Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3085/20.0T8VLG-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO
Descritores: COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
ARTIGO 154.º
N.º 1
DO CPT
PEDIDO DE RESSARCIMENTO DE QUANTIAS PAGAS PELA SEGURADORA
Nº do Documento: RP202406283085/20.0T8VLG-B.P1
Data do Acordão: 06/28/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE. ALTERADA A SENTENÇA,
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL.
Área Temática: .
Sumário: I - O art.º 154º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho não se trata de norma que atribua competência em razão da matéria, apenas dizendo que as ações que se enquadram na previsão dessa norma correm por apenso a processo para efetivação de direitos emergentes de acidente de trabalho (caso o juízo do trabalho seja o competente).
II - Tendo ação emergente de acidente de trabalho sido julgada improcedente por não se considerar provada a ocorrência de acidente de trabalhão, a pretensão da seguradora aí demandada (absolvida) de ser ressarcida de quantias pagas ao suposto sinistrado, com base no enriquecimento sem causa, não se trata de questão emergente de acidente de trabalho, não sendo o juízo do trabalho o competente em razão da matéria para dela conhecer.

(da responsabilidade do Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de apelação n.º 3085/20.0T8VLG.P1

Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Penafiel – J2

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO[1]


Companhia de Seguros A..., S.A.” (Autora) instaurou contra AA (Réu), por apenso a processo de acidente de trabalho em que era Autor AA e Rés “Companhia de Seguros A..., S.A.” e “B..., Lda.”, a presente ação com processo comum, nos termos do art.º 154º do Código de Processo do Trabalho, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de € 4.173,47, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, a apurar, desde a primeira interpelação daquele até efetivo e integral pagamento.
Fundou o seu pedido alegando, em síntese, que lhe foi participada pelo Réu a ocorrência de acidente de trabalho em 10/07/2020, na sequência do que procedeu ao pagamento da quantia de € 475,00 ao Hospital ..., e as quantias € 3.692,85 mais € 5,62 ao Réu; correu termos o processo apenso com vista à reparação do alegado acidente de trabalho, que veio a ser julgada improcedente, com absolvição do pedido das demandadas (entre as quais a Autora); assim tem direito a receber as quantias que despendeu, invocando o art.º 473º do Código Civil (enriquecimento sem causa).

Foi proferido despacho a indeferir liminarmente a petição inicial por incompetência material do tribunal, tendo sido escrito o seguinte [que se reproduz dado tratar-se do despacho recorrido]:
O direito da seguradora que agora pretende ver reconhecido – a receber as quantias que pagou ao réu - é claramente de natureza civil, nada tendo a ver com os direitos emergentes do acidente de trabalho, não estando em causa nestes autos qualquer questão emergente de um acidente de trabalho – cuja existência já foi apreciada –, mas apenas as consequências da posição assumida pela seguradora perante aquele acidente.
Como se lê no Acórdão da Relação de Guimarães de 23/06/2021, disponível em www.dgsi.pt, a propósito de questão semelhante, mas relativo ao direito de regresso sobre a empregadora “a relação material controvertida tal como delineada pela Autora não configura uma relação de natureza infortunístico-laboral (baseada no acidente de trabalho em si), afeta ao foro laboral, mas sim uma relação jurídico-material creditícia, atinente à responsabilidade civil extracontratual (que consubstancia o exercício de uma sub-rogação legal), afeta ao foro comum. / Nesta conformidade, não pode deixar de se concluir que compete aos tribunais comuns, nomeadamente de competência cível, conhecer da ação proposta por seguradora, no exercício do direito de regresso, contra a tomadora do seguro (entidade empregadora)”.
A competência judiciária em razão da matéria é de natureza e ordem pública e apenas decorre da lei, sendo que a sua fixação apreciar-se-á em função da natureza da matéria a decidir. A competência material do tribunal é determinada e aferida pelos termos em que a ação é apresentada pelo autor, devendo atentar-se nos termos em que foi proposta a ação quer quanto aos seus elementos objetivos quer quanto aos seus elementos subjetivos, sendo irrelevantes as qualificações jurídicas feitas pelo autor ou mesmo o juízo de prognose que se possa fazer quanto à viabilidade da pretensão.
Ora, como acima se disse, a questão que a autora pretende seja dilucidada não cabe em nenhuma das alíneas do nº 1 do artigo 126º da Lei nº 62/2013, de 26/08, que fixa a competência cível dos juízos do trabalho.
A incompetência material constitui uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso e implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar – artigos 96º, al. a), 97º, nº 2, e 99º, do Código de Processo Civil, ex vi art.º 1º, nº 2, al. a) do Código de Processo de Trabalho.
Nos casos em que, por determinação legal, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente – artigo 590º do C. Processo Civil, ex vi artigo 54º, nº 1 do C. Processo do Trabalho.
Por fim, diga-se que a questão da incompetência material deste tribunal foi já invocada e defendida na petição inicial, afigurando-se, portanto, desnecessário o cumprimento do disposto no artigo 3º, nºs 3 e 4 do C. Processo Civil.
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 54º, nº 1 do C. Processo do Trabalho indefiro liminarmente a petição inicial.

Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a Autora interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[2]:
1) Os tribunais judiciais têm competência residual;
2) A competência do Tribunal afere-se pelo pedido formulado e pela causa de pedir;
3) Os juízos do Trabalho são juízos de competência especializada;
4) o pedido de condenação formulado pela Autora funda-se no direito a ser ressarcida das despesas suportadas em consequência da participação de um acidente de trabalho;
5) Trata-se de uma ação destinada à efetivação de um direito intimamente relacionado com o evento que, por força do processo judicial nº 3085/20.0T8VLG, resultou como não sendo enquadrado como acidente nos termos da LAT, originando por essa razão, o direito da Autora a ser indemnizada pelo Réu;
6) Face à causa de pedir e ao pedido invocado, é o Juízo de trabalho o competente para conhecer do pedido formulado pela Autora, nos termos do art.º 126º, nº 1, als. b) e c), da LOSJ e 154º, nº 1 do CPT.
7) Pelo exposto deve ser o Tribunal a quo julgado materialmente competente para dirimir o litigo dos presentes autos e nessa medida, seja revogada por Acórdão desta relação, na total procedência desta Apelação a decisão de indeferimento liminar da petição inicial e assim farão V. Exas. a costumada Justiça!!

Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente e nos próprios autos (sendo o efeito meramente devolutivo)[3].

O Réu foi citado para os termos do recurso e da ação, apresentando contestação, dizendo não tomar posição sobre a incompetência em razão da matéria do tribunal.

Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmado, antes, o despacho recorrido, escrevendo, essencialmente, o seguinte:

4. Está em causa, neste caso, a determinação da competência material para conhecer desta ação.

Neste caso a Recorrente refere o pagamento de determinadas quantias ao Recorrido, na sequência da participação que lhe foi feita de ocorrência de um acidente de trabalho pelo empregador que depois, instaurado processo emergente de acidente de trabalho, se concluiu que tal evento não ocorreu.

Por isso a Recorrente peticiona o pagamento das quantias indevidamente pagas.

Invoca até a figura do enriquecimento sem causa para fundamentar esta ação, pois, afinal o recorrido recebeu quantias a que não teria direito dada a inexistência de acidente.

Atendendo a este pedido e causa de pedir, e a forma como a Recorrente/Autora formula a ação, entendemos, também, salvo melhor opinião, que o Juízo do Trabalho não é competente para conhecer desta ação.

Deverá sê-lo, antes, o Juízo Cível competente territorialmente, atentas as razões de facto e de direito invocadas na petição.

Na verdade, não se trata aqui de um processo conexo com o processo para efetivação de direitos emergente de acidente de trabalho, uma vez decidido que este não existiu.

Não é aqui aplicável o disposto no art.º 154º do CPT, por esta mesma razão.

Pelo relator foi proferido despacho a determinar o regresso do processo à 1ª instância a fim se der fixado valor da ação.

Em 1ª instância foi fixado o valor da ação em € 4.173,47.

Regressado o processo a esta Relação, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.


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FUNDAMENTAÇÃO

Conforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada[4], sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso.

Assim, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso é saber se o juízo do trabalho é o competente em razão da matéria para conhecer desta ação.


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Para apreciar a questão posta, a factualidade a ter presente é todo o desenvolvimento processual relevante que se expôs supra no Relatório, acrescentando-se o seguinte (sem prejuízo de outra factualidade a que se faça referência infra):

● AA, aqui Réu, apresentou petição inicial com vista a impulsionar a fase contenciosa de processo emergente de acidente de trabalho, o processo apenso, contra “B..., Lda.” e “Companhia de Seguros A..., S.A.”, pretendendo a reparação por acidente de trabalho que alegou ter sofrido em 10/07/2020, o serviço da 1ª Ré que havia transferido, pelo menos em parte, a responsabilidade por acidentes de trabalho para a 2ª Ré;

● Nessa ação, depois de corridos os seus termos, foi proferida sentença julgando a ação improcedente, absolvendo as Rés dos pedidos formulados pelo Autor, sendo considerado que o autor não logrou provar ter ocorrido qualquer acontecimento, suscetível de ser caraterizado como acidente, no dia 10/07/2020, no seu local e tempo de trabalho.


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Como é consabido, a incompetência absoluta do tribunal, como seja a incompetência em razão da matéria, constitui exceção dilatória, que, na fase liminar do processo, conduz ao indeferimento liminar da petição inicial [cfr. artos 96º, al. a), 99º, nº 1, 576º, nº 2, 577º, al. a), e 590º, nº 1, todos do Código de Processo Civil e art.º 54º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho].

É incontroverso, vindo há muito a ser repetido na jurisprudência, e não o pondo a Recorrente em causa, que a competência do tribunal deve ser aferida tendo em conta os termos em que a ação foi proposta, considerados o respetivo pedido e seus fundamentos (em si, porque o enquadramento jurídico não vincula o tribunal – art.º 5º, nº 3 do Código de Processo Civil)[5].

Ou seja, para se determinar a competência material do tribunal, há apenas que atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, isto é, à causa de pedir e ao pedido: devendo a determinação do tribunal materialmente competente para o conhecimento da pretensão deduzida pelo autor partir do teor desta pretensão e dos fundamentos em que se baseia, é somente perante essa causa de pedir e esse pedido que o Tribunal em que a ação foi proposta decide se dispõe ou não de competência material para dela conhecer.

A causa de pedir é facto jurídico concreto integrante das normas de direito substantivo que concedem o direito, e o pedido a pretensão formulada pelo autor com vista à realização daquele direito ou à sua salvaguarda (cfr. artos 3º e 581º, nº 4, do Código de Processo Civil).

No caso em apreço está em causa o pedido de Seguradora contra “sinistrado” solicitando a restituição de quantias que pagou [ao próprio, e a estabelecimento hospitalar] no pressuposto de que o mesmo tinha sido vítima de acidente de trabalho, quando em processo instaurado com vista à efetivação da reparação do acidente como de trabalho [o processo apenso] se concluiu não estar demonstrado ter ocorrido acidente (e caracterizável como tal), tendo a Seguradora [lá Ré, aqui Autora] sido absolvida do pedido.

Esta ação foi instaurada por apenso ao processo para efetivação de direitos emergentes de acidente de trabalho, ao abrigo do art.º 154º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho, que prevê que o processo destinado à efetivação de direitos conexos com acidente de trabalho sofrido por outrem segue os termos do processo comum, por apenso ao processo resultante do acidente, se o houver.

A competência cível dos juízos do trabalho encontra-se prevista no art.º 126º da Lei da Organização do Sistema Judiciário [doravante LOSJ – Lei nº 62/2013, de 26 de agosto], podendo dizer-se estar o art.º 154º do Código de Processo do Trabalho de alguma forma está em estreita conexão com a al. d) do nº 1 desse art.º 126º, que dispõe competir ao juízos do trabalho conhecer das questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes da prestação de serviços clínicos, de aparelhos de prótese e ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efetuados ou pagou em benefício de vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais[6].

Na verdade, nos processos referidos no art.º 154º do Código de Processo do Trabalho estão em causa, pelo menos por princípio, terceiros em relação a acidente que é de trabalho, que carecem de legitimidade para intervir no processo relativo ao acidente de trabalho com vista à satisfação dos seus direitos[7].

Todavia, o art.º 154º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho, acima referido, não se trata de norma que atribua competência em razão da matéria[8], apenas dizendo que as ações que se enquadram na previsão dessa norma correm por apenso a processo para efetivação de direitos emergentes de acidente de trabalho.

Ou seja, caso caiba aos juízos do trabalho conhecer do processo destinado à efetivação de direitos conexos com acidente de trabalho sofrido por outrem, por isso questões conexionadas com as vítimas de acidente de trabalho, a respetiva ação corre por apenso ao processo onde se discute/discutiu a responsabilidade emergente de acidente de trabalho [o art.º 126º, nº 1, al. d) da LOSJ atribui competência ao juízo do trabalho, e o art.º 154º do Código de Processo do Trabalho diz que a ação, nesse tribunal materialmente competente, corre por apenso a outra, se ela existir].

Sendo assim, não se corrobora a afirmação, constante da alegação de recurso por citação de jurisprudência, de que é o próprio Código de Processo do Trabalho que, no seu art.º 154º, nº 1, impõe a apreciação desta ação pelo Tribunal de Trabalho[9].

Neste recurso não está em causa saber se esta ação corre por apenso à outra, situando-se a questão posta a montante, de saber se o juízo do trabalho é o competente em razão da matéria, não sendo, por isso, questão que nos ocupe agora a de saber se o art.º 154º do Código de Processo do Trabalho só se reporta a processos cuja competência em razão da matéria decorra do art.º 126º, nº 1, al. d) da LOSJ.

É cristalino que no caso em apreço não tem aplicação a al. d) do referido nº 1 do art.º 126º da LOSJ, o que quer dizer que a procedência do recurso só poderá ter lugar com base noutra(s) norma(s), estando invocada a al. c) do referido nº 1 do art.º 126º da LOSJ, que dispõe competir ao juízos do trabalho conhecer das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais.

Assim, aquilo que importa aferir é se o objeto desta ação é uma questão emergente de acidente de trabalho, pois se assim for a competência para sua apreciação cabe ao juízo do trabalho (em contrário do decidido em 1ª instância).

Em face do alegado pela Autora, a razão de ser da presente ação foi a não consideração no processo apenso de que o Réu sofreu acidente que se considere como de trabalho, vindo a Autora solicitar o pagamento daquilo que pagou no pressuposto de que tinha ocorrido acidente a caracterizar como de trabalho mas, tendo sido absolvida do pedido, entende que não integra a cobertura do contrato de seguro, e por isso não lhe cabia proceder ao pagamento, invocando o art.º 473º do Código Civil (enriquecimento sem causa).

Estando em causa acidente que foi considerado não estar provado ter ocorrido, tal levar-nos-ia logo numa primeira abordagem a dizer não se tratar de questão emergente de acidente de trabalho, mas importa esclarecer melhor[10].

Abundam os arestos que apreciam a questão da competência do juízo do trabalho para apreciar ações cujo objeto se prende com o exercício de direito de regresso de seguradora contra empregadora (tomadora do seguro), estando no acórdão do TRL de 16/05/2023[11] enunciados vários acórdãos, num e noutro sentido, que aqui se transcreve, sem notas de rodapé, para se ter ideia da falta de unanimidade (que a Recorrente refere na motivação):

Conforme dispõem os arts. 64º do CPC e 40º da LOSJ, os tribunais judiciais têm competência, em razão da matéria, para apreciar as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

Por seu turno, estabelece o art.º 130º, nº 1 da LOSJ que os juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem competência na respetiva área territorial quando as causas não sejam atribuídas a outros juízos ou a tribunal de competência territorial alargada.

De outra banda, acrescenta o art.º 117º nº 1 da LOSJ que compete aos juízos centrais cíveis:

a) A preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50 000,00;

b) Exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a (euro) 50 000,00, as competências previstas no Código do Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de juízo ou tribunal;

c) Preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência;

d) Exercer as demais competências conferidas por lei.

Finalmente o nº 2 do mesmo preceito dispõe que nas comarcas onde não haja juízo de comércio, o disposto no número anterior é extensivo às ações que caibam a esses juízos.

Sucede que, conforme resulta do disposto no art.º 126º, nº 1 da LOSJ os juízos do trabalho também têm competências em matéria cível, nomeadamente quanto:

− questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais – al c);

− questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes da prestação de serviços clínicos, de aparelhos de prótese e ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efetuados ou pagos em benefício de vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais – al. d).

A interpretação dos preceitos invocados e a apreciação da questão de saber se as ações em que as seguradoras pretendem exercer o direito de regresso] ou sub-rogação legal sobre empregadores invocando a outorga de contratos de seguro de acidente de trabalho e a ocorrência de sinistros como tal qualificados são da competência dos juízos cíveis (central ou local, consoante o valor da causa) ou do juízo do trabalho vêm sendo amplamente debatida na doutrina e na jurisprudência, descortinando-se duas teses.

Assim, para uma primeira corrente, a apreciação e julgamento de tais questões é da competência dos juízos cíveis – Neste sentido se pronunciaram os seguintes arestos:

- RC 28/09/2000 (Fernandes da silva), p. 1474/00;

- STJ 18/11/2004 (Salvador da Costa), p. 04B3847;

- STJ 22/06/2006 (Salvador da Costa), p. 06B2020;

- RE 13/07/2006 (Bernardo Domingos), p. 1218/06-3;

- RL 29/05/2007 (Orlando Nascimento), p., 4343/2007-7;

- RC 17/06/2008 (Gregório Jesus), p. 74/08.6YRCBR.C1;

- RL 03/07/2008 (Eduardo Tenazinha), p. 1261/08-2;

- STJ 14/05/2009 (Sousa Peixoto), p. 09S0232;

- RL 20/04/2010 (Pedro Brighton), p. 1030/08.0TJLSB.L1-1;

- RC 13/09/2011 (Virgílio Mateus), p. 3415/10.2.TBVIS.C1;

- RP 06/05/2013 (Ferreira da Costa), p. 1417/11.0TTBRG.P1;

- RP 18/11/2013 (Manuel Domingos Fernandes), p. 933/13.4TBVFR.P1;

- RC 23/06/2015 (Fernando Monteiro), p. 4/14.3TBMIR-A.C1;

- RG 24/09/2015 (Mª Dolores Sousa), p. 1663/14.5T8VCT.G1;

- RG 05/01/2017 (Fernanda Ventura), p. 3653/15.4T8GMR.G1;

- STJ 14/12/2017 (Olindo Geraldes), p. 3653/16.4T8GMR.G1.S1;

- RG 10/01/2019 (António Penha), p. 100/18.0T8MLG-A.G1;

- RL 21/09/2019 (Laurinda Gemas), p. 605/17.0T8MFR.L1-2;

- RG 29/11/2019 (Mª João Matos), p. 3112/19.3T8BRG.G1;

- RP 08/10/2019 (Vieira e Cunha), p. 383/18.6T8VGS-A.P1;

- RG 08/10/2020 (Mª Leonor Barroso), p. 3167/19.0T8BCL.G1;

- STJ 13/10/2020 (Fernando Samões), p. 483/19.5T8LRS.L1.S1;

- RC 22/06/2021 (Moreira do Carmo), p. 10/21.4T8PCV.C1;

- RG 23/06/2021 (Mª dos Anjos Nogueira), p. 123/20.0T8VPC-A.G1;

- RE 16/12/2021 (Cristina dá Mesquita), p. 1196/20.0T8BJA.E1;

- RP 23/02/2023 (Filipe Caroço), p. 557/22.5T8ETR.P1;

Já no sentido inverso, considerando que a competência, em razão da matéria, para apreciar e julgar tais causas é dos juízos do trabalho se pronunciaram os seguintes arestos:

- RL 12/12/1985 (Leite Ferreira), p. 0019790;

- RP 27/03/1993 (João Gonçalves), p. 9320327;

- RC 26/06/2007 (Silva Freitas), p. 2410/06.0TBVIS.C1;

- RL 12/03/2009 (Ferreira Marques), p. 573/09.2YRLSB-4;

- RP 04/06/2012 (Machado da Silva), p. 155/04.5TTSTS-A.L1;

- STJ 30/04/2019 (Ana Paula Boularot), p. 100/18.0T8MLG-A.G1.S1;

- RP 27-06-2019, Rita Romeira, p. 281/08.11TTVLG-A.P1;

- STJ 05/04/2022 (Ricardo Costa), p. 1759/20.4T8CBR.S1;

… bem como as seguintes decisões, proferidas, no âmbito de conflitos de competência:

- RP 03/07/2003 (Sousa Peixoto), p. 0313016;

- RL 22/09/2022 (Mª do Rosário Gonçalves), p. 15624/20.1T8LSB.L1;

- RL 16/11/2022 (Mª do Rosário Gonçalves), p. 13962/19.5T8SNT.L1.

Todavia, não se reportando estes arestos [entre eles o do TRG de 23/06/2021 citado na decisão recorrida, e o do STJ de 05/04/2022 citado pela Recorrente], nem o aresto do TRL de 05/12/2023 citado pela Recorrente, não se reportando eles, repete-se, a uma situação como a que está aqui em causa – pedido de restituição de quantias com base no enriquecimento sem causa – não será de os ter presentes.

Como é sabido, o enriquecimento sem causa assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia, pressupondo a obrigação de restituir/indemnizar fundada nesse instituto a verificação cumulativa dos seguintes requisitos[12]: (i) existência de enriquecimento; (ii) que esse enriquecimento não tenha causa que o justifique; (iii) que ele seja obtido à custa do empobrecimento de quem pede a restituição; (iv) que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído.

Como se vê, o instituto invocado pela Autora para propor a ação, sendo a causa de pedir constituída pelos factos que integrem esse instituto, assenta em algo diverso de um acidente de trabalho, mais propriamente na ausência de causa para os pagamentos efetuados, que partiu da improcedência de uma ação em que estava subjacente o reconhecimento de se ter verificado acidente de trabalho, mas podia estar em causa a improcedência do reconhecimento de qualquer “causa”.

Sendo, assim, não se poder de todo dizer que no caso em apreço está em causa uma questão emergente de acidente de trabalho; embora a não prova de factos que consubstanciem um acontecimento, suscetível de ser caraterizado como acidente não signifique a prova do contrário, para evidenciar o exposto podemos dizer estar em causa uma questão não emergente de acidente de trabalho; logo não se conclui ser o juízo do trabalho o competente, chegando-se, pois, a igual conclusão à retirada da decisão recorrida, não merecendo, por consequência, censura a decisão de indeferimento liminar da petição inicial.


*

Quanto a custas, havendo improcedência do recurso, as custas do mesmo urso ficam a cargo de ambas as partes na respetiva proporção (art.º 527º do Código de Processo Civil).


***

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, com taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao RCP (cfr. art.º 7º, nº 2 do RCP).

Valor do recurso: o da ação (art.º 12º, nº 2 do RCP).

Notifique e registe.


(texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente)

Porto, 28 de junho de 2024

António Luís Carvalhão [Relator]

Rui Manuel Barata Penha [1º Adjunto]

Teresa Sá Lopes [2ª Adjunta]


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[1] Elaborado com base na consulta quer deste apenso quer do processo principal (no Citius).
[2] As transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes e realces/sublinhados que no geral não se mantêm (porque interessa o texto em si), consignando-se que quanto à ortografia utilizada se adota o Novo Acordo Ortográfico.
[3] Recurso admissível por força do disposto no art.º 629º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil.
[4] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 156 e págs. 545/546 (estas no apêndice I: “recursos no processo do trabalho”).
[5] Vd., entre outros, por mais recentes, o acórdão do STJ de 06/07/2022 e o acórdão desta Secção Social do TRP de 05/06/2023 (relatado pelo desembargador agora 1º adjunto), consultáveis em www.dgsi.pt, processos nº 459/21.2T8VRL-A.G1.S1 e nº 2182/22.1T8VFR.P1, respetivamente.
[6] Vd. a propósito José Joaquim F. Oliveira Martins, “Código de Processo do Trabalho Anotado e Comentado – os processos laborais na prática judiciária”, Almedina/Colectânea de Jurisprudência, 2020, pág. 209.
[7] Vd. Hélder Quintas, “Comentários ao Código de Processo do Trabalho – de acordo com as alterações introduzidas pela Lei nº 13/2023, de 03 de abril”, Almedina, 2023, págs. 941/942, que refere que esta apensação espelha a preocupação do legislador em manter sob a alçada do mesmo julgador a discussão das duas demandas, de molde a que este domine todos os elementos compositórios necessários à prolação de uma decisão justa e completa.
[8] Já Alberto dos Reis referia [in “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. I, Coimbra Editora, pág. 204], a propósito de norma idêntica à constante do atual nº 1 do art.º 73º do Código de Processo Civil (sobre ações de honorários correrem por apenso ao processo sobre o qual incidiu o serviço prestado), nada tem que ver com o problema da competência em razão da matéria; tem unicamente por fim resolver o problema da competência territorial, supondo por isso já resolvidos os problemas da competência que logicamente estão antes deste, e consequentemente o problema da competência em razão da matéria.
[9] De resto, não se pode deixar de mencionar que, mesmo assim não se considerasse, sempre parece resultar que o processo em causa no art.º 154º do Código de Processo do Trabalho prende-se com situações em que um “terceiro” vem exercer os direitos conexos com o acidente que é de trabalho contra os responsáveis que tiveram intervenção no dito processo [vd. Alberto Leite Ferreira, “Código de Processo do Trabalho Anotado”, 4ª edição, Coimbra Editora, 1996, pág. 676], não com situações em que a parte demandada como responsável é absolvida do pedido no processo relativo ao acidente de trabalho e vem impulsionar um processo contra o demandante.
[10] Messias Carvalho e Sónia Carvalho [in “Código de Processo do Trabalho Anotado”, Quid Juris, 2023, pág. 695] referem que: «este processo, por princípio, corre contra a entidade responsável – que tanto pode ser a seguradora como a empregadora – conforme for apurado. / Caso se conclua que o acidente não assume o carácter de acidente de trabalho ou, não se trata de doença profissional, o processo será instaurado contra “o sinistrado” ou “o doente”», parecendo considerar que este preceito legal atribui competência ao juízo do trabalho nessas situações, mas já se viu não ser o art.º 154º do Código de Processo do Trabalho norma sobre competência.
[11] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 2992/22.0T8FNC.L1-7.
[12] Vd. a propósito, porque recente, o acórdão do TRG de 01/02/2024, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 3209/21.0T8BRG.G1.