Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3418/21.1T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO PELO DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP202407103418/21.1T8VFR.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Atualmente, só excecionalmente se justifica que o valor indemnizatório, encontrado para ressarcir os danos patrimoniais futuros, seja descontado de algum montante, em razão do recebimento imediato do respetivo valor.
II - Na compensação dos danos não patrimoniais, haverá sempre que ter em conta as particularidades da situação em apreciação, sem embargo de se dever colher nas decisões dos tribunais superiores, e especialmente do Supremo Tribunal de Justiça, o decidido perante casos comparáveis.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3418/21.1T(VFR.P1

Recorrente - A... – Companhia de Seguros …, SA 
Recorrida – AA

Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntas: Fátima Andrade e Eugénia Marinho da Cunha.

Acorda-se na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
AA instaurou a presente ação contra A... - Companhia de Seguros …, SA e peticionou a condenação da ré a pagar-lhe a quantia global de 248.303,63€, acrescida de juros legais de mora à taxa legal, desde a citação, bem como as quantias que se vierem a liquidar em execução de sentença e respeitantes aos danos e despesas futuras, bem como no pagamento das custas processuais.

Para tanto, veio alegar que, em 12.03.2019, pelas 20H25, ocorreu um acidente entre o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula “..-..-SQ” e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula “..-PA-..”, conduzido pela autora, acidente devido a culpa da condutora do SQ, cuja responsabilidade civil, à data do sinistro, se encontrava transferida para a ré. Alega, por outro lado, os danos sofridos.

A ré veio contestar, confessando que a responsabilidade pelo sinistro em apreço pertenceu ao condutor do veículo SQ, por si garantido, e assumindo a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos, mas entendendo excessivos os montantes peticionados.

Por requerimentos de 30.01.23 e 12.09.23, a autora veio apresentar ampliações do pedido, respetivamente no valor de 243,67€ (sendo 200,77€ a título de despesas médicas e 42,90€ em virtude de despesas com deslocações) e 257,41€ a título de despesas médicas.

Efetuada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, onde foram aferidos os pressupostos processuais, bem como despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova. Procedeu-se à audiência de julgamento e foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “I - Condeno a Ré a pagar: A) à Autora as seguintes quantias, nos moldes acima apurados e definidos: 1 - € 185.000,00 (cento e oitenta e cinco mil euros), a título de dano biológico, na sua vertente patrimonial .A este valor deve ser deduzido o valor de € 55.342,32 que a A. recebeu da CGA (Caixa Geral de Aposentações); 2 - € 3.954,71 ( três mil novecentos e cinquenta e quatro euros e setenta e um cêntimos), decorrente das despesas (clínicas, transportes, outras, como acima aferido). Àquelas quantias referidas em 1 e 2 acrescem juros de mora à taxa legal, desde a citação da R. até efetivo e integral pagamento; 3 - € 52.000,00 ( cinquenta e dois mil euros), a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora desde a presente data (da sentença) até efetivo e integral pagamento; 4 - O valor que a autora venha a despender no futuro com despesas médico medicamentosas (tais como ajudas técnicas, medicamentosas, tratamentos, exames, consultas e reparação/substituição de suportes plantares), relegando tal cômputo a liquidar em sede de execução de sentença. II - Absolvo a Ré do demais peticionado”.

II – Do Recurso
Inconformada relativamente às condenações referidas em I, 1 e 3, a ré veio apelar. Pretendendo a revogação da sentença, conclui:
1 - O recurso visa a revogação da sentença no que diz respeito aos montantes das indemnizações fixadas a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
2 - Pelos danos não patrimoniais, a sentença fixou o montante indemnizatório de 52.000.00€, que, salvo devido respeito, entendemos exagerado.
3 - Não se discute que os danos provados ostentam gravidade que reclama a tutela do direito.
4 - A indemnização apenas pode ser fixada segundo critérios de equidade e normalidade, sendo impossível pretender alcançar um valor que espelhe exatamente o dano sofrido.
5 – O artigo 496/3, do Código Civil, determina que o montante da indemnização seja fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.
6 - O objetivo que preside a este tipo indemnizatório é o de proporcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos e não o de o recolocar na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido.
7 - No caso, em face da matéria provada, entende-se justo e adequado, para compensar o dano não patrimonial sofrido, o montante de 35.000,00€.
8 - A sentença fixou o montante de 185.000,00€, a título de indemnização pelo défice Permanente da Integridade Física.
9 - Para alcançar o montante de 185.000,00€, teve em conta, entre outros fatores, o salário auferido pela autora (3.899,18€/mês), a sua idade à data do acidente (59 anos), o grau de incapacidade permanente de 21 pontos, que implica esforços acrescidos, a sua profissão de médica, o facto de poder trabalhar até aos 75 anos e a idade legal da reforma de 66,7 anos.
10 - O grau de incapacidade de que a autora ficou a padecer não teve repercussão laboral, pois não implicou redução do seu rendimento salarial, pois a autora continuou a trabalhar e a auferir o mesmo salário.
11 - O nível de rendimento da lesada não foi afetado, não ocorrendo por via da IPP qualquer diminuição efetiva do seu património traduzido numa incapacidade laboral efetiva.
12 - O património da lesada não será prejudicado pela lesão sofrida.
13 - Nos casos em que não há perda de capacidade de ganho, não existindo qualquer razão para distinguir os lesados no valor base a atender, deverá usar-se, no cálculo do dano biológico, um valor de referência comum, sob pena de violação do princípio da igualdade, já que, só se justificaria atender aos rendimentos quando estes sofram uma diminuição efetiva por causa da incapacidade, por só aí é que o tratamento desigual dos lesados terá fundamento terá fundamento.
14 - A indemnização a fixar pela perda de capacidade de ganho, decorrente do grau de incapacidade permanente de que a autora ficou a padecer, deve ser calculada segundo os critérios de equidade.
15 - É ajustado arbitrar à autora uma indemnização de 100.000,00€ pelo dano biológico sofrido (dimensão patrimonial), sendo que a este valor deve ser deduzido o montante de 55.342,32€ que a autora recebeu da CGA, ao abrigo do acidente em serviço, o que perfaz 44.657,69€, como sendo o valor a pagar pela recorrente à autora.
16 - Ao consignar diverso entendimento, andou mal a sentença, devendo igualmente nesta sede, ser revogada.
17 - Ao não os interpretar da forma acima assinalada, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 483, 562 e 564, n.º 2, todos do Código Civil.

A autora respondeu ao recurso, defendendo a bondade da sentença e a total improcedência da apelação.

O recurso foi recebido nos termos legais e, ponderando a natureza das questões a apreciar em sede de recurso e a não impugnação da decisão relativa à matéria de facto, foram dispensados os Vistos.

O objeto do recurso, tendo em conta as conclusões da apelante, consiste em saber se os valores fixados em sede de indemnização pelo dano patrimonial futuro e de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela recorrida se mostram excessivos e devem ser diminuídos. 

III - Fundamentação
III.I - Fundamentação de facto
A 1.ª instância deu como provados os factos que se transcrevem, restringindo-se esta transcrição aos que possam interessar à apreciação do recurso[1].
Matéria provada
9 - A colisão ocorreu na hemifaixa da direita, atento o sentido de marcha Nascente- Poente.
10 - Com dores intensas, mas sempre consciente, a autora fez uma tentativa de saída do automóvel por pensar em risco de incêndio, mas não foi possível devido às fraturas em ambos os pés, sendo o do esquerdo com fratura exposta.
14 - Em virtude das lesões corporais, a autora foi assistida no local pelos Bombeiros e transportada para o Hospital ..., em Santa Maria da Feira.
15 - Nesta unidade hospitalar deu entrada no serviço de urgência onde foi submetida a exames complementares de diagnóstico, designadamente Rxs e TAC aos membros inferiores, verificando-se que a autora sofreu: - Membro inferior direito: - Fratura-luxação do colo do astrálago; - Fratura do sustentáculo tali; - Fratura do calcâneo. - Membro inferior esquerdo: - Fratura cominutiva do calcâneo,
16 - Perante o quadro clínico, foi determinado o seu internamento para tratamento cirúrgico urgente.
17 - Naquela noite, a autora foi sujeita a intervenção cirúrgica que consistiu em correção de esfacelo a nível do tornozelo/pé esquerdo e redução cruenta de fratura-luxação do astrálago e osteossíntese de fratura do calcâneo à direita.
18 - Foi efetuada imobilização gessada em ambas as pernas.
19 - Para a realização desta cirurgia foi-lhe ministrada anestesia geral.
20 - No pós-operatório, durante o período de internamento, a autora permaneceu sempre em decúbito dorsal, totalmente dependente, e os cuidados de higiene eram efetuados no leito.
21 - Foi-lhe ministrada múltipla medicação farmacológica.
22 - No dia 20.03.2019 foi transferida para o Hospital 1..., mantendo o internamento, a fim de continuar os cuidados e tratamentos que necessitava. 
23 - Entretanto, ocorreu complicação no calcâneo à esquerda com necrose superficial 1/3 inferior de ferida de exposição do calcâneo.
24 - Após a realização de exames complementares de diagnóstico, resultou a necessidade de abordagem cirúrgica ao nível do sustentáculo tali, à direita.
25 - Em 29.03.2019 foi novamente submetida a intervenção cirúrgica que consistiu em: - Desbridamento cirúrgico de ferida a nível do calcâneo esquerdo, complicado com necrose cutânea; - Redução e Osteossíntese do sustentáculo tali, à direita.
26 - Para a realização desta cirurgia foi-lhe ministrada anestesia geral.
27 - Foi efetuada imobilização dos membros inferiores com bota Walker.
28 - Em 1.04.19, teve alta de internamento hospitalar.
29 - Durante todo o período em que permaneceu nesta unidade hospitalar foi sujeita a múltipla medicação, tais como patoprazol, cefazolina, Enoxaparina sídica, Naproxeno, Petidina, Cefazolina, Paracetamol Ropivacaína, Lidocaina, Fenaltil, Cetorolac, Ondfansetron, entre outros.
30 - Esteve internada durante 21 dias, desde a data do acidente até 1.04.19 – data em que teve alta de internamento do Hospital 1..., com indicação de manter drenagem e postura dos membros inferiores; manter imobilização com bota Walker; não fazer carga até reavaliação em consulta externa de ortopedia; fazer medicação prescrita; necessidade de apoio de 3.ª pessoa para higiene pessoal e tarefas do dia-a-dia.
31 - Efetuou medicação que lhe foi prescrita pelo Hospital, concretamente, Tramadol + paracetamol 37,5 mg + 325 mg comp.; Naproxeno 500 mg comp.; Enoxoparina 40 mg – sol. Injetável; Flcloxacilina 500 mg.
32 - Passava a maior parte do tempo deitada ou sentada, e totalmente dependente.
33 - Teve necessidade de cuidados de enfermagem que consistiu em fazer tratamentos e pensos às feridas cirúrgicas, de acordo com os documentos emitidos pelo Hospital 1....
34 - A autora continuava com totais limitações funcionais nas atividades da vida diária e dependente, e totalmente impossibilitada de desenvolver a sua atividade profissional, enquanto médica a exercer funções na Unidade de Saúde ..., em Santa Maria da Feira.
35 - Tinha muitas dificuldades em dormir devido às dores que sentia e pela posição que tinha de adotar em decúbito dorsal que lhe causavam permanentes transtornos de sono.
36 - O sinistro foi participado ao Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) de ...-.../... e classificado como Acidente em Serviço/Trabalho que assim também acompanhou a situação clínica da autora, tendo sido determinada a manutenção de situação de Incapacidade Temporária Absoluta para o Trabalho, conforme Boletins de Acompanhamento Médico.
37 - Continuou a ser acompanhada em consultas externas de Ortopedia do Hospital 1..., e sujeita a diversos exames complementares de diagnóstico, concretamente, diversos RXs aos membros inferiores, TAC do tornozelo esquerdo e Eletromiografia do membro inferior esquerdo realizados em 06-05-2019, 17-06-2019, 15-07-2019, 26-08- 2019 e 15-10-2019.
38 - Na sequência da respetiva avaliação clínica, em 08-05-2019, teve indicação para iniciar carga em progressão total do membro inferior esquerdo e solicitada reabilitação por Fisioterapia para este membro. 
39 - Relativamente ao membro inferior direito, teve indicação para manter imobilização com bota Walker, não devendo fazer carga até 3 meses após a cirurgia, isto é, até 20.08.19.
40 – Foi sujeita a consultas de especialidade no Centro de Reabilitação ..., entidade integrada no Centro Hospitalar ..., E.P.E. (consultas ocorridas em 13-05-2019, 29-07-2019, 09-09-2019, 28-10-2019, 16-12-2019, 05-02-2020, 02-06-2020, 28-07-2020 e 29-10-2020). 
41 - Os tratamentos de fisioterapia tiveram início a 22.05.2019 e mantiveram-se até 29. 07.2020, e foram realizados no Centro de Reabilitação ..., em ..., num total de 120 sessões.
42 – A autora vivia momentos de angústia e forte afetação psicológica pela gravidade das lesões, e por estar totalmente incapaz e dependente, e recuperação lenta das lesões que lhe causava grande limitação e dor.
43 - Manteve a necessidade de tomar medicação, designadamente, Egostar 22400 U.I. Comp., paracetamol 1000 mg comp., tramadol + Paracetamol 35,5mg + 325 mg comp., Alanerv caps., Etoricoxib Alter 60 mg comp., Lyrica 50 mg caps., Vessatis 700 mg Emplastro medicamentoso.
44 - Por força das lesões e da respetiva recuperação, esteve totalmente impossibilitada de fazer férias e/ou praia com o agregado familiar.
45 - Esteve impossibilitada de usufruir plenamente em todos os principais eventos festivos do ano de 2019, mormente na Quadra Natalícia, situações que a deixou amargurada.
46 - Deixou de poder praticar qualquer atividade física, entre outras, a de ir ao ginásio que até à data do acidente frequentava, determinando o cancelamento do contrato.
47 - A partir de 08/05/2019, passou a deslocar-se aos serviços clínicos da ré para mera avaliação, e de acordo com os boletins de avaliação de 08/05/2019, 12/06/2019, 24/07/1029 e 25/09/2019.
48 - Em 27.11.2019, encontrando-se a recuperar das lesões sofridas e na situação de I.T.A. para o trabalho determinado no âmbito do acidente em serviço que estava – obrigatoriamente - a prestar toda a assistência médica e medicamentosa de que carecia, a ré atribuiu à autora a situação de alta curada com desvalorização.
49 - A situação de Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho era confirmada por Juntas Médicas da ADSE a que foi sujeita em 09-08-2019, 01-10-2019, 04-11-2019 e 10-12-2019.
50 - Na junta médica da ADSE de 23.01.2020 foi determinado o regresso da autora ao serviço na situação de Incapacidade Temporária Parcial (ITP), a partir de 24-01- 2020, com indicação para evitar marcha prolongada e pegar em pesos, e agendada nova junta médica para 10- 03-2020.
51 - Entretanto, a junta médica agendada para 10-03-2020 não chegou a realizar-se por determinação da ADSE, e bem assim foi determinada a suspensão de todas as juntas médicas no período de 18-03-2020 até 18-03-2020.
52 - Em fevereiro de 2020 a autora havia realizado TAC dos pés para reavaliação das lesões. 
53 - Na Junta médica da ADSE marcada e realizada a 09-07-2020, deliberou manter a situação de Incapacidade Temporária Parcial (ITP) para o serviço, com restrições ao exercício da atividade habitual da autora, e agendada nova junta médica para 19.08.2020.
54 - Por deliberação da junta médica da ADSE, a situação de I.T.P. para o serviço permaneceu até 19-08-2020, data em que a autora teve alta do acidente em serviço, com Incapacidade Permanente Parcial, incapacidade esta a determinar posteriormente em sede de junta médica da CGA.
55 - A autora esteve nas situações de Repercussão Temporária na Atividade Profissional durante 527 dias, sendo o período de 12/03/2019 até 23/01/2020 na situação de I.T.A. (correspondendo às baixas médicas para o exercício da atividade profissional), e de 24/01/2020 até 19/08/2020 na situação de I.T.P. (correspondente ao período de tempo em que exerceu a sua atividade profissional de forma condicionada).
56 - A autora, nascida a 17.08.1959, à data do acidente tinha 59 anos de idade.
57 – Era, até à data do acidente, uma pessoa sem qualquer deformidade física.
58 - Por Junta Médica de recurso da Caixa Geral de Aposentações realizada em 22-01- 2021 e relativo ao acidente em serviço ocorrido em 12-03-2019, foi deliberado que das lesões apresentadas resultou para a autora uma Incapacidade Permanente Parcial de 57,66%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades (T.N.I.) em Direito do Trabalho: Capítulo I no 14.1.2 alínea a); Capítulo I no 14.2.2.1 alínea a); Capítulo I no 14.2.2.2 alínea a) e Capítulo III no 6.2.4, por analogia da T.N.I.
59 - A autora realizou Avaliação Podológica com Podobarografia computorizada Estática e Dinâmica.
60 - A autora, após o acidente apresenta diversas Queixas, nomeadamente:
61 - Claudica na marcha, agravando-se as dificuldades ao longo do dia, sobretudo do dia de trabalho.
62 - Apresenta muitas dificuldades em subir e descer escadas, caminhar em terrenos inclinados mormente a descer e com piso irregular, procurando sempre apoio de corrimão ou de parede e evitando fazê-lo com as mãos ocupadas.
63 - Não consegue acelerar o passo, por dores, nem correr.
64 - Não consegue colocar-se em bicos de pés.
65 - Apresenta dificuldade nas posturas ortostática e sentada.
66 - Não se consegue colocar na posição do cócoras nem permanecer de joelhos.
67 - As queixas dolorosas nos membros inferiores agravam-se com as mudanças climatéricas.
68 - Mantém queixas de dor neuropática no tornozelo e pé esquerdo.
69 - Tem igualmente dificuldades em transportar pesos, nomeadamente os sacos de compras mais pesados devido às dores que provoca nos membros inferiores.
70 - Apresenta mobilidade reduzida essencialmente no pé esquerdo afetando a realização de alguns movimentos de rotação.
71 - As sequelas de que é portadora afetam a autora invadindo-a por uma tristeza e inconformismo.
72 - Tem dificuldades para a realização de cuidados pessoais e tarefas domésticas, tendo necessidade de adaptar os gestos que impliquem esforços e determinadas posturas.
73 - Não consegue subir a um banco para aceder a armários mais altos e da mesma forma não consegue baixar-se para aceder a gavetas e/ou armários mais baixos
74 - Passa a roupa a ferro por etapas e de curta duração.
75 - Deixou de poder usar sapatos de tacão, passando apenas a poder usar calçado com sola de borracha (p. ex: sapatilhas) ou sapato com cunha baixa, utilizando sempre palmilhas de suporte bilateral.
76 - Em virtude das lesões resultantes do traumatismo dos membros inferiores, verificar-se-á agravamento ao longo do tempo e evolução para processo degenerativo a nível dos tornozelos, subastragalinas, e mediotársicas.
77 - Em termos de Atividade Profissional, é portadora de uma Incapacidade Permanente Parcial de 57,66% para o Trabalho, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades (T.N.I.) em Direito do Trabalho: Capítulo I n.º 14.1.2 alínea a); Capítulo I n.º 14.2.2.1 alínea a); Capítulo I n.º 14.2.2.2 alínea a) e Capítulo III n.º 6.2.4, por analogia da T.N.I.
78 - À data do acidente, e conforme resulta do talão de vencimento do mês anterior ao acidente – fevereiro de 2019 – auferiu a seguinte retribuição: Euros. - Remuneração Base................ 2.549,19; - Remuneração dedicação exclusiva ............. 991,35; - USF-Lst. Ut. até 6 UC-Méd............... 1.404,00; - USF-Lst. Ut. >=7 UC – Méd. ................ 130,00; - USF-Cuidados Domiciliários............ 210,00; - USF-Des. Act. Específicas - Méd................. 1.690,00; - USF-Acr. p/Orientador Formação................... 520,00; - Adicional de 2% ............... 39,11; - Adic-clin. Gerais (perif.).................. 104,76; - Subs. Alimentação- Adm. Pública................... 95,40. Totalizando o Valor Líquido de 3.899,18€[2].
79 - Retribuição esta verificada nos meses de março de 2018 a janeiro de 2019 (conforme se alcança pelos talões de vencimento do meses de março de 2018 a Janeiro de 2019 – docs. 71 a 84 -  além dos legais e devidos Subsídios de Férias e de Natal no montante igual à remuneração base acrescido da remuneração exclusiva (3.540,54€ / cada).
80 - Pela I.P.P. para o trabalho de 57,66% decidida por Junta médica, homologada pela Direção da Caixa Geral de Aposentações em 25-01-2021, foi fixada à autora uma pensão mensal vitalícia de 2.908,41€ (€ 40.717,70 / 14 meses (inclui subsídio de Férias e subsídio de Natal de igual valor cada), com efeitos da partir de 24-01-2020[3]
81 - A Idade Limite fixada de Aposentação dos Funcionários da Administração Pública ocorre por norma quando o funcionário completa os 70 anos de idade, podendo, no entanto, ser requerida a permanência ao serviço e manter o vínculo público até ao limite dos 75 anos de idade - Decreto-Lei n.º 6/2019, de 14 de janeiro.
82 - Perante as Sequelas de que a ficou portadora, a autora mantém as seguintes necessidades:
- Consultas de especialidade: Podologia; Ortopedia(quando houver agravamento da sintomatologia e/ou acompanhamento do material de que é Portadora); de Fisiatria, para prescrição de tratamentos adequados de forma a evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas;
- Exames: TAC, RM, Cintigrafia Óssea e/ou outros quando tal se revelar necessário na sequência das consultas acima indicadas;
- Medicamentos: analgésicos, anti-inflamatórios e outros para controlo da dor.
- Tratamentos: Tratamentos regulares de fisioterapia, hidroginástica, correção postural e exercício. regulares, cuja periodicidade será determinada pelos episódios dolorosos e/ou mediante adequada orientação
- Ajudas: Reparação e/ou substituição de suportes plantares.
83 - Tais necessidades implicarão despesas com consultas, exames, medicação, tratamentos, reparação e/ou substituição de suportes plantares, e de transporte para receber a devida assistência médica e medicamentosa.
84 - A autora sofreu lesões e dores intensas, quer na altura do acidente, durante os períodos de internamento, recuperação, como atualmente e que se manterão durante toda a vida.
85 - Suportou o pagamento de várias despesas que realizou com medicação, produtos, material ortopédico, consultas, exames, taxas moderadoras, avaliação do dano corporal e assento de nascimento (...)
86 - Nas deslocações (...)
90 - Os serviços clínicos da ré examinaram a autora e concluíram, que esta, em virtude do acidente dos autos é portadora da incapacidade permanente de 20 pontos, com esforços acrescidos, bem como que sofreu do Quantum Doloris de 4/7, e dano estético 3/7, tendo tido alta clínica em 27//11/2019.
91 - Pela repercussão permanente na Atividade Profissional, apresenta sequelas compatíveis com o exercício da atividade profissional, mas implicam esforços suplementares (cfr. Doc. junto por email de 18/06/2022 – Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, realizado pelo INML).
92 - Conforme doc. junto por email de 18/06/2022 – Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, realizado pelo INML, a autora apresenta: - A Data de Consolidação/estabilização médico-legal das lesões é fixável em 29/07/2020. - Défice Funcional Temporário Total fixável em 58 dias. - Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 451 dias. - Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total fixável em 326 dias. - Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial fixável em 180 dias. - Quantum Doloris fixável no grau 5/7. - Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 21 pontos, sendo de admitir a existência de Dano Futuro. - As sequelas descritas, em termos de repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares. - O A. apresenta como Dano Estético permanente de Grau 3/7. - Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer de grau 2/7. - Ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas (medicação analgésica e anti-inflamatória); tratamentos médicos regulares (consultas regulares de Medicina Física e de Reabilitação e tratamentos de fisioterapia); ajudas técnicas (palmilhas de apoio bilaterais).
93 - A Caixa Geral de Aposentações procedeu ao pagamento global de Pensões calculadas à autora, no montante de 55.342,32€, conforme declaração emitida pela área de Abono da CGA, I.P. em 10/10/2023.

III.II - Fundamentação de Direito
Na fundamentação das quantias compensatória e indemnizatória decididas em 1.ª instância, únicas que estão e causa em sede de recurso,  deixou-se dito o que ora se transcreve, ainda que com manifesta síntese, e igualmente se sublinha: “(...) Da factualidade dada como provada, resultou que à data do acidente, a Autora trabalhava, retomando o trabalho ainda que com necessidade de esforços acrescidos, mas não ficando impedido de continuar a exercer toda e qualquer atividade, auferindo cerca de € 3.899,18/mensais x 12 acrescido de subsídio de férias e de Natal no valor de € 3.540,54 cada. (...) Irá ser ponderado aquele salário mensal de € 3.899,18, o que determina um salário anual de € 53.871,24; Consideraremos ainda que a idade da lesada, no caso de 59 anos à data do acidente e o grau de desvalorização ou incapacidade que é de 21 pontos. (...) tendo por referência um rendimento anual referido, a indemnização a arbitrar deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinguirá no termo do período provável da vida do lesado, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional ativa), com uma dedução que razoavelmente se pode estimar em 1/4, dado o facto de ocorrer uma antecipação do pagamento de todo o capital. No nosso caso, subsumindo os nossos factos aos ensinamentos daquele Acórdão resulta: A A. nasceu em ../../1959. À data do acidente a A. tinha 59 anos e à data da consolidação das lesões (29/07/20), tinha pois já completado 60 anos de vida. Até aos 83,5 (consulta Pordata), arredondaremos para 84 anos, anos faltariam 24 anos de trabalho, desde a data do acidente até atingir os 84 anos. De acordo com os enunciados fatores, considerando que a autora ficou afetada de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 21 pontos, temos que a perda patrimonial anual corresponde a €9.826,00 [(€ 3.889,18,00 x 12) x 21%], o que permitiria alcançar, ao fim de 24 anos de vida (considerando-se, neste ponto, que à data do acidente o autor contava 59 anos de idade e que a sua esperança média de vida se situa nos 84 anos de idade), o montante de € 235.822,46, apurando-se um valor de € 176.866,80 após se operar o apontado desconto de 1⁄4. Como magistralmente se refere no Ac. TRG de 21/10/21, Proc. 5405/19, Desembargador Pedro Maurício, “E uma vez que têm que ser ponderados os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes (...) à luz dos critérios enunciados e atentos os padrões da jurisprudência, ponderados os demais realçados elementos e não olvidando o restante quadro factológico demonstrado, julga-se adequado fixar a indemnização, a título de dano biológico, tendo por referência a presente data, no montante de € 22.500,00. Assim, tendo por escopo aqueles ensinamentos, balizados pelo valor aritmético indicativo acima encontrado por recurso à fórmula carreada, considerando também todo o demais acervo factual demonstrado, os esforços e sacrifícios complementares exigidos à sinistrada, o facto de não poder usufruir da possibilidade de se manter a trabalhar até aos 75 anos, com o correspetivo decréscimo retributivo, ponderando todos os demais elementos evidenciados e não escamoteando o convencimento motivado para as conclusões encontradas, e no sentido de mitigar desigualdades e discrepâncias relativas, o que será valorado de forma equitativa, no que não foi apresentada previsão de quanto se cifraria tal decréscimo em termos remuneratórios, julga-se ajustado fixar a indemnização pelo dano biológico peticionado pela A. AA em € 185.000,00.
(...) a Autora pretende ainda ser indemnizado na quantia de €55.000,00 a título de danos não patrimoniais. (...) Em consequência do embate o comportamento social, físico e psicológico da Autora sofreu alterações, sendo que as lesões sofridas, as mesmas revestem gravidade, com as sequelas que demandaram 509 dias atá à sua consolidação, sendo o Quantum doloris fixável em 5/7 e o dano estético fixáveis em 3/7. (...) deixou de ter disposição para atividades lúdicas, e de poder fazer caminhadas, tendo que criteriosamente escolher destinos de férias de molde a evitar ambientes exigentes com escadas ou percursos sinuosos, nos termos que antes fazia, o que lhe acarreta relevantes transtornos e desgostos, dada a relevância que essas atividades tinham no seu dia-a-dia. Por força dessa limitação perde também algumas das oportunidades de convívio que tais atividades lhe proporcionavam. (...) A A. mantém a necessidade de tomar medicações para as dores e anti-inflamatórios. Na maturidade da sua vida, aos 59 anos de idade, viu-se limitada na sua mobilidade, sofreu de imobilização, incómodos, dor vincada, continuará a sofrer de limitações durante todo o período expectável de vida com tendência para piorar, limitado na sua mobilidade, merecedor, sem qualquer margem para dúvida, da tutela do direito. Então, atendendo aos critérios fornecidos pela jurisprudência citada e pelo disposto no Art. 494 do CC, - grau de culpabilidade do agente responsável pelo acidente – culpa efetiva - , a situação económica das partes, a idade da A. e o facto de ficar a padecer para sempre das sequelas apuradas, a incidência das lesões e a intensidade das mesmas, as dores sofridas, tudo considerado, considera-se proporcional, ajustado e adequado à intensidade e permanência do dano físico e psíquico, decorrente dos desgostos decorrentes da desvalorização funcional e repercussão ética e desportiva, tendo igualmente em consideração que a A. sofreu afetação permanente e que as dores serão persistentes, afetando a sua energia anímica, não se esgotando o dano moral no sofrimento que a A. já teve, mas traduzindo-se num sofrimento por toda a sua vida futura, decido fixar como compensação pelos danos não patrimoniais o montante de € 52.000,00”.

Cumpre apreciar o recurso, ainda que com a contenção argumentativa que o caso impõe.

Efetivamente, nada justifica que se repitam as considerações feitas em primeira instância a propósito da responsabilidade e culpa na eclosão do acidente, responsabilidade essa sempre assumida pela recorrente e seria igualmente ocioso renovar a extensa argumentação/fundamentação relativa à natureza do dano biológico, enquanto dano patrimonial futuro ou a relativa à ressarcibilidade dos danos não patrimoniais.

Prosseguindo. Na sua conclusão 13, a apelante sustenta: “Nos casos em que não há perda de capacidade de ganho, não existindo qualquer razão para distinguir os lesados no valor base a atender, deverá usar-se, no cálculo do dano biológico, um valor de referência comum, sob pena de violação do princípio da igualdade, já que, só se justificaria atender aos rendimentos quando estes sofram uma diminuição efetiva por causa da incapacidade, por só aí é que o tratamento desigual dos lesados terá fundamento terá fundamento”.

Não esclarece a recorrente qual deva ser o “valor de referência comum”, mas é de concluir que o alcançar da igualdade dos lesados se obtenha através de um valor remuneratório (pressuposto) diverso do real e necessariamente inferior, se estão em causa, como aqui sucede, retribuições claramente acima da retribuição mínima garantida ou mesmo da retribuição média estatística.

Salvo o devido respeito, não pode concordar-se com esse entendimento. O princípio da igualdade impõe que se tratem por igual os casos ou situações semelhantes e não que todos os casos, independentemente das suas particularidades, sejam tratados por igual. Acresce que, no caso a que se refere a aludida conclusão, estamos a tratar de danos patrimoniais, ainda que futuros. A retribuição é o resultado contratual da disponibilidade de determinada capacidade física e intelectual: se um lesado aufere um determinado valor remuneratório com uma capacidade de 100%, a indemnização resultante de uma perda de capacidade há de ter em conta o valor real auferido, como resulta expressamente das regras indemnizatórias laborais e tem sido considerado uniformemente nas decisões judiciais.

Aliás, admitindo a recorrente como adequado o montante de 100.000,00€ pela indemnização do dano biológico na vertente patrimonial ou dano patrimonial futuro, perante uma incapacidade de 21%, estaria a ter um conta um valor remuneratório mensal líquido superior a dois mil euros o que, estamos em crer, não sustentará para todos os casos de incapacidade permanente (sem incapacidade para o trabalho habitual), independentemente do concreto valor retributivo do lesado. 

Em concreto, e tal como resulta da sentença e se evidencia nas transcrições antecedentemente feitas o dano biológico, na sua vertente patrimonial, ou seja, o dano patrimonial futuro, foi fixado em 185.000,00€, valor esse, aliás, muito próximo do peticionado pela recorrida (189.850,00€).

Note-se que esse valor foi fixado atendendo à retribuição líquida (facto n.º 78) e sem considerar os subsídios de férias de de Natal, no montante de 3.540,54€, cada um (facto n.º 79) e, além disso, ponderando uma redução de 25%, em razão de o capital ter sido recebido de uma só vez.

Ora, se, por um lado, não há razão para desconsiderar a remuneração correspondente aos subsídios auferidos pela recorrida, também não vemos fundamento, quando a inflação tem sido superior à remuneração do capital, para tão elevada redução ao montante indemnizatório[4]. Só estas considerações, conjugadas com a fundamentação da sentença, seriam bastantes para se concluir que o valor de 185.000,00€ não pode, de modo algum, ter-se como excessivo, ao contrário do que sustenta a ré neste seu recurso.

Efetivamente, se na retribuição da recorrida considerarmos o valor correspondente aos subsídios de férias e de Natal (3.540,54 X 2) a mesma operação matemática considerada em primeira instância (RA X 0,21 X 24 – ¼) levaria a uma montante indemnizatório de (11.287,76 X 24) 270.906,25€ e a um valor, mesmo que deduzindo 25% (1/4), de 203.179,69€. 

Tenha-se presente, ainda, que na aplicação das regras laborais, embora se considere um fator de redução de 30%, pondera-se a retribuição ilíquida. No caso presente, para uma retribuição ilíquida anual de 100.881,28€ (facto n.º 80 e nota 4), a lesada (funcionária/ trabalhadora) seria beneficiária de uma pensão anual de (100.881,28 X 0,7 x 0,21) 14.829,55€. Se tal pensão fosse remida, e ponderando a idade de 59 anos, equivaleria a um capital de (14.829,55 X 11,518) de 170.806,76€.

Importa ter presente, no entanto, que o fator de capitalização (previsto na Portaria 11/2000, de 13 de janeiro, já com mais de vinte e quatro anos de vigência) se revela claramente ultrapassado pela realidade económico-financeira evolutiva e, por outro lado, não pode esquecer-se o que refere, em sumário, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.04.2024 [Processo n.º 34/14.8T8PNF-A.P1.S1, Relator, Conselheiro Mário Belo Morgado, dgsi]: “I- Sendo o acidente simultaneamente de viação e de trabalho, a indemnização das perdas salariais associadas à incapacidade laboral, fixada no processo por acidente de trabalho, não exclui o ressarcimento pelo dano biológico, na sua vertente patrimonial, por serem distintos os danos a ressarcir. II - A indemnização pelo dano biológico, além de compensar a perda de capacidade de ganho, visa ainda compensar o lesado pelas limitações funcionais que se refletem na maior penosidade e esforço no exercício da atividade diária e na privação de futuras oportunidades profissionais”.

Em suma, a pretensão da recorrente de ver reduzido o montante indemnizatório respeitante ao dano patrimonial futuro mostra-se claramente infundada, atendendo à retribuição total ilíquida da recorrida, ao grau de incapacidade e à esperança de vida considerada. Não pode concluir-se que o montante fixado em primeira instância seja, por tudo, excessivo, infundado ou sequer equitativamente censurável.

Vejamos, de seguida, a questão do montante relativo à compensação dos danos não patrimoniais, os quais, inequivocamente – e sem que essa realidade seja posta em causa em sede de recurso – são merecedores da tutela do Direito.

A primeira instância fixou a compensação de tais danos, atualizada à ocasião de prolação da sentença, no montante de 52.000,00€, e a apelante sustenta que também esse montante se mostra excessivo, defendendo como adequado o valor de 35.000,00€.

Importa ter presente, na fixação da compensação pelos aludidos danos, toda a realidade fáctica revelada nos autos. Assim, pertinente à compensação dos referidos danos, temos assente: 
- Com dores intensas, mas sempre consciente, a autora fez uma tentativa de saída do automóvel por pensar em risco de incêndio, mas não foi possível devido às fraturas em ambos os pés, sendo o do esquerdo com fratura exposta (facto n.º 10).
- Em virtude das lesões, foi assistida no local pelos Bombeiros e transportada para o Hospital ..., onde deu entrada no serviço de urgência, foi submetida a exames complementares de diagnóstico, designadamente Rxs e TAC aos membros inferiores [e] foi determinado o seu internamento para tratamento cirúrgico urgente (factos n.ºs 14, 15 e 16).
- Naquela noite, foi sujeita a intervenção cirúrgica que consistiu em correção de esfacelo a nível do tornozelo/pé esquerdo e redução cruenta de fratura-luxação do astrálago e osteossíntese de fratura do calcâneo à direita, com anestesia geral (factos n.ºs 17 e 19).
- Foi efetuada imobilização gessada em ambas as pernas e, no pós-operatório, durante o internamento, permaneceu sempre em decúbito dorsal, totalmente dependente, e os cuidados de higiene eram efetuados no leito (factos n.ºs 18 e 20).
- No dia 20.03.2019 foi transferida para o Hospital 1..., mantendo o internamento (facto n.º 22).
- Entretanto, ocorreu complicação no calcâneo à esquerda com necrose superficial 1/3 inferior de ferida de exposição do calcâneo [e] após a realização de exames, resultou a necessidade de abordagem cirúrgica ao nível do sustentáculo tali, à direita, sendo a 29.03.2019 novamente submetida a intervenção cirúrgica com anestesia geral (factos n.ºs 23, 24, 25 e 26).   
- Foi efetuada imobilização dos membros inferiores com bota Walker (facto n.º 27).
-  Em 1.04.19, teve alta de internamento hospitalar. Durante todo o período em que permaneceu nesta unidade hospitalar foi sujeita a múltipla medicação e em 1.04.19 teve alta com indicação de manter drenagem e postura dos membros inferiores; manter imobilização com bota Walker; não fazer carga até reavaliação em consulta externa de ortopedia; fazer medicação prescrita; necessidade de apoio de 3.ª pessoa para higiene pessoal e tarefas do dia-a-dia (factos n.ºs 28, 29 e 30).
- Passava a maior parte do tempo deitada ou sentada, e totalmente dependente; teve necessidade de cuidados de enfermagem que consistiu em fazer tratamentos e pensos às feridas cirúrgicas [e] continuava com totais limitações funcionais nas atividades da vida diária e dependente, e totalmente impossibilitada de desenvolver a sua atividade profissional; tinha muitas dificuldades em dormir devido às dores que sentia e pela posição que tinha de adotar em decúbito dorsal que lhe causavam permanentes transtornos de sono (factos n.ºs 32, 33, 34 e 35).
- Na sequência da respetiva avaliação clínica, em 8.05.19, teve indicação para iniciar carga em progressão total do membro inferior esquerdo e solicitada reabilitação por fisioterapia para este membro; relativamente ao membro inferior direito, teve indicação para manter imobilização com bota Walker, não devendo fazer carga até 3 meses após a cirurgia, isto é, até 20.08.19 (factos n.ºs 38 e 39).
- Os tratamentos de fisioterapia tiveram início a 22.05.19 e mantiveram-se até 29. 07.20, num total de 120 sessões (facto n.º 41).
– A autora vivia momentos de angústia e forte afetação psicológica pela gravidade das lesões, e por estar totalmente incapaz e dependente, e recuperação lenta das lesões que lhe causava grande limitação e dor (facto n.º 42).
- Manteve a necessidade de tomar medicação (facto n.º 43).
- Por força das lesões e da respetiva recuperação, esteve totalmente impossibilitada de fazer férias e/ou praia com o agregado familiar; impossibilitada de usufruir plenamente em todos os principais eventos festivos do ano de 2019, mormente na Quadra Natalícia, situações que a deixou amargurada (factos n.º 44 e 45).
- Deixou de poder praticar qualquer atividade física, entre outras, a de ir ao ginásio que até à data do acidente frequentava, determinando o cancelamento do contrato (facto n.º 46).
- Em fevereiro de 2020 a autora havia realizado TAC dos pés para reavaliação das lesões (facto n.º 52). 
- A autora esteve nas situações de Repercussão Temporária na Atividade Profissional durante 527 dias, sendo o período de 12/03/2019 até 23/01/2020 na situação de I.T.A. (correspondendo às baixas médicas para o exercício da atividade profissional), e de 24/01/2020 até 19/08/2020 na situação de I.T.P. (correspondente ao período de tempo em que exerceu a sua atividade profissional de forma condicionada) (facto n.º 55).
– Era, até à data do acidente, uma pessoa sem qualquer deformidade física (facto n.º 57).
- A autora, após o acidente apresenta diversas queixas, nomeadamente: - Claudica na marcha, agravando-se as dificuldades ao longo do dia, sobretudo do dia de trabalho; - Apresenta muitas dificuldades em subir e descer escadas, caminhar em terrenos inclinados mormente a descer e com piso irregular, procurando sempre apoio de corrimão ou de parede e evitando fazê-lo com as mãos ocupadas; - Não consegue acelerar o passo, por dores, nem correr; - Não consegue colocar-se em bicos de pés; - Apresenta dificuldade nas posturas ortostática e sentada; - Não se consegue colocar na posição do cócoras nem permanecer de joelhos; - As queixas dolorosas nos membros inferiores agravam-se com as mudanças climatéricas, - Mantém queixas de dor neuropática no tornozelo e pé esquerdo; - Tem igualmente dificuldades em transportar pesos, nomeadamente os sacos de compras mais pesados devido às dores que provoca nos membros inferiores; - Apresenta mobilidade reduzida essencialmente no pé esquerdo afetando a realização de alguns movimentos de rotação (factos n.ºs 60 a 70).
- As sequelas de que é portadora afetam a autora invadindo-a por uma tristeza e inconformismo; tem dificuldades para a realização de cuidados pessoais e tarefas domésticas, tendo necessidade de adaptar os gestos que impliquem esforços e determinadas posturas; não consegue subir a um banco para aceder a armários mais altos e da mesma forma não consegue baixar-se para aceder a gavetas e/ou armários mais baixos; passa a roupa a ferro por etapas e de curta duração; deixou de poder usar sapatos de tacão, passando apenas a poder usar calçado com sola de borracha (p. ex: sapatilhas) ou sapato com cunha baixa, utilizando sempre palmilhas de suporte bilateral (factos n.ºs 71 a 75).
- Em virtude das lesões resultantes do traumatismo dos membros inferiores, verificar-se-á agravamento ao longo do tempo e evolução para processo degenerativo a nível dos tornozelos, subastragalinas e mediotársicas (facto n.º 76).
- Perante as sequelas de que a ficou portadora, mantém as seguintes necessidades: - Consultas de especialidade: Podologia; Ortopedia(quando houver agravamento da sintomatologia e/ou acompanhamento do material de que é Portadora); de Fisiatria, para prescrição de tratamentos adequados de forma a evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas; - Exames: TAC, RM, Cintigrafia Óssea e/ou outros quando tal se revelar necessário na sequência das consultas acima indicadas; - Medicamentos: analgésicos, anti-inflamatórios e outros para controlo da dor.  - Tratamentos: Tratamentos regulares de fisioterapia, hidroginástica, correção postural e exercício. regulares, cuja periodicidade será determinada pelos episódios dolorosos e/ou mediante adequada orientação. - Ajudas: Reparação e/ou substituição de suportes plantares (facto n.º 82).
- A autora sofreu lesões e dores intensas, quer na altura do acidente, durante os períodos de internamento, recuperação, como atualmente e que se manterão durante toda a vida (facto n.º 84).
- Os serviços clínicos da ré examinaram a autora e concluíram, que esta, em virtude do acidente dos autos é portadora da incapacidade permanente de 20 pontos, com esforços acrescidos, bem como que sofreu do Quantum Doloris de 4/7, e dano estético 3/7, tendo tido alta clínica em 27//11/2019 (facto n.º 90).
92 - Conforme Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, apresenta: - A Data de Consolidação/estabilização médico-legal das lesões fixável em 29/07/2020. - Défice Funcional Temporário Total fixável em 58 dias. - Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 451 dias. - Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total fixável em 326 dias. - Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial fixável em 180 dias. - Quantum Doloris fixável no grau 5/7. - Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 21 pontos, sendo de admitir a existência de Dano Futuro. - As sequelas descritas, em termos de repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares. - Apresenta como Dano Estético permanente de Grau 3/7. - Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer de grau 2/7. - Ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas (medicação analgésica e anti-inflamatória); tratamentos médicos regulares ( consultas regulares de Medicina Física e de Reabilitação e tratamentos de fisioterapia); ajudas técnicas (palmilhas de apoio bilaterais) (facto n.º 92).

Conforme resulta da factualidade transcrita, a recorrida sofreu um acidente sem que para o mesmo haja contribuído e, por força dele, com dores intensas tentou sair do veículo, o que lhe foi impossível devido a fraturas em ambos os pés, uma delas exposta. A recorrida foi submetida a vários exames de diagnóstico e a duas cirurgias com anestesia geral; teve os membros imobilizados e teve de fazer cento e vinte sessões de fisioterapia. Teve dificuldades em dormir por causa das dores, e necessidade de medicação, que se mantém. Deixou de poder ir ao ginásio ou praticar atividade física; claudica na marcha e não consegue correr; tem dificuldade em transportar pesos, em passar a ferro e não consegue baixar-se ou subir a um banco. A recorrida sofreu dores intensas, que se mantém e manterão durante toda a sua vida e tem de usar calçado de suporte bilateral. A recorrida esteve 58 dias com défice funcional total e 451 dias com défice funcional parcial. O quantum doloris foi fixado em 5/7 e o défice permanente em 21 pontos; o dano estético foi fixado em 3/7 e a repercussão nas atividades desportivas e de lazer em 2/7.

Atenta a dificuldade de encontrar o valor mais pertinente, justo e equitativo para a fixação da compensação pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência de um acidente de viação, permitimo-nos citar um recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, onde se referem várias  e pertinentes decisões desse tribunal superior, assim contribuindo para a ponderação de um montante jurisdicionalmente equilibrado e equitativo.

Referimo-nos ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.05.2024 [Relator, Conselheiro Luís Espírito Santo, Processo n.º 2736/19.3T8FAR.E1.S1, dgsi]. Aí se escreveu:
“(...) Diga-se, antes de mais, que a imensa variedade e peculiaridade das situações da vida é de tal forma rica e imprevisível que não permite encontrar situações de facto com os mesmos exatos contornos da que está agora em análise, para daí se poder extrair, em paralelo e coincidentemente, um padrão jurisprudencial totalmente seguro, normalizado e fiável. Haverá assim que tomar em especial consideração as únicas e irrepetíveis singularidades da situação sub judice que permitirão, uma vez analisadas no seu recorte mais fino, e sempre por recurso a critérios de equidade, fazer a justiça do caso concreto. (...) Versando sobre situações de facto eventualmente comparáveis com as circunstâncias da situação sub judice – em termos naturalmente relativos dado que, como se enfatizou supra, cada caso é um caso - vide:
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Abril de 2024 (relatora Maria Olinda Garcia), proferido no processo n.º 987/21.0T8GRD.C1.S1, no qual foi fixada a quantia indemnizatória de € 70.000,00 (setenta mil euros), com base no seguinte quadro factual: lesada contava quarenta e cinco anos à data do acidente; sofreu múltiplas fraturas e lesões em consequência do acidente de viação (no tórax, coluna, membros superiores e crânio-encefálicas), foi submetida a intervenção cirúrgica e necessitou de múltiplas consultas médicas e tratamentos, teve um défice funcional temporário total superior a 3 meses e um défice funcional temporário parcial de cerca de 8 meses, sofreu um quantum doloris de nível 5 em 7 e continua a padecer de dores, necessitando de medicação diária. Ficou ainda com um dano estético permanente de grau 2 em 7. Ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 11,499 pontos, com existência de possível dano futuro; sofreu uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 2 em 7; não pode levantar pesos e o exercício da sua atividade profissional exige esforços suplementares.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2023 (relator Aguiar Pereira), proferido no processo n.º 795/20.5T8LRA.C1.S1, no qual foi fixada a quantia indemnizatória de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), com base no seguinte quadro factual: lesado contava quarenta e cinco anos à data do acidente; sofreu como sequela definitiva das lesões um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 17 pontos, deixando de poder realizar algumas das tarefas habituais que a sua função exige, subir e descer andaimes, tem grandes dificuldades em carregar pesos acima de 5 Kg e não consegue estar de pé durante longos períodos, com marcha claudicante e dor crónica no tornozelo esquerdo, ainda que tais sequelas sejam compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicando esforços suplementares significativos.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2022 (relatora Graça Trigo), proferido no processo n.º 1082/19.7T8SNT.L1.S1, no qual foi fixada a quantia indemnizatória de € 50.000,00 (quarenta e cinco mil euros)[5], com base no seguinte quadro factual: o lesado contava trinta e quatro anos à data do sinistro; em consequência das sequelas associadas ao acidente foi-lhe fixado um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9 pontos; com elevada probabilidade, as lesões por ele sofridas terão significativa repercussão negativa sobre o desempenho da profissão de serralheiro cujo exercício exige um elevado nível de força e de destreza físicas ao nível dos membros superiores (atingidos pelas lesões).
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 2022 (relator Aguiar Pereira), proferido no processo n.º 2517/16.6T8AVR.P1.S1, no qual foi fixada a quantia indemnizatória de € 30.000,00 (trinta mil euros), com base no seguinte quadro factual: lesada contava trinta e sete anos de idade; passou a registar após o facto ilícito, e por causa dele, um défice de 11 pontos de eficiência funcional de integridade físico-psíquica por sintomatologia ansiosa e depressiva reativa ao acontecimento, sem sequelas físicas definitivas, por agravamento de impacto moderado de anterior quadro psiquiátrico.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 2022 (relator António Magalhães), proferido no processo n.º 2133/16.2T8CTB.C1.S1, no qual foi fixada a quantia indemnizatória de € 70.000,00 (setenta mil euros), com base no seguinte quadro factual: sinistrado contava trinta anos à data do acidente; sofreu quantum doloris de 6 numa escala de 7, um dano estético relevante de 4 em 7 e repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de 6 em 7 pontos - uma vez que, quanto a este índice, ficou privado de continuar a praticar o motociclismo, o que fazia com regularidade, participando em diversas provas, incluindo federadas e, ainda, impossibilitado de praticar desportos que também fazia, como bicicleta BTT, esqui na neve e esqui aquático, tendo ficado, ainda, condicionado no exercício da atividade desportiva de mergulho, que também praticava- a tudo acrescendo a circunstância de ter sido submetido a cinco intervenções cirúrgicas, com um pós-operatório prolongado (com uma repercussão temporária na atividade profissional total de 870 dias), de continuar a necessitar de medicamentos, consultas e tratamentos no futuro e de continuar padecer de dores.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 2024 (relator Emídio Santos), proferido no processo n.º 76/13.0TBTVD.L2.S1, no qual foi fixada a quantia indemnizatória de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), com base no seguinte quadro factual: a lesada contava à data do acidente trinta e sete anos; sofreu quantum doloris avaliado no grau 4 numa escala de sete graus de gravidade; défice funcional da integridade física e psíquica de nove (9) pontos; consolidação das lesões cerca de três anos após o acidente; durante cerca de um ano a lesada esteve submetida a terapêutica medicamentosa agressiva; por força das lesões a lesada desistiu do projeto de ser mãe; a lesada deixou de conviver com amigos e de sair com estes, devido às dores que sente, passou a apresentar um quadro de humor depressivo, com episódios de ansiedade, tendo recorrido a apoio psicológico, e deixou de praticar desportos que praticava, nomeadamente corrida e bicicleta.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 2022 (relator António Magalhães), proferido no processo n.º 1991/15.2T8PTM.E1.S1, no qual foi fixada a quantia indemnizatória de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), com base no seguinte quadro factual: o lesado contava à data do acidente trinta e cinco anos; ficou com um défice funcional permanente de 39 pontos, teve um quantum doloris de 5 numa escala de 7, um dano estético relevante (3 em 7), consequências permanentes na sua atividade sexual (fixado em 3 numa escala de 7), na repercussão nas atividades desportivas e de lazer (2 em 7), no relacionamento social com familiares e amigos, se sente menorizado em resultado da sua situação de incapacidade para o trabalho e se encontra reformado por invalidez, tendo o acidente ocorrido quando tinha apenas 30 anos de idade, a tudo acrescendo a circunstância de continuar a necessitar de medicamentos, consultas e tratamentos no futuro.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2019 (relatora Maria do Rosário Morgado), proferido no processo n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1, no qual foi fixada a quantia indemnizatória de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), com base no seguinte quadro factual: o recorrente foi sujeito a exames médicos e vários ciclos de fisioterapia, bem como uma intervenção cirúrgica; ficou afetado com um défice funcional permanente de 32 pontos; sofreu dores quantificáveis em 5 numa escala de 7 pontos; sofreu um dano estético quantificado em 3 numa escala de 7 pontos; a repercussão das sequelas sofridas nas atividades desportivas e de lazer é quantificada em 3 numa escala de 7 pontos; sofreu um rebate em termos psicológicos, em virtude das lesões e sequelas permanentes, designadamente por não poder voltar a exercer a sua profissão habitual e/ou outra no âmbito da sua formação profissional.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2018 (relator Rosa Tching), proferido no processo nº 1842/15.8T8STR.E1.S1, foi fixada em € 60.000,00 (sessenta mil euros) a indemnização a título de danos não patrimoniais, com base no seguinte quadro factual: o lesado contava à data do acidente 45 anos; sofreu como sequelas das lesões provocadas pelo acidente perturbação persistente do humor; o quantum doloris é fixável no grau 6/7; como sequela, em termos médico-legais, um dano estético, fixável, no grau 3/7; repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer é fixável em 3/7; a repercussão permanente na atividade sexual no grau 3/7; necessitará de ajudas medicamentosas, ajudas técnicas e tratamentos médicos regulares, verificando-se ainda dependências permanentes que incluem os produtos de apoio pela necessidade de uso diário de meia e contenção elástica grau II na perna esquerda e uso de cinta de contensão lombar.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 2018 (relatora Rosa Tching), proferido no processo nº 418/13.9TVCDV.L1.S1, foi fixada em € 50.000,00 (cinquenta mil euros) a indemnização a título de danos não patrimoniais a atribuir a um lesado com base no seguinte quadro factual: o lesado contava à data do acidente 30 anos de idade; em consequência do sinistro, sofreu várias fratures; esteve internado durante 14 dias, tendo sido submetido a diversas intervenções e tratamentos médicos durante cerca de 4 meses; teve um período global de cerca de 2 anos e 2 meses de gravidade decrescente de incapacidade, 9 meses dos quais com incapacidade absoluta e a necessitar de ajuda de terceira pessoa; ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5%; teve dores quantificáveis em 4 numa escala de gravidade crescente até 7; ficou com dificuldades de ereção no relacionamento sexual; deixou de poder praticar atividades desportivas e de lazer; perdeu um ano escolar e continua a necessitar, pontualmente, de tomar medicação antiálgica.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 2017 (relator Tomé Gomes), proferido no processo nº 3214/11.4TBVIS.C1.S1, foi fixada em € 60.000,00 (sessenta mil euros) a indemnização a título de danos não patrimoniais, com base no seguinte quadro factual: em consequência das lesões sofridas e com vista à realização de exames, tratamentos e cirurgias, o lesado esteve internado pelo menos 112 dias; o dano estético situa-se no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente; o prejuízo de afirmação pessoal situa-se, no mínimo, no grau 4, numa escala de cinco graus de gravidade crescente; andou 2/3 meses de cadeira de rodas, e alguns meses de canadianas; era uma pessoa saudável e com muita alegria de viver; gostava muito de andar de bicicleta, ir à pesca e dar passeios pela natureza, o que fazia com regularidade; ficou portador de uma repercussão permanente na atividade sexual fixável no grau 3, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; o sofrimento físico e psíquico vivido durante o período de incapacidade temporária corresponde a um quantum doloris de grau 7, também numa escala de sete graus de gravidade crescente.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2016 (relator Mário Belo Morgado), proferido no processo nº 338/09.1TTVRL.P3.G1.S1, foi fixada em € 50.000,00 (cinquenta mil euros) a indemnização a título de danos não patrimoniais, tendo por base o seguinte quadro factual; a sinistrada contava 36 anos de idade à data do acidente; sofreu deformação grave do pé direito, com amputação dos cinco dedos e do antepé, dificuldade na deslocação e uso de prótese para toda a vida, cicatrizes em 18% da superfície corporal e graves alterações psicológicas.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 2016 (relatora Maria da Graça Trigo) proferido no do processo nº 7793/09.8T2SNT.L1.S1, foi fixada em € 40.000,00 (quarenta mil euros) a indemnização a título de danos não patrimoniais, tendo por base o quantum doloris de grau 5, sujeição a quatro operações, internamento por longos períodos, mais duas operações a que ainda teria de se sujeitar, vários tratamentos de reabilitação e dano estético de grau 4 (únicas matérias alegadas a este respeito pelo demandante sinistrado).
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 2016 (relator Fonseca Ramos), proferido no processo nº 2185/04.8TBOER.L1.S1, foi fixada em € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) a indemnização a título de danos não patrimoniais, com base no seguinte quadro factual: lesada de 20 anos, desportista, que ficou com várias cicatrizes em zonas visíveis e padeceu de acentuado grau de sofrimento (quantum doloris de grau 5) e relevante dano estético.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Janeiro de 2016 (relator Lopes do Rego), proferido no processo nº 1021/11.3TBABT.E1.S1, foi fixada em € 50.000,00 (cinquenta mil euros) a indemnização a título de danos não patrimoniais com base no seguinte quadro factual: sinistrada jovem de 27 anos à data do acidente; sofreu múltiplos traumatismos, sequelas psicológicas, quantum doloris de grau 5, dano estético de 2 pontos, incapacidade parcial de 16 pontos, repercussão nas atividades desportivas e de lazer de grau 2, claudicação na marcha e rigidez da anca direita.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), proferido no processo nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, foi fixada em € 40.000,00 (quarenta mil euros) a indemnização a título de danos não patrimoniais com base no seguinte quadro factual: lesada de 17 anos à data do acidente; sofreu vários tratamentos médicos, intervenções e internamentos, alta mais de 4 anos depois do acidente, repercussões estéticas, quantum doloris de grau 6.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2012 (relator João Bernardo), proferido no âmbito do processo nº 1451/07.5TBGRD.C1.S1, foi fixada em € 60.000,00 (sessenta mil euros) a indemnização a título de danos não patrimoniais tendo por base o seguinte quadro factual: perda, total e irreversível, da visão de um dos olhos, deformação estética de 6 numa escala de 1 a 7, sofrimento, durante meses, de dores, de intensidade 6 numa escala igual, outras lesões, como fratura do malar direito e da órbita direito, intervenções cirúrgicas, e um consequente quadro psíquico muito negativo”.

E o acórdão citado, revogando o decidido em segunda instância (que havia fixado a compensação em quarenta mil euros) vem a decidir o que expressamente resulta do seu sumário, e que citamos: “É equitativa a atribuição da compensação no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) por danos não patrimoniais, nos termos do artigo 496º, nº 1, do Código Civil, ao A./lesado, de 72 anos de idade, que ao travessar na passadeira destinada aos peões foi colhido por uma viatura automóvel, sendo violentamente projetado no solo e sofrendo luxação do ombro direito, e que, em consequência das sequelas decorrentes das lesões sofridas, registou Défice Funcional Temporário Total de 19 dias; Défice Funcional Temporário Parcial de 948 dias; Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 930 dias; Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial de 37 dias; Quantum Doloris no grau 5/7; um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 20 pontos em 100 (plexopatia braquial direita); Dano Estético Permanente no grau 3/7; e que, neste contexto, deixou de poder utilizar a mão direita para as mais elementares tarefas do dia a dia (escrever, comer, apertar os botões da camisa, apertar e desapertar as calças, lavar dos dentes, pentear-se, manusear o telemóvel ou o comando da televisão), necessitando da ajuda de terceiros para a realização das tarefas diárias básicas, o que acontecerá durante o resto da sua vida; de poder pescar ou caçar, conduzir o seu barco e frequentar atividades associativas e partidárias que antes desenvolvia com habitualidade e prazer; sentindo-se por tudo isto deprimido e muito triste, sem gosto e interesse pela vida, impotente e revoltado, com pesadelos e desânimo constantes, quando antes do atropelamento era uma pessoa ativa e dinâmica”.

Regressando ao caso presente e considerando a factualidade a que oportunamente fizemos referência, nomeadamente a idade da recorrida e o sofrimento permanente evidenciado, e atendendo ao quadro jurisprudencial que citámos, somos a entender que o montante fixado a título de compensação pelos danos não patrimoniais, ponderado e atualizado à data da sentença se mostra equilibrado e equitativo, ou seja, acompanhamos a decidida compensação.

Em conformidade, o recurso revela-se totalmente improcedente.

As custas são devidas pela apelante, atento o seu decaimento.

IV – Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e, em conformidade, confirma-se a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Porto, 10.07.2024
José Eusébio Almeida
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
_______________
[1] Aplica-se, por maioria de razão, o disposto no artigo 663, n.º 6 do Código de Processo Civil (CPC) e pretende-se, deste modo, uma maior simplificação e compreensão do acórdão.
[2] Conforme documento (n.º 70) junto com a petição, do qual resulta a retribuição ilíquida, correspondente àquele valor líquido, de 7.733,81€.
[3] Conforme resulta do documento (n.º 85) junto com a petição inicial, o cálculo da pensão anual (e mensal) teve por base uma retribuição anual total ilíquida de 100.881,28€.
[4] Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.03.2024 (Processo n.º 13390/18.0T8PRT.P1.S1, Relator, Conselheiro Luís Espírito Santos, dgsi], “I – A redução relacionada com a circunstância do capital relativo ao direito indemnizatório por danos com projeção no futuro ser recebido pelo lesado de uma só vez, antecipadamente (possibilitando a sua eventual rentabilização), tendo em vista evitar, por essa via e nessa perspetiva, o seu enriquecimento indevido, só se justifica em termos moderados e apenas se a materialidade concreta que foi provada nos autos a justificar indubitavelmente”. E, em igual sentido, deixou-se sumariado no acórdão proferido por este Tribunal da Relação do Porto a 6.05.2024, relatado pelo aqui relator (Processo n.º 3360/22.9T(VNG.P1, dgsi): “1 – Atualmente, nada justifica que o valor indemnizatório, encontrado para ressarcir os danos patrimoniais futuros, seja descontado de algum montante, em razão do recebimento imediato do respetivo montante. 2 – Pelo contrário – e ainda que seja de ter por base a retribuição líquida – o que se justifica é que o valor indemnizatório encontrado (a que se chega ponderando a esperança de vida e não apenas o limite da idade laboral) seja acrescido da natural e previsível melhoria de rendimentos ou carreira profissional do lesado”.
[5] Permitimo-nos retificar o lapso da citação, esclarecendo que o acórdão proferido a 24.02.2022 refere, também por extenso, “cinquenta mil euros”.