Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANABELA MIRANDA | ||
Descritores: | EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE RENDIMENTO INDISPONÍVEL DO INSOLVENTE | ||
Nº do Documento: | RP202406182527/23.7T8STS-B.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/18/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | O tribunal tem competência, à luz das normas jurídicas aplicáveis, para fixar o rendimento indisponível do insolvente, ou seja, o rendimento dispensado de ser por ele entregue ao fiduciário, e não o disponível que advirá ao insolvente, fruto da sua actividade laboral. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 2527/23.7T8STS-B.P1
Relatora: Anabela Andrade Miranda Adjunto: Artur Dionísio do Vale dos Santos Oliveira Adjunta: Maria Eiró * Sumário ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I—RELATÓRIO AA, divorciado, com domicílio na Rua ..., ... Santo Tirso, requereu a declaração de insolvência, alegando que é divorciado, tem dois filhos menores e na sequência da dissolução do seu casamento, no ano de 2017, a situação pessoal e financeira deteriorou-se pois a sociedade comercial de que o Requerente juntamente com a sua ex-mulher eram sócios foi declarada insolvente. Essa sociedade comercial de que o Requerente foi sócio e gerente foi declarada insolvente com várias dívidas, nomeadamente à Autoridade Tributária e à Segurança Social, que reverteram sobre o Requerente. Acresce, ainda, apesar de o Requerente ter avisado que não tinha condições financeiras para suportar tais encargos, foram contraídas dividas no colégio que os filhos, à data, frequentavam, e que não foram pagas. É empregado de escritório numa imobiliária auferindo o salário mínimo nacional, vive numa casa que lhe está a ser disponibilizada por familiares e apenas vai sobrevivendo graças à ajuda dos mesmos e de amigos. Paga mensalmente de pensão de alimentos a quantia de €300,00e outras despesas dos filhos. Declarou, ainda, que decorrido o prazo legal pretende beneficiar da exoneração do passivo restante que ainda exista. * Por sentença, proferida em 11/09/2023, o Requerente foi declarado insolvente. * Na sequência da apresentação do relatório e do parecer do Administrador da Insolvência, a Credora, BB, ex-cônjuge do devedor, apresentou requerimento do seguinte teor: “(…) incorre o AI no que à actividade do insolvente diz respeito, que se queda pela conclusão de que o insolvente desenvolve uma atividade de natureza administrativa, “aqui e ali” alavancada por pequenos negócios ligados ao comércio de habitações! 7. Para que se perceba a dimensão desses pequenos negócios, o insolvente tem actualmente em carteira imóveis cujo valor total ascende a 8.349.900,00 (oito MILHÕES trezentos e quarenta e nove mil e novecentos euro), vide doc. 2 da reclamação! 8. Importaria pois perceber, que diligências levou o AI a cabo, para além das informações obtidas em discurso direto com o insolvente, que lhe tenha permitido tão brilhante conclusão! 9. Contactou o AI a imobiliária A..., Lda afim de quantificar as comissões recebidas pelo insolvente nos seus pequenos negócios? 10.Pequenos negócios que lhe permitem ter a seu cargo uma equipa! 11.Que lhe permitem ostentar a categoria de “Agente Líder”, e que seja distinguido na sua actividade, recebendo como prémios viagens a locais paradisíacos, no caso, ... em 2022 e para o ... este ano (o mês passado)? 12.Impõe-se portanto, que o AI esclareça os autos das diligências levadas a cabo. 13.Isto porque, em causa está desde logo a declarada situação de insolvência do insolvente, mas também a massa insolvente e os interesses dos credores, que importa acautelar. Requer a V.ª Ex.ª se digne notificar a imobiliária A..., Lda., sociedade com sede na Rua ..., ... ... Braga, para que junte aos autos cópia das escrituras de compra e venda dos seguintes imóveis por si vendidos, bem como as comissões pagas ao insolvente, devendo demonstrar documentalmente tais pagamentos: Armazém – ..., ref.ª ... Apartamento - T4 Vila do Conde, ref.ª ... Armazém – ..., ref.ª ... Apartamento - T2+1, Maia, ref.ª ... Apartamento - T2+1, ..., ref.ª ...” * O tribunal ordenou as diligências necessárias para se apurar a real situação financeira do insolvente, e proferiu o seguinte despacho: “Questão prévia: A análise do relatório do Sr. AI mostra-se pendente desde o despacho proferido em 17.11.2023 (referência 453947334). Foram realizadas as diligências tidas por necessárias na sequência dos requerimentos da credora BB, tendo sido cumprido o contraditório. A requerente, é ex-cônjuge do insolvente, importando aos autos apurar se os rendimentos que o insolvente disse ser possuidor, correspondem àqueles que são referidos na presente informação, ou seja os mencionados € 67.743,48. Recolhidos os elementos quantos a alegados pagamentos devidos por comissão na venda dos imóveis, resultou: Armazém – ..., ref.ª ... Apartamento - T4 Vila do Conde, ref.ª ... Armazém – ..., ref.ª ... Apartamento - T2+1, Maia, ref.ª ... Apartamento - T2+1, ..., ref.ª ... O insolvente, não é trabalhador da A... Lda., nem tem com esta sociedade vínculo laboral, ou de qualquer outra natureza. A A... Lda. não tem como objeto a mediação, pelo que não tem ao seu dispor a informação e documentação requerida. O insolvente é trabalhador da sociedade B..., Lda., com o NIPC ..., pelo que todas as notificações referentes ao processo em assunto lhe devem ser remetidas. No âmbito da sua atividade de mediação, em 1 de julho de 2020, a B..., Lda. celebrou um “Contrato de Prestação de Serviços de Angariador Imobiliário Associado” com a sociedade C..., Lda. Para a promoção dos negócios imobiliários, concretamente, os identificados na notificação a que se responde, quer a B..., Lda. quer a dita sociedade, alocam consultores imobiliários para desenvolveram a atividade promocional relativas aos imóveis. No caso, a sociedade C..., Lda, e quanto aos negócios em questão, alocou para a promoção dos imóveis em causa, entre outros, o consultor AA, o qual é trabalhador da referida sociedade, conforme cópia do contrato de trabalho que foi facultado por aquela à B..., Lda. Nesse contrato de trabalho sem termo, datado de 19 de dezembro de 2022, o insolvente foi contratado para desempenhar as funções da categoria profissional de escritório em geral. Foram remetidas seis faturas, todas pagas pela B..., Lda., emitidas pela sociedade C... Lda relativas aos negócios elencados na notificação remetida. A gerência da sociedade C..., Lda é exercida pelo gerente AA (vd. certidão permanente da sociedade junta com a referência 47904196). Atentos os factos supra, o Tribunal não olvida os prints que a credora BB juntou aos autos, atestando que o insolvente tem atuado como consultor imobiliário de diversos imóveis para venda, representando a sociedade C..., Lda. no âmbito do Contrato de Prestação de Serviços de Angariador Imobiliário Associado com a B..., Lda. E se o insolvente exerce efetivamente funções como consultor imobiliário, situação confirmada pela sociedade B..., Lda., o que se apurou é que o mesmo atua nessa qualidade ao serviço da sociedade C..., Lda, sendo que os valores faturados pertencem à sociedade e não ao insolvente, não sendo esta a sede própria para discutir a repartição dos eventuais lucros da sociedade pelos seus sócios. Nessa medida, não se apurou que o montante de € 67.743,48 seja rendimento de natureza independente do insolvente. De qualquer forma, quaisquer rendimentos que venham ser obtidos pelo insolvente no âmbito da atividade de consultor imobiliário (para além dos rendimentos do trabalho dependente) serão tidos em consideração no âmbito do período de cessão que decorrerá no âmbito do incidente da exoneração do passivo restante. Acresce que no âmbito do relatório do Sr. AI junto aos autos, nas buscas efetuadas, (25.09.2023 e mais tarde em 17.11.2023), nenhum património foi apurado. Nessa medida, não tendo sido juntas outras provas do alegado, terão de ser tidas como válidas e verdadeiras as informações prestadas pelo insolvente ao Sr. AI, para elaboração das informações juntas aos autos. Note-se que a afetação do insolvente na qualificação culposa proferida no processo n.º 6872/18.5T8VNG-B (referente à sociedade D..., Lda) produz os efeitos determinados na sentença proferida no apenso B de tais autos, confirmada pelo acórdão proferido em 30.04.2020 pelo Tribunal da Relação do Porto (processo analisado via citius). No mais, o relatório do Sr. AI desenvolve tal matéria no âmbito do ponto 6.2.1 – do facto gerador da insolvência, concluindo pela insolvência fortuita, situação que nenhum credor veio colocar em crise. Atenta a prova documental junta e na ausência de quaisquer outros meios probatórios requeridos, não se vislumbram úteis quaisquer outras diligências. Pelo exposto, nada mais há a determinar tendo em vista apurar outro património do devedor, pelo que se conhecerá do relatório do Sr. AI e do pedido liminar de exoneração do passivo restante.” * Seguidamente o processo foi declarado encerrado por insuficiência da massa insolvente e proferiu-se decisão sobre a exoneração do passivo restante: “II - Da exoneração do passivo restante: Nos termos do disposto no art. 235.º do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 200/2004, de 18 de Agosto, Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, Decreto-Lei n.º 282/2007, de 07 de Agosto e Decreto-Lei n.º 116/2008, de 04 de Julho), “se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste”. Resulta do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004 de 18 de Março que se está na presença do “princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a possibilidade de os devedores singulares se libertarem de algumas das suas dívidas e assim lhes permitir a sua reabilitação económica”, denominado como de fresh start, concedendo-lhe a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não foram integralmente pagos no processo ou nos 5 anos posteriores ao encerramento deste, restando-lhe uma nova oportunidade de vida – vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9/01/2006, P.º 0556158 (www.dgsi.pt). Decidida a questão prévia que foi colocada à apreciação do Tribunal, não foi apresentada qualquer oposição ao pedido de exoneração de passivo restante – o que aqui se dá por reproduzido – que tenha o alcance fundamentado para indeferir liminarmente o mesmo, cumprindo assim ao tribunal proferir despacho a que alude o n.º 2 do art. 239.º do CIRE. Consta dos autos CRC do insolvente o qual atesta que o mesmo não tem antecedentes criminais. Foram juntos os assentos de nascimento dos dois filhos menores. Deverá ser atendida a escala da OCDE - a «escala de Oxford», para determinação da capitação dos rendimentos de um agregado familiar, temos que o índice 1 é atribuído ao 1.º adulto do agregado familiar e o índice 0,7 aos restantes adultos do agregado familiar, enquanto às crianças se atribui sempre o índice 0,5 (vd. nesta matéria acórdão da Relação de Lisboa de 11.10.2016, disponível em www.dgsi.pt http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/d24197e1214da0458025805 600500e32?OpenDocument), Atentas as condições pessoais do devedor e do seu agregado familiar (devedor e dois filhos menores, pelos quais paga € 300,00 de pensão de alimentos), que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais e não impugnadas, nos termos do art. 239.ºns. 1 e 2 do CIRE, o tribunal determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência (art. 230.º CIRE), o rendimento disponível que o devedor venha a auferir, i.e., todos os rendimentos que advenham ao insolvente, com exclusão dos previstos nas als. a) e b) do n.º3 do art. 239.º, se considera cedido ao Sr. Administrador da Insolvência destes autos, na qualidade de fiduciário, ficando salvaguardado para o devedor, durante o período de cessão - os referidos cinco anos após o encerramento do processo, início que tem lugar com a prolação deste despacho - art. 237 b) do CIRE, a quantia correspondente a 1 salário mínimo nacional + o valor da pensão de alimentos de € 300,00 (*12 meses), tendo o pagamento de ser comprovado junto do Sr. Fiduciário, ficando o mesmo obrigado a observar as imposições previstas no n.º 4 do art. 239.º do CIRE, devendo, no entanto, o devedor ajustar os gastos mensais em face do presente incidente e do beneficio que no final do período dos três anos virá a obter, implicando, por isso, entretanto um sacrifício por parte do mesmo, em face dos interesses dos credores, ficando a mesma obrigada a observar as imposições previstas no n.º 4 do art. 239.º do CIRE. * Pelo exposto, determina-se, nos termos do disposto no art. 239º, n.º 2, que nos cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência o rendimento global disponível que o Insolvente venha a auferir seja entregue ao fiduciário que for designado, com exclusão dos rendimentos previstos nas als. a) e b) do n.º 3 do art. 239º, designadamente, com exclusão do rendimento correspondente a 1 salário mínimo nacional + o valor da pensão de alimentos de € 300,00 (*12 meses), tendo o pagamento de ser comprovado junto do Sr. Fiduciário. (sublinhado nosso) Fica o devedor advertido para o facto de a exoneração do passivo ser revogada no caso de se verificarem as circunstâncias previstas nas als. b) e ss. do n.º1 do art. 238.º ou violar dolosamente as suas obrigações durante o período de cessão, e por algum desses motivos tenham prejudicado de forma relevante a satisfação dos credores da insolvência. Qualquer alteração de morada ou das condições familiares deve ser imediatamente comunicada ao Fiduciário e aos autos. * A título de remuneração do trabalho desenvolvido pelo Fiduciário, em cada ano do período de cinco anos de cessão, fixa-se a quantia de 1,5 UC por ano, a adiantar pelo IGFEJ, o que já inclui as despesas, e a reavaliar caso, por qualquer motivo, se justifique ou venham a ser cedidas algumas quantias pelo insolvente que ultrapasse o valor legal de 10% da quantia recebida nesse ano. * Notifique o devedor, o Sr. AI e os credores, e cumpra a secção o previsto nos arts. 37.º e 38.º ex vi arts. 230.º, n.º 2 e 247.º do CIRE. * Verifique e dê-se pagamento (arts. 23º/1 e 29º/2 e 8, da Lei nº 22/2013, de 26 de fevereiro) a adiantar pelo IGFPJ das quantias (1as e 2as prestações) devidas a título de remuneração e despesas e que ainda não tenham sido pagas ao AI, sendo esse o caso. * Ficam os autos a aguardar relatório anual – art. 240/2 do CIRE.” ** Inconformada com o despacho, a Credora acima identificada interpôs recurso finalizando com as seguintes Conclusões I.Tendo o Tribunal constatado que o insolvente desenvolve a actividade de consultor imobiliário, facto que foi sempre por ele negado mesmo perante todas as evidências. II. Tendo ainda verificado que o insolvente representa a sociedade C..., Lda. no âmbito do Contrato de Prestação de Serviços de Angariador Imobiliário Associado com a B..., Lda. III.E que essa sociedade é totalmente detida pelo pai do insolvente, tendo assim o domínio da informação a prestar em sede de rendimentos do insolvente. IV. Tendo-se ainda apurado que a actividade de consultor imobiliário levada a cabo no ano de 2023 se traduziu num rendimento no valor de 67.743,48€. V. Remeter, sem mais, os rendimentos do insolvente resultantes da actividade de consultor imobiliário (para além dos rendimentos do trabalho dependente) para o âmbito do período de cessão que decorrerá no âmbito do incidente da exoneração do passivo restante, onde serão aí considerados. VI. Ante tudo o exposto, é conferir nessa parte ao despacho proferido um efeito prático nulo, porquanto é certo e sabido que o insolvente continuará a auferir, somente, o ordenado mínimo nacional. VII.O que impedirá que seja cedido um qualquer montante à massa insolvente, propósito único do insolvente. * II—Delimitação do Objecto do Recurso A questão principal decidenda, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em saber se o tribunal devia ter fixado um rendimento ao insolvente decorrente da actividade de consultor imobiliário. * III—FUNDAMENTAÇÃO (dão-se como reproduzidos os actos acima descritos) e os factos que constam do despacho: -O insolvente é trabalhador da sociedade B..., Lda., com o NIPC .... -No âmbito da sua atividade de mediação, em 1 de julho de 2020, a B..., Lda. celebrou um “Contrato de Prestação de Serviços de Angariador Imobiliário Associado” com a sociedade C..., Lda. -Para a promoção dos negócios imobiliários, quer a B..., Lda. quer a dita sociedade, alocam consultores imobiliários para desenvolveram a atividade promocional relativas aos imóveis. -A sociedade C..., Lda, e quanto aos negócios em questão, alocou para a promoção dos imóveis em causa, entre outros, o consultor AA, o qual é trabalhador da referida sociedade, conforme cópia do contrato de trabalho que foi facultado por aquela à B..., Lda. -Nesse contrato de trabalho sem termo, datado de 19 de dezembro de 2022, o insolvente foi contratado para desempenhar as funções da categoria profissional de escritório em geral. -Foram remetidas seis faturas, todas pagas pela B..., Lda., emitidas pela sociedade C... Lda relativas aos negócios elencados na notificação remetida. -A gerência da sociedade C..., Lda é exercida pelo gerente AA (vd. certidão permanente da sociedade junta com a referência 47904196). * IV-DIREITO A única questão suscitada no recurso traduz-se em saber se o tribunal devia ter fixado ao insolvente um rendimento pela actividade que exerce no sector imobiliário. Quadro Normativo O processo de insolvência caracteriza-se por ser uma execução universal cuja finalidade consiste em satisfazer os credores pela forma prevista no plano de insolvência baseado na recuperação da empresa ou quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e na repartição do produto obtido pelos credores (cfr. art.º1, n.º1 do CIRE), devendo ser assegurando o cumprimento do princípio par conditio creditorum. Assim sendo, os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do CIRE durante a pendência do processo de insolvência (cfr. art.º 90.º). A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração da insolvência bem como os bens ou direitos que ele adquira na pendência do processo—cfr. art. 46.º, n.º 1 do CIRE. Constituindo a liquidação do património do devedor uma das fases destinada justamente ao pagamento dos créditos, através da distribuição, em conformidade com a sentença de graduação, do produto obtido, a apreensão dos bens que integram a massa insolvente é logo decretada na sentença que declara a insolvência com vista a assegurar aquele desiderato-v. art.º 36.º, n.º 1, al. g) do CIRE. A apreensão de bens, como clarifica Maria do Rosário Epifânio,[1] apresenta uma dupla função: por um lado, reveste natureza conservatória, pois visa precludir qualquer desvio dos bens destinados à satisfação dos credores; por outro lado, é indispensável à liquidação dos bens integrantes da massa insolvente. Daqui resulta, em resumo, que a satisfação dos credores, através da execução universal, implica que todos os bens do devedor sejam entregues ao administrador da insolvência, inclusive valores monetários, que irão integrar a massa insolvente e eventualmente, seguir-se-á a fase de liquidação na hipótese de existirem bens susceptíveis de serem vendidos. Após ter sido apresentado o relatório do Administrador da insolvência, a Recorrente apresentou um requerimento através do qual alegou que o insolvente aufere comissões por exercer também a actividade de consultor imobiliário. Consequentemente, foram realizadas diligências, tendo o tribunal concluído, perante os factos apurados, que o insolvente exerce funções de angariador imobiliário. Porém, foi esclarecido que o insolvente não trabalha por conta própria mas sim ao serviço da sociedade “C..., Lda”, e nessa medida, não foi apurado que o montante de € 67.743,48 seja rendimento de natureza independente do insolvente. Com relevância também foi declarado, no despacho, que “quaisquer rendimentos que venham ser obtidos pelo insolvente no âmbito da atividade de consultor imobiliário (para além dos rendimentos do trabalho dependente) serão tidos em consideração no âmbito do período de cessão que decorrerá no âmbito do incidente da exoneração do passivo restante.” Portanto, em primeira linha, esta averiguação teve interesse para o tribunal apurar se o insolvente tinha, no seu património, valores monetários por forma a que pudessem ser integrados na massa insolvente. Por outro lado, atendendo ao pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo insolvente, o tribunal passou a estar ciente que não aufere apenas o salário mínimo nacional como empregado de escritório mas também as designadas comissões no desenvolvimento da actividade de angariador imobiliário. No recurso interposto do despacho em causa, a Recorrente manifestou o seu inconformismo por não ter sido fixado ao insolvente um rendimento decorrente dessa actividade de consultor imobiliário. A primeira nota que sobressai da argumentação recursiva é a de de que estamos uma questão que a Recorrente suscita pela primeira vez nesta sede de recurso. Com efeito, no requerimento que apresentou no tribunal a quo apenas estava em causa confirmar ou não as informações constantes do relatório do Administrador Judicial no que respeita aos rendimentos auferidos pelo insolvente e eventualmente, no caso de se verificar que efectivamente tinha na sua posse o montante de 67.743,48€, resultante da actividade imobiliária, determinar-se a apreensão dessa quantia elevada para a massa insolvente. O objectivo que o requerimento da Credora pretendia almejar consistia em demonstrar que o Insolvente não exerce apenas uma actividade de trabalhador de escritório (auferindo o salário mínimo nacional) mas, principalmente, que desenvolve funções como angariador imobiliário, o que lhe permite receber comissões monetárias de elevado montante. Na altura, não solicitou ao tribunal que fixasse um rendimento ao insolvente por ser consultor imobiliário. Por conseguinte, afigura-se-nos que esta questão não foi apreciada na 1.ª instância, por não ter sido requerida a fixação de um rendimento ao insolvente, razão pela qual constitui uma questão nova. Como se sabe, não havendo motivo para indeferimento liminar, é proferido despacho inicial a determinar que, no referido período de três anos de cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a uma entidade designada por fiduciário (cfr. art. 239.º, n.º 2 do CIRE). E, segundo o n.º 3, al. b) i) deste preceito legal, integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor com exclusão, além do mais, do sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional. Seguidamente ao despacho impugnado proferiu-se decisão que apreciou o pedido de exoneração do passivo restante tendo sido determinado que “o rendimento disponível que o devedor venha a auferir, i.e., todos os rendimentos que advenham ao insolvente, com exclusão dos previstos nas als. a) e b) do n.º3 do art. 239.º, se considera cedido ao Sr. Administrador da Insolvência destes autos, na qualidade de fiduciário, ficando salvaguardado para o devedor, durante o período de cessão - os referidos cinco anos após o encerramento do processo, início que tem lugar com a prolação deste despacho - art. 237 b) do CIRE, a quantia correspondente a 1 salário mínimo nacional + o valor da pensão de alimentos de € 300,00 (*12 meses), tendo o pagamento de ser comprovado junto do Sr. Fiduciário, (…)” (sublinhado nosso) O tribunal tem competência, à luz das normas jurídicas aplicáveis, para fixar o rendimento indisponível, ou seja, que está dispensado se ser entregue ao fiduciário, e não o disponível que advirá ao insolvente, fruto da sua actividade laboral. Perante as razões aduzidas, confirma-se a decisão impugnada. * V-DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso e em consequência, confirma-se a decisão. Custas pela Recorrente. Notifique. |