Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
25509/18.6T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
Nº do Documento: RP2024091025509/18.6T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 09/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Para que o tribunal ordene a suspensão da causa com fundamento em causa prejudicial há que verificar se:
- a causa a suspender está dependente do julgamento de outra;
- se a ação prejudicial está já proposta;
- que não há fundadas razões para crer que a ação prejudicial foi intentada apenas para obter a suspensão;
- e que a causa dependente não está tão adiantada que os prejuízos da suspensão superam as vantagens desta.
II - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 255509/18.6 T8PRT-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local do Porto – Juiz 9






Recorrente – AA
Recorrida – A..., Ld.ª



Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Fernando Vilares Ferreira
Desemb. Rui Moreira









Acordam no Tribunal da Relação do Porto



I – A..., Ld.ª intentou a 3.12.2018, no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local do Porto a presente ação para divisão de coisa comum contra:
1- Herança de BB, representada pela cabeça de casal AA, bem como, contra os seus herdeiros;
2- AA, e
3- CC, tendo por objeto o prédio urbano sito na Rua ..., Porto, descrito na Conservatória de Registo Predial do Porto, sob o n.º ...44 e inscrito na matriz predial sob o artigo ...58.º, na união de freguesias ..., ..., ..., ..., ..., ..., concelho do Porto, arrogando-se o autor a 3/4 do referido direito de propriedade, sendo os restantes 1/4 pertença da aludida herança, pedindo que se proceda judicialmente à sua divisão, por adjudicação ou venda, com repartição do respetivo valor, com as devidas e legais consequências.
Depois da ré ter deduzido contestação em 11.04.2019, e onde, além do mais alegou que: “…5º a simples análise do documento autêntico (certidão permanente emitida pela Conservatória do Registo Predial do Porto), que, aliás, foi junto e usado pela demandante, revela que existem, pelo menos, dois comproprietários que não foram trazidos à ação, a saber:
DD, que será comproprietária na proporção de ¼;
EE, casado no regime da comunhão geral de bens com FF, que deterão1/20. (…). II – POR IMPUGNAÇÃO 7º Face ao contido na certidão a que se alude no art.º 5º, não é rigoroso o que a A. afirma no art.º 2º, quanto ao seu quinhão no prédio em causa, e isso se impugna”.
A ação seguiu depois os seus normais termos legais e, por fim, foi proferida sentença de onde consta: “Nestes termos, absolvo os réus da instância por falta de preenchimento, por parte da autora, dos requisitos necessários à instauração da ação de divisão de coisa comum.
Custas a cargo da autora - art.º 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Valor da ação: o indicado na petição inicial.
Registe e Notifique”.

A autora interpôs recurso de apelação da referida decisão e, por acórdão de 23.03.2021, foi deliberado “Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e revogar a sentença, prosseguindo os autos os ulteriores termos para divisão de coisa comum.
Custas pela parte vencida a final, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à requerida AA”.

Entretanto, chegou ao conhecimento dos autos, que o processo de inventário instaurado por óbito de BB foi remetido do Cartório Notarial para o Tribunal, estando a correr os seus termos no Juiz 3 do Juízo Local Cível do Porto, sob n.º 11449/21.5T8PRT.

Em 31.03.2022, foi proferido despacho de onde consta, além do mais, que: “Em face dos documentos juntos aos pela autora concluímos que o imóvel objeto da presente ação lhe pertence na proporção de 75% (3/4), pelo que a ilegitimidade passiva invocada pela ré AA, na qualidade de herdeira na herança aberta por óbito de BB não se verifica, na medida em que está demonstrado que o imóvel pertence à herança na proporção de 1/4, sendo proprietário do remanescente a autora.
Assim, julgo totalmente improcedente a exceção invocada.
Notifique.
A ré AA, na qualidade de herdeira na herança aberta por óbito de BB impugnou, de forma genérica, não ser “rigoroso o que a A. afirma no art.º 2.º quanto ao seu quinhão no prédio em causa e isso se impugna.”.
Ora, resulta das escrituras de compra e venda ora juntas aos autos pela autora que esta é dona de 3/4 do imóvel e a herança aberta por óbito de BB dona do ¼ remanescente.
Deste modo, não subsiste qualquer dúvida quanto à participação de cada uma das partes na compropriedade do imóvel, pelo que os autos prosseguirão os seus termos, julgando-se improcedente o alegado pela ré AA, na qualidade de herdeira na herança aberta por óbito de BB.
Notifique.
Considerando que todas as questões levantadas pela ré AA, na qualidade de herdeira na herança aberta por óbito de BB na contestação apresentada se mostram resolvidas, uma vez que podiam, como foram, ser sumariamente decididas (926.º, n.º 3 do Código de Processo Civil), a lide prosseguirá os seus termos, determinando, ao abrigo do disposto no art.º 926.º, n.ºs 4 e 5 do Código de Processo Civil, a realização de uma perícia destinada a determinar se o imóvel é divisível ou indivisível, devendo, no caso de se concluir pela divisibilidade, existir pronuncia sobre a formação dos quinhões”.

Realizou-se a necessária perícia colegial tendo os Srs. Peritos concluído que: “(…) o prédio sito à Rua ..., união de freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho e cidade do Porto, à data da visita (19 de dezembro de 2022), não possui os requisitos para ser dividido”.

Realizou-se a 15.11.2023 a conferência de interessados, onde não sendo alcançado acordo das partes, se determinou que os autos prosseguissem para a fase de venda.

A ré, por requerimento de 29.11.2023, veio pedir que fosse decretada a suspensão da presente ação até que seja proferida decisão com trânsito em julgado na ação que corre termos como proc. n.º 19880/23.5T8PRT, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Porto - Juízo Central Cível - Juiz 2, pois esta é causa prejudicial da presente.
Para tanto, alegou, em síntese, que a propriedade arrogada pela autora resulta, além do mais, de compra de 3/10 que fez a GG, registada na Conservatória do Registo Predial pela AP. ...48 de 2018/06/15.
E observado o contraditório veio aos autos, em 14.12.2023, o requerido CC, dizer o seguinte: “… notificado do requerimento da Requerida AA, datado de 29.11.2023, com a refª 47274662, vem requerer a V. Exa. seja indeferida a pretensão desta quanto à suspensão dos presentes autos, pelas razões expostas pelo Autor no seu requerimento de 05.12.2023, com a refª 47336049, mais concretamente nos pontos 4 a 9. e que por uma questão de economia processual não se reiteram, mas que se subscrevem na íntegra”.

Em 20.11.2023, a ré deu entrada em juízo de uma ação de impugnação de justificação judicial contra GG e a aqui autora, A..., Ld.ª, pedindo, entre outras coisas, que: a. fosse declarado nulo o registo de aquisição dos direitos da A..., Ld.ª, efetuado pela AP. ...48 de 2018/06/15; b. Fosse ordenado o cancelamento do registo efetuado pela AP. ...48 de 2018/06/15; c. Fosse declarada nula a compra e venda de 3/10 que a A..., Ld.ª fez a GG e, consequentemente, fosse ordenado o cancelamento do registo efetuado pela AP. ...48 de 2018/06/15.
Alegou a requerida que essa ação foi distribuída e corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Porto - Juízo Central Cível - Juiz 2, como proc. n.º 19880/23.5T8PRT, e encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial e que essa ação tem reflexo na presente ação, sendo prejudicial.

Em 18.03.2023 foi proferido despacho, ora recorrido, de onde consta, além do mais: “Requerimento de 29/11.
O pretendido pela requerida, na qualidade de herdeira da herança aberta por óbito de BB, não pode ser atendido por carecer de fundamento legal.
Senão vejamos:
- Os presentes autos encontram-se pendentes há mais de 5 anos.
- A requerida, na qualidade herdeira da herança aberta por óbito de BB, contestou a pretensão da requerente alegando existirem outros comproprietários que não tinham sido chamados à lide e, segundo as suas palavras, não ser “rigoroso o que a A. afirma no art.º 2.º, quanto ao seu quinhão no prédio em causa (…)” - cfr. contestação apresentada em 11.04.2019 – sendo que a requerente alegou na petição inicial ser “(…) comproprietária de três quartos (75%) do prédio supra referido e a herança aqui R. é comproprietária de um quatro (25%) do mesmo prédio”.
- Corre termos neste Juízo Local Cível, perante o Juiz 3, sob o n.º 11449/21.5T8PRT um processo de inventário destinado à partilha da herança aberta por óbito de BB onde se encontra relacionado 1/4 do imóvel objeto da presente ação.
- Por despacho proferido em 31.03.2022 foi julgada improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade invocada pela requerida, na qualidade herdeira da herança aberta por óbito de BB e, ainda, fixada a proporção dos quinhões de cada uma das partes: 1/4 pertencente à herança aberta por óbito de BB e o remanescente à requerente.
- O despacho em questão já transitou em julgado.
- Por despacho proferido em 24.04.2023, já transitado em julgado, foi indeferida a reclamação ao relatório pericial apresentada pela requerida, na qualidade herdeira da herança aberta por óbito de BB, e determinada a indivisibilidade do imóvel objeto da ação com designação de data para a realização da conferência de interessados prevista no art.º 929.º do Código de Processo Civil.
- Realizada a conferência de interessados em 15.11.2023, após várias vicissitudes que uma breve consulta dos autos revela, por não existir acordo entre os requeridos, na qualidade de herdeiros da herança aberta por óbito de BB, foi determinado que os autos prosseguissem para a fase da venda.
- Resulta dos autos que a sua tramitação foi repleta de vicissitudes e incidentes despoletados pela requerida que entorpeceram, retardando, o prosseguimento da lide.
Vem, agora, a requerida, na qualidade de herdeira da herança aberta por óbito de BB, requerer a suspensão da instância por questão prejudicial por ter instaurado em 20.11.2023, uma ação declarativa onde peticiona a anulação da inscrição da propriedade do imóvel a favor de GG e, consequentemente da aqui requerente.
Dispõe o art.º 272.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil “1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado. 2 - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.”
Ora, em face de tudo o que viemos de expor concluímos, como iniciamos por afirmar, que a pretensão da requerida, na qualidade de herdeira da herança aberta por óbito
de BB, carece de fundamento legal por estar demonstrado à saciedade que a propositura da ação referida teve como objetivo a suspensão da presente.
Não obstante e, mesmo que assim não se entendesse, considerando a fase avançada em que a presente lide se encontra e a pendência do processo de inventário, ter-se-ia de concluir que os prejuízos da suspensão superariam as suas vantagens, pois impediriam que as partes resolvessem o seu litígio, o qual perdura há mais de 5 anos e a venda do imóvel não acarretaria qualquer prejuízo para os requeridos, pois a ser atendida a nova pretensão da requerida, sempre os herdeiros da GG teriam acesso ao produto da venda e os aqui requeridos à quarta parte pertencente à herança aberta por óbito de BB.
Assim, e em face do exposto, indefiro o requerido, determinando o prosseguimento da lide.
Notifique”.


Inconformada com esta decisão, dela veio a ré recorrer de apelação pedindo a sua revogação e substituição por outra que determine a suspensão da presente instância.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1) O Tribunal recorrido errou ao fundamentar de facto a sua decisão em que “resulta dos autos que a sua tramitação foi repleta de vicissitudes e incidentes despoletados pela requerida que entorpeceram, retardando, o prosseguimento da lide”.
2) Tal trata-se de matéria conclusiva, não tendo o Tribunal identificado quais as concretas vicissitudes e incidentes que foram despoletados pela requerida e que entorpeceram e retardaram a lide.
3) Tratando-se de matéria conclusiva, como tal, deve ser considerada como não escrita e expurgada da fundamentação de facto.
4) O Tribunal ao considerar na matéria de facto conclusões e fundamentar a sua decisão em tais conclusões, violou o disposto no art.º 607.º, n.º 3 e n.º 4, ex vi art.º 666.º, n.º 3, do CPC.
5) O Tribunal recorrido errou ao considerar que a pretensão da requerida carece de fundamento legal por estar demonstrado à saciedade que a propositura da ação referida teve como objetivo a suspensão da presente.
6) Não resulta da matéria de facto considerada pelo Tribunal no despacho recorrido que a propositura da ação referida teve como objetivo a suspensão da presente.
7) Não resulta, nem concluiu o Tribunal, que a propositura da ação referida foi intentada unicamente para se obter a suspensão da presente ação.
8) Acresce que, analisando a PI da ação tida como prejudicial, constata-se que a mesma tem sérias probabilidades de êxito, na medida em que a factualidade alegada está provada por documentos autênticos, com força probatória plena.
9) A ação tida como prejudicial não se trata de uma ação infundada, desprovida de justificação e sem razão, intentada unicamente para se obter a suspensão da presente causa.
10) Inexiste suporte factual para aplicação do disposto na 1.ª parte do n.º 2, do art.º 272.º, do CPC, o qual foi violado.
11) Não resulta da matéria de facto considerada pelo Tribunal no despacho recorrido qualquer prejuízo da suspensão da instância que supere a sua vantagem.
12) Existe toda a vantagem em suspender a presente ação, para, em função da decisão a proferir na ação tida por prejudicial, possam intervir todos os interessados, exercer os seus direitos e ficarem vinculados ao que nesta se decidir.
13) Por outro lado, as atuais partes não sofrem qualquer prejuízo com a suspensão da presente ação, ou, pelo menos, esse prejuízo é menor ao que decorreria de ser reconhecida a qualidade de comproprietários a terceiros e estes, não estando vinculados pela decisão proferida nos presentes autos, não a reconhecessem.
14) Nesta situação, a ação de divisão de coisa comum não regula definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.
15) Inexiste suporte factual para aplicação do disposto na 2.ª parte do n.º 2, do art.º 272.º, do CPC, o qual foi violado.
16) A ação de divisão de coisa comum tem, por imposição legal, de ser intentada por, pelo menos, um comproprietário contra os demais comproprietários.
17) Trata-se de uma situação de litisconsórcio necessário em que a lei exige a intervenção de todos os comproprietários na ação, além de que, pela própria natureza da relação jurídica, essa intervenção é necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito normal, regulando definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.
18) A ação em que se pede a anulação de negócios e cancelamento de registos relativos ao direito de propriedade de comproprietários intervenientes numa ação de divisão de coisa comum, cuja procedência pode importar na alteração da titularidade de tais direitos de compropriedade, com o reconhecimento desses direitos a terceiros, é prejudicial à ação de divisão de coisa comum, porquanto pode alterar a estrutura desta ação impondo a intervenção desses terceiros.
19) Nesta situação, a decisão a proferir na ação de divisão de coisa comum não regula definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.
20) Por tal facto, impõe-se a suspensão da ação de divisão de coisa comum até que seja decidida a ação prejudicial.
21) Ao não entender assim, o tribunal recorrido violou o disposto no art.º 1052.º, n.º 1, e art.º 33.º, do CPC.


Não há contra-alegações.


II – Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os que estão enunciados no supra elaborado relatório, pelo que, por razões de economia processual, nos dispensamos de os reproduzir aqui.
Mas mesmo assim vão-se consignar os factos julgado provados na decisão ora recorrida:
1) Os presentes autos encontram-se pendentes há mais de 5 anos.
2) A requerida, na qualidade herdeira da herança aberta por óbito de BB, contestou a pretensão da requerente alegando existirem outros comproprietários que não tinham sido chamados à lide e, segundo as suas palavras, não ser “rigoroso o que a A. afirma no art.º 2.º, quanto ao seu quinhão no prédio em causa (…)” - cfr. contestação apresentada em 11.04.2019 – sendo que a requerente alegou na petição inicial ser “(…) comproprietária de três quartos (75%) do prédio supra referido e a herança aqui R. é comproprietária de um quatro (25%) do mesmo prédio”.
3) Corre termos neste Juízo Local Cível, perante o Juiz 3, sob o n.º 11449/21.5T8PRT um processo de inventário destinado à partilha da herança aberta por óbito de BB onde se encontra relacionado 1/4 do imóvel objeto da presente ação.
4) Por despacho proferido em 31.03.2022 foi julgada improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade invocada pela requerida, na qualidade herdeira da herança aberta por óbito de BB e, ainda, fixada a proporção dos quinhões de cada uma das partes: 1/4 pertencente à herança aberta por óbito de BB e o remanescente à requerente.
5) O despacho em questão já transitou em julgado.
6) Por despacho proferido em 24.04.2023, já transitado em julgado, foi indeferida a reclamação ao relatório pericial apresentada pela requerida, na qualidade herdeira da herança aberta por óbito de BB, e determinada a indivisibilidade do imóvel objeto da ação com designação de data para a realização da conferência de interessados prevista no art.º 929.º do Código de Processo Civil.
7) Realizada a conferência de interessados em 15.11.2023, após várias vicissitudes que uma breve consulta dos autos revela, por não existir acordo entre os requeridos, na qualidade de herdeiros da herança aberta por óbito de BB, foi determinado que os autos prosseguissem para a fase da venda.
8) Resulta dos autos que a sua tramitação foi repleta de vicissitudes e incidentes despoletados pela requerida que entorpeceram, retardando, o prosseguimento da lide.




III – Como é sabido o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações da ré/apelante são questões a apreciar no presente recurso:
1.ª - Da alegada matéria conclusiva.
2.ª - Da alegada existência de causa prejudicial conducente à suspensão da presente instância.


1.ªquestão - Da alegada matéria conclusiva.
Como se vê começa a ré/apelante por se insurgir contra o facto constante da decisão recorrida onde se diz que: “Resulta dos autos que a sua tramitação foi repleta de vicissitudes e incidentes despoletados pela requerida que entorpeceram, retardando, o prosseguimento da lide”.
Para tanto diz que se trata de matéria conclusiva, não se tendo indicado quais as concretas vicissitudes e incidentes que foram despoletados pela requerida e que entorpeceram e retardaram a lide.
Vejamos então.
Importa então apurar se tal assume feição conclusiva ou valorativa e impacta na questão de direito, porquanto não envolve um juízo sobre a idoneidade da prova produzida para a demonstração ou não desse mesmo facto enquanto realidade da vida, pois como se expressamente refere tal resultará do teor dos autos. E assim sendo, este Tribunal não está a interferir na apreciação dos factos, não está a corrigir, indevidamente, um eventual erro na apreciação do tribunal recorrido, mas antes a proceder à sua qualificação como tal de acordo com as regras de direito aplicáveis, depois de analisar os acontecimentos ocorridos nos autos.
E depois de analisarmos a tramitação dos autos, temos que fixar que a presente ação deu entrada em juízo em 13.12.2018, ou seja, há quase seis anos e a ré teve a sua primeira intervenção neles a 11.04.2019.
Ora, no que respeita apenas à atuação processual da ré dos sucessivos requerimentos que fez aos autos, deles releva a constituição de 15 mandatários forenses, ou seja, um com a contestação; outro em 18.09.2019, outro em 8.07.2020, outro em 24.09.2020, outro em 12.05.2021, outro em 1.07.2021, outro em 14.10.2021, outro em 30.06.2022, outro em 20.09.2022, outro em 11.10.2022, outro em 20.12.2022, outro em 3.02.2023, outro em 12.06.2023, outro em 26.09.2023, e o atual, em 6.11.2023, tendo 14 deles renunciado ao mandato assim atribuído em 28.06.2019, em 6.06.2020, em 10.08.2020, em 12.04.2021, em 8.06.2021, em 2.09.2021, em 5.06.2022, em 14.07.2022, em 7.10.2022, em 29.11.2022, em 3.01.2023, em 10.03.2023, em 13.06.2023 e em 18.10.2023, todos estes acontecimentos com as necessárias interrupções da tramitação normal dos autos até se mostrar, de cada vez, assegurada a devida representação da ré nos autos.
Mais em 1.06.2023 a ré informou os autos que havia solicitado à SS apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, e tal deu lugar a que se desse sem efeito a conferência de interessados designada para 2.06.2023 e que se apenas veio a realizar em 15.11.2023. Sendo que, entretanto, em 12.06.2023, a ré conferiu mandato forense a uma Il. Advogada a qual veio renunciar ao mesmo no dia seguinte, tendo dado origem a várias comunicações entre o Tribunal e a SS, até que, em 5.07.2023, veio aos autos Il. Advogada dizer-se patrona oficiosa da ré, mas em 17.07.2023 chega aos autos um ofício da SS dizendo que a ré tinha declarado renunciar ao pedido de apoio judiciário formulado e deferido de nomeação de patrono.
Ora, quanto ao mais, basta fazer uma qualquer leitura do teor dos acontecimentos ocorridos nos autos, despoletados pela ação e/ou omissão da ré para se concluir, como fez a 1.ª instância e é do pleno conhecimento e intenção da ré, que os autos estão repletos “de vicissitudes e incidentes despoletados pela requerida que entorpeceram, retardando, o prosseguimento da lide”.
Destarte, não obstante a conclusão a que a 1.ª instância chegou de os autos estarem repletos de vicissitudes e incidentes despoletados pela requerida que entorpeceram, retardando, o prosseguimento da lide, é um facto objetivo que resulta da análise dos autos, ou seja, como expressou a 1.ª instância “resulta dos autos”, logo é um facto público e notório, cfr. art.º 412.º n.º2 do C.P.Civil.
Logo, improcedem as respetivas conclusões da apelante.


2.ªquestão - Da alegada existência de causa prejudicial conducente à suspensão da presente instância.
Como é sabido, a instância suspende-se, entre outros casos, quando o tribunal ordenar a suspensão ou houver acordo das partes, cfr. art.º 269.º n.º 1, al. c) do C.P.Civil.
Ora, o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado, cfr. art.º 272.º n.º1 do C.P.Civil.
Refere Manuel de Andrade, in “Lições de Processo Civil”, pág. 491 que a “verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é a reprodução, pura e simples, da primeira. Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal”.
Segundo João Redinha e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, pág. 501, devem entender-se “por causa prejudicial aquela que tenha pretensão que constitui pressuposto da formulada”.
É assim para nós evidente que a razão de ser da suspensão, por pendência de causa prejudicial, é a economia e a coerência de julgados, ou dito de outro modo, tem em vista a obtenção de decisões uniformes, valoradas na segurança e certezas jurídicas, bem como na economia de meios e no prestígio dos tribunais. Mas não se olvida as consequências que tal implica necessariamente para a obtenção de justiça tempestiva. Logo, à prolação de uma decisão nesta sede não poderão estar alheios os critérios de utilidade e conveniência processual tendo em vista a melhor, mais justa e mais célere composição do litígio, pelo que há que ponderar os inconvenientes processuais que a suspensão de instância virá a produzir são ou não superados pelos objetivos que se pretendem atingir com a suspensão.
Todavia, preceitua o n.º2 do art.º 272.º do C.P.Civil que: “Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens”.
O assim preceituado significa, segundo Alberto dos Reis, in obra citada, pág. 289, que “se o juiz se convencer de que a causa prejudicial não tem probabilidades algumas de êxito e foi atirada para o tribunal unicamente para fazer suspender a instância na causa dependente”. E continua o mesmo Mestre explicitando que “Na verdade, com o preceito (...) quis-se prevenir esta hipótese: requereu-se a suspensão no momento em que a causa dependente está prestes a ser discutida e julgada e requereu-se com o fundamento de acabar de ser proposta uma causa prejudicial. O juiz deve indeferir o requerimento, porque o deferimento importaria um prejuízo superior à vantagem resultante da suspensão”.

Como se pode ver pelo teor da decisão recorrida, a 1.ª instância indeferiu o pedido de suspensão da instância formulado pela ré por entender de dos autos resultam factos suficientes e que indiciam que a ação cuja pendência tem de ser considerada como prejudicial à presente, foi intentada unicamente para se obter a suspensão da presente ação.
Ora, a ré/apelante discorda de tal entendimento.
Vejamos, então.
Dúvidas não existem de que, por força do preceituado nos n.ºs 1 e 3 do art.º 272.º do C.P.Civil, para que o tribunal ordene a suspensão da causa com fundamento em causa prejudicial há que se verificar cumulativamente que: i)- a causa a suspender esteja dependente do julgamento de outra; ii)- que a ação prejudicial esteja já proposta;
iii) - não haja fundadas razões para crer que a ação prejudicial foi intentada apenas para obter a suspensão; iv) - que a causa dependente não esteja tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
Resulta indiscutível dos autos, que em 20.11.2023, a ré/apelante interpôs uma ação de impugnação de justificação judicial contra GG e contra a ora autora A..., Ld.ª, pedindo, entre outras coisas, que: a) fosse declarado nulo o registo de aquisição dos direitos da A..., Ld.ª, efetuado pela AP. ...48 de 2018/06/15; b) Fosse ordenado o cancelamento do registo efetuado pela AP. ...48 de 2018/06/15; c) Fosse declarada nula a compra e venda de 3/10 que a A..., Ld.ª fez a GG e, consequentemente, fosse ordenado o cancelamento do registo efetuado pela AP. ...48 de 2018/06/15 e essa ação foi distribuída e corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Porto - Juízo Central Cível - Juiz 2, como proc. n.º 19880/23.5T8PRT, e encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial.
Atento tão só o período temporal em que tal sucedeu, ou seja, na sequência da realização, a 15.11.2023 nos presentes autos, da conferência de interessados, onde não tendo sido alcançado acordo entre as partes, foi determinado que os autos prosseguissem para a fase de venda, temos de concluir que a ré, depois de ver goradas todas as suas atuações nos autos para evitar que os mesmos pudessem vir a alcançar o seu normal desfecho em face da lei vigente, - e mesmo pretendendo ignorar que no processo de inventário destinado à partilha da herança aberta por óbito de BB que corre termos sob o n.º 11449/21.5T8PRT no tribunal recorrido, ao qual a autora dos presentes autos é absolutamente alheia, mas onde a ré exerce funções de cabeça de casal, e apenas aí relacionou, como pertença da herança, 1/4 do imóvel objeto da presente ação, não havendo qualquer notícia de que algum dos demais interessados tenha impugnado a existência de tal direito, por excesso ou por defeito - em 20.11.2023 (cinco dias após a realização da supra referida conferência de interessados) interpôs a ação de impugnação de justificação judicial contra GG e contra a ora autora A..., Ld.ª, o fez tão só para obter a suspensão da presente ação e como tal, veio em 29.11.2023, requerer essa mesma a suspensão da presente instância até que fosse proferida decisão com trânsito em julgado na ação que corre termos como proc. n.º 19880/23.5T8PRT.
In casu” visto toda a tramitação dos autos; a atuação da ré/apelante ao longo dos mesmos; considerando ainda como está relacionado no supra referido processo de inventário o direito de compropriedade relativamente ao imóvel objeto da presente ação; sem esquecer que, por despacho proferido nos autos em 31.03.2022, transitado em julgado, foi fixada a proporção dos quinhões de cada uma das partes, ou seja, 1/4 pertencente à herança aberta por óbito de BB e o remanescente à autor - não se olvidando que por força do preceituado no n.º2 do art.º 91.º do C.P.Civil “A decisão das questões e incidentes suscitados não constitui, porém, caso julgado fora do processo respetivo, exceto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude e o tribunal for competente do ponto de vista internacional e em razão da matéria e da hierarquia”; a fase processual em que se encontra a presente ação de divisão de coisa comum, julgada indivisível e, por isso, em fase de venda, e finalmente a manifesta relação temporal entre a fase processual dos presentes autos e a instauração da ação de impugnação de justificação judicial, temos de concluir, tal como fez a 1.ª instância, que “a propositura da ação referida teve como objetivo a suspensão da presente”.
E mais se dirá ainda que, estando nós perante uma situação de prejudicialidade “em sentido fraco” nas palavras do Prof. Alberto dos Reis, in “Comentário ao C.P.Civil”, vol. 3º, pág. 270, tal como se aquilatou em 1.ª instância, em caso de procedência da supra referida ação de impugnação de justificação notarial, ou seja, que a autora não detêm o direito a ¾ do imóvel em apreço nos autos, mas a menos 3/10 desse mesmo direito, pois que eles pertencerão aos herdeiros da GG, mantendo-se intocável que à herança, de que a ré/apelante é cabeça de casal e herdeira, pertença apenas ¼ do direito a esse mesmo imóvel, “… considerando a fase avançada em que a presente lide se encontra e a pendência do processo de inventário, ter-se-ia de concluir que os prejuízos da suspensão superariam as suas vantagens …. e a venda do imóvel não acarretaria qualquer prejuízo para os requeridos, pois a ser atendida a nova pretensão da requerida, sempre os herdeiros da GG teriam acesso ao produto da venda e os aqui requeridos à quarta parte pertencente à herança aberta por óbito de BB”.
Logo, e sem necessidade de outros considerandos, julgam-se improcedentes as demais conclusões da apelante, confirmando-se a decisão recorrida.



Sumário:
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela ré/apelante.







Porto, 2024.09.10.
Anabela Dias da Silva
Fernando Vilares Ferreira
Rui Moreira