Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
645/21.5T8ALB-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PROENÇA
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
DILIGÊNCIAS INSTRUTÓRIAS
APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS
PRAZO
Nº do Documento: RP20240710645/21.5T8ALB-A.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em processo de inventário é admissível até 20 dias antes da data em que deveriam ter lugar a as diligências instrutórias a que alude o n.º 3 do art.º 1109º do C. P. Civil a apresentação dos documentos.
II - É igualmente possível até essa data a alteração do requerimento de prova testemunhal e por depoimento de parte e o aditamento ao rol de testemunhas.
III - No entanto, se a parte não havia apresentado qualquer requerimento de prova pessoal, quer em sede de reclamação contra a relação de bens, quer em sede de audiência prévia, a apresentação é inadmissível, uma vez que a faculdade de alteração pressupõe que já tenha sido apresentado um requerimento que então se altera.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 645/21.5T8ALB-A.P1 – Apelação

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Sumário:
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Em Inventário a que se procede por óbito de AA, sendo cabeça de casal BB, veio a interessada CC, de 06/04/2022 apresentar reclamação da relação de bens. Com a reclamação requereu a junção de documentos.
Em 13/09/2023 foi preferido despacho, mandando notificar as partes para informarem se mantinham os seus requerimentos probatórios e em que termos.
Em 27/09/2022 teve lugar audiência prévia, deferindo a Mma. Juíza a avaliação de um conjunto de verbas da relação de bens e determinando que, após essa avaliação, as partes poderiam alterar os requerimentos probatórios.
Em 06/10/2023, a reclamante apresentou requerimento, requerendo a junção de documentos para prova da matéria constante do artigo 30º da reclamação da relação de bens, com referência à verba nº 37 da relação de bens, bem como a produção de prova por depoimento de parte e testemunhal relativa à matéria dos artigos 3º, 30º e 32º da mesma peça processual, a que a cabeça de casal se opôs, por considerar extemporâneo.
Por despacho de 18/11/2023, foi indeferido o requerimento probatório de 06/10/2023 e toda a prova nele indicada e junta, com os fundamentos que se transcrevem:
“Ref. 15073710; 15129856 e 15174271:
Para além de considerandos sobre o objecto da reclamação, a reclamante apresentou prova documental e requereu a produção de prova testemunhal e por depoimento de parte.
A Cabeça de Casal, entre o mais, defendeu que a prova deveria ter sido apresentada com a reclamação.
Concordamos com a leitura da Cabeça de Casal, sendo inequívoco que era com a sua reclamação contra a relação de bens que a reclamante tinha de indicar a prova que tivesse para sustentar a sua posição, em virtude do disposto no citado art. 1105.º/2 do Código de Processo Civil, que dispõe que “as provas são indicadas com os requerimentos e respostas”.
O tribunal não derrogou este normativo, nem conferiu aos interessados a possibilidade de aditarem prova distinta, tendo procurado aferir, sim, qual, daquela prova que haviam indicado, aquela que ainda mantinham no actual estado processual.
No caso, a reclamante, aquando da sua reclamação, apenas tinha apresentado prova documental. Assim, não lhe era lícito, posteriormente, apresentar prova testemunhal e requerer o depoimento de parte.
Como tem sido distinguido, o actual modelo do inventário “parte de uma definição de fases processuais relativamente estanques, assentando num princípio de concentração, em que determinado tipo de questões deve ser necessariamente suscitado em certa fase processual (e não nas posteriores), sob pena de funcionar uma regra de preclusão para a parte.
Afirma, a propósito, Lopes do Rego que “Esta estruturação sequencial e compartimentada do processo envolve logicamente a imposição às partes de cominações e preclusões, anteriormente inexistentes, levando naturalmente – em reforço de um princípio de auto responsabilidade das partes na gestão do processo – a que (como aliás constitui princípio geral em todo o processo civil) as objecções, impugnações ou reclamações tenham de ser deduzidas, salvo superveniência, na fase procedimental em que está previsto o exercício do direito de contestação ou oposição”.
[…]
O processo de inventário é hoje uma verdadeira acção, obrigando a que os interessados concentrem os “meios de defesa” na reclamação que apresentam e indiquem aí todos os meios de prova.
As provas são indicadas com a reclamação, seguindo-se a fase de instrução na qual o juiz exerce o inquisitório, ordenando a produção das provas que considere necessárias. O juiz não está limitado pelos meios de prova indicados, mas, por outro lado, também não está vinculado a realizar todas as diligências probatórias que tenham sido requeridas, bastando aquelas que, em concreto, se revelem necessárias para cumprir a função do inventário, qual seja, fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens (art. 1082º, al. a), do CPC).
[…]
Nas palavras de Lopes do Rego, “Do regime estabelecido no art. 1104.º CPC decorre obviamente um princípio de concentração no momento da oposição de todas as impugnações, reclamações e meios de defesa que os citados entendam dever deduzir perante a abertura da sucessão (…). Ou seja, adopta-se, na fase de oposição, um princípio de concentração na invocação de todos os meios de defesa idêntico ao que vigora no art. 573.º do CPC: toda a defesa (incluindo a contestação quanto à concreta composição do acervo hereditário, activo e passivo) deve ser deduzida no prazo de que os citados beneficiam para a contestação/oposição, só podendo ser ulteriormente deduzidas as excepções e meios de defesa que sejam supervenientes (isto é, que a parte, mesmo actuando com a diligência devida, não estava em condições de suscitar no prazo da oposição, dando origem à apresentação de um verdadeiro articulado superveniente), que a lei admita expressamente passado esse momento (como sucede com a contestação do valor dos bens relacionados e o pedido da respectiva avaliação, que, por razões pragmáticas, o legislador admitiu que pudesse ser deduzido até ao início das licitações) ou com as questões que sejam de conhecimento oficioso pelo tribunal” (7).
Da imposição deste modelo procedimental resulta que as reclamações contra a relação de bens tenham de ser necessariamente deduzidas, salvo demonstração de superveniência objectiva ou subjectiva, na fase da oposição, com indicação de toda a prova.
Por outro lado, como afirma o autor, a circunstância de o exercício de determinadas faculdades estar inserido no perímetro de certa fase ou momento processual implica igualmente que, salvo superveniência (nos apertados limites em que esta é considerada relevante, na parte geral do CPC e na regulamentação do processo comum de declaração), qualquer requerimento, pretensão ou oposição tem obrigatoriamente de ser deduzido no momento processual tido por adequado pela lei de processo, sob pena de preclusão (8).
Com esta tramitação pretendeu-se dar resposta às questões processuais que, no anterior regime, constituíam um verdadeiro “convite ao entorpecimento”, impondo-se agora uma rígida disciplina processual, de molde a acabar com a tramitação sinuosa e permissiva do processo de inventário.
Foi a consciência de que uma significativa responsabilidade pela morosidade do processo de inventário “cabia” à própria tramitação, que motivou a necessidade imperiosa de se procurar dotar o processo de uma tramitação que permitisse que o mesmo fluísse e não proporcionasse um uso menos apropriado por parte dos interessados [….] – Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 15 de Junho de 2021, relatado pela sra. Desembargadora Conceição Sampaio, disponível em www.dgsi.pt.
Donde, ante tudo o exposto, manifesto é que, ao não ter indicado prova testemunhal, nem depoimento de parte com a sua reclamação contra a relação de bens, precludiu o seu direito a indicar tais meios de prova, sendo intempestiva a sua pretensão, inclusive, no que tange à junção de novos documentos, motivo pelo qual vai indeferido o requerimento probatório de 06/10/2023 e toda a prova nele indicada e junta.
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Inconformada veio a reclamante interpor recurso de apelação do assim decidido, formulando, nas suas alegações as seguintes conclusões:
1. Na sequência do despacho proferido na Audiência Prévia, realizada em 27/09/2022, segundo o qual, após a avaliação das verbas, as partes poderiam alterar os requerimentos probatórios, e do despacho proferido em 13/09/2023, convidando as partes a informar se mantinham e em que termos os seus requerimentos probatórios, a Recorrente requereu a junção de documentos, bem como o depoimento de parte e prova testemunhal, destinados a demonstrar determinados factos da sua reclamação da relação de bens.
2. Os referidos despachos enquadram-se no âmbito dos poderes inquisitórios e de direcção e gestão processual do Juiz, resultantes dos princípios gerais constantes do CPC, aflorados nos artigos 6º e 411º do CPC e directamente aplicáveis ao regime do processo de inventário e aí acolhidos, nomeadamente, nos artigos 1105.º, n.º 4, 1110.º, 1118.º, n.º 3 e 1120.º.
3. Com o uso de tais poderes, o Tribunal estava em condições de garantir a justa composição do litígio relativo à relação de bens, por constituir manifestamente uma peça essencial e determinante do acervo a partilhar no inventário.
4. O douto despacho recorrido violou, assim, os referidos princípios de inquisitório e de direcção e gestão processual, ao abrigo dos quais havia determinado a possibilidade de apresentação de meios de prova posteriormente aos articulados do incidente de reclamação da relação de bens.
5. Ainda que o Tribunal não tivesse dado às partes a possibilidade de requerer meios de prova em fase posterior aos articulados, o douto despacho recorrido não deixaria de ser ilegal, por violar os artigos 423.º e 598.º do CPC, os quais preveem a possibilidade de os documentos serem apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final e de aditamento ou alteração do rol de testemunhas até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final.
6. A possibilidade de existência de audiência final para decidir a reclamação da relação de bens resulta de o Tribunal ter aberto uma fase instrutória, ao determinar na audiência prévia a realização de diligências: notificação para junção de documentos, avaliação de bens e a já referida possibilidade de alteração dos requerimentos probatórios, como previsto no nº 3 do Artigo 1109.º.
7. O douto despacho recorrido violou, assim, os princípios processuais e as normas legais acima referidos.
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Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, sendo a questão a dirimir a de saber se é tempestivo o requerimento de prova da recorrente.
Os factos relevantes são os constantes do relatório supra, que se dá por reproduzido e para que ora se remete.
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Dispõe o art. 1105 do CPC:
1 - Se for deduzida oposição, impugnação ou reclamação, nos termos do artigo anterior, são notificados os interessados, podendo responder, em 30 dias, aqueles que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada.
2 - As provas são indicadas com os requerimentos e respostas.
3 - A questão é decidida depois de efectuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz, sem prejuízo do disposto nos artigos 1092.º e 1093.º
4 - A alegação de sonegação de bens, nos termos da lei civil, é apreciada conjuntamente com a acusação da falta de bens relacionados, aplicando-se, quando julgada provada, a sanção estabelecida no artigo 2096.º do Código Civil.
5 - Se estiver em causa reclamação deduzida contra a relação de bens ou pretensão deduzida por terceiro que se arrogue titular dos bens relacionados e se os interessados tiverem sido remetidos para os meios comuns, o processo prossegue os seus termos quanto aos demais bens.
6 - Se o crédito relacionado pelo cabeça de casal e negado pelo pretenso devedor for mantido na relação, reputa-se litigioso.
7 - Se o crédito previsto no número anterior for eliminado, entende-se que fica ressalvado aos interessados o direito de exigir o pagamento pelos meios adequados.”.
Entendeu a decisão recorrida extemporâneo o requerimento de prova da recorrente de 06/10/2023 – através de junção de documentos e de produção de prova por depoimento de parte e testemunhal - apresentado com fundamento em que era com a sua reclamação contra a relação de bens que a reclamante tinha de indicar a prova que tivesse para sustentar a sua posição, em virtude do disposto no citado art. 1105.º, n.º 2 do CPC. Salvo o devido respeito, não pode manter-se tal decisão.
Face ao disposto no art. 549º, nº 1 do C. P. Civil, à tramitação do inventário são aplicáveis as disposições da parte geral desse Código, bem como as regras do processo civil de declaração que se mostrem compatíveis com o processo de inventário judicial. Assim, é aplicável ao caso concreto, com as necessárias adaptações o disposto no nº 2 do art. 423º do mesmo Código – “Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado”.
É jurisprudência invariável que o processo de inventário judicial não comporta uma fase de julgamento, pelo que o prazo previsto no mencionado art. 423º, nº 2 não pode ter como marco a audiência final. No entanto, nos casos em que, como no presente, em que o processo comporte uma fase instrutória (v. art. 1109º, nº 3 do C. P. Civil), com a designação de data para inquirição das testemunhas arroladas pelos interessados, a apresentação dos documentos deve ter como limite, não a apresentação do articulado respectivo, mas sim a data fixada para tal inquirição. Assim, até 20 dias antes da data em que deveriam ter lugar a as diligências instrutórias a que alude o n.º 3 do art.º 1109º do C. P. Civil estava a recorrente em tempo para apresentar documentos (neste sentido, Ac. da Relação de Guimarães de 12-01-2023, Processo 487/21.8T8VCT-A.G1, Ac. da Relação de Guimarães de 23-11-2023, Processo 299/22.1T8VVD-A.G1). Assim, a decisão recorrida violou o mencionado art. 423º, nº 2, do CPC.
Do mesmo modo, no tocante à prova testemunhal e por depoimento de parte, pese embora a indicação das provas dever ser feita com os requerimentos e respostas (art. 1105º, nº 2 do CPC), nos casos em que o processo comporte uma fase instrutória (v. art. 1109º, nº 3 do C. P. Civil), o aditamento ao rol de testemunhas é admissível com a designação de data para inquirição das testemunhas arroladas pelos interessados, assim como as declarações de parte são admissíveis até aquela diligência de inquirição, sendo aplicáveis, assim com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 598º, nº 2 e 466º, ambos do CPC. Importa, no entanto, ter presente que até 06/10/2023 a recorrente não havia apresentado qualquer requerimento de prova pessoal, quer em sede de reclamação contra a relação de bens, quer em sede de Audiência Prévia. Ora, como notam Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “se na lei antiga se admitia a indicação dos meios de prova na audiência preliminar, agora só se admite a alteração do requerimento probatório na audiência prévia, sem possibilidade de a relegar para momento ulterior. A alteração do requerimento probatório pressupõe que já tenha sido apresentado um requerimento que então se altera" (cfr. Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil – Os Artigos da Reforma, vol. I, 2014, 2.ª ed., pág. 561). No mesmo sentido, refere Isabel Alexandre (in Aspectos do Novo Processo Civil, 1997, pág. 285), que o disposto no n.º 2 do artigo 598.º do CPC só pode ser usado desde que já se tenha apresentado rol de testemunhas anteriormente, pois o normativo fala em alterar ou aditar, o que pressupõe a sua anterior apresentação, que no caso vertente não existiu.
Mantém-se, pelo exposto, o indeferimento do requerimento de prova testemunhal e por depoimento de parte, ainda que por fundamentos diversos daqueles em que se baseou a decisão recorrida.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e julgando tempestiva a prova documenta junta; mantendo o decidido quanto à prova testemunhal e por declarações de parte.
Custas pelo pela recorrente e pela recorrida, em partes iguais.

Porto, 10/7/2024
João Proença
Maria Eiró
Rodrigues Pires