Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
662/10.0TYVNG-S.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LINA BAPTISTA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
ATA DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
EXEQUIBILIDADE
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RP20240710662/10.0TYVNG-S.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A exequibilidade de uma Ata de Assembleia de Condóminos, ao abrigo do disposto no art.º 6.º do D.L. n.º 268/94, de 25/10, apenas obriga a que contenha deliberação sobre os montantes concretos das contribuições devidas ao condomínio em cada ano, a individualização da quota parte devida por cada condómino e o prazo de pagamento de tais contribuições.
II - Uma vez que este diploma legal não contém qualquer previsão atinente à determinação da legitimidade das partes, teremos que recorrer às regras gerais decorrentes do regime legal do Código de Processo Civil.
III - A realidade comum às Atas de Assembleias de Condóminos lavradas no nosso pais é a de que as mesmas definem, por via de regra, a comparticipação de cada condómino nas despesas do condomínio e/ou em encargos para obras, sem identificar individualmente cada um dos condóminos obrigados. Também em regra a identificação de cada um dos condóminos obrigado apenas consta de documentos anexos, tais como cópias de notificações, folhas de presença ou mapas de prestação a liquidar.
IV – Perante esta realidade, a regra geral da legitimidade formal deve, no caso das Atas das Assembleias de Condóminos, ser interpretada de forma tolerante, sem o rigor exigível noutros títulos, por forma a incluir o teor dos documentos anexos a estas, como documentos integrantes da mesma.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 662/10.0TYVNG-S.P1
Comarca: [Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia (J5), Comarca do Porto]

Juíza Desembargadora Relatora: Lina Castro Baptista

Juiz Desembargador Adjunto: Alberto Eduardo Taveira

Juízo Desembargador Adjunto: Fernando Vilares Ferreira


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SUMÁRIO

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto


I - RELATÓRIO

O CONDOMÍNIO ..., representado pela respetiva administradora, instaurou a presente ação executiva para pagamento de quantia certa contra a MASSA INSOLVENTE DE “A..., LDA.”, indicando como valor da execução o de EUR 8.958,61.

Junta como títulos executivos as Atas da Assembleia de Condóminos de 28/02/2018, 06/12/2018, 01/03/2019, 04/03/2020, 13/05/2021 e 15/03/2023.

Alega em sede de requerimento executivo que é administradora do condomínio em exercício, “B..., Lda.”, na pessoa da sua sócia gerente, tendo sido eleita em Assembleia de Condóminos realizada aos dias 15 de março de 2023.

Afirma que a Executada tinha em sua propriedade, e foram apreendidas para os autos, as frações autónomas designadas pelas letras “E”, “H” e “X” referente ao primeiro do referido prédio.

Declara que, por deliberação das Atas adiante juntas sob doc. nº 1, 2, 3, 4, 5 e 6, foram aprovados relatórios de contas e obras, tendo sido aprovados os respetivos relatórios de contas e fundo de reserva comum conforme respetivos anexos daquelas Atas e delas fazem parte integrante.

Acrescenta que naquelas deliberações ficou aprovado que os referidos orçamentos seriam divididos em doze prestações iguais, mensais e sucessivas e que todas as quotas deviam ser pagas até ao dia 8 de cada mês: Bem como que ficou deliberado pela unanimidade dos votos dos condóminos presentes que o não pagamento das quotas ordinárias e das quotas para obras na sua data de vencimento implicava o vencimento automático de todas as restantes previamente aprovadas. Ainda que ficou aprovado que os condóminos com 4 quotas em atraso deviam ser notificados pelo departamento de contencioso, com a interpelação no valor de € 75,00 imputado ao condómino faltoso.

Mais alega que a Executada não procedeu ao pagamento de quaisquer quotas, encontrando-se em dívida em relação às frações identificadas acima para com o condomínio no valor global de € 7.561,68, acrescida de juros de mora e despesas judicias com contencioso, num valor final de €8.507,23.

Com data de 13/07/2023, procedeu-se à penhora de saldo bancário de uma conta à ordem titulada pela Executada.

Citado o Administrador Judicial, este veio requerer a interrupção do prazo legal por ter deduzido pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação de patrono.

 Entretanto, com data de 26/02/2024, foi proferido despacho a determinar o prosseguimento dos autos, na sequência da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário.

Com data de 14/03/2024, foi proferido despacho com o seguinte teor resumido: “(…) É certo que na acta da assembleia de condóminos realizada a 15 de Março de 2023, consta o nome da executada como devedora relativamente a todas as fracções autónomas identificadas no requerimento executivo.

No entanto, tal acta não supre a exigência decorrente do art. 53.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. De facto, ainda que o documento anexado à mesma, denominado “Valores por liquidar por entidade”, possa ser considerado como parte integrante da acta da assembleia de condóminos de 15 de Março de 2023, a verdade é que inexiste qualquer deliberação de aprovação do valor em dívida relativamente à executada, sendo certo, para além disso, que a mesma acta nunca poderia constituir título executivo [a acta que constitui título executivo é a acta em que é deliberada a aprovação de determinadas despesas (ordinárias ou extraordinárias), fixada a comparticipação pelos condóminos e o prazo de pagamento; a acta que se limite a declarar a existência de uma dívida e o seu montante não constitui título executivo (cfr., entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de Abril de 2022 e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27 de Outubro de 2022, in www.dgsi.pt)].

Resta acrescentar que os demais documentos juntos pela exequente com o requerimento executivo não podem ser atendidos pelo tribunal quer para efeitos de aferição da legitimidade da executada, quer para efeitos de constituição do título executivo [no que diz respeito à fração autónoma designada pela letra “X e às despesas comuns de Março e Abril de 2022 nem sequer foi apresentada a acta relativa à assembleia de condóminos onde terá sido aprovado o orçamento para o período em causa].

A legitimidade do executado há-de ser assegurada necessariamente no título executivo, através da menção expressa e clara da sua identidade, sem possibilidade de recurso a elementos exteriores, como decorre do disposto no art.º 53.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Concluímos, pois, que a executada é parte ilegítima para a execução. (…)

Pelo exposto, rejeito a presente acção executiva, determinando-se, ainda, o levantamento da penhora realizada a 13 de Julho de 2023.

Custas a cargo do exequente.”

Inconformados com esta decisão, a Exequente veio interpor o presente recurso de apelação, pedindo a revogação da decisão proferida, terminando com as seguintes
CONCLUSÕES:
A. O Recorrente foi notificado do despacho saneador sentença que decidiu: dar provimento à excepção de ilegitimidade passiva da recorrida, alegando que não tem título executivo, por falta de título executivo.
B. O Recorrente não pode concordar com a decisão do tribunal a quo, uma vez que entende que a Recorrida é parte legítima na execução, pois nas atas juntas as mesmas referem na lista de presenças na assembleia, identifica a massa insolvente, bem como as frações da qual é proprietária.
C. Em lado algum dos embargos a recorrida alega que não foi convocada para as assembleias de condomínio, porque sempre foi convocada e notificada das actas da Assembleia de condomínio. Nunca as actas foram impugnadas pela proprietária daquelas frações, As fracções foram apreendidas para a massa insolvente, conforme auto de apreensão de fls, tendo a insolvência sido registada através da inscrição com a ap....53, de 21 de setembro de 2011, bem como referido na sentença ora em crise.
D. A massa insolvente é a proprietária daquelas fracções, é a mesma responsável pelo pagamento das quotas ao condomínio, uma vez que, perante a lei, é obrigação dos proprietários das frações o pagamento de todas as despesas referentes ao condomínio. exceto em caso de arrendamento, caso haja acordo entre inquilino e senhorio, ou seja, se o inquilino aceitar pagar, fica obrigado à liquidação (embora perante a administração do condomínio a responsabilidade seja sempre do condómino, ou seja, do proprietário). Como refere “I - A obrigação de pagamento das prestações de condomínio previstas no art.º 1424.º do CC., é uma obrigação propter rem, imposta ao condómino proprietário da fracção.” Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.06.2022 in www.dgsi.pt
E. O actual artº 1424 nº1 do C.C., na redacção constante da Lei nº 8/2022 de 10 de Janeiro, veio esclarecer que, “Salvo disposição legal em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das frações no momento das respetivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas frações.”
F. A alteração introduzida pela Lei 8/2022, veio esclarecer que a responsabilidade pelo pagamento destas quotas e demais despesas cabe aos condóminos que sejam proprietários das frações no momento das respectivas deliberações e que essa responsabilidade se mantém até ao momento do respetivo pagamento, ainda que a titularidade da fração já seja de terceiro.
G. No que se reporta à definição do responsável por este pagamento a nova lei vem esclarecer que é o condómino, proprietário das fracções no momento das respectivas deliberações. Ainda antes da entrada em vigor deste diploma legal, resultava do disposto no artº 1424 nº1 do C.C. que o condómino responsável pelo pagamento das quotizações de condomínio, seguros e demais despesas, na proporção da sua quota, salvo disposição em contrário e independentemente da fruição da coisa.
H. As alterações introduzidas pela lei 8/2022 não vieram resolver esta controvérsia, embora da inclusão da expressão condómino “proprietário” no texto do artº 1424 nº1 do C.C., repetido no artº 6 do D.L. 264/98 de 25/10, resulte, em nosso entender que se quis reforçar a imputabilidade desta obrigação ao proprietário da fracção em causa – Ver Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.06.2022 in www.dgsi.pt
I. A acta de condomínio apenas constitui título executivo contra o proprietário que não tenha pago as quotas, despesas, juros e sanção pecuniária impostas (cfr. artº 6 da lei nº 264/98 de 25 de Outubro). Refere PESTANA VASCONCELOS[16], as obrigações descritas neste artº 10 do D.L. 149/95, são “obrigações face ao locador e não perante o condomínio.”, como aliás decorre de nele serem consignadas outras obrigações existentes apenas perante o locador. Assim sendo, prossegue este autor que perante o condomínio e conforme decorre expressamente do artº 1424 nº1 do C.C., mesmo na sua anterior redacção, “quem está vinculado é o titular do bem, neste caso o locador. Na esteira deste Acórdão, veja-se os seguintes Acórdãos: Ac. do TRP de 12/09/2016 Ac. do TRL de 11/12/2019 Ac. do TRG de 10/05/2018.
J. A recorrida, além de ter sido convocada para as assembleias, bem como das atas e não ter impugnado qualquer das actas, as fracções de que é proprietária (desde a data da apreensão e sei registo na conservatória) estão devidamente identificadas nas actas de que é devedora.
K. O tribunal a quo está a ser demasiado formalista, ao contrário do que acontece nos acórdãos supra identificados, sendo, a Recorrida/Massa Insolvente responsável por pagar as quotas dos anos de 2018, 2019 2020 e 2021(data em que as frações em questões foram vendidas).
L. Determinando o art. 6º nº 1 do Decreto-Lei 268/94, de 25 de Outubro que a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessária à conservação das partes comuns constitui titulo executivo contra o proprietário que deixar de pagar nunca, nestes autos, a embargante pôs em causa a sua efectiva propriedade das fracções dos presentes autos, pelo período a que respeitava as dividas pedidas, sendo certo que quanto às actas que constituem efectivo titulo executivo, das mesmas não resultava qualquer dúvida da imputação da divida exequenda à fracção de que a embargante era proprietária.
M. E verificado o que consta no actual art. 53º do CPC (ex 55º do mesmo código), a execução deve ser instaurada contra a pessoa que no titulo tenha a posição do devedor, seja pessoa singular ou colectiva, proprietário da fracção a que respeita ou a que é imputada a divida o que aconteceu no caso concreto, as prestações periódicas e normais, relativas aos anos de 2018 a 2021 respectivamente sejam calculadas em função do orçamento aprovado devido pela permilagem de cada fracção constante do titulo constitutivo, que é precisamente a permilagem atribuída às fracções no anexo das actas dadas à execução.
N. Face ao que dispõe o art. 1420º do CC que cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e co-proprietário das partes comuns do edifício, determinando o art. 1424º do CC que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício são pagas pelos condóminos em proporção ao valor das suas fracções, resutando das actas a imputação da quantia exequenda às fracções dos presentes autos, atribuída à exequente, não pode deixar de se entender que consta do titulo a identidade efectiva da devedora, não podendo a sentença recorrida interpretar de forma diversa o art. 6º nº 1 do Decreto-Lei 268/94, de 25 de Outubro e o art. 55º do CPC.
O. Verificados os documentos juntos à petição e contestação de embargos, consta, de tudo isto se verifica que a embargante nada pagou, que explorou a indicada fracção através das pessoas que lá se encontravam a usufruir obteve os correspondentes proventos e vendeu a própria fracção com o correspondente lucro, sendo neste enquadramento que a oponente deduziu os embargos de executada nos quais, nunca negando substancialmente a existência da divida, acabou por se socorrer de uma série de argumentos formais, apesar da compropriedade que deteve durante o período das prestações condominiais não pagas.
P. A lei não deve ser uma interpretação literal, mas também uma interpretação subjectiva da mesma, senão vejamos, quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito» (O Direito — Introdução e Teoria Geral, 1978, pág. 350). As palavras podem ser vagas, equívocas ou deficientes e não oferecerem nenhuma garantia de espelharem com fidelidade e inteireza o pensamento: o sentido literal é apenas o conteúdo possível da lei; para se poder dizer que ele corresponde à mens legis, é preciso sujeitá-lo a crítica e a controlo.
Q. Nas escrituras de compra e venda, quem comparece como vendedor da fracção, na sua outorga, é a massa insolvente representada pelo seu administrador, a ata de 2023 além de provar a legitimidade da Recorrente para intentar a acção executiva, na mesma é identificada como devedora das frações a massa insolvente, Fracções, essas, que estiveram sempre identificadas como devedoras em todas as demais atas juntas.
R. A riqueza do Direito é a possibilidade de se poder fazer uma interpretação da lei de forma subjectiva, não ficarmos “presos” à interpretação literal da Lei .A interpretação subjectiva, segundo esta orientação, a finalidade da interpretação é a reconstituição da intenção do legislador subjacente à produção da lei.
S. No Direito português, há uma certa ambiguidade – o art. 9º/1 CC determina que a interpretação tem por finalidade a reconstituição do pensamento legislativo a partir do texto da lei. Esta expressão pode significar tanto o pensamento do legislador como o pensamento da lei.Com efeito, resulta do artº 9º do Código Civil que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (nº 1), não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº 2); na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3), como é referido ao longo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2015 de 24-03-2015.
T. Leia-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21 do 11 de 2013, que as actas mesmo não assinadas não deixam de ser títulos executivos, bem como actas da assembleia de condóminos que documentem deliberação onde sejam quantificados os valores em dívida pelo condómino devedor e as actas que contenham deliberação de assembleia de condóminos que aprovem as despesas que serão suportadas pelo condomínio e a quota parte que será suportada por cada condómino, com indicação do prazo do respectivo pagamento, por ser a interpretação que melhor se compatibiliza com a celeridade e a agilização do processo de cobrança das dívidas ao condomínio que o legislador pretendeu introduzir com o DL 268/94.
U. Ao executado caberá demonstrar tanto num caso como no outro que as operações aritméticas não se encontram correctamente efectuadas, o que neste caso, o executado não pôs em causa. In www.dgsi.pt
V. Neste sentido veja-se o Tribunal da Relação do Porto, Secção Cível, Acórdão de 4 Dez. 2017, Processo 26113/15.6T8PRT-A.P1 I - A ata da reunião da assembleia de condóminos é dotada de força executiva, nos termos do artigo 6º do DL no 268/94, de 25.10, desde que nela conste o montante das contribuições devidas ao condomínio, o prazo de pagamento das mesmas e a fixação da quota-parte de cada condómino. II - Essa força executiva impõe-se em relação a todos os condóminos, mesmo àquele que não tenha votado favoravelmente a respetiva deliberação (quer tenha estado, ou não, presente na assembleia) e independentemente da sua notificação ao condómino ausente, contanto que este não haja tempestivamente impugnado essa deliberação, nos termos do artigo 1433º do Código Civil. III - O prazo de caducidade de 60 dias, previsto no nº 4 do artigo 1433º do Código Civil, de propositura das ações anulatórias a que se reporta o n.º 1 do mesmo normativo, conta-se desde a data da deliberação, mesmo para o condómino ausente.
W. As actas dadas à execução nos presentes autos são títulos executivos, tendo na presente execução sido cumprido o art. 53º do CPC quanto à legitimidade face à prova da propriedade, até atento o conceito do art. 30º do CPC sobre o interesse em contradizer, e sendo os documentos juntos meramente instrutórios e probatórios da execução e dos elementos nela contidos, ao declarar extinta a execução com o levantamento das penhoras realizadas por força da declarada ilegitimidade da recorrida, violou a decisão recorrida o art. 6º nº 1 do Decreto-Lei 268/94, de 25 de Outubro, arts 1420º e 1424º do CC e arts. 53º, 410º, 413º 713º d) e 715º todos do CPC.
Não foram apresentadas contra-alegações.

O presente recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[1], aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.

A questão a apreciar prende-se com a legitimidade processual da Executada para os termos da presente ação executiva.


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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade relevante circunscreve-se aos trâmites processuais atrás consignados no Relatório e ao teor da decisão recorrida, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

Releva igualmente atentar no teor das Atas da Assembleia de Condóminos apresentadas como títulos executivos, na parte relevante para a apreciação do presente recurso.

Assim:

1) Na Ata de 28 de fevereiro de 2018 não consta qualquer identificação de pessoas identificadas como relacionadas com as frações autónomas, o mesmo sucedendo nos documentos anexos.

2) No documento anexo à Ata de 06 de dezembro de 2018 referente à Lista de Presenças consta como pessoa relacionada com a fração “H” AA.

3) No documento anexo à Ata de 01 de março de 2019 referente à Lista de Presenças consta como pessoa identificada como relacionada com a fração “H” AA e como pessoa relacionada com as frações “E” e “X” “Massa Insolvente de A..., Lda.”.

4) No documento anexo à Ata de 04 de março de 2020 referente à Lista de Presenças consta como pessoa identificada como relacionada com a fração “H” AA e como pessoa relacionada com as frações “E” e “X” “Massa Insolvente de A..., Lda.”.

5) No documento anexo à Ata de 13 de maio de 2021 referente ao Registo de Presenças consta como pessoa relacionada com a fração “H” AA e como pessoa identificada como relacionada com as frações “E” e “X” “Massa Insolvente de A..., Lda.”.

6) No documento anexo à Ata de 15 de março de 2023 referente à Lista de Presenças consta como pessoa relacionada com a fração “X”  “C... Lda.”, como pessoa relacionada com a fração “H” BB e CC e como pessoa relacionada com a fração “E” “D..., Lda.”. No documento anexo “Valores do liquidar por entidade” consta como proprietários das frações “D”, “E”, “H”, “K”, “Q”, “V”, “X”, “Z”, “AV””AC”, “AI” e “NA” “Massa Insolvente de “A..., Lda.”


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IV – LEGITIMIDADE PROCESSUAL DA EXECUTADA

O tribunal recorrido, com fundamento na circunstância de nas Atas da Assembleia de Condóminos não constar o nome da Executada, entendeu que não se pode concluir que esta figure como devedora no que concerne às frações autónomas designadas pelas letras “E”, “H” e “X”.

Conclui que, uma vez que a legitimidade do executado deve ser assegurada necessariamente no título executivo, a Executada é parte ilegítima, rejeitando a ação executiva.

A Exequente veio recorrer pedindo a revogação desta decisão, pugnando pela legitimidade da Executada para os termos da ação executiva.

Sustenta que a Massa Insolvente é a proprietária das frações indicadas sendo, consequentemente, a responsável pelo pagamento das quotas ao condomínio.

Advoga que a alteração introduzida pela Lei n.º 8/2022, veio esclarecer que a responsabilidade pelo pagamento destas quotas e demais despesas cabe aos condóminos que sejam proprietários das frações no momento das respetivas deliberações e que essa responsabilidade se mantém até ao momento do respetivo pagamento, ainda que a titularidade da fração já seja de terceiro.

Afirma que nas Atas juntas a Massa Insolvente é referida na lista de presenças, com indicação das frações da qual é proprietária.

Cumpre apreciar e decider.

A ação executiva tem sempre por base um título executivo, o qual determina o fim e os limites da mesma (cf. art.º 10.º, n.º 5, do CP Civil).

Tal como refere Marco Carvalho Gonçalves[2], “Para além de ser condição necessária, o título executivo é, igualmente, condição suficiente da ação executiva. Na verdade, pela força probatória especial de que este está investido, o título executivo dispensa o recurso ao processo declaratório ou a um novo processo declaratório para certificar a existência do direito.”

O título executivo tem, pois, uma função constitutiva e delimitadora da obrigação exequenda.

O art.º 703.º do CP Civil contém uma enumeração taxativa dos títulos executivos prevendo, designadamente, “os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.” (n.º 1, alínea d)).

Estes são os usualmente apelidados títulos judiciais impróprios.

O D.L. n.º 268/94, de 25/10 criou um destes títulos executivos especiais, procurando solução que tornasse mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros (tal como se lê no respetivo Preâmbulo).

O legislador passou a atribuir força executiva à Ata da assembleia de condóminos, permitindo ao condomínio instaurar ação executiva contra o proprietário da fração, condómino devedor, relativamente à sua contribuição para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, na proporção do valor da sua fração, sem que, previamente, tivesse que lançar mão ao processo de declaração a fim de obter o reconhecimento do crédito.

Ao longo dos anos foi-se sedimentando na doutrina e na jurisprudência a interpretação deste normativo legal, no sentido de que apenas constitui título executivo a Ata que contenha deliberação sobre os montantes concretos das contribuições devidas ao condomínio em cada ano, a individualização da quota parte devida por cada condómino e o prazo de pagamento de tais contribuições.

Este diploma legal não contém qualquer previsão atinente à determinação da legitimidade das partes, pelo que teremos que recorrer às regras gerais decorrentes do regime legal do Código de Processo Civil.

Esta regra geral encontra-se fixada no art.º 53.º, n.º 1, do CP Civil, no sentido de que “A execução tem que ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.”

Temos, assim, que a legitimidade na ação executiva assenta num critério formal, justificado pelas características da literalidade, delimitação e suficiência do título executivo.

Face a este critério específico, Marco Carvalho Gonçalves[3] afirma inclusivamente que “Uma vez que a legitimidade processual em sede de executiva é aferida em função do título executivo, é irrelevante a efetiva titularidade do direito ou da obrigação constante desse título, isto é, o exequente pode não corresponder, necessariamente, ao verdadeiro credor, assim como o executado pode não ser o verdadeiro devedor, ou seja, o sujeito efetivo da obrigação.”

Especificamente quanto à aferição da legitimidade nos títulos constituídos por Atas das Assembleias de Condóminos, tem-se decidido, de forma reiterada, que esta necessita de resultar diretamente da própria Ata.

Cita-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/08/2008, tendo como Relator Urbano Dias[4]: “A legitimidade do executado, demandado por alegadamente ser responsável pelo pagamento das despesas comuns do condomínio, só está assegurada se na acta da assembleia do condomínio, constar o seu nome.”

Contudo, em nosso entendimento, a regra geral da legitimidade formal deve, no caso das Atas das Assembleias de Condóminos, ser interpretada de forma tolerante, sem o rigor exigível noutros títulos (tal como nos títulos de crédito ou nos documentos particulares de constituição de dívida).

A aplicação da letra da lei tem, sempre, que atender à realidade concreta sobre que se aplica, designadamente às suas características comuns.

Além disso, a filosofia subjacente ao Código de Processo Civil é a da prevalência do fundo sobre a forma e, por outro lado, também a da sanação, sempre que possível, das irregularidades processuais e dos obstáculos ao normal prosseguimento da instância, tendo em vista o máximo aproveitamento dos atos processuais.

A realidade comum às Atas de Assembleias de Condóminos realizadas no nosso pais é a de que as mesmas definem, por via de regra, a comparticipação de cada condómino nas despesas do condomínio e/ou em encargos para obras, sem identificar individualmente cada um dos condóminos obrigados.

Também em regra a identificação de cada um dos condóminos obrigado apenas consta de documentos anexos, tais como cópias de notificações, folhas de presença ou mapas de prestação a liquidar.

Perante esta realidade, é nosso entendimento que a exigência de na Ata constar a identificação do sujeito devedor deve ser interpretada de forma maleável, por forma a incluir o teor dos documentos anexos a esta, como documentos integrantes da mesma.

Um excessivo rigor e formalismo conduziria, necessariamente, a uma situação de marcante redução de títulos executivos formados nesta sede, obrigando os condomínios a socorrer-se de ações declarativas para obter título executivo por esta via.

Descendo ao caso dos autos, a primeira conclusão a tirar da exposição acima feita é a de que a circunstância alegada pelo Recorrente de que a Massa Insolvente é a proprietária de todas as frações indicadas não releva para efeitos de apuramento da sua legitimidade na presente ação executiva.

Por seu turno, da análise das Atas apresentadas como títulos executivos e documentos anexos resulta que não há qualquer referência à qualidade de devedor da “Massa Insolvente de A..., Lda.” quanto às prestações referentes à fração “H” nem qualquer referência à qualidade de devedor da mesma Massa Insolvente quanto às prestações pedidas nos autos referentes às frações “E” e “X” relativas a períodos temporais anteriores a março de 2019 e posteriores a  março de 2022.

Contudo, da análise conjugada das Atas de 01 de março de 2019, 04 de março de 2020 e 13 de maio de 2021 com as “Listas de Presenças” anexas e documentos anexos com indicação das prestações a pagar por condómino (quer quanto a quotas ordinárias, quer quanto a quotas extraordinárias) verifica-se existir título executivo válido e legitimidade da Executada quanto às prestações pedidas nos autos referentes às frações “E” e “X” relativas ao período temporal entre março de 2019 e fevereiro de 2022.

Concretizando: nos termos defendidos acima, quanto às frações “E” e “X” a “Massa Insolvente da “A..., Lda.” é parte legítima quanto às prestações relativas ao período temporal entre março de 2019 e fevereiro de 2022 por ser a entidade indicada como devedor nas “Listas de Presença” anexas às Atas de 01 de março de 2019, 04 de março de 2020 e 13 de maio de 2021, atendendo a que este Anexo se deve considerar parte integrante das respetivas Atas.

Relativamente às mesmas frações e período temporal, as indicadas Atas de 01 de março de 2019, 04 de março de 2020 e 13 de maio de 2021 contêm deliberação sobre os montantes concretos das contribuições devidas ao condomínio em cada ano, a individualização da quota parte devida por cada condómino e o prazo de pagamento de tais contribuições. Reúnem, assim, os requisitos de exequibilidade previstos no art.º 6.º do D.L. n.º 268/94, de 25/10.

A conclusão final é, pois, a da parcial procedência do recurso, com revogação parcial da decisão recorrida.


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V - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso da Recorrente/Exequente, revogando-se a decisão recorrida na parte em que julgou o Executado parte ilegítima quanto às prestações pedidas nos autos referentes às frações “E” e “X” relativas ao período temporal entre março de 2019 e fevereiro de 2022, determinando-se o prosseguimento da execução nesta parte.


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Custas a cargo da Recorrente na proporção do respetivo decaimento - art.º 527.º do CP Civil.

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Notifique e registe.


(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)

Porto, 10 de julho de 2024

Lina Castro Baptista

Alberto Taveira

Fernando Vilares Ferreira


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[1] Doravante designado apenas por CP Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[2] In Lições de Processo Civil Executivo, 3.ª Edição, 2019, Almedina, pág. 55 e 56.
[3] In ob. cit., pág. 206.
[4] Proferido no Processo n.º 08ª1057 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.