de indemnização por danos patrimoniais, o valor de 290.474,85 €, acrescido de juros de mora. Segundo a autora, para evitar a execução do seu património a favor da autora, a referida ré, juntamente com o seu marido, segundo réu, simulou a venda ao seu filho de dois imóveis, assim impedindo a satisfação do crédito da autora. A compra e venda simulada de um desses imóveis foi feita com recurso a crédito concedido pelo quarto réu que, por isso, constituiu a seu favor hipoteca sobre o mesmo. 2. O réu Banco 1..., SA contestou alegando desconhecer qualquer intuito simulatório dos comprador e vendedores outorgantes na escritura em que interveio bem como qualquer propósito dos mesmos de prejudicarem a autora na cobrança do seu crédito, que tampouco conhecia. 3. Os demais réus também contestaram, em 25-10-2021, impugnando os factos alegados na petição inicial e excecionando a sua ineptidão, bem como afirmando a ocorrência de exceção dilatória inominada que nomearam como “formulação imprópria e ilegal do pedido subsidiário”. 4. Por despacho de 08-04-2022 foi suspensa a instância até que transitasse em julgado a sentença proferida no processo n.º ..., do Juízo Local Criminal do Porto em que foi arguida a segunda ré e pela qual a mesma foi condenada por crimes de burla informática e a comunicações e de falsidade informática, praticados entre 08-05-2013 e 25-04-2017. Foi ainda ali condenada a pagar à aqui autora a quantia de 290.474,85€, acrescida de juros de mora desde a sua interpelação ao pagamento, ocorrida com a notificação do pedido de indemnização civil. 5. Depois do referido trânsito em julgado, certificado nos autos a 21-02-2023, foi proferido despacho saneador, com dispensa da audiência prévia, em 04-05-2023. Ali se conheceu, pela sua improcedência, das exceções invocadas, foi identificado o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova, bem como foram admitidos os requerimentos de prova. 6. A audiência de julgamento realizou-se em 28-10-2024 tendo sido proferida sentença em 10-12-2024, em que se absolveram os réus do pedido principal e se declararam “ineficazes quanto à autora, “A..., SA”, as vendas realizadas pelos 1.º e 2.º réus, AA e BB, a favor do 3.º réu, CC, das frações identificadas nos pontos 14 e 20 dos factos provados, condenando-se o 3.º réu a restituir ao património da 1º Ré essas frações, na medida do interesse da autora, declarando-se o direito da autora de executar cada uma dessas frações, por forma a obter a satisfação integral do seu crédito sobre a 1.ª ré e a praticar os atos de conservação patrimonial”. * II - O recurso: É desta sentença que recorrem os primeiros três réus, pretendendo a alteração parcial do julgamento da matéria de facto e a sua revogação com a consequente declaração de improcedência da ação. Para tanto, alegam o que sumariam da seguinte forma em sede de conclusões de recurso: 1. A matéria de facto dada como provada com os números 26, 28, 29, 31 e 32, deveriam ter sido dados como não provados. 2. Ao contrário, os factos dados como não provados com os números 1, 2, 3, 6, 7, 8 e 9 deveriam ter sido dado como provados. 3. Não foi feita prova da existência de um crédito anterior à compra e venda. 4. Bem como não foi feita prova da diminuição da garantia patrimonial do crédito, pois quando este crédito se concretizou, os bens já não faziam parte do património dos 1º e 2º Réus. 5. Não se verificou requisito de má-fé, o negócio foi transparente, oneroso, recorrendo ao crédito bancário, apos a avaliação dos imóveis pelo banco. 6. Ao decidir com decidiu, incorreu o Tribunal a quo, na violação do disposto nos artigos 610º e 612º do Código Civil, pelo que deve a sentença ser revoga e substituída por outra que conclua pela absolvição dos Réus. Termos em que, DEVERÁ SER ANULADA a Sentença proferida pelo Tribunal a quo e substituída por outra que declare a improcedência da presente acção, ABSOLVENDO-SE os Réus dos pedidos peticionados pela Autora/Recorrida, com o que farão V. Exas., a esperada e costumada Justiça.”. Juntaram aos autos sete documentos a que se referem apenas na censura que dirigem à decisão de facto e alegando que o primeiro se destina a infirmar o teor da alínea 26 dos factos provados, e os demais a comprovar o teor das alíneas 1 e 2 dos factos dados por não provados. * A autora contra-alegou sustentando a inadmissibilidade de junção dos documentos anexos ao recurso, que este não cumpre os ónus previstos no artigo 640º, número 1 do Código de Processo Civil quanto à impugnação da matéria de facto, pelo que deve ser rejeitado e defendendo a confirmação da sentença de primeira instância.
III – Questões a resolver: Em face das conclusões dos recorrentes nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635º, números 4 e 5 e 639º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, e tendo presente o teor das contra-alegações da recorrida, são as seguintes as questões a resolver: 1. Se deve ser admitida a junção de documentos com as alegações de recurso; 2. Se estão cumpridos os ónus impostos aos recorrentes que pretendam impugnar a matéria de facto; em caso afirmativo, 3. Reapreciar a matéria de facto impugnada; em qualquer caso, 4. Aferir da anterioridade do crédito da autora em relação aos negócios julgados ineficazes, da diminuição da garantia do mesmo e da má-fé dos outorgantes das compras e vendas. * IV – Fundamentação: 1. Os recorrentes juntaram aos autos sete documentos a que se referem apenas na censura que dirigem à decisão de facto, alegando que o primeiro se destina a infirmar o teor da alínea 26 dos factos provados e os demais a comprovar o teor das alíneas 1 e 2 dos factos dados por não provados. Não invocaram a superveniência desses documentos e justificam a sua junção neste momento afirmando apenas “(…) que se mostram necessários, em virtude do julgamento proferido em primeira instância – art.º 651º do Código Processo Civil”. Tratam-se de uma certidão da Autoridade Tributária comprovativa da residência fiscal da primeira ré, datada de 28 de março de 2022, e de cópias (seis) das declarações de IRS apresentadas pela mesma e pelo segundo réu à Autoridade Tributária em 08-05-2017, 05-04-2018, 07-05-2109, 04-04-2020, 01-04-2021 e 10-05-2022. Estes últimos são documentos com datas anteriores à apresentação da contestação pelos réus (pelo que deviam ter sido juntos com esse articulado dado o disposto no artigo 423.º, número 1 do Código de Processo Civil) e o primeiro,– certidão que se pede e obtém de imediato no endereço eletrónico da Autoridade Tributária – tem a data em que foi solicitado à Autoridade Tributária, apenas sendo de imputar aos réus não o terem pedido antes. De todo o modo o mesmo foi obtido em data muito anterior à do início da audiência de julgamento, pelo que até então podia ainda ter sido apresentado (artigo 423º, número 2 do Código de Processo Civil). Prevê o artigo 651º, número 1 do Código de Processo Civil que: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”. O referido artigo 425º do mesmo Diploma, por sua vez, estatui que: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”. Em acórdão de 30-04-2019[1] o Supremo Tribunal de Justiça decidiu, como se pode ler no respetivo sumário que: “I. Da leitura articulada dos artigos 651.º, n.º 1, 425.º do CPC decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância. II. No que toca à superveniência, há que distinguir entre os casos de superveniência objectiva e de superveniência subjectiva: aqueles devem-se à produção posterior do documento; estes ao conhecimento posterior do documento ou ao seu acesso posterior pelo sujeito. III. Quando o acesso ao documento está ao alcance da parte, a instrução do processo com a sua apresentação é um ónus, devendo desconsiderar-se a inacessibilidade que seja imputável à falta de diligência da parte, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a excepção ditada, nesta matéria, pelo legislador. IV. No que toca à necessidade do documento, os casos admissíveis estão relacionados com a novidade ou imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção de documentos quando ela se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento.”. Tal doutrina, que aqui se acompanha, é unânime e tem sido reiteradamente adotada pelos Tribunais de Recurso, como não podia deixar de ser, face à clareza da redação legal acima convocada. Da descrição que se fez dos documentos que foram juntos em alegações não se vislumbra qualquer motivo para a tardia apresentação dos mesmos que não a incúria dos recorrentes. De facto, a alegação da residência da primeira ré (num dos imóveis que declarou vender ao terceiro réu, seu filho) e os rendimentos dos primeiros dois réus nas datas das celebrações das compras e vendas foram alegadas, respetivamente, nos artigos 26º a 28º da petição inicial[2] e 62º e 63º da contestação[3]. Com a alegação de que os outorgantes vendedores se mantiveram a residir num dos imóveis alienados a autora visou sustentar a simulação da compra e venda e era, portanto, facto essencial à pretensão daquela, que os réus tinham que impugnar na contestação em face do disposto no artigo 573.º, número 1 do Código de Processo Civil. Não se trata, pois, de qualquer facto que tenha resultado do julgamento da causa em primeira instância, antes resultando da petição inicial. Acresce que os réus confessaram expressamente no artigo 64º da contestação o seguinte: “Este acordo pressupôs, contemplar, é certo, desde logo, a possibilidade de a mãe e marido continuarem lá a residir, pois o 3º Réu (filho) não podia por dever moral, deixar a sua mãe sem tecto. Pelo que além de quererem juntar documento que obtiveram muito antes do início da audiência de julgamento os recorrentes pretendem também alegar facto contrário ao que antes confessaram expressamente nos autos. O que lhes está vedado à luz do artigo 574.º, número 1 do Código de Processo Civil. No que tange aos rendimentos que tinham à data das compras e vendas impugnadas pela autora, foram os réus quem, em impugnação motivada da alegação desta, vieram justificar a venda dos dois imóveis ao filho da primeira ré com a alegação de que não tinham rendimentos que lhes permitissem pagar o mútuo que tinham contraído junto do Banco 2..., SA, que alegaram nos artigos 67.º a 68.º da contestação. Daí retiraram a afirmação de que tais vendas resultaram na eliminação desse passivo pelo que não ficaram empobrecidos com as mesmas. Mais uma vez, portanto, se trata de facto que foi trazido aos autos pelas partes em sede de articulados (no caso pelos próprios recorrentes), e não resulta de forma inesperada do julgamento em primeira instância. Assim, é manifesto concluir que não está verificado nenhum dos pressupostos em que poderia sustentar-se a admissibilidade dos documentos cuja junção, por tal não se admite. Ordenar-se-á, por tal, o seu desentranhamento, com a consequente condenação dos recorrentes em multa, nos termos do disposto no artigo 443º, número 1 do Código de Processo Civil e do artigo 27, número 1 do Regulamento das Custas Processuais, que se fixa em 1 UC. * 2. Os recorrentes pretendem que se julguem não provados os factos constantes das alíneas 26, 28, 29, 31 e 32 e como provados os constantes das alíneas 1, 2, 3, 6, 7, 8 e 9 que foram julgados não provados. A recorrida entende não terem sido cumpridos os ónus previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil. Tal preceito, pelo seu número 1, impõe – no que agora releva convocar - ao recorrente que especifique, “sob pena de rejeição”: “a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”. O número 2 do referido artigo estatui que: “a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”. Sobre a concreta questão da forma de cumprimento do ónus previsto na alínea c) do número 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil foi proferido em 17 de outubro de 2023 Acórdão Uniformizador de Jurisprudência em que se decidiu: “Nos termos da alínea c), do n. 0 1 do artigo 640. 0 do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”[4]. Na fundamentação desse AUJ é feita uma apreciação das mais relevantes posições doutrinárias e jurisprudenciais que se debruçaram sobre o grau de exigência que deve orientar o julgador na apreciação do cumprimento dos ónus acima transcritos. Ali se pode ler, a esse propósito: “Consagrada se mostra uma efetiva existência de um segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, com uma imposição rigorosa dos ónus cujo incumprimento determina a imediata rejeição do recurso, referem, contudo, Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre que como abundante jurisprudência tem defendido, o cumprimento dos ónus previstos na disposição legal não deve incorrer num excesso de exigência formal, violadora do princípio da proporcionalidade, até por não existir sustentação clara na lei ou no seu espírito que tal imponha, e assim não seria necessário indicar nas conclusões, os meios probatórios ou os segmentos da gravação em que o recorrente se funda. Por sua vez, Abrantes Geraldes explicita que no atual regime o legislador visou sanar dúvidas do anterior preceito e reforçar o ónus imposto ao recorrente, na previsão expressa de o recorrente indicar a decisão alternativa, que no seu entender devia ser proferida. Sintetiza assim o sistema no que concerne ao ónus de impugnação: a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) O recorrente deve especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que no seu entender determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; (...) e) O recorrente deixará expressa na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões defacto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzida, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação por forma a obviar à interpretação de recursos de pendor genérico ou inconsequente(…)” Mais salienta, que devendo as exigências ser apreciadas à luz de um critério de rigor, decorrente do princípio da autorresponsabilização das partes, importa que não se sobrevalorizem os requisitos formais, de tal modo que seja violado o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, denegando a apreciação da decisão sobre a matéria de facto, sem apoio legal ou na vontade do legislador, constituindo um pretexto formal para não conhecer da impugnação, mencionando "(...) com bastante frequência se verifica que uma leitura concertada das alegações, e não apenas das respetivas conclusões, permite afirmar o preenchimento dos requisitos mínimos a que deve obedecer uma peça processual para a qual não está legalmente prevista uma estrutura rígida nem para a motivação, nem sequer para o segmento conclusivo. 3.3.3.1. Importa aqui tecer umas breves considerações quanto aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade enquanto modeladores dos aspetos formais do acatamento dos ónus impostos ao recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto, frequentemente referenciados quanto ao artº 640, e com respaldo constitucional. Assim, concedida ao legislador ampla liberdade de estabelecer os ónus que incidem sobre as partes, a que correspondem cominações decorrentes do respetivo incumprimento, contudo tais encargos processuais não devem ser funcionalmente desadequados aos fins do processo, sobretudo se traduzindo, tão só, exigências formais e mesmo arbitrárias, sem um efeito útil e razoável, e que " (...) poderão revelar-se totalmente desproporcionadas face à gravidade e relevância, para os fins do processo, da falta cometida, colocando assim em causa o direito de acesso aos tribunais e a zona tutela jurisdicional efetiva" . Desse modo considerando as menções constantes do n.0 1 do art.0 640, no que concerne aos ónus de impugnação de determinada matéria de facto, pode-se dizer que serão justificáveis, na indicação da decisão que se pretende sindicar, e como tal não detendo uma mera natureza formal, na medida que se mostram ajustadas, garantindo a adequada inteligibilidade e objeto do recurso, facultando à contraparte a possibilidade do exercício do contraditório. Daí que a rejeição imediata do recurso pelo incumprimento dos ónus impostos, na ponderação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, deverá decorrer necessariamente da gravidade das consequências da conduta processual do recorrente, no que concerne a uma adequada inteligibilidade da pretensão recursória, em termos de objeto e finalidade. (…) Não deve ser esquecido, como se salientou, a intenção clara de uma justiça material, na qual é dispensada formalidades que pela sua relevância, em termos de proporcionalidade e razoabilidade, surjam como dispensáveis, se da conduta processual do recorrente, resultar de forma clara e inequívoca o que o mesmo pretende com a interposição do recurso.”. Estes critérios orientadores que o pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça exarou no referido AUJ eram já refletidos em inúmera jurisprudência anterior em que se veio a formar uma tendência quase uniforme para reservar a rejeição do recurso da matéria de facto apenas para as seguintes situações: - inexistência de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto; - não indicação dos concretos pontos de facto que se têm por incorretamente julgados; - falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados; - falta de indicação exata das passagens da gravação em que o recorrente se funda; - falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação. Quanto à interpretação a dar à alínea a) do número 2 do artigo 640.º A lei não estatui qual a forma de indicação “com exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso”. Essa indicação não tem, contudo, necessariamente que ser feita por referência ao minuto e segundo dos seus início e fim. Nalguns casos a exata indicação das passagens do depoimento que se querem ver reapreciadas pode ser feita por referência ao seu conteúdo por via da sua transcrição. Se por via dessa forma de indicação o tribunal de recurso puder apurar quais os concretos momentos do depoimento que o recorrente entende de valorar/desacreditar, deve concluir-se que foi cumprido o ónus do recorrente. Tem sido praticamente unânime o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, expresso nomeadamente em Acórdão de 29-09-2015[5] de que o “ónus de indicação exata das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exata e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento – como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da ata, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento, tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objeto do recurso.”. Este entendimento, que apela a considerações de proporcionalidade, é o único que reverencia ao intuito legislador, em várias disposições do Código de Processo Civil, de fazer prevalecer o conhecimento do mérito sobre as exigências de forma[6]. Bem como é o único que se adequa ao propósito do legislador quando exige a indicação exata das passagens da prova gravada em que se funda o seu recurso: o de permitir ao tribunal de recurso apreciar as razões da discordância sem ter de fazer a reapreciação de toda a prova quando o objeto do recurso se limita a alguns pontos da matéria de facto e apenas ocorre discordância quanto à apreciação de certos meios de prova. Assim, adota-se a interpretação do preceito em análise que tem vindo a ser feita pelo Supremo Tribunal de Justiça bem como, maioritariamente, por este Tribunal[7], pela qual o conteúdo da exigência de exatidão na indicação das passagens da prova gravada em que se funda o recurso deve ser apreciado caso a caso, de acordo com critérios de proporcionalidade. Entende-se que tal interpretação é a única que reverencia aos princípios hermenêuticos previstos no artigo 9º do Código Civil, nomeadamente quando ali se apela à consideração da unidade do sistema jurídico (elemento sistemático que impõe a consideração da prevalência do mérito sobre a forma) e se estipula a presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas. É que pode ser desnecessária a indicação das passagens dos depoimentos que se querem ver reapreciadas por referência aos minutos e segundos da sua duração, sendo bastante a sua transcrição parcial nos trechos que o recorrente entende deverem conduzirem a decisão diversa da do tribunal recorrido. * Analisaremos cada uma das pretensões dos recorrentes à luz destas exigências legais e da interpretação que delas tem vindo a fazer o Supremo Tribunal de Justiça. Para sustentar a impugnação da matéria de facto os apelantes alegam o seguinte (no corpo alegatório, pois das conclusões nada consta sobre a motivação dessas pretensões):
- Facto 26: “Com o devido respeito, o facto aqui dado como provado deveria, no nosso entender, ser dado como não provado, pois conforme resulta da certidão, que ora junta, em consequência do que foi dito pela 1ª Ré, em Audiência de Julgamento, que reside efectivamente na Rua ..., ..., Gondomar, e é aí que desenvolve a sua actividade profissional. – Doc. 1 que junta”. Com exceção do documento cuja junção agora pediram e lhes foi já indeferida, os apelantes referem apenas o depoimento da primeira ré sem indicarem a concreta passagem do mesmo que entendem pertinente e sem procederem à sua transcrição ou súmula, assim não permitindo a este tribunal identificar a(s) concreta(s) passagem(ns) a que se referem. A alínea 26 dos factos provados tem o seguinte teor: “A 1.º ré mantém o seu domicílio no imóvel sito na Rua ..., ..., rés-do-chão, aí desenvolvendo a 1.ª ré a sua atividade profissional, nos exatos termos em que o fazia antes da venda mencionada em 14.”. Ora, como acima salientado a propósito da junção do documento número 1 com o recurso, os réus admitiram expressamente na contestação que acordaram com o filho da primeira ré, aquando da compra e venda do imóvel onde residiam, que lá poderiam continuar a residir (artigo 64º da contestação). Pelo que não só não indicaram os recorrentes as concretas passagens do depoimento que querem ver valorado, como juntaram para sua prova um documento que não foi admitido e, ainda, pretendem ver julgado não provado um facto que expressamente admitiram. Pelo que é de rejeitar a impugnação da referida alínea da matéria de facto provada. * - Facto 28: “Desde logo, esta afirmação incorre numa confusão do que é o valor do mercado, que é uma estimativa que se faz e que varia conforme o “avaliador” e os parâmetros que introduz na sua avaliação, conduzindo a resultados e valores diferentes, dependendo se se valoriza mais uns parâmetros em detrimento de outros. De resto, em similitude, com qualquer estudo em que conforme as “comissões ou pessoas” encarregues dos “estudos”, são apresentados resultados, muitas vezes dispares, senão mesmo opostos. No caso em apreço, o Tribunal à quo valorizou um “estudo” defendido pela testemunha da Autora, em detrimento da avaliação realizada pelo Banco 1.... Será que o Banco errou na sua avaliação? Não foi demonstrado que a sua avaliação tenha sido errada. Esta foi, perante a realidade concreta, e aqui reside a diferença entre valor de mercado e o preço de mercado que traduz a realidade. Não esqueçamos a vetustez dos imóveis que são do início dos 90, e condições de mercado e financiamento, pois à época a inflação estava bem alta, as taxas de juros nos empréstimos atingiam valores que afastavam a maioria de possíveis compradores, para além do facto de estarmos em plena crise pandémica do Covid-19 a agravar o contexto e a retrair as pessoas na aquisição de imóveis.” A alínea 28 dos factos provados tem o seguinte teor: “O valor de mercado da fração mencionada no ponto 14 ascendia em abril de 2021 a cerca de 180.000,00 euros”. Os recorrentes não indicam qualquer meio de prova a reapreciar limitando-se a discorrer sobre a opção do Tribunal por valorizar mais um estudo de valor de mercado elaborado por uma das testemunhas inquiridas do que a avaliação que o réu Banco 1..., SA fez do imóvel em causa (os recorrentes não o dizem, mas subentende-se que se referirão à avaliação feita pelo banco para efeitos de concessão do mútuo/constituição da hipoteca). Não identificam o concreto documento, se algum existe, que contém a avaliação que impugnam. E enumeram várias razões (vetustez do imóvel, inflação, crise pandémica) pelas quais o valor do imóvel seria inferior ao provado. Não pretendem, todavia, que seja julgado um qualquer outro valor desse imóvel, antes pedindo que a alínea em causa passe a ser julgada não provada. A motivação da sentença quanto à prova desse facto foi a seguinte: “O ponto 28 dos factos provados tendo por base a avaliação junta aos autos em 15/3/2024 realizada pelo 4.º réu à fração A) em 1 de janeiro de 2020, sendo certo que se valorou igualmente o depoimento da testemunha DD (mediador imobiliário) que, considerando a sua experiência profissional, também referiu que no ano de 2021 a fração A) teria um valor de mercado entre 180.000,00 euros e 185.000,00 euros. O depoimento dessa testemunha foi essencial para se dar como provado o ponto 29 dos factos provados, sendo que o mesmo depôs com isenção e, considerando a experiência profissional que tem, demonstrou ter conhecimento sobre os preços de mercado das frações em causa nestes autos”. Assim, muito embora não devidamente identificado pelos recorrentes, percebe-se a que documento de avaliação bancária e a que depoimento se referem. Do documento referido pelo Tribunal a quo, intitulado “relatório de avaliação” consta, no que aqui releva transcrever: “Na obtenção do Valor de Mercado do Imóvel, tiveram-se em atenção os principais factores determinantes como sejam a localização, os acessos, estado de conservação, acabamentos, configuração, e as dimensões do imóvel. Assumimos o pressuposto de que não existem ónus ou encargos sobre o imóvel assim como possíveis deteriorações estruturais não detectadas. Entidade Detentora do Imóvel: BB (fonte-CPU) O surto do novo coronavírus (COVID-19), declarado pela Organização Mundial da Saúde como uma “Pandemia Global” em 11 de março de 2020, teve impacto nos mercados financeiros globais e também nos mercados dos restantes sectores. Atualmente, existe uma incerteza quanto aos impactos que esta "Pandemia Global" provocará nos diversos sectores (onde se inclui o mercado imobiliário) a curto e médio prazo. A avaliação foi assim realizada num contexto específico e especial, tendo como base o mercado imobiliário como o conhecemos à data da avaliação, alertando, contudo, que os efeitos provocados por esta pandemia no contexto nacional e mundial poderão ter um impacto a curto e médio prazo na valorização dos imóveis.” Tal relatório conclui, assim, que o imóvel em causa tem um valor de 181 000 €, pelo fica mesmo a dúvida se será à avaliação dele resultante que se referem os apelantes para porem em causa a valoração feita pelo Tribunal do depoimento de uma testemunha, já que o mesmo conclui que o valor do imóvel é até superior, em 1000 €, ao que foi dado por provado. Os recorrentes, uma vez mais, não identificam as concretas passagens do depoimento que querem ver desvalorizado. Sequer identificam, aliás, a testemunha a que se querem referir que só por via da motivação da sentença se consegue perceber quem seria. Pelo que se desconhece totalmente a que avaliação se referem os recorrentes bem como que passagens de um depoimento testemunhal querem ver reapreciadas. Pelo que, de novo, se indefere a impugnação da matéria de facto. * - Facto 29: “Pelas mesmas razões aduzidas supra quanto ao facto provado 26, por maioria de razão as mesmas se aplicam aqui, com a agravante do valor deste imóvel no mercado ser baixo, pois o mesmo encontrava-se bastante degradado, inserido numa zona de bairro social, o que só por si desvaloriza, e muito, o valor do mesmo. Os bancos e o Banco 1..., no caso sub judice, têm tudo isto em consideração, pois o negócio deles não é darem garantias, procederem a mútuos em que o bem seja avaliado abaixo do que é a sua concreta realidade, daí que os valores que devem ser tidos em conta são os do Banco 1... e não a opinião da testemunha da Autora, que nessa condição depôs na qualidade de “expert” na matéria.”. É o seguinte o teor da alínea 29 dos factos provados: “O valor de mercado da fração mencionada no ponto 20 ascendia em abril de 2021 a cerca de 140.000,00 euros”. De novo os recorrentes não indicaram nenhum meio de prova a reapreciar, limitando-se a alegar, genericamente, que o imóvel em causa terá um valor inferior ao que foi provado, muito embora o que peçam seja que o teor da referida alínea seja dado por não provado. Como tal, e pelas mesmas razões acima expostas, se rejeita o recurso da matéria de facto também quanto a este ponto. * - Factos 31 e 32: “O Tribunal concluiu que as vendas foram para impedir a Autora de ser ressarcida do seu crédito. Qual crédito? É que a compra e as vendas foram realizadas em 08/04/2021 09/04/2021, o comprador quis comprar e os vendedores quiseram vender e fizeram-no de forma perfeitamente transparente, de acordo com o normal procedimento nestas situações, recorrendo o 3º Réu a empréstimo bancário para se financiar. Quando o negócio foi efectuado, a Autora não era titular de qualquer crédito sobre o 1º e 2º Réus. O crédito da Autora só “nasce” para o mundo do Direito, com o trânsito em julgado da Sentença proferida no processo n.º 1574/17.0JAPRT do Juízo Criminal do Porto – Juiz 2, e a mesma só transitou em julgado em 20/10/2022. A compra do 3º Réu ao 1º e 2º Réus, foi mesmo anterior à primeira Audiência de Julgamento do referido processo crime, a qual teve lugar 24/04/2021, pelo o que a Autora teria à época, era uma expectativa que podia ou não se concretizar”. É manifesto que, uma vez mais, os recorrentes não indicam qualquer meio de prova a reapreciar. Apenas argumentam com questão, de direito, relativa à anterioridade do crédito da autora, discussão que não tem assento na seleção dos factos provados e não provados, mas na fundamentação de direito. Pelo que se rejeita também a impugnação das alíneas 31 e 32 dos factos provados. * - Factos não provados 1 e 2 – Os rendimentos anuais do 1º e 2º Réus, conforme declarações de IRS, que ora junta, na sequência do que foi dito em Audiência de Julgamento, foram os seguintes: - No ano de 2016 – 22.483,50 €; - Doc. 2 que junta - No ano de 2017 – 16.903,04€; – Doc. 3 que junta - No ano de 2018 – 11.800,00€; – Doc. 4 que junta - No ano de 2019 – 12.114,00€; – Doc. 5 que junta - No ano de 2020 – 10.900,00€; – Doc. 6 que junta - No ano de 2021 – 9.670,00€; – Doc. 7 que junta Estes valores correspondem ao rendimento anual bruto, os quais depois de aplicadas as respectivas taxas sobre o rendimento, o mesmo não ultrapassa, realmente, os 1.000 mês. As declarações de IRS ora apresentadas, também esclarecem que os rendimentos do 1º e 2º Réus, desde 2016, vieram sempre em queda, o que está em sintonia com o por eles afirmado e demonstrado, que não tinham condições, desde 2017, para cumprir com as prestações do mútuo hipotecário com o Banco 2.... E foi exactamente a partir de 2017 que o 3º Réu inicia os pagamentos por conta da aquisição (facto provado n.º 11), que viriam a ultimar em 2021 quando conseguiu reunir condições de financiamento junto do Banco 1.... Devem, pois, estes factos 1 e 2 serem dado como provados.”. É o seguinte o teor das alíneas em causa: “1. O 1.º e 2.º réus vivem com um rendimento ilíquido mensal na ordem dos €1000,00. 2. O 1º e 2º réus viviam com um rendimento que não lhes permitia cumprir com o pagamento das prestações do mútuo hipotecário que haviam contraído no Banco 2...”. Tendo em conta que os únicos meios de prova que os recorrentes apresentam como fundamento para a impugnação da não prova destas alíneas são documentos tardiamente juntos com as suas alegações de recurso e que foram mandados desentranhar, é de rejeitar a impugnação desses factos. * Factos 4 e 5 – “A MMª Juiz deu como não provado que os dois cheques do Banco 1... no montante de 24.075,11€ e 97.005,92€, que totalizam 121.081,06€ que era exactamente o valor da dívida dos 1º e 2º Réus ao Banco 2..., não foram emitidos a favor deste. Dos cheques juntos com o Requerimento Refª. 46969051, verifica-se serem cheques bancários do Banco 1... à ordem do 2º Réu, verifica-se nas costas dos mesmos que foram directamente à compensação do Banco 2.... Como foi então que o Banco 2... cancelou a hipoteca que detinha e cuja dívida era exactamente daquele valor? Existe uma contradição entre a matéria dada como provada (ponto 30) e não provada (ponto 4), devendo, pois, estas ser dada como provada”. Recordemos o teor das alíneas impugnadas e daquela que os recorrentes entendem estar em contradição com elas: “4. Os 2 cheques bancários do Banco 1... com os nºs ... e ... de 24.075,11€ e 97.005,92€ referidos em 18 foram emitidos a favor do Banco 2...”. “5. Quem detém a fração A) id. no ponto 14 dos factos provados é o 3.º réu que mantém na mesma a sua habitação própria e permanente” “30) A dívida da 1.ª ré ao Banco 2... decorrente de crédito imobiliário, era em 11/3/2021, no seu conjunto, de 121.081,88 euros”. A primeira evidência que ressalta da argumentação dos apelantes é que a alínea 5 dos factos não provados em nada se relaciona com a anterior ou com o facto dado por provado na alínea 30. Quanto à matéria da alínea 5, aliás, os recorrentes não indicam qualquer meio de prova a reapreciar e nem explicitam qualquer razão para a sua alteração. Quanto à não prova da alínea 4 a mesma não contradiz o teor da alínea 30), pois o facto de os réus/vendedores terem um mútuo bancário no valor aproximado dos cheques que foram emitidos não determina necessariamente que o tenham sido a favor do credor hipotecário. A propósito desta alínea, contudo, os apelantes indicam os meios de prova que querem ver reapreciados, sendo eles os cheques referidos na alínea 4, muito embora não identifiquem por via de que documento os mesmos se encontram juntos ou a data da sua junção. Tal resulta, contudo, da motivação do Tribunal a quo para a não prova dessa alínea, o que permite assim a sua reapreciação: “Quanto ao ponto 18 valoraram-se as cópias dos cheques juntas aos autos em 30/10/2023 resultando da análise desses cheques que dois são cheques bancários emitidos pelo 4.º réu, um no valor de €24.075,11 e outro no valor de €97.005,92 e outro é um cheque emitido pelo 3.º réu valor de €13.918,97, todos emitidos a favor do réu BB, razão pela qual se deu como não provado o ponto 4 dos factos não provados já que os cheques bancários do Banco 1... com os nºs ... e ... de 24.075,11€ e 97.005,92€ não foram emitidos a favor do Banco 2..., mas sim do 2.º réu.”. Ora do teor dos referidos documentos verifica-se que, de facto, os referidos cheques foram emitidos a favor do segundo réu. Coisa diversa é o seu posterior endosso ao Banco 2..., que também não consta do seu verso ter sido feito. Resulta apenas que os referidos cheques foram apresentados a compensação no Banco 2..., SA, desconhecendo-se, contudo, se foram creditados na conta do segundo réu, seu beneficiário, ou a favor do Banco credor, Banco 2..., SA. Ora, o que os recorrentes alegaram no artigo 71 da contestação e foi devidamente julgado não provado foi o seguinte: “Para o que foram emitidos 2 cheques bancários do Banco 1... com os nºs ... e ..., respectivamente de 24.075,11€ e 97.005,92€, a favor do Banco 2..., SA”. Assim, a versão trazida aos autos pelos réus não está demonstrada pelos documentos juntos autos a 30-10-2023, que infirmam mesmo a sua alegação já que deles resulta que os mesmos foram emitidos a favor do segundo réu. Pelo que se mantém a não prova do teor da alínea 4. * Factos 6 e 7 – não existe qualquer elemento ou prova documental nos autos que permita deduzir e menos ainda concluir, que se foram feitos pagamentos depois, os mesmos eram devolvidos ao 3º Réu. De onde se retira esta conclusão? Pois os extractos de conta junto aos autos com a Petição Inicial, tal não é verificável, não existem movimentos daquelas importâncias saídas das contas do 1º e 2º Réus para o 3º Réu, daí que estes factos deveriam ter sido dado como provados.” O teor das alíneas 6 e 7 dos factos não provados é o seguinte: “6. Com exceção das quantias mutuadas, todos os pagamentos feitos pelo 3.º réu provieram de entregas que lhe foram feitas antecipadamente pelos 1.º e 2.º réus, mediante transferência bancária ou depósito em numerário em conta. 7. Ou foram feitos pagamentos pelo 3.º réu aos 1.º e 2.º réus que depois estes lhe devolveram”. Pensamos ter ocorrido manifesta desatenção dos recorrentes na impugnação destas alíneas pois as mesmas, ao contrário do que o seu argumentário parece sustentar, foram julgadas não provadas. Os factos em causa tinham sido alegados nos artigos 43º e 44º da petição inicial, com vista a sustentar a simulação da compra e venda, e a sua não prova é favorável aos recorrentes, desde logo porque permitiu (em conjunto com outras razões) a sua absolvição quanto ao pedido principal declaração de nulidade das compras e vendas julgadas ineficazes. Pelo que, de facto, como alegam os recorrentes, o Tribunal a quo entendeu não ter sido produzida prova dos alegados pagamentos entre os primeiros dois e o terceiro réu. Daí que tais alíneas tenham sido julgadas não provadas, ao contrário do que parecem ter compreendido indevidamente os recorrentes que sustentam a sua não prova apesar de pedirem depois que os mesmos passem a provados. Pelo que se indefere a impugnação da matéria de facto quanto a tais alíneas. * Factos 8 e 9 – “Os Réus não empobreceram o seu património, eles não tinham património, eles tinham eram uma dívida que não conseguiam cumprir e sobre a qual o Banco tinha a garantia hipotecária. Quando muito, os 1º e 2º Réus tinham era uma expectativa, se e quando, cumprissem o pagamento da totalidade da dívida, virem a ser donos e proprietários dos imóveis. O 1º e 2º Réus quiseram efectivamente vender e o 3º Réu quis comprar. A compra e venda foi o mais transparente possível, com o intuito não de enganar ou defraudar, mas para resolver a dívida do 1º e 2º Réus que não tinham condições de cumprir com o Banco 2.... No fundo, o que o 3º Réu comprou, foi ele próprio uma dívida por compra da dívida dos 1º e 2º Réus ao banco. Também estes factos devem ser dado como provados”. O teor das alíneas 8 e 9 dos factos não provados é o seguinte: “8. Os 1.º e 2.º réus não empobreceram o seu património ao alienarem os imóveis mencionados nos pontos 14 e 20 a favor do 3.º réu. 9. Os 1.º e 2.º réus não quiseram vender, e o 3.º réu não quis comprar, as frações id. nos pontos 14 e 20 dos factos provados.” Face ao seu teor, e uma vez mais, há lapso dos recorrentes ao requererem a passagem a provada da alínea 9 acima transcrita. Trata-se de facto relativo à real vontade das partes e caso o mesmo passasse a provado, como pedem, procederia o pedido principal de anulação, por simulação, dos negócios que foram julgados ineficazes. Quanto à alínea 8º, o seu teor é, antes de mais, conclusivo, sendo essa a primeira razão pela qual nunca poderia passar a provado. A afirmação de que determinado negócio resultou (ou não) na diminuição do património de quem nele interveio há de resultar da prova de factos de que decorra qual era esse património antes e depois do negócio, integrando-se nesse cálculo o valor do ativo e do passivo dos devedores. Ora os réus/recorrentes alegaram conclusivamente o seu não empobrecimento (artigo 80º da contestação) e assim o mesmo passou para os factos não provados, o que sequer devia ter sucedido. Os factos de que dependia a conclusão da ocorrência de diminuição da garantia patrimonial alegada pela autora ou que permitiriam afirmar a sua inocorrência foram selecionados pelo Tribunal e são os que estão vertidos nas alíneas 15, 17 a 19, 22 a 25, 28 a 30, 33 a 35 dos factos provados e 3, 4, 6, e 7 dos não provados. Acresce que, uma vez mais, os recorrentes, em vez de indicarem os meios de prova a reapreciar apenas reiteram a alegação que consta repetidas vezes das suas alegações, de que com os negócios em causa o terceiro réu assumiu o pagamento de dívidas dos primeiros pelo que estes não viram diminuído o seu património. Não foi, assim, uma vez mais, cumprido o dever de indicação dos meios de prova a reapreciar. Por tudo o exposto. que improcede também este ponto da impugnação da matéria de facto. * 3- São, assim, os seguintes os factos selecionados pelo tribunal recorrido como relevantes para a decisão da causa: Provados: 1) A 1.ª ré foi admitida pela autora, no ano de 1993, para exercer, mediante retribuição e no âmbito da sua organização e autoridade, as funções de Escriturária de 1ª. 2) Em 26 de maio de 2017, a Autora comunicou à 1ª Ré a instauração de um procedimento disciplinar com vista ao seu despedimento com justa causa, na sequência de factos por esta praticados entre 1 de abril de 2013 e 25 de Abril de 2017, geradores de um prejuízo no montante de, pelo menos, € 330.785,99, factos esses descritos na Nota de Culpa que seguiu em anexo àquela comunicação cuja cópia se encontra junta com a petição inicial sob doc. n.º 1 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 3) Findo o processo disciplinar, a Autora decidiu despedir a 1ª Ré com justa causa e sem direito a indemnização ou compensação em 28 de junho de 2017, nos termos da cópia dessa decisão junta com a petição inicial, comunicando essa decisão à 1ª Ré através de carta datada de 29 de junho de 2017. 4) A 1.ª ré não impugnou judicialmente esse despedimento. 5) A autora, no dia 19 de maio de 2017, apresentou junto da Polícia Judiciária uma participação criminal contra a 1ª Ré nos termos descritos na cópia dessa participação junta com a petição inicial sob doc. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 6) A 1.ª ré foi constituída arguida em 27 de fevereiro de 2019 no âmbito do processo que correu termos sob o n.º ... junto do DIAP, 2.ª seção, do Porto. 7) Em 2 de março de 2020 foi deduzida acusação contra a, aqui, 1.ª ré nesse processo. 8) A, aqui, autora deduziu contra a, aqui, 1.ª ré um pedido de indemnização civil em 3 de dezembro de 2020 no âmbito do processo que correu termos sob o n.º ... do Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 2. 9) A 1ª Ré foi julgada em processo comum (tribunal singular), tendo as sessões de julgamento decorrido nos dias 29 de abril de 2021, 7 de maio de 2021, 14 de maio de 2021, 27 de maio de 2021 e 21 de junho de 2021. 10) Em junho de 2017 os 1.º, 2.º e 3.º réus acordaram entre si que os 1.º e 2.º réus transfeririam a propriedade dos únicos imóveis de que a 1.ª ré era proprietária para o 3.º réu, sendo que, para esse efeito, era necessário pagar os empréstimos que a 1.ª ré havia contraído no Banco 2... por forma a distratar as hipotecas que haviam sido registadas sobre esses imóveis. 11) Para esse efeito o 3.º réu começou a fazer transferências bancárias mensais no valor de 700,00 para a conta dos 1.º e 2.º réus. 12) Por sentença proferida em 5 de Abril de 2022, no processo comum, que correu termos nos Juízos Locais Criminais do Porto, da Comarca do Porto, já transitada em julgado, foi a aqui primeira Ré condenada pela prática de um crime de burla informática e das comunicações, previsto e punível pelo art. 221º, n.º 1, 30 e 79º do Código Penal e pela prática de um crime de falsidade informática, previsto e punível pelo art. 3º, n.º 1 da Lei n.º 109/2009, bem como no pagamento à aqui Autora da indemnização por danos patrimoniais, o valor de € 290.474,85, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação até efetivo e integral pagamento. 13) A 1.ª ré não pagou à autora a quantia referida no ponto 12 a que foi condenada. 14) No dia 8 de abril de 2021, a 1ª Ré e o seu marido, aqui 2º Réu, mediante documento particular denominado de “contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca”, com termo de autenticação efetuado pelo Dr. EE, advogado, com a cédula profissional n.º ..., declararam vender ao filho da 1.ª Ré, aqui 3º Réu, que declarou comprar, pelo preço de €135.000,00, já recebido, a fração autónoma designada pela letra A, correspondente a habitação nos rés-do-chão com entrada pelo n.º ..., com área descoberta ajardinada com 22 m2 e churrasco com área de 12 m2 na parte posterior do prédio, garagem ao nível da cave com área de 52 m2 e área pavimentada descoberta de 23 m2, com entrada pelo n.º ..., do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho da Maia, descrito na 1ª Conservatória do Registo Comercial da Maia sob o n.º ... da freguesia ..., inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ..., com o VPT de € 66.470,00. 15) Através desse mesmo contrato o réu Banco 1... emprestou ao Réu CC, para a aquisição do dito imóvel, a quantia de €88.381,99, da qual este Réu se confessou devedor. 16) A aquisição desse imóvel encontra-se registada, na competente conservatória do registo predial, a favor do 3.º Réu pela AP n.º 3581 de 2021/04/08; 17) Em garantia do referido empréstimo supra referido foi constituída hipoteca voluntária sobre a supra mencionada fração A), registada a favor do 4ª Réu pela presentação n.º 3582, de 2021/04/08. 18) Na data da escritura mencionada em 14 foram emitidos 2 cheques bancários pelo 4.º réu, um no valor de €24.075,11 e outro no valor de €97.005,92 e foi emitido pelo 3.º réu um cheque no valor de €13.918,97, todos emitidos a favor do réu BB. 19) Com o preço da venda do imóvel foi paga a quantia que estava em dívida ao Banco 2... e, consequentemente, obtido o cancelamento da hipoteca que estava constituída a favor dessa Instituição Bancária. 20) No dia 9 de abril de 2021, a 1ª Ré e o seu marido, aqui 2º Réu, mediante documento particular denominado de “contrato de compra e venda”, também autenticado pelo Dr. EE, advogado, com a cédula profissional n.º ..., declaram vender ao filho da 1ª Ré, aqui 3º Réu, a fração autónoma designada pela letra B, correspondente a habitação no 1º andar esquerdo, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Quinta ..., ..., Rua ..., freguesia ..., concelho de Maia, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º ... da freguesia ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ..., com o valor patrimonial de 49.562,45 euros; 21) A aquisição deste imóvel, na competente conservatória do registo predial, encontra-se efetuada a favor do 3.º Réu pela AP n.º 3011 de 2021/04/12; 22) Nessa escritura ficou a constar que o preço da venda no valor de €50.000,00 foi pago da seguinte forma: “a título de sinal, a parte compradora entregou à parte vendedora em 30 de junho de 2017 o montante de 10.000,00 euros com o IBAN de origem ... do Banco 3... (…) O segundo outorgante já entregou a quantia de 32.200,00 euros, através de 46 transferências bancárias de 700 euros, entre 15 de janeiro de 2017 e 15 de março de 2021 (…). No dia de hoje é entregue um cheque sacado sobre o Banco 1... no valor de 7800,00 euros” 23) Na data dessa escritura o 3.º réu emitiu em nome do 2.º réu um cheque com o n.º ... no valor de € 7.800,00. 24) Por contrato escrito de mútuo com hipoteca, outorgado em 8 de abril de 2021, o mesmo Banco Réu emprestou ao aqui terceiro Réu a quantia de €32.580,00; 25) Em garantia desse empréstimo foi constituída hipoteca voluntária sobre a supra mencionada fração A), registada a favor do 4ª Réu pela presentação n.º 3583, de 2021/04/08. 26) A 1.º ré mantém o seu domicílio no imóvel sito na Rua ..., ..., rés-do-chão, aí desenvolvendo a 1.ª ré a sua atividade profissional, nos exatos termos em que o fazia antes da venda mencionada em 14. 27) As compras e vendas mencionadas em 14 e 20 foram efetuadas sem mediação imobiliária e sem publicitação ou anúncio de venda. 28) O valor de mercado da fração mencionada no ponto 14 ascendia em abril de 2021 a cerca de 180.000,00 euros. 29) O valor de mercado da fração mencionada no ponto 20 ascendia em abril de 2021 a cerca de 140.000,00 euros. 30) A dívida da 1.ª ré ao Banco 2... decorrente de crédito imobiliário, era em 11/3/2021, no seu conjunto, de 121.081,88 euros. 31) Os 1.º, 2.º e 3.º réus outorgaram as escrituras de compra e venda mencionadas nos pontos 14 e 20 para que a propriedade desses imóveis deixasse de estar registada a favor da 1.ª ré visto que os mesmos estavam conscientes que a 1.ª ré corria o risco de ser obrigada a ressarcir a autora. 32) Os 1.º, 2.º e 3.º réus outorgaram as escrituras de compra e venda referidas nos pontos 14 e 20 com o propósito deliberado de subtraírem as frações autónomas à garantia do crédito da autora e, dessa forma, impedir que esta visse, ainda que parcialmente, ressarcido o seu crédito. 33) O património da autora era apenas constituído pelas frações descritas nos pontos 14 e 20. 34) O cheque no valor de €13.918,97 referido no ponto 18 foi depositado na conta dos 1.º e 2º réus. 35) O cheque no valor de € 7.800,00 referido no ponto 23 dos factos provados foi depositado na conta dos 1.º e 2º réus.” Não provados: “1. O 1.º e 2.º réus vivem com um rendimento ilíquido mensal na ordem dos €1000,00. 2. O 1º e 2º réus viviam com um rendimento que não lhes permitia cumprir com o pagamento das prestações do mútuo hipotecário que haviam contraído no Banco 2.... 3. O 3.º réu entregou em 30 de junho de 2017 à 1.ª ré o montante de €10.000,00 a título de sinal conforme mencionado na escritura referida no ponto 20 dos factos provados. 4. Os 2 cheques bancários do Banco 1... com os nºs ... e ... de 24.075,11€ e 97.005,92€ referidos em 18 foram emitidos a favor do Banco 2.... 5. Quem detém a fração A) id. no ponto 14 dos factos provados é o 3.º réu que mantém na mesma a sua habitação própria e permanente. 6. Com exceção das quantias mutuadas, todos os pagamentos feitos pelo 3.º réu provieram de entregas que lhe foram feitas antecipadamente pelos 1.º e 2.º réus, mediante transferência bancária ou depósito em numerário em conta. 7. Ou foram feitos pagamentos pelo 3.º réu aos 1.º e 2.º réus que depois estes lhe devolveram. 8. Os 1.º e 2.º réus não empobreceram o seu património ao alienarem os imóveis mencionados nos pontos 14 e 20 a favor do 3.º réu. 9. Os 1.º e 2.º réus não quiseram vender, e o 3.º réu não quis comprar, as frações id. nos pontos 14 e 20 dos factos provados. 10. O 4.º réu sabia que o negócio celebrado entre os 1.º e 2.º réus e o 3.º réu não correspondia a um negócio real e que estava a ser realizado com o intuito de defraudar os credores dos vendedores. 11. O 4.º réu estava consciente do conluio entre os demais réus para passarem o património para a esfera do 3.º réu e, assim, defraudarem a autora”. * 4 – É em face destes factos que se deverá aferir da anterioridade do crédito da autora em relação aos negócios julgados ineficazes, da diminuição da garantia de cumprimento do mesmo, bem como da má-fé dos outorgantes das compras e vendas. Recordemos o que consta das conclusões do recurso quanto à fundamentação de direito que os apelantes censuram: “3. Não foi feita prova da existência de um crédito anterior à compra e venda. 4. Bem como não foi feita prova da diminuição da garantia patrimonial do crédito, pois quando este crédito se concretizou, os bens já não faziam parte do património dos 1º e 2º Réus. 5. Não se verificou requisito de má-fé, o negócio foi transparente, oneroso, recorrendo ao crédito bancário, apos a avaliação dos imóveis pelo banco.”. É manifesto que no ponto 4 das conclusões os recorrentes não se referem propriamente à diminuição da garantia patrimonial, mas, de novo, à anterioridade do crédito. Não deixaremos, todavia, de conhecer dos três requisitos da procedência da ação a que se referem, ainda que de forma pouco sustentada. A impugnação pauliana consiste na faculdade que a lei concede aos credores de atacarem judicialmente certos atos válidos ou mesmo nulos celebrados pelos devedores em seu prejuízo[8]. A lei concede aos credores a possibilidade de tornarem ineficazes em relação a si os atos celebrados pelos devedores em seu prejuízo[9]. Ao credor que impugna com êxito o ato do devedor cabe o direito à restituição dos bens na medida do seu interesse. Constituem requisitos da impugnação pauliana: - a prática de atos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito, isto é, diminuição dos valores patrimoniais que, nos termos do artigo 601º, respondem pelo cumprimento da obrigação, e não sejam de natureza pessoal; - a anterioridade do crédito, no sentido de que o crédito deve ser anterior ao ato a impugnar, ou, sendo posterior, ter sido o ato realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; e - a impossibilidade ou agravamento de impossibilidade de satisfação integral do crédito por virtude do mesmo ato. Tratando-se de ato oneroso é ainda necessária a má fé, tanto do devedor como do terceiro, entendendo-se por má-fé a consciência do prejuízo que o ato cause aos credores (artigo 612.º do Código Civil). Quanto à consciência do prejuízo por parte dos três réus recorrentes a mesma é óbvia face à relação de parentesco entre eles e à coincidência temporal com que ocorreu, por um lado o despedimento da primeira ré (28-06-2017), a queixa crime contra ela deduzida (19 de maio de 2017) bem como o seu julgamento em processo comum singular (iniciado em 29 de abril de 2021 em que veio a ser condenada e onde fora deduzido pedido de indemnização cível que foi do seu conhecimento em data anterior à da marcação dessa audiência de julgamento) e, por outro lado, as duas vendas em causa nos autos, outorgadas em 8 e 9 de abril de 2021, pelas quais todo o património imobiliário da devedora foi alienado ao seu filho. Dada a conjugação dos factos provados com as regras da experiência comum entende-se poder julgar-se suficientemente evidenciado que todos os outorgantes dessas compras e vendas sabiam que os negócios jurídicos que celebraram agravaram a impossibilidade de satisfação do crédito da aqui autora. A coincidência temporal acima sublinhada, o facto de o sujeito jurídico que adquiriu ambos os imóveis ser filho da devedora e a circunstância de não ter havido a tradição da coisa - continuando a devedora a residir num dos imóveis que vendeu ao seu filho -, indiciam, com segurança bastante, que o adquirente sabia que com os negócios em que participou os primeiros requeridos alienavam todo o seu património assim ficando os respetivos credores sem qualquer garantia patrimonial, entre eles a autora - que fora entidade patronal da sua mãe e que a despedira por justa causa invocando prejuízo de 330.785,99 € na nota de culpa de que lhe deu conhecimento em 26 de maio de 2017, tendo deduzido contra ela queixa crime e pedido de indemnização cível muito antes da data das alienações em causa. Daí ter o Tribunal a quo concluído que o móbil dos outorgantes na celebração de ambas as compras e vendas foi o de “que a propriedade desses imóveis deixasse de estar registada a favor da 1.ª ré visto que os mesmos estavam conscientes que a 1.ª ré corria o risco de ser obrigada a ressarcir a autora”, como resulta da alínea 31 dos factos provados. Pelo que é de acompanhar a sentença recorrida quando sustenta que esta sequência de acontecimentos aponta para uma atuação que visou apenas subtrair à penhora o património imobiliário da primeira ré. Defendem, ainda, os recorrentes que o crédito em causa é posterior às vendas cuja eficácia a autora pretende pôr em crise. A sentença que o reconheceu data de 5 de abril de 2022 e transitou em julgado. Todavia, a anterioridade do crédito que é causa de pedir está já assente por sentença transitada em julgado, em processo que foi considerado prejudicial a esta causa exatamente por se reconhecer que o caso julgado ali formado aqui era relevante. Não pode, como pretendem os recorrentes, confundir-se a data do reconhecimento judicial de um crédito (ou mesmo a data da instauração da ação com vista à sua cobrança) com a data da constituição desse crédito. A anterioridade do crédito afere-se pela data da sua constituição e não pela data do seu vencimento. O critério de fixação da data de constituição do crédito depende da sua causa ou origem, No caso em apreço a mesma radica na prática de atos ilícitos (de apropriação pela ré de quantias pertencentes à autora) que geraram o dano que a ré foi condenada a indemnizar e tais atos são muito anteriores aos negócios impugnados. O crédito indemnizatório fundado na responsabilidade civil extracontratual nasce com a prática do evento danoso que é determinante da obrigação (que no caso é de restituir as quantias de que indevidamente se apropriou). Do artigo 805.º do Código Civil decorre mesmo que no caso de crédito decorrente de facto ilícito há mora mesmo antes da interpelação[10]. Ainda que assim não se entendesse, deve ter-se presente que a segunda parte da alínea a) do artigo 610.º do Código Civil admite a impugnação pauliana relativa a créditos posteriores aos atos de disposição patrimonial desde que se demonstre que estes foram realizados dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor. Tais situações, habitualmente designadas de “fraude preordenada” podem ser fundamento de impugnação pauliana desde que o devedor aja com a intenção de impedir a satisfação do futuro crédito. Ora, dos factos provados, nomeadamente da sua alínea 31, resulta manifesto que a primeira ré pretendeu evitar a execução dos seus bens imóveis pela autora em data anterior à da condenação que previa poder vir a ser decidida, como foi. Pelo que também por essa razão sempre se concluiria pela procedência da impugnação pauliana. Não é, todavia, necessário aplicar tal normativo, já que sentença proferida nos autos de processo comum singular em que a ré foi condenada, transitou e faz caso julgado quanto a todo o seu teor, nomeadamente quanto à data ou datas de constituição dos créditos da autora sobre aquela. Da mesma resulta que o crédito da ali demandante decorre da prática de atos ilícitos muito anteriores às compras e vendas impugnadas. Trata-se, pois, de crédito anterior aos negócios jurídicos que se querem impugnar, facto que já não pode ser discutido nestes autos e não se confunde com a data do seu reconhecimento judicial. Resta-nos, por último, a apreciação do requisito previsto na alínea b) do artigo 610º do Código Civil. Embora a lei exija que ocorra aquele requisito (“resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade”), o certo é que o artigo 611.º do Código Civil abre uma exceção à regra geral do ónus da prova estabelecido no artigo 342.º do mesmo Código (como o permite o número 1 do artigo 344.º): o credor apenas tem de provar o montante das dívidas, enquanto o devedor terá de fazer “a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor”[11] É assim de concluir que havendo dissipação de património, “uma vez provada a dívida, a lei desde logo como que faz presumir a referida impossibilidade ou o seu agravamento, fazendo incidir sobre o devedor a obrigação de a elidir”[12]. A atuação dos réus traduziu uma dissipação do património imobiliário da primeira ré que, nos termos do artigo 601º, responde pelo cumprimento da obrigação. Tendo sido provada a dívida, os réus não lograram elidir a presunção da referida impossibilidade ou, pelo menos, da maior dificuldade da sua satisfação por via da sua atuação. Pelo que não se vê qualquer razão para a revogação da sentença sob recurso, que se mostra inteiramente fundamentada de facto e de direito. * Em face do seu decaimento, serão os recorrentes condenados nas custas do recurso, face ao disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
V – Decisão: 1. Julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. 2. Ordena-se o desentranhamento dos documentos juntos com as alegações de recurso condenando os recorrentes nas custas do incidente, que se fixam em uma UC. 3. Custas pelos recorrentes. |