Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1979/11.2TBGDM-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA MIRANDA
Descritores: OPOSIÇÃO À PENHORA
SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL
SUBSÍDIOS DE FÉRIAS E DE NATAL
Nº do Documento: RP202201111979/11.2TBGDM-C.P1
Data do Acordão: 01/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: SENTENÇA CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A impenhorabilidade de 2/3 do vencimento/pensão mensal auferida pelo executado destina-se a assegurar um montante mínimo necessário à sua subsistência condigna.
II - Constituindo os subsídios de férias e de natal prestações adicionais à retribuição mensal, é admissível a penhora da parte que exceder o valor correspondente ao salário mínimo nacional uma vez que fica salvaguardado o mínimo indispensável ao sustento do executado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1979/11.2TBGDM-C.P1
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Relatora: Anabela Andrade Miranda
Adjunta: Lina Castro Baptista
Adjunta: Alexandra Pelayo
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - RELATÓRIO
AA…, por apenso à execução que o “Banco …, SA”, intentou contra si, deduziu a presente oposição à penhora invocando ter sido ilegalmente penhorada a sua pensão (de valor inferior ao SMN), pretendendo o seu levantamento.
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O Exequente contestou impugnando, essencialmente, os argumentos alegados pelo Executado/Oponente.
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Proferiu-se decisão que julgou improcedente a oposição à penhora.
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Inconformado com a decisão, o Executado interpôs recurso formulando as seguintes
CONCLUSÕES
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O Exequente apresentou contra-alegações concluindo da seguinte forma:
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Colhidos os Vistos, cumpre decidir.
II - Delimitação do Objecto do Recurso
A questão decidenda, delimitada pelas conclusões do recurso, resume-se a saber se no caso em que o vencimento mensal, de montante inferior ao salário mínimo nacional, ultrapasse esse valor quando somado ao subsídio de natal ou de férias, é penhorável.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS
1.- Os autos de execução principal foram instaurados em 12/05/2011 e estão ainda pendentes e, em 09/07/2019, foi calculada pela Sra. AE a quantia exequenda em €17.201,27, conforme consta do auto de penhora: - em 09/07/2019, foi aí penhorado a pensão mensal do aqui executado/oponente, que na altura ascendia a €402,46, com o acréscimo dos subsídios de férias e de natal, conforme tudo consta dos documentos juntos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
2.- O aqui executado/oponente e a sua mulher BB… declararam para efeitos de IRS de 2018 o total de rendimentos auferidos de €30.976,64, sendo tal valor de €31.517,78 em 2019, conforme tudo consta dos documentos fiscais juntos aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
3.- O aqui executado/oponente e a sua mulher fizerem já partilha para separação de meações, a qual foi homologada por sentença de 13/02/2019, transitada em julgado, conforme tudo consta do inventário/apenso B.
4.- A penhora da pensão acima referida em 1. apenas se tornou efetiva e apenas seria de efetuar quando a pensão global auferida fosse superior ao salário mínimo nacional, designadamente aquando do processamento dos subsídios de férias e Natal, como veio informar o CNP e também informou a Sra. AE nos autos de execução em 05/06/2020.
5.- A penhora da quantia de €204,92 referida no auto de penhora acima referido em 1. resultou do desconto de tal quantia na pensão total de €804,92, que incluía a pensão normal e o subsídio de férias pago em julho de 2019, incidindo a penhora apenas sobre a diferença entre o montante líquido auferido e o salário mínimo nacional vigente na altura (€804,92-€600,00=€204,92), como tudo veio informar o CNP e também informou a Sra. AE nos autos de execução.
6.- O executado veio informar que não tinha outros bens suscetíveis de penhora.
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IV-DIREITO
Nos autos de execução foi penhorada a pensão do Executado, recebida no mês de Julho, concretamente a quantia de €204,92, correspondente à diferença entre o montante líquido auferido em Julho de 2019 (que incluiu a pensão normal e o subsídio de férias) e o valor equivalente ao salário mínimo nacional.
O Executado deduziu oposição à penhora por entender que não é admissível a penhora do subsídio de férias, uma vez que, para esse efeito, não deve ser somado ao rendimento mensal.
Segundo o disposto no artigo 738.º, n.º 1 do CPC, são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.
Marco Gonçalves [1] esclarece que o montante impenhorável previsto neste artigo encontra duas limitações, a primeira destinada a proteger os interesses do exequente e a segunda visando salvaguardar a situação económica e social do executado à luz da exigência constitucional de protecção da dignidade da pessoa humana.
Por outro lado, resulta do n.º 3 do citado art.º 738.º do CPC que a impenhorabilidade prescrita no n.º 1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.
Tem sido discutido na jurisprudência se é admissível a penhora dos subsídios de natal e de férias na hipótese em que o montante recebido a esse título excede o rendimento mensal, de valor inferior ao salário mínimo nacional.
A resposta positiva ou negativa a esta questão depende da forma como é enquadrada, para este efeito de penhorabilidade do rendimento mensal, a prestação pecuniária paga ao trabalhador a título de subsídio.
Nas palavras do mencionado autor Marco Gonçalves se se considerar que estas prestações “adicionais” têm natureza autónoma, ou seja, se se ficcionar que o ano civil tem catorze meses, as mesmas, tal como o rendimento periódico mensal, serão impenhoráveis, se cada uma dessas prestações, individualmente consideradas, não exceder o salário mínimo nacional. Diversamente se se entender que essas prestações não revestem natureza autónoma, nessa eventualidade as mesmas já serão penhoráveis na parte em que, uma vez somadas ao rendimento periódico mensal, excedam o valor correspondente ao salário mínimo nacional.
Esta última corrente tem sido aquela que obteve maior aceitação na jurisprudência, sendo que neste Tribunal da Relação do Porto, o recente Acórdão de 26/10/2020[2] concluiu que a previsão do n.º 3 do art. 738.º do CPC deve ser entendida como um valor ou montante e não como a definição pressuposta de um determinado tipo de remuneração, valor esse que se afere à remuneração globalmente entendida, mas mensal, e que tem a sua razão naquilo que, no valor que o legislador considera como mínimo indispensável ao sustento e sobrevivência condigna do executado.
Na verdade, a ratio legis da norma consiste em assegurar ao executado um montante mensal que lhe permita fazer face às despesas básicas, ou seja, a salvaguardar uma sobrevivência condigna e que corresponde ao salário mínimo nacional, independentemente da qualificação do rendimento auferido nesse período temporal.
Assim, acompanhando o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 18/04/2013[3], o que releva para o cálculo da parte penhorável da retribuição mensal é a globalidade das prestações auferidas mensalmente e não o fracionamento dos subsídios pelos meses do ano.
Nessa linha de orientação, o Tribunal Constitucional[4] decidiu “não julgar inconstitucional a norma extraída da conjugação do disposto na alínea b) do n.º e do n.º 2 do art. 824.º do C.P.C., na parte em que permite a penhora até 1/3 das prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor não seja superior ao salário mínimo nacional mas que, coincidindo temporalmente o pagamento desta e subsídio de natal ou de férias se penhore, somando as duas prestações, na parte que excede aquele montante” e “constituindo o subsídio de férias e o subsídio de natal um complemento à pensão normalmente devida, não se vislumbra que possam corresponder a uma quantia que deva ser qualificada como garantia desse mínimo essencial à subsistência condigna.”
Por conseguinte, constituindo os subsídios de férias e de natal prestações adicionais à retribuição mensal, é admissível a penhora da parte que ultrapassar o valor correspondente ao salário mínimo nacional, como ocorreu no caso sub judice, uma vez que o mínimo indispensável ao sustento do executado não é posto em causa.
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V – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as Juízas que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, e em consequência, confirmam a decisão.
Custas pelo Recorrente.
Notifique.

Porto, 11 de janeiro de 2022.
Anabela Miranda
Lina Baptista
Alexandra Pelayo
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[1] Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, pág. 256.
[2] Disponível em www.dgsi.pt
[3] Disponível em www.dgsi.pt
[4] Acórdão n.º 770/2014 de 12.11.2016, DR, 2.ª série, n.º 26, de 06.02.2015.