Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
675/23.2Y9PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MARTINS
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO
RESPONSABILIDADE DA PESSOA COLECTIVA
ADMOESTAÇÃO
AGRAVAMENTO DA COIMA
Nº do Documento: RP20240619675/23.2Y9PRT.P1
Data do Acordão: 06/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL/CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - No processo contraordenacional não pode haver condenação (decisão judicial) por factos diversos dos que a arguida havia sido acusada (decisão administrativa) sem que à mesma tenha sido dada oportunidade de sobre eles se pronunciar.
II - A imputação da infracção à pessoa colectiva está apenas dependente da vontade da pessoa colectiva que se manifesta através da vontade dos seus órgãos e representantes, não supondo a individualização da pessoa ou das pessoas físicas que representam os órgãos.
III - A admoestação só pode ser aplicadas nos casos de contraordenações leves ou simples e de culpa reduzida do agente.
IV - O agravamento do montante da coima por parte do Tribunal só é possível se a situação económica e financeira, que inclui quer as alterações patrimoniais quer as alterações pecuniárias, tiver entretanto melhorado significativamente.

(da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 675/23.2Y9PRT.P1
Comarca do Porto
Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto – Juiz 1





Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto:


I- RELATÓRIO

I.1. A..., Lda. impugnou judicialmente a decisão administrativa proferida em 23.12.2022 no âmbito do processo de contraordenação n.º ...22 que correu no Pelouro das Finanças, Actividades Económicas e Fiscalização, e Pelouro da Economia, Emprego e Empreendedorismo da Câmara Municipal do Porto, que a condenou no pagamento de uma coima única no valor de €18.000,00 (dezoito mil euros), pela prática das seguintes 29 (vinte e nove) contraordenações:
- 10 (dez) ilícitos contraordenacionais (infracções 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10. 11 e 12), ps. e ps. pelos artigos D-1/7.° e H/24, n.° 1, alínea a), n.° 2, 2.1. e 2.2., conjugado com o artigo H/5.°, n.° 2, do Código Regulamentar do Município do Porto, na versão dada pelo Edital n.° 738/2007, publicado no DR, II Série, n.° 187, de 27.09.2017, na pena parcelar de € 1.200,00 (mil e duzentos euros);
- 8 (oito) ilícitos contraordenacionais (infracções 1, 13, 24, 25, 26, 27, 28 e 29), ps. e ps. pelos artigos D-1/7.° e H/24, n.° 1, alínea a), n.° 2, 2.1. e 2.2., conjugado com o artigo H/5.°, n.° 2, do Código Regulamentar do Município do Porto, na versão dada pelo Edital n.° 738/2007, publicado no DR, II Série, n.° 187, de 27.09.2017, na pena parcelar de € 500,00 (quinhentos euros);
- 1 (um) ilícito contraordenacional (infracção 2), p. e p. pelos artigos H/15, n.° 1, alínea c), e n.° 3, conjugado com os artigos H/3.°, n.° 2, e H/5.°, n.° 2, do Código Regulamentar do Município do Porto, republicado no DR n.° 167, II Série, de 30.08.2013, na pena parcelar de € 800,00 (oitocentos euros); e
- 10 (dez) ilícitos contraordenacionais (infracções 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22 e 23), ps. e ps. pelos artigos H/15, n.° 1, alínea c), e n.° 3, conjugado com os artigos H/3.°, n.° 2, e H/5.°, n.° 2, do Código Regulamentar do Município do Porto, republicado no DR n.° 167, II Série, de 30.08.2013, na pena parcelar de € 2.000,00 (dois mil euros).
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I.2. Por sentença proferida em 02.04.2024 o recurso de impugnação judicial interposto pela A..., Lda. foi decidido:
“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a impugnação deduzida pela recorrente "A..., Lda." e, consequentemente:
- Revogo a decisão recorrida, proferida pela Câmara Municipal do Porto quanto às infracções indicadas na decisão administrativa (fls. 235 a 249) com os n.° 5, 17, 7, 19, 8, 20, 9, 18, 10, 21, 13, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 16, 23, 22, 15, 14 e 2; que aplicaram à recorrente uma coima de € 800,00, sete coimas de € 500,00, cinco coimas de € 1200,00 e dez coimas de € 2.000,00, pela prática de vinte e três contraordenações, p. e p. pelos artigos D-1/7.°, H/24, n.° 1, alínea a), n.° 2, 2.1. e 2.2., H/15, n.° 1, alínea c), e n.° 3, conjugados com os artigos H/3.°, n.° 2 e H/5.°, n.° 2, todos do Código Regulamentar do Município do Porto, republicado no republicado no DR n.° 167, II Série, de 30.08.2013;
- Mantenho a condenação da recorrente pela prática das contraordenações indicadas na decisão administrativa com os n.° 1, 3, 4, 6, 11 e 12, p. e p. pelos artigos D-1/7.°, H/24, n.° 1, alínea a), n.° 2, 2.1. e 2.2., conjugado com o artigo H/5.°, n.° 2, todos do Código Regulamentar do Município do Porto, republicado no republicado no DR n.° 167, II Série, de 30.08.2013, aumentando a coima aplicada quanto à infração n.° 1 e reduzindo as coimas aplicadas quanto às restantes infracções para o montante de € 700,00 (setecentos euros), por cada uma das seis infracções supra mencionadas;
- Em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 19.° do Regime Geral das Contraordenações, aplicar à recorrente a coima única de €2.200,00 (dois mil e duzentos euros).”
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I.3. A arguida A..., Lda. interpôs recurso da sentença, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição parcial):
“(…) III. Conforme melhor infra se expenderá, tal sentença padece, no entanto, de vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova, previstos, respetivamente, nas alíneas a) e c) do n.° 2 do art. 410° do CPP, havendo sido violado o princípio in dubio pro reo e inclusivamente da proibição de reformatio in pejus, mais padecendo tal Sentença de nulidade por condenação por factos diversos dos descritos no objeto da acusação/recurso contraordenacional, e por excesso de pronúncia, respetivamente, nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n° 1 do artigo 379° do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 41° do RGCO.
IV. No que respeita ao elemento subjetivo do dolo, o Tribunal a quo entendeu julgar como provado que "a Arguida, nas pessoas dos seus legais representantes, ao ter mantido o painel publicitário colocado no local, em ocupação do espaço público, apesar de saber que não detinha licença para o efeito, agiu ciente da ilicitude da sua conduta, bem sabendo que incorria na prática de um ilícito contraordenacional" - cfr. factos provados n° 13, 18, 48 e 53, relativos aos locais referidos em 9), 14), 44) e 49) dos factos provados - alterando assim, intencionalmente, a redação dos respectivos factos dados como provados na decisão administrativa, i.e. dos factos n°s 14), 20), 32), 62) e 68) - os quais dispunham todos, indistintamente, a Recorrente "saber que não detinha licença para o efeito", o que necessariamente significa que naquela decisão a Entidade Administrativa admitiu, indirectamente, que previamente ao momento da alegada prática das respectivas infrações a Recorrente já tinha detido licença válida para todos aqueles espaços.
(…) VII. Ora, no caso concreto, a Sentença recorrida, ao condenar a Recorrente, pronunciou- se sobre questão sobre a qual não se podia pronunciar - se a Recorrente possuía título/licença para a ocupação de espaço público em causa nos autos - por tal questão não estar contemplada na decisão administrativa - que vale como acusação - o que faz com que o Tribunal o quo tenha extravasado o objecto do processo, em violação do princípio do acusatório, assim como do princípio do contraditório, porquanto a Recorrente confiou que tal não seria questão controvertida e nunca foi confrontada com a mesma previamente à Sentença final.
VIII. Incorreu, assim, a Sentença recorrida em nulidade por excesso de pronúncia, nos termos previstos no art.° 379°/1-c) do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 41° do RGCO, o que se requer seja declarado.
IX. Cumpre ainda chamar à colação o princípio da "proibição da reformatio in pejus", que impede que o Tribunal possa condenar o Arguido/Recorrente em sanção mais grave do que aquela que lhe foi aplicada na decisão administrativa; (…).
X. Com efeito, a alteração da redação de tais factos - com a simples supressão de um "já" - não é todavia uma inocente questão de semântica, mas sim uma alteração dos factos provados vindo da decisão recorrida, a saber, que a Recorrente já teria tido essas licenças mas que já não as teria, facto este que o Tribunal alterou em prejuízo da Recorrente para que do probatório passe dos autos a constar que não tinha essas licenças, eliminando assim o facto de que já as teria tido, alteração que implica que o Tribunal a quo violou o princípio da vinculação temática, também aplicável em sede contraordenacional (…).
XI. Termos em que padece também a Sentença recorrida de nulidade por condenação por factos diversos dos descritos na acusação, nos termos do disposto na alíneas b) do n° 1 do artigo 379° do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 41° do RGCO, o que se requer seja declarado.
Nesta senda,
XII. Na sua fundamentação, o Tribunal a quo expende que "conforme resulta dos factos provados n.° 96 e 98, e não provado n.° 7, a recorrente já possuiu o necessário título para a ocupação de alguns (a maioria) dos espaços públicos referidos na decisão administrativa [os mencionados em 1), 19), 23), 28), 32), 36), 40), 54), 57), 60), 63), 66), 69) e 72) dos factos provados], mas não em relação a todos [não teve em relação aos espaços públicos referidos em 9), 14), 44) e 49) dos factos provados]. Sendo que, quanto ao local descrito no facto provado n.° 1 a licença foi cancelada em Novembro de 2021, por motivo de obras no local, e quanto ao local descrito no facto provado n.° 23, teve a sua licença cancelada em Abril de 2016.Assim sendo, em relação às contra-ordenações relacionadas com os espaços públicos referidos em 9), 14), 44) e 49) dos factos provados, o argumento da recorrente nunca procederia."
Ou seja,
XIII. O Tribunal a quo parte de factos que são contraditórios aos da própria decisão administrativa para, a partir de tais factos - inexistência de licença prévia quanto aos espaços referidos em 9), 14), 44) e 49) - inferir, por dedução lógica, que "o argumento da recorrente nunca procederia", i.e. que "inexiste motivo para que a recorrente desconhecesse o carácter ilícito da sua conduta, decorrente na inexistência de licenças, válidas, que lhe permitissem a ocupação do espaço público nos termos em que fez". E partir dessa dedução, o tribunal deduz ainda um terceiro e um quarto facto: designadamente que "aqui não pode a recorrente beneficiar da dúvida de ter entregado a "contestação" de uma decisão de extinção de licenças a advogado que não foi notificado do recurso hierárquico que apresentou" e que "não tem cabimento lógico que a recorrente desconhecesse, portanto, a sua situação real quanto àqueles espaços - leia-se, o facto de não ter licenças válidas para os ocupar".
XIV. Atenta a alteração dos factos a que se aludiu supra - que não era permitida - estava o Tribunal impossibilitado de inferir a inexistência de licença válida quanto àqueles concretos espaços - referidos em 9), 14), 44) e 49), porquanto contrariam o teor da própria decisão administrativa, pelo que, desde logo, não deveria ter dado como não provado o facto n° 7 - "a recorrente já possuiu o necessário título para a ocupação dos espaços públicos referidos em 9), 14), 44) e 49) dos factos provados".
XV. Portanto, o Tribunal declara que, atenta a inexistência de licenças válidas para aqueles espaços, "inexiste motivo para que a recorrente desconhecesse o carácter ilícito da sua conduta, decorrente na inexistência de licenças, válidas, que lhe permitissem a ocupação do espaço público nos termos em que fez". Não se percebe porque é o Tribunal infere tal coisa, até porque é uma inferência/presunção ilógica, atendendo ao facto de ter existido um procedimento concursal de concessão que ditou o cancelamento de inúmeras licenças que a Recorrente detinha na cidade.
XVI. É, aliás, perfeitamente plausível - e isso mesmo resulta do teor da própria Impugnação Judicial - que a Recorrente tenha estado na convicção de que a decisão de extinção de licenças se reportava também àqueles espaços, pois se atentarmos ao teor da própria Impugnação Judicial, verifica-se que a Recorrente nenhuma distinção faz entre as referidas infrações - estando plenamente convencida de que todas aquelas licenças que lhe subjazem se extinguiram na sequência daquela decisão da Câmara do Porto de extinção de licenças, fazendo distinção apenas quanto às infrações 1 e 2 - da Rua ... - essas sim que a Recorrente desde logo reconheceu apresentar contornos distintos das restantes, uma vez que tal licença foi cancelada por motivos de obras no local e, portanto, não tendo qualquer relação com o procedimento de concessão que ditou a referida "extinção em massa" das licenças da Recorrente - cfr. conclusão 58) da Impugnação Judicial.
XVII. Compulsada ainda a decisão que incidiu sobre o Recurso Hierárquico - a fls. 470­471 - o que é facto é que a CM PORTO refere tais espaços publicitários - os referidos em 9), 14), 44) e 49) dos factos provados - naquela decisão. Ora, se aqueles espaços publicitários não tinham realmente licença, e em nada estão relacionados com a decisão de extinção "em massa" de licenças na sequência do procedimento de concessão aberto pela Câmara - como alega a Sentença recorrida - a que propósito é que a entidade administrativa os referiria na decisão que incidiu sobre o referido Recurso Hierárquico - instrumento legal utilizado pela Recorrente para contestar tal decisão?
XVIII. Contrariamente ao que necessariamente daí decorre, o Tribunal considerou que tal extinção/ausência de licença válida para aqueles espaços publicitários nada teria que ver com tal decisão da Câmara de extinção de licenças, o que a própria decisão do Recurso Hierárquico infirma, ali referindo tais espaços!
XIX. Para além de não fazer sentido, o que realmente não se entende é como é que o Tribunal a quo - perante tais provas e ainda o depoimento referido na Sentença recorrida, feito pelo trabalhador da Recorrente AA - que apesar de filho do Representante Legal da Recorrente, é efetivamente quem trata de todos os pedidos de licenças da Recorrente - cfr. pág. 15 da decisão administrativa - que é uma pequena empresa familiar e que nunca poderá ser prejudicada por tal (numa multinacional seguramente que a probabilidade de ser o filho do legal representante a tratar de um determinado assunto seria impossível ou praticamente) ter considerado que "Aqui não pode a Recorrente beneficiar da dúvida de ter entregado a "contestação" de uma decisão de extinção de licenças a advogado que não foi notificado do recurso hierárquico que apresentou. Não tem cabimento lógico que a recorrente desconhecesse, portanto, a sua situação real quanto àqueles espaços - leia-se, o facto de não ter licenças válidas para os ocupar."
XX. E continua ainda a decisão recorrida, fazendo uma outra inferência igualmente não fundamentada: "e isto porque é empresa com largos anos de experiência, gerida por pessoas que partilham tal longevidade, sendo que, para uma empresa que se dedica à actividade da recorrente, o tratamento de licenças é assunto básico, e, simultaneamente, dos mais importantes e primeiros a ser tratado e cumprido, pelo que tal ausência de licenças não poderia desconhecer."
XXI. Ora, se a Recorrente é empresa com largos anos de experiência, gerida por pessoas que partilham tal longevidade, e se igualmente não possui quaisquer antecedentes contraordenacionais - cfr. facto provado n° 78 da Sentença recorrida - não é credível ou igualmente verosímil a versão dada pela Recorrente, de, no seu entender, a extinção de todas aquelas licenças - com exceção daquela da Rua ... - esteja relacionada com o referido procedimento concursal e que, portanto, apenas teve conhecimento também dessas infrações quando receberam as contraordenações, e não antes, por terem contestado tal decisão de extinção através de advogado? - versão essa que, aliás, é corroborada pelo teor do própria decisão que incidiu sobre tal recurso hierárquico - fls. 470-471 - que refere tais espaços?! Seguramente que sim, que é crível e verosímil!
XXII. Com efeito, a decisão recorrida afirma: "Ora, o legal representante da recorrente, bem como o seu filho, afirmaram que apenas tiveram conhecimento de que estariam a cometer um ilícito contraordenacional quando foram notificados pela Câmara Municipal do Porto da aplicação de coimas; e não antes porque haviam "contestado" a decisão de extinção através de advogado."
XXIII. Em suma: a valoração que o Tribunal a quo fez da prova produzida contraria inequivocamente as regras da experiência comum, pois se a Recorrente estava na convicção de ter contestado a extinção de todas as licenças que subjazem a todos aqueles espaços públicos, e se a própria CM PORTO refere aqueles concretos espaços públicos na decisão que proferiu sobre o Recurso Hierárquico apresentado, como é que a apresentação de tal Recurso Hierárquico não pode, também neste caso, "beneficiar" a Recorrente?
XXIV. Assim, ao ter o Tribunal a quo ter extraído tais conclusões ilógicas e violadoras das regras da experiência comum, incorreu em vício de erro notório na apreciação da prova, o que se requer seja declarado.
XXV. Resultou ainda demonstrado que a única prova que a Sentença recorrida entende sustentar o "facto não provado n° 7" é o documento onde consta uma indicação genérica que naqueles espaços a Recorrente não tem licença válida - não se aquilatando, no entanto, desde quando. Sucede que, tal documento trata-se precisamente da decisão que incidiu sobre o Recurso Hierárquico que foi apresentado pela Recorrente através de Advogado - cfr. fls. 470-471 - sendo que, esse é também o documento que o Tribunal afirmou não ter chegado à esfera de conhecimento da Recorrente:"a versão do legal representante da recorrente, no sentido de não ter tido conhecimento da decisão sobre o recurso hierárquico, é plausível, não tendo sido afastada pela prova produzida." - cfr. página 21 da sentença recorrida.
XXVI. Questiona-se então a Recorrente: como pode então o Tribunal ter dado como eliminada uma dúvida razoável" quanto ao facto de a Recorrente possuir a necessária consciência da ilicitude no que à prática das infrações que a condenou concerne? Se o único documento nos autos que, segundo o Tribunal a quo, indicia que pode não ter existido licença naqueles espaços é um documento do qual o Tribunal reconhece que a Recorrente não teve sequer atempado conhecimento?
XXVII. Destarte, não deveria ter sido dado como provado que "a Arguida, nas pessoas dos seus legais representantes, ao ter mantido o painel publicitário colocado no local, em ocupação do espaço público, apesar de saber que não detinha licença para o efeito, agiu ciente da ilicitude da sua conduta, bem sabendo que incorria na prática de um ilícito contraordenacional" - cfr. factos provados n° 13, 18, 48 e 53, relativos aos locais referidos em 9), 14), 44) e 49) dos factos provados.
XXVIII. Tudo quanto consubstancia um vício de erro notório na apreciação da prova, o que se requer seja declarado.
Acresce que,
XXIX. Veja-se o depoimento da testemunha AA - única pessoa responsável pelo tratamento das licenças da Recorrente, conforme por si declarado quando inquirido pela Entidade Administrativa - cfr. pág. 15 da decisão administrativa - e o raciocínio feito a propósito pelo Tribunal a quo:
"Ainda que a testemunha AA tenha referido que a recorrente tinha "todas as licenças", tal não abalou a credibilidade do tribunal quanto a este aspecto já que esta testemunha, filha do sócio-gerente da recorrente, realizou tal afirmação de forma genérica e pouco detalhada, referindo vagamente que há cerca de 20 anos que têm licença (período de tempo em que também está a trabalhar na empresa), sem especificar em relação a que espaços (e, cremos, segundo juízos de normalidade, que muitos mais serão do que os que constituem o objecto do presente processo, já que nos reportamos a 20 anos de actividade). Ou seja, esta testemunha com tal afirmação quis acima de tudo salientar o que, na sua opinião (nesta parte demonstrando menor imparcialidade e isenção), é um histórico imaculado da empresa recorrente, da qual faz parte - assim sendo, logicamente (face à restante factualidade provada e não provada), o tribunal deu como não provado o vertido no facto não provado n.° 6".
XXX. Portanto, o Tribunal a quo defende que o depoimento do único responsável pelas licenças de uma pequena empresa familiar como a Recorrente - com apenas 3 trabalhadores - com 20 anos de mercado e sem quaisquer antecedentes contraordenacionais, para quem, nas próprias palavras deste Tribunal, "o tratamento de licenças é assunto básico, e, simultaneamente, dos mais importantes e primeiros a ser tratado e cumprido" - cfr. página 22 da decisão recorrida - foi genérico e pouco detalhado, porque referiu que a Recorrente tinha "todas as licenças" sem ter especificado em relação a que espaços.
XXXI. Tal inferência é completamente ilógica, pois se as licenças são dos assuntos mais "básicos" para uma empresa deste tipo, se o seu único responsável afirma sempre terem tido "todas as licenças" de todos os espaços públicos que ocuparam, e nada mais lhe foi perguntado inclusivamente pelo Mmo Juiz a quo e pela Recorrida, tal afirmação não pode - ao contrário do que considerou este Tribunal a quo - ser considerada genérica e vaga, sendo completamente desnecessária, in casu, a especificação dos espaços concretos - como considerou erradamente o Tribunal - pois, com segurança, uma empresa com 20 anos de atuação no mercado sem quaisquer antecedentes contraordenacionais não iria simplesmente agir de forma contrária ao direito ou às suas normas.
XXXII. O depoimento de AA, a quem o Tribunal a quo foi atribuindo credibilidade quanto a outros factos provados, mas não quanto a este – incorrendo novamente aqui em vício de erro notório na apreciação da prova - conjugado com o facto de não ter sido trazida aos autos qualquer prova do conhecimento da ocupação da via pública sem licença válida por parte da sociedade Recorrente, deveria ter servido para formar a convicção do Tribunal de que tal conhecimento não existia, e nunca o seu oposto, o que, havendo sido feito em prejuízo da Recorrente, consubstancia uma violação do princípio in dubio pro reo deste segmento decisório.
XXXIII. A decisão de que ora se recorre padece, pois, de flagrante erro notório na apreciação da prova, pelo que estamos na presença de um vício da decisão recorrida nos termos do artigo 410°, n.°2 al. c) do Código de Processo Penal.
XXXIV. Ao não ter aplicado, in casu, o princípio in dubio pro reo, o Tribunal a quo violou ainda o preceituado no artigo 32° n° 2 da Lei Fundamental: condenou a Recorrente apenas por convicção, com base, unicamente, numa presunção de culpa, subjectivamente considerada que, à revelia dos princípios supra enunciados, valorou prova objectivamente inexistente.
XXXV. Verifica-se ainda existir insuficiência da prova produzida para a decisão, designadamente do vício previsto no art. 410° n° 2 al. a): ou seja, o Tribunal a quo fundamenta a condenação da Recorrente em prova insuficiente para alcançar a decisão dos presentes autos.
XXXVI. Tal sucede não só quando os factos dados como provados não permitem concluir se o arguido praticou ou não um crime ou uma contraordenação, mas também quando de tais factos não constam todos aqueles que foram tidos em consideração para a verificação de causas de exclusão da ilicitude, da culpa ou da imputabilidade do arguido ou para a graduação da medida da pena.
Ora,
XXXVII. Na situação dos autos, verifica-se que a Sentença recorrida não identifica "os legais representantes da arguida", não nos permitindo apreender se as condutas ilícitas, também elas não concretizadas, por quem foram perpetradas e de que forma. Nos factos provados n° 13, 18, 48 e 53 apesar de referir "a arguida, nas pessoas dos seus legais representantes", não atribui a "tais pessoas" o conhecimento e a vontade de realização dos tipos contraordenacionais e, em nenhum momento, dá como provado que as referidas pessoas agiram por determinação e em representação da Arguida.
XXXVIII. A responsabilidade contraordenacional das pessoas coletivas ou equiparadas não tem carácter objetivo, já que pressupõe a prática do facto típico pelos seus "órgãos" no exercício das suas funções, entendendo-se como tal as pessoas físicas que têm a seu cargo decidir e atuar pelas pessoas coletivas - cfr. artigo 7°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro.
XXXIX. Por um lado, não ficou provado qualquer conhecimento da situação em apreço por parte do legal representante da Recorrente, mas se algo resultasse provado tal seria seguramente o oposto: pois não se olvide que o trabalhador AA declarou perante a entidade administrativa quando perguntado sobre quem, dos 3 trabalhadores da Recorrente, é o responsável pelo pagamento das taxas e solicitação das licenças, que é "ele quem trata das licenças e a sua colega administrativa do pagamento das taxas" - cfr. página 15 da decisão administrativa.
XL. Por outro lado: nada consta dos factos provados que nos permita ajuizar se podemos imputar a uma pessoa que integre os órgãos da Recorrente a conduta ilícita aqui em causa, bem como que a pessoa que representa a Recorrente terá atuado no exercício das suas funções, não sendo possível retirar o alcance, objetivo e subjetivo, das condutas em causa, pelo que não poderá haver responsabilidade contraordenacional.
XLI. Nestes termos, não sendo a matéria de facto suficiente para sustentar a imputação à Recorrente da conduta ilícita geradora de responsabilidade contraordenacional impor-se-á concluir pela insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, conforme previsto no art. 410°, n.° 2, al. a), do Código de Processo Penal.
XLII. De referir ainda que o reenvio para a 1a instância para novo julgamento a fim de se determinar a pessoa que concretamente agiu e/ou praticou os factos, bem como se o fez no exercício das suas funções ou de ordens transmitidas pelo representante legal da Recorrente não é possível, pois tal reenvio sempre violaria o princípio da vinculação temática do tribunal.
XLIII. Conforme já expendido supra, não pode a 1a instância indagar factos que não constem da decisão administrativa impugnada, que vale como acusação mediante a sua apresentação em juízo pelo Ministério Público na sequência da impugnação deduzida ( cfr. art. 62°, n.° 1, do RGCO), acusação essa que fixa os poderes de cognição do tribunal - emanação do princípio do acusatório e dos mais basilares direitos de defesa do arguido.
XLIV. Extravazando os factos em falta os conceitos de alteração não substancial e de alteração substancial dos factos, requer-se, em consequência, a V.Exas. a absolvição total da Recorrente, (…).
Sem prescindir, ainda que assim não se entenda,
XLV. O Tribunal a quo recusou a aplicação à Recorrente de uma Admoestação, pois, no seu entendimento, "este tipo de sanção não deve ser aplicada no caso concreto (...) isto porque não cremos que a gravidade da infração e da culpa seja reduzida (artigo 51, n° 1° do RGCO), uma vez que estamos perante vários elementos colocados no espaço público sem que estivessem devidamente licenciados. De facto, a recorrente ocupou o espaço público em seis locais diferentes." - cfr. pág. 30 e 31 da decisão recorrida.
XLVI. Atendendo que a gravidade da contra-ordenação depende do bem ou interesse jurídico que a mesma visa tutelar e, ainda, do eventual benefício retirado pelo agente da prática daquela e do resultado ou prejuízo causado - gravidade essa que pode aferir-se também diretamente da lei, não sendo este o caso pois o Código Regulamentar do Município do Porto não qualifica tais infrações - há que analisar, no caso concreto, a gravidade das contraordenações de "ocupação de espaço público sem título".
XLVII. Decorre do n° 1 do Artigo D-1/1° do Código Regulamentar do Município do Porto, os critérios de ocupação do espaço público são definidos na perspetiva da sua preservação, de respeito pelas componentes ambientais e paisagísticas e de melhoria da qualidade de vida na cidade.
XLVIII. Pese embora se concorde que o espaço público deva ser gerido pelos municípios de forma a que a sua ocupação salvaguarde a qualidade e a funcionalidade ambiental, social e económica, não se aquilata como é que tais infrações possam ser consideradas de gravidade elevada, aliás, na Decisão Administrativa pode ler- se o seguinte: "as contraordenações em causa revestem-se de alguma gravidade, porquanto, como já se referiu, o interesse público motivador do ato que lhe cancelou as licenças se apoia na estratégia municipal de transformação e reabilitação do espaço público, reconhecendo este último como um bem coletivo escasso, que deve ser gerido de forma a que sua ocupação salvaguarde a qualidade e a funcionalidade ambiental, social e económica." - cfr. página 24 da decisão administrativa.
XLIX.Verifica-se, portanto, que o Tribunal a quo foi, mais uma vez, ainda mais longe do que a Câmara Municipal do Porto, em claro prejuízo da Recorrente, quando o que deveria ter considerado, atendendo à natureza dos deveres violados, era que as infrações em análise se revestem, indubitavelmente, de reduzida gravidade (…) relativamente à prática das contra-ordenações previstas e puníveis pelos artigos 13.°, 16.°, 19.°, 20.°, 23.° e 27.°, do Decreto-Lei n.° 397/ 97, de 27 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.° 119/2009, de 19 de Maio. Tal decreto-lei reporta-se a "Regulamento que Estabelece as Condições de Segurança a Observar na Localização, Implantação, Concepção e Organização Funcional dos Espaços de Jogo e Recreio, Respectivo Equipamento e Superfícies de Impacte", pelo que, tem uma finalidade essencialmente preventiva, sancionando as condutas que sejam susceptíveis de colocar em risco e de provocar danos na esfera do bem jurídico tutelado - direito à segurança e à prevenção de riscos de acidentalidade; para o efeito, estabelece condições de segurança a observar na localização, implantação, concepção e organização funcional dos espaços de jogo e recreio, respectivo equipamento e superfície de impacto, destinados a crianças, necessárias para garantir a diminuição dos riscos de acidentes, de traumatismos e lesões acidentais, e das suas consequências".
(…) LI. Aqui como ali, nunca a Recorrente colocou qualquer transeunte em perigo: aliás, aqui estamos a falar tão somente de uma ocupação de espaço público com "outdoors publicitários", ou seja, nada que constitua propriamente um "perigo", resultando assim comedida a gravidade das infrações sub judice, especialmente se tivermos presente que desde Julho de 2022 que a Recorrente já não detém quaisquer painéis publicitários instalados na cidade do Porto - cfr. facto provado n° 95 - e ainda que não se apuraram quaisquer consequências advenientes da prática das infrações, nem tão pouco qualquer prejuízo verificado.
LII. Quanto à culpa: atendendo ao declarado pela CM PORTO, i.e. que extinguiu, por ato unilateral, todas as licenças que a Recorrente detinha na cidade - ato do qual a Recorrente Reclamou, e de cujo indeferimento recorreu através de Recurso Hierárquico, esta só pode - caso não seja excluída a ilicitude, o que sempre deveria - ser considerada contida e muito diminuta, não podendo relevar, de todo, uma indiferença perante o cumprimento das obrigações legais.
LIII. Tão pouco resultou apurado qualquer benefício económico por parte da Recorrente - cfr. facto não provado n° 4 - e quanto ao facto de ter sanado rapidamente as falhas que lhe foram imputadas pela entidade administrativa, vejam-se os factos provados n° 92, 93, 94 e 95 da Sentença recorrida.
LIV. Por fim, aqui como ali, seria de relevar que as Recorrentes são primárias, não tendo quaisquer antecedentes contraordenacionais - cfr. facto provado n° 78.
LV. Constata-se, assim, que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 51° do RGCO, pois, de acordo com os factos dados como provados, e da fundamentação constante na Sentença recorrida, poderia e deveria o Tribunal a quo ter feito um juízo de prognose favorável à Recorrente, o que não fez.
LVI. Pois, in casu, encontram-se indubitavelmente preenchidos os pressupostos para que seja aplicada uma admoestação à Recorrente, o que, subsidiariamente, se requer seja declarado.
Acresce que,
LVII. Ao ter agravado uma das coimas aplicadas à Recorrente incorreu ainda o Tribunal a quo na sentença recorrida numa ostensiva violação do princípio da proibição da reformatio in pejus previsto no artigo 72°-A do RGCO - o qual abrange também o valor da coima (…).
LVIII. Pois, no que à infração 1 indicada na decisão administrativa concerne, esta entidade decidiu condenar a Recorrente ao pagamento de uma coima "no montante de 500,00 € (quinhentos euros)" - cfr. página 24 da decisão administrativa - ao passo que o Tribunal a quo decidiu, em sede decisória, aumentar esta coima para o montante de € 700,00, o que não lhe era permitido, atendendo que, a situação económica da Recorrente não melhorou, antes piorou - cfr. factos dados como provados n° 76 e 81.(…)”
Pugna pela revogação da sentença recorrida e, em consequência:
i) Sejam declarados os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova, previstos, respetivamente, nas alíneas a) e c) do n.° 2 do art. 410° do código de processo penal, sendo ordenada a sua substituição por outra sentença que absolva totalmente a recorrente;
ii) Seja declarada a violação do princípio in dubio pro reo, sendo ordenada a substituição por outra sentença que absolva totalmente a recorrente;
iii) Seja declarada a violação da proibição da reformatio in pejus, sendo ordenada a sua substituição por outra sentença que absolva totalmente a recorrente;
iv) Seja declarada a nulidade da sentença por condenação por factos diversos dos descritos no objecto da acusação/recurso contraordenacional, e por excesso de pronúncia, respetivamente, nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n° 1 do artigo 379° do código de processo penal.
Se assim não se entender,
v) Seja aplicada uma admoestação à recorrente.
Subsidiariamente,
vi) Seja a decisão recorrida revogada na parte em que aumenta a coima que se refere à infração 1 referida na decisão administrativa, por violação da proibição da reformatio in pejus.
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I.4. O Ministério Público, na resposta ao recurso, sem formulação de conclusões, pronunciou-se pela improcedência do recurso interposto pela arguida e manutenção da decisão recorrida.
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I.5. Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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I.6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada resposta ao parecer do Ministério Público.
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I.7. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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II- FUNDAMENTAÇÃO

II.1- Objecto do recurso
Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt).
Assim, da análise das conclusões apresentadas pela recorrente extraímos sequencialmente as seguintes questões que importam apreciar e decidir:
1ª Se a sentença recorrida padece dos vícios decisórios previstos no artigo 410º, n.º 2, als. a) e c) do CPP;
2ª Se a sentença recorrida violou o princípio in dubio pro reo;
3ª Se a sentença recorrida violou a proibição da reformatio in pejus prevista no artigo 72º-A do Regime Geral das Contraordenações (doravante RGCO) em relação ao montante de uma das coimas;
4ª Se a sentença recorrida enferma de nulidade por violação do disposto no artigo 379º, n.º 1, als. b) e c) do CPP;
Subsidiariamente,
5ª Se a sentença recorrida em vez da coima deveria ter aplicado uma admoestação à recorrente.
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Conheceremos os fundamentos do recurso pela sua ordem lógica das consequências da sua eventual procedência e influência preclusiva.
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II.2- Sentença recorrida (que se transcreve parcialmente nas partes relevantes)
“- Fundamentação de facto:
Factos provados:
Com interesse para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. Em ação de fiscalização, efetuada no dia 26/01/2022, pelas 09h50 horas, à Rua ... (lado oposto), foi constatado que a arguida se encontrava a ocupar espaço público com um painel publicitário de dupla face com as dimensões aproximadas de: 2,35 x 1,70 m = 3,99 m2 / cada face, sem que para tal detivesse o necessário título.
2. Para este painel publicitário existiu a licença n. ...8, que foi cancelada pelo Departamento Municipal do Espaço Público, em novembro de 2021, por motivo de obras no local, tendo disso a arguida sido devidamente notificada e de que deveria proceder à remoção do painel por força desse cancelamento, o que não fez.
3. Nesta sequência, procedeu-se, no dia 02/02/2022 à notificação da arguida para que, no prazo de cinco dias úteis, removesse voluntariamente o painel publicitário.
4. No dia 08/02/2022 a arguida veio solicitar a reativação da licença, mas foi notificada da improcedência do pedido e para, excecionalmente no prazo de dez dias úteis, proceder à remoção voluntária do painel.
5. No dia 18/03/2022 deu entrada de um novo requerimento NUD/...03/2022 a solicitar novamente a reativação da licença, sem novos factos que pudessem alterar a resposta que já lhe havia sido dada.
6. Decorrido o prazo previsto na notificação efetuada e após nova deslocação ao local realizada no dia 25/03/2022, pelas 12h45 horas, verificou-se que a arguida não procedeu à remoção voluntária do painel publicitário que ocupa o espaço público dentro do prazo que lhe foi concedido.
7. A arguida veio a remover o painel em início de Abril de 2022.
8. A arguida, nas pessoas dos seus legais representantes, ao ter mantido o painel publicitário colocado no local referido em 1), em ocupação do espaço público, apesar de saber que já não detinha licença para o efeito, agiu ciente da ilicitude da sua conduta, bem sabendo que incorria num ilícito contraordenacional, punível com coima.
9. Em ação de fiscalização, efetuada no dia 06/05/2022, pelas 9:00 horas, à Rua ... com Rua..., foi constatado que arguida se encontrava a ocupar espaço público com um painel publicitário de dupla face com as dimensões aproximadas de: 9,3m2 sem que para tal detivesse o necessário título.
10. No dia 16/05/2022 foi a arguida notificada para que, no prazo de cinco dias úteis, removesse voluntariamente o mobiliário urbano em causa.
11. No entanto, decorrido o referido prazo, e após nova deslocação ao local realizada no dia 27/05/2022, pelas 10.02 horas, verificou-se que a arguida não procedeu à remoção voluntária do painel em causa dentro do prazo imposto.
12. No dia 30 de Maio de 2022 procedeu a empresa ao serviço da CMP, acompanhada de dois fiscais adstritos à Divisão Municipal de Fiscalização Geral e de Atividade Comercial e de dois agentes da Polícia Municipal, à remoção coerciva do referido painel.
13. A arguida, nas pessoas dos seus legais representantes, ao ter mantido o painel publicitário colocado no local, em ocupação do espaço público, apesar de saber que não detinha licença para o efeito, agiu ciente da ilicitude da sua conduta, bem sabendo que incorria na prática de ilícito contraordenacional.
14. Em ação de fiscalização, efetuada no dia 06/05/2022, pelas 9:40 horas, à Rua ... com Rua ..., foi constatado que a arguida se encontrava a ocupar espaço público com um painel publicitário de dupla face com as dimensões aproximadas de: 9,3m2 sem que para tal detivesse o necessário título.
15. No dia 16/05/2022 foi a arguida notificada para, no prazo de cinco dias úteis, remover voluntariamente o mobiliário urbano em causa.
16. No entanto, decorrido o referido prazo, e após nova deslocação ao local no dia 27/05/2022, pelas 0:51 horas, verificou-se que a arguida não procedeu à remoção voluntária do painel em causa.
17. No dia 30 de Maio de 2022 procedeu a empresa ao serviço da CMP, acompanhada de dois fiscais adstritos à Divisão Municipal de Fiscalização Geral e de Atividade Comercial e de dois agentes da Polícia Municipal, à remoção coerciva do referido painel.
18. A arguida, nas pessoas dos seus legais representantes, ao ter mantido o painel publicitário colocado no local, em ocupação do espaço público, apesar de saber que não detinha licença para o efeito, agiu ciente da ilicitude da sua conduta, bem sabendo que incorria na prática de ilícito contraordenacional.
19. Em ação de fiscalização, no dia 06/05/2022, pelas 10:00 horas, à Avenida ... (próximo do 248), foi constatado que a arguida se encontrava a ocupar espaço público com um painel publicitário de dupla face com as dimensões aproximadas de 8m2 sem que para tal detivesse o necessário título.
20. No dia 16/05/2022 foi a arguida notificada para que, no prazo de cinco dias úteis, removesse voluntariamente o mobiliário urbano em causa.
21. No entanto, decorrido o referido prazo, e após nova deslocação ao local realizada no dia 27/05/2022, pelas 10h11 horas, verificou-se que a arguida não procedeu à remoção voluntária do painel em causa.
22. No dia 30 de Maio de 2022 procedeu a empresa ao serviço da CMP, acompanhada de dois fiscais adstritos à Divisão Municipal de Fiscalização Geral e de Atividade Comercial e de dois agentes da Polícia Municipal, à remoção coerciva do referido painel.
23. Em ação de fiscalização, no dia 06/05/2022, pelas 13:30 horas, à Rua ... (próximo 415), foi constatado que a arguida se encontrava a ocupar espaço público com um painel publicitário de dupla face com as dimensões aproximadas de 9,3m2 sem que para tal detivesse o necessário título.
24. No dia 16/05/2022 foi a arguida notificada para que, no prazo de cinco dias úteis, removesse voluntariamente o mobiliário urbano em causa.
25. No entanto, decorrido o referido prazo, e após nova deslocação ao local realizada no dia 27/05/2022, pelas 10h11 horas, verificou-se que a arguida não procedeu à remoção voluntária do painel em causa.
26. No dia 30 de Maio de 2022 procedeu a empresa ao serviço da CMP, acompanhada de dois fiscais adstritos à Divisão Municipal de Fiscalização Geral e de Atividade Comercial e de dois agentes da Polícia Municipal, à remoção coerciva do referido painel.
27. A arguida, nas pessoas dos seus legais representantes, ao ter mantido o painel publicitário colocado no local, em ocupação do espaço público, apesar de saber que já não detinha licença para o efeito, agiu ciente da ilicitude da sua conduta, bem sabendo que incorria na prática de ilícito contraordenacional.
28. Em ação de fiscalização, no dia 06/05/2022, pelas 14:04 horas, à Rua ... (próximo do 636 da artéria), foi constatado que a arguida se encontrava a ocupar espaço público com um painel publicitário de dupla face com as dimensões aproximadas de: 9,3m2 sem que para tal detivesse o necessário título.
29. No dia 16/05/2022 foi a arguida notificada para que, no prazo de cinco dias úteis, removesse voluntariamente o mobiliário urbano em causa.
30. No entanto, decorrido o referido prazo, e após nova deslocação ao local realizada no dia 27/05/2022, pelas 10h11 horas, verificou-se que a arguida não procedeu à remoção voluntária do painel em causa.
31. No dia 30 de Maio de 2022 procedeu a empresa ao serviço da CMP, acompanhada de dois fiscais adstritos à Divisão Municipal de Fiscalização Geral e de Atividade Comercial e de dois agentes da Polícia Municipal, à remoção coerciva do referido painel.
32. Em ação de fiscalização, no dia 06/05/2022, pelas 14:46 horas, à Rua ..., foi constatado que a arguida se encontrava a ocupar espaço público com um painel publicitário de dupla face com as dimensões aproximadas de: 8 m2 sem que para tal detivesse o necessário título.
33. No dia 16/05/2022 foi a arguida notificada para que, no prazo de cinco dias úteis, removesse voluntariamente o mobiliário urbano em causa.
34. No entanto, decorrido o referido prazo, e após nova deslocação ao local realizada no dia 27/05/2022, pelas 10h11 horas, verificou-se que a arguida não procedeu à remoção voluntária do painel em causa.
35. No dia 30 de Maio de 2022 procedeu a empresa ao serviço da CMP, acompanhada de dois fiscais adstritos à Divisão Municipal de Fiscalização Geral e de Atividade Comercial e de dois agentes da Polícia Municipal, à remoção coerciva do referido painel.
36. Em ação de fiscalização, no dia 06/05/2022, pelas 15:10 horas, à Rua ..., foi constatado que a arguida se encontrava a ocupar espaço público com um painel publicitário de dupla face com as dimensões aproximadas de: 8m2 sem que para tal detivesse o necessário título.
37. No dia 16/05/2022 foi a arguida notificada para que, no prazo de cinco dias úteis, removesse voluntariamente o mobiliário urbano em causa.
38. No entanto, decorrido o referido prazo, e após nova deslocação ao local realizada no dia 27/05/2022, pelas 10h11 horas, verificou-se que a arguida não procedeu à remoção voluntária do painel em causa.
39. No dia 30 de Maio de 2022 procedeu a empresa ao serviço da CMP, acompanhada de dois fiscais adstritos à Divisão Municipal de Fiscalização Geral e de Atividade Comercial e de dois agentes da Polícia Municipal, à remoção coerciva do referido painel.
40. Em ação de fiscalização, no dia 06/05/2022, pelas 15:25 horas, à Rua ..., foi constatado que a arguida se encontrava a ocupar espaço público com um painel publicitário de dupla face com as dimensões aproximadas de: 9,3m2 sem que para tal detivesse o necessário título.
41. No dia 16/05/2022 foi a arguida notificada para que, no prazo de cinco dias úteis, removesse voluntariamente o mobiliário urbano em causa.
42. No entanto, decorrido o referido prazo, e após nova deslocação ao local realizada no dia 27/05/2022, pelas 10h11 horas, verificou-se que a arguida não procedeu à remoção voluntária do painel em causa.
43. No dia 30 de Maio de 2022 procedeu a empresa ao serviço da CMP, acompanhada de dois fiscais adstritos à Divisão Municipal de Fiscalização Geral e de Atividade Comercial e de dois agentes da Polícia Municipal, à remoção coerciva do referido painel.
44. Em ação de fiscalização, no dia 7 de maio de 2022, pelas 09:00 horas, à Rua ..., ..., foi constatado que o infrator se encontrava a ocupar espaço público com suporte publicitário (do tipo Outdoor), com dimensões aproximadas a 6m2, sem que para tal detivesse o necessário título.
45. No dia 16/05/2022 foi a arguida notificada para que, no prazo de cinco dias úteis, removesse voluntariamente o mobiliário urbano em causa.
46. No entanto, decorrido o referido prazo, e após nova deslocação ao local realizada no dia 27/05/2022, pelas 10h11 horas, verificou-se que a arguida não procedeu à remoção voluntária do painel em causa.
47. No dia 30 de Maio de 2022 procedeu a empresa ao serviço da CMP, acompanhada de dois fiscais adstritos à Divisão Municipal de Fiscalização Geral e de Atividade Comercial e de dois agentes da Polícia Municipal, à remoção coerciva do referido painel.
48. A arguida, nas pessoas dos seus legais representantes, ao ter mantido o painel publicitário colocado no local, em ocupação do espaço público, apesar de saber que não detinha licença para o efeito, agiu ciente da ilicitude da sua conduta, bem sabendo que incorria na prática de ilícito contraordenacional.
49. Em ação de fiscalização, efetuada no dia 07/05/2022, pelas 11:00 horas, à Rua ... (junto ao mercado abastecedor), verificou-se que a arguida se encontrava a ocupar espaço público com um painel publicitário de dupla face com as dimensões aproximadas de 5 m2, (com as cores azul e branco e tendo mensagem publicitária alusiva a ## Pay it easY, Pantene#) sem que para tal detivesse o necessário título.
50. No dia 16/05/2022 foi a arguida notificada para que, no prazo de cinco dias úteis, removesse voluntariamente o mobiliário urbano em causa.
51. No entanto, decorrido o referido prazo, e após nova deslocação ao local realizada no dia 27/05/2022, pelas 10h11 horas, verificou-se que a arguida não procedeu à remoção voluntária do painel em causa.
52. No dia 30 de Maio de 2022 procedeu a empresa ao serviço da CMP, acompanhada de dois fiscais adstritos à Divisão Municipal de Fiscalização Geral e de Atividade Comercial e de dois agentes da Polícia Municipal, à remoção coerciva do referido painel.
53. A arguida, nas pessoas dos seus legais representantes, ao ter mantido o painel publicitário colocado no local, em ocupação do espaço público, apesar de saber que não detinha licença para o efeito, agiu ciente da ilicitude da sua conduta, bem sabendo que incorria na prática de ilícito contraordenacional.
54. Em ação de fiscalização, no dia 21/05/2022, pelas 8:10 horas, à Rua ... e ... foi constatado que a arguida se encontrava a ocupar espaço público com um painel publicitário de dupla face com as dimensões aproximadas de: 9m2 sem que para tal detivesse o necessário título.
55. Por ofício de 15/06/2022 (NUD/354925/2022/CMP) foi a arguida notificada para, no prazo de 5 dias, proceder à remoção do painel.
56. Em ação de fiscalização, no dia 30/06/2022, pelas 10h41 horas, ao local verificou-se que a situação tinha sido regularizada.
57. Em ação de fiscalização, no dia 28/05/2022, pelas 11:40 horas, à Avenida ... (prox. Rua ...) foi constatado que a arguida se encontrava a ocupar espaço público com um painel publicitário de dupla face com as dimensões aproximadas de 9m2 sem que para tal detivesse o necessário título.
58. Por ofício de 15/06/2022 (NUD/354912/2022/CMP) foi a arguida notificada para, no prazo de 5 dias, proceder à remoção do painel.
59. Em ação de fiscalização, no dia 30/06/2022, pelas 10h55 horas, ao local foi verificado que a situação se encontrava regularizada.
60. Em ação de fiscalização, no dia 18/06/2022, pelas 9:50 horas à Rua ..., verificou-se que a arguida se encontrava a ocupar espaço público com um painel publicitário de dupla face com as dimensões aproximadas de 8m2, sem que para tal detivesse o necessário título.
61. Por ofício de 23/06/2022 (NUD/370596/2022/CMP) foi a arguida notificada para, no prazo de 5 dias, proceder à remoção do painel.
62. Em ação de fiscalização efetuada, no dia 08/07/2022, pelas 11:40 horas, ao local foi verificado que a situação se encontrava regularizada.
63. Em ação de fiscalização, no dia 18/06/2022, pelas 10:25 horas, à Rua ..., verificou-se que a arguida se encontrava a ocupar espaço público com um painel publicitário de dupla face com as dimensões aproximadas de 9,3 m2, sem que para tal detivesse o necessário título.
64. Por ofício de 23/06/2022 (NUD/370638/2022/CMP) foi a arguida notificada para, no prazo de 5 dias, proceder à remoção do painel.
65. Em ação de fiscalização efetuada a 08/07/2022, pelas 11:55 horas ao local foi verificado que a situação se encontrava regularizada.
66. Em ação de fiscalização, no dia 19/06/2022, pelas 9:40 horas, à Rua ..., verificou-se que a arguida se encontrava a ocupar espaço público com um painel publicitário de dupla face com as dimensões aproximadas de 7,1m2, sem que para tal detivesse o necessário título.
67. Por ofício de 23/06/2022 (NUD/370690/2022/CMP) foi a arguida notificada para, no prazo de 5 dias, proceder à remoção do painel.
68. Em ação de fiscalização efetuada a 08/07/2022, pelas 11:16 horas, ao local foi verificado que a situação se encontrava regularizada.
69. Em ação de fiscalização, no dia 19/06/2022, pelas 10:50 horas, ao Caminho ..., ..., verificou-se que a arguida se encontrava a ocupar espaço público com um painel publicitário de dupla face com as dimensões aproximadas de 9,3 m2, sem que para tal detivesse o necessário título.
70. Por ofício de 23/06/2022 foi a arguida notificada para, no prazo de 5 dias, proceder à remoção do painel.
71. Em ação de fiscalização efetuada a 08/07/2022, pelas 11:20 horas, ao local foi verificado que a situação se encontrava regularizada.
72. Em ação de fiscalização, no dia 01/07/2022, pelas 09:45 horas, à Av. ..., com a rua do ..., foi constatado que a arguida se encontrava a ocupar espaço público com um painel publicitário de dupla face com as dimensões aproximadas de 3x2m, sem que para tal detivesse o necessário título.
73. Por ofício de 04/07/2022 foi a arguida notificada para, no prazo de 5 dias, proceder à remoção do painel.
74. Em ação de fiscalização efetuada a 18.07.2022, pelas 09:30 horas, ao local foi verificado que a situação se encontrava regularizada.
75. A arguida dedica-se ao setor de atividades de representação nos meios de comunicação há cerca de 21 anos.
76. No ano de 2021, a arguida teve um lucro de 36.126,28 Euros, faturou 325.646,48 Euros, em média de 27.137,21 Euros mensais, com uma margem de cerca 11% de lucro sobre a faturação total deduzindo todos as despesas.
77. Em 2022, tem um total faturado até outubro de 222.588,00 Euros.
78. A recorrente não tem antecedentes contraordenacionais.
79. A recorrente tem 3 funcionários.
80. A recorrente faturou, em Janeiro de 2022, o valor de € 38.046,91, em Junho de 2022 faturou o valor de € 30.744,65, em Julho de 2022 faturou o valor de € 18.548,40, em Agosto de 2022 faturou o valor de € 16.595,16 e em Setembro de 2022 faturou o valor de € 13.583,90.
81. A recorrente declarou à Autoridade Tributária, na declaração de IRC que apresentou, relativamente ao período que vai de 01.01.2022 a 31.12.2022, um resultado líquido de € 6.522,86, um lucro tributável de € 11.880,31 e um volume de negócios de € 258.661,77.
82. A recorrente apresentou reclamação da decisão proferida pela Exma. Sra. Directora do Departamento do Espaço Público, de 21.02.2022, pela qual é declarada a extinção das licenças de ocupação e de utilização do espaço público com publicidade, relativas à Rua ..., Caminho ..., Avenida ..., Rua ..., Rua ..., Avenida ..., Avenida ..., Rua ..., Rua ..., Rua ..., Rua ... da ... e ..., Rua ... e Rua ..., com efeitos a 31.03.2022, e da ordem de remoção dos respectivos equipamentos até 31.03.2022, nos termos da alínea a), n.° 1, do artigo 184.° e artigos 191.° e 192.° do Código de Procedimento Administrativo.
83. Tal reclamação foi apresentada através do Exmo. Senhor Dr. BB, advogado, que, nesse requerimento, protestou juntar procuração emitida a seu favor pela recorrente, o que nunca fez.
84. A reclamação referida em 82) foi declarada improcedente por decisão da Exma. Sra. Directora do Departamento do Espaço Público, de 18.03.2022, tendo sido comunicada à recorrente somente por correio electrónico, enviado a 18.03.2022.
85. A Câmara Municipal do Porto não enviou qualquer comunicação ao advogado que subscreveu a reclamação referida em 82) para lhe dar conhecimento da decisão de improcedência da referida reclamação.
86. Através de correio eletrónico, o advogado referido em 83), enviou a 13.04.2022 um requerimento pelo qual apresenta um recurso hierárquico da decisão referida em 82), nos termos do n.° 2 do artigo 184.°, e 193.° a 198.° do Código de Procedimento Administrativo, peticionando a revogação do acto administrativo referido em 77).
87. O recurso hierárquico referido em 86) foi objecto de decisão de indeferimento pelo Exmo. Senhor Vereador da Câmara Municipal do Porto responsável pelos Pelouros do Urbanismo e Espaço Público e Pelouro da Habitação, datada de 03.05.2022, tendo sido comunicada à recorrente somente por correio electrónico, enviado a 03.05.2022.
88. A Câmara Municipal do Porto não enviou qualquer comunicação ao advogado que subscreveu o recurso hierárquico referido em 86) para lhe dar conhecimento da decisão de indeferimento do referido recurso.
89. O sistema informático de correio eletrônico utilizado pela Câmara Municipal do Porto, aquando das comunicações referidas em 84) e 87), não possibilitava a existência de recibos de leitura.
90. O advogado que subscreveu a reclamação referida em 82) e o recurso hierárquico referido em 86) nunca foi notificado pela Câmara Municipal do Porto para apresentar a procuração que protestara juntar.
91. A Câmara Municipal do Porto não notificou a recorrente para ratificar o processado pelo advogado que apresentou a reclamação referida em 82), bem como o recurso hierárquico referido em 86).
92. Outros operadores do ramo, concorrentes e parceiros da recorrente, que possuíam licenças de ocupação de espaço público pela cidade do Porto, viram igualmente as suas licenças canceladas pela Câmara Municipal do Porto, inclusive, em Maio de 2022.
93. Para proceder à remoção dos painéis publicitários instalados a recorrente necessita de proceder à subcontratação de uma empresa especializada para o efeito.
94. Na sequência da decisão referida em 82), e o descrito em 92), a procura dos serviços daquele tipo de empresas aumentou, não permitindo à recorrente proceder à remoção de todos os painéis no prazo concedido pela Câmara Municipal do Porto.
95. Desde Julho de 2022 que a Impugnante já não tem painéis publicitários instalados na cidade do Porto.
96. A recorrente já possuiu o necessário título para a ocupação dos espaços públicos referidos em 1), 19), 23), 28), 32), 36), 40), 54), 57), 60), 63), 66), 69) e 72).
97. A recorrente retirou os painéis que estavam instalados na Rua ..., na Rua ... e ..., na Av. ..., na Rua ..., na Rua ..., na Rua ..., na Rua ... e na Av. ....
98. O suporte publicitário sito na Rua ... teve a sua licença cancelada em Abril de 2016.
*

Factos não provados:
Com interesse para a decisão da causa, não resultou provado que:
1. A arguida, nas pessoas dos seus legais representantes, ao ter mantido os painéis publicitários colocados nos locais referidos em 19), 28), 32), 36) e 40), dos factos provados, em ocupação do espaço público, apesar de saber que já não detinha licença para o efeito e ao não ter procedido à sua remoção, mesmo depois de notificada em sede de medidas de tutela da legalidade, agiu ciente da ilicitude da sua conduta, bem sabendo que incorria na prática de ilícitos contraordenacionais.
2. A arguida, nas pessoas dos seus legais representantes, ao ter mantido o painel publicitário colocado nos locais referidos em 54), 57), 60), 63), 66), 69) e 72), em ocupação do espaço público, apesar de saber que já não detinha licença para o efeito, agiu ciente da ilicitude da sua conduta, bem sabendo que incorria num ilícito contraordenacional, punível com coima.
3. A arguida, nas pessoas dos seus legais representantes, ao ter mantido os painéis publicitários colocados nos locais referidos em 9), 14), 23), 44) e 49) mesmo depois de notificada em sede de medidas de tutela da legalidade, agiu ciente da ilicitude da sua conduta, bem sabendo que incorria na prática de ilícitos contraordenacionais.
4. O concreto benefício económico retirado da prática das contraordenações.
5. A Câmara Municipal do Porto extinguiu, em massa, todas as licenças de ocupação e de utilização do espaço público com publicidade que a Impugnante possuía na cidade do Porto há anos, alegando como fundamento para tal adjudicação do procedimento de concessão CPI/1/2021/DMC.
6. A recorrente sempre liquidou atempadamente as taxas devidas por todas as licenças de ocupação de espaço público que possuía na cidade.
7. A recorrente já possuiu o necessário título para a ocupação dos espaços públicos referidos em 9), 14), 44) e 49) dos factos provados.
(…)
Motivação:
A convicção do Tribunal formou-se a partir da análise crítica, ponderada e de acordo com as regras de experiência comum da prova documental carreada para os autos e produzida em audiência de julgamento, na sua globalidade, analisada à luz de juízos de senso comum e de normalidade.
Assim, salientaremos que a ocupação do espaço público com painéis publicitários, conforme vertido na factualidade provada, bem como as fiscalizações realizadas por fiscais da Câmara Municipal do Porto, as notificações desta entidade para retirada dos painéis em prazos fixados, a remoção e não remoção (de parte) dos painéis pela recorrente (nos termos que constam dos factos provados) e sequente remoção (dos não removidos pela recorrente) pelos serviços da Câmara Municipal do Porto, o histórico comercial da recorrente, a facturação e lucro relativos aos anos de 2021 e 2022, a ausência de antecedentes contraordenacionais, é tudo matéria pacífica, que a recorrente não coloca em causa e que está vertida na decisão administrativa, pelo que foi dada como provada.
O facto provado n.° 81 resultou da análise do documento de fls. 408-414, e em relação aos factos provados n.° 82-91 o Tribunal formou convicção positiva com base na análise conjugada dos documentos de fls. 456-473, 477-506 e 518-521 com o depoimento da testemunha CC, assistente técnica na Câmara Municipal do Porto há cerca de 5/6 anos, que, nas duas sessões em que prestou declarações, fê-lo de forma calma, espontânea, coerente e lógica, não demonstrando qualquer parcialidade ou falta de isenção. Prestou esclarecimentos, essencialmente, quanto aos documentos apresentados pela Câmara Municipal do Porto e quanto ao sistema informático que à data dos factos estava em uso naquela entidade (quanto a este aspecto, certificou o constante do facto provado n.° 89). Esta testemunha também confirmou expressamente o relatado nos factos provados n.° 83 (mormente, a sua parte final), 85, 88, 90 e 91, explicando que as decisões mencionadas nos factos provados n.° 84 e 87 apenas foram notificadas à recorrente (não também ao seu advogado) e por correio electrónico. Tais declarações da testemunha vão, de resto, em linha com o teor dos documentos acima mencionados (de fls. 456-473, 477-506 e 518-521).
No que concerne ao facto provado n.° 82, cumpre referir que os documentos acima mencionados são claros no sentido de que a reclamação, e posteriormente o recurso hierárquico, apresentados pela recorrente reportam-se à decisão proferida pela Exma. Sra. Directora do Departamento do Espaço Público da Câmara Municipal do Porto, de 21.02.2022, pela qual é declarada a extinção de licenças de ocupação e de utilização do espaço público com publicidade. Mas de tal decisão, que consta de fls. 459-v e 460, extrai-se sem margem para dúvidas que as licenças extintas são só as ali referidas, ou seja, as descritas no predito facto provado (n.° 82). Ou seja, ao contrário do invocado pela recorrente na impugnação judicial que apresentou, nem todas as infracções respeitam a licenças (para além da relativa à Rua ..., em relação à qual a recorrente faz a competente diferenciação) que a recorrente detinha e que foram objecto daquela decisão de extinção (facto não provado n.° 5). Conforme se dirá infra, espaços houve em relação aos quais a recorrente à data não tinha licença válida, passível de ser passível de ser extinta por tal decisão - sendo que não foi feita prova consistente sobre a inexistência de outras licenças para além daquelas (referidas na decisão administrativa - alegação constante da impugnação judicial) e da relativa à Rua ..., à data dos factos (mas resultou provado que presentemente a recorrente já não tem painéis em espaços no concelho do Porto).
Relativamente ao facto provado n.° 92, tal resulta inequivocamente do teor dos documentos de fls. 477-verso e da decisão que consta de fls. 509-515, bem como do teor dos depoimentos das testemunhas DD (sócio-gerente da empresa "B..., Lda.", que assumiu o papel de recorrente no processo cuja decisão consta de fls. 509-v a 515) e AA, e do legal representante da recorrente. O vertido no facto provado n.° 93 foi confirmado expressamente pelo legal representante da recorrente e pela testemunha AA, decorrendo ainda dos depoimentos das testemunhas DD, EE e FF - estes dois últimos ligados à prestação de serviços de remoção de painéis publicitários, que confirmaram que naquele período os meios existentes não permitiam dar resposta atempada às solicitações que receberam, inclusivamente da recorrente (retirando-se de tais depoimentos o vertido no facto provado n.° 94).
O facto provado n.° 95 resultou do depoimento do legal representante da recorrente, que nesta parte se mostrou plausível e não foi contrariado por outros elementos de prova, pelo que foi considerado (aliás, a documentação coligida alinha-se com tal versão). Tal realidade foi também confirmada pela testemunha AA, filho do sócio-gerente da recorrente, que trabalha em tal empresa há cerca de 20 anos.
O facto provado n.° 98 e o facto não provado n.° 7 resultou da análise do documento de fls. 470-471, do qual consta expressamente que a recorrente não possuiu licença em relação aos espaços relativos à Rua ..., Rua ..., Rua ... e Rua ... - sendo que esta última reconduz-se à Rua ..., conforme se retira com clareza do teor da documentação junta aos autos (nomeadamente, da decisão administrativa - veja-se página n.° 3, 10, 13 e 18, e nesta última, leia-se o facto n.° 16); bem como que a licença que a recorrente teve quanto à Rua ... teve a sua licença cancelada em Abril de 2016. Ainda que a testemunha AA tenha referido que a recorrente tinha "todas as licenças", tal não abalou a credibilidade do tribunal quanto a este aspecto já que esta testemunha, filha do sócio-gerente da recorrente, realizou tal afirmação de forma genérica e pouco detalhada, referindo vagamente que há cerca de 20 anos que têm licença (período de tempo em que também está a trabalhar na empresa), sem especificar em relação a que espaços (e, cremos, segundo juízos de normalidade, que muitos mais serão do que os que constituem o objecto do presente processo, já que nos reportamos a 20 anos de actividade). Ou seja, esta testemunha com tal afirmação quis acima de tudo salientar o que, na sua opinião (nesta parte demonstrando menor imparcialidade e isenção), é um histórico imaculado da empresa recorrente, da qual faz parte - assim sendo, logicamente (face à restante factualidade provada e não provada), o tribunal deu como não provado o vertido no facto não provado n.° 6. No entanto, pelo contrário, esta testemunha foi assertiva quanto ao facto de a recorrente contar apenas com três funcionários (facto provado n.° 79), bem como de ter havido outras empresas em igual situação da vivida pela recorrente, de verem as licenças serem extintas por decisão da Câmara Municipal do Porto - sendo que esta última realidade (extinções de licenças abrangendo outras empresas) foi suportada por outras testemunhas, conforme já se mencionou. Os factos provados n.° 96 e 97 retiram-se da leitura do já mencionado documento de fls. 470-471, em articulação com a decisão administrativa (nesta parte não colocada em crise pela recorrente).
Quanto aos factos provados n.° 13, 18, 27, 48 e 53 - ou seja, que a recorrente, nas pessoas dos seus legais representantes, ao ter mantido o painel publicitário colocado nos locais referidos em 9), 14), 23), 44) e 49) dos factos provados, em ocupação do espaço público, apesar de saber que já não detinha licença para o efeito, agiu ciente da ilicitude da sua conduta, bem sabendo que incorria na prática de ilícito contraordenacional - o Tribunal formou convicção positiva com base na análise da demais factualidade provada segundo juízos de normalidade e regras de experiência comum, conforme melhor explicaremos.
Mas aqui chegados cumpre, antes de mais e por contraponto, abrir um parêntesis para ressalvar que a prova produzida não permitiu ao Tribunal alcançar uma convicção segurança, suficientemente sólida, isenta de uma dúvida razoável, relativamente ao vertido nos factos não provados n.° 1 e 2. E isto porque todos os locais referidos em 19), 28), 32), 36) e 40), 54), 57), 60), 63), 66), 69) e 72) foram afectados pela decisão de extinção proferida pela Câmara Municipal do Porto (referida no facto provado n.° 82) e que foi objecto de recurso hierárquico pela recorrente. Ora, o legal representante da recorrente, bem como o seu filho, afirmaram que apenas tiveram conhecimento de que estariam a cometer um ilícito contraordenacional quando foram notificados pela Câmara Municipal do Porto da aplicação de coimas; e não antes porque haviam "contestado" a decisão de extinção através de advogado. Resulta dos factos provadosque: a impugnação e o recurso hierárquico interpostos pela recorrente foram feitos por advogado que os submeteu, protestando juntar procuração (o que nunca fez); sem prejuízo, a Câmara Municipal do Porto considerou os requerimentos apresentados e decidiu sobre os mesmos, sem nunca ter notificado o mencionado advogado para apresentar a procuração que protestara juntar (o que devia ter feito) e sem ter notificado a recorrente para ratificar o processado pelo mesmo - algo que a lei também lhe impunha (vide Acórdão do TCA Sul, de 31.01.2018, processo n.° 1241/12.3 BELRA, disponível em www.dgsi.pt). Acresce que a decisão sobre o recurso hierárquico (este é o relevante, por ser o último apresentado pela recorrente) apenas foi notificada à recorrente através de correio electrónico (meio de notificação que o artigo 113.°, n.° 5, do CPA, permite), não o sendo também ao advogado subscritor do mesmo (o que deveria ter feito: artigo 111.° do CPA). Quer isto dizer que a recorrente contratou os serviços de um advogado para tratar de contestar a decisão da Câmara Municipal do Porto, o que foi feito, mas tal profissional não foi notificado da decisão proferida. Independentemente do incumprimento, pela Câmara Municipal do Porto, de obrigações processuais que lhe eram impostas (como seja a de notificar o advogado da recorrente, uma vez que, para todos os efeitos, o considerou regularmente constituído), analisando da óptica da convicção da recorrente, a prova produzida não permite ao Tribunal criar certeza de que conhecesse (na pessoa do seu legal representante) o teor da decisão que recaíra sobre o recurso hierárquico apresentado. É possível que sim, e tal indicia o facto de a impugnação primeiramente apresentada ter sido notificada também só para a recorrente através de correio electrónico, e nesse seguimento ter sido apresentado o recurso hierárquico. No entanto, ainda que tal conhecimento seja uma hipótese, não é a única. Isto porque se desconhece se, por exemplo, o mandatário que naquele momento representava a recorrente soube da decisão que versou sobre a impugnação, e consequentemente apresentou o recurso hierárquico, porque contactou telefonicamente com a Câmara Municipal do Porto, porque se deslocou até lá e consultou o processo, ou porque conhecia alguém na Câmara Municipal do Porto que lhe deu a conhecer a decisão sobre a impugnação (algumas de inúmeras hipóteses, com diferentes níveis de probabilidade). A prova não é clara sobre qual a fonte de tal conhecimento (ter sido a recorrente é apenas uma de várias hipóteses). E não sendo clara, tal dúvida terá obrigatoriamente de prevalecer favoravelmente em relação à recorrente. Ou seja, a versão do legal representante da recorrente, no sentido de não ter tido conhecimento da decisão sobre o recurso hierárquico, é plausível, não tendo sido afastada pela prova produzida. Tem lógica e por isso é possível que, ainda que tenha lido o e-mail enviado pela Câmara Municipal do Porto que continha a decisão sobre o recurso hierárquico (o que, sempre se sublinhe, não resultou da prova), a recorrente tenha pensado que tal decisão não era definitiva, exactamente porque o seu advogado, que supostamente também a teria recebido (conforme a lei obriga), iria reagir à mesma (por exemplo, impugnando contenciosamente, para os TAF).
Numa segunda linha de raciocínio, diremos que não tendo o mandatário da recorrente sido notificado da decisão sobre o recurso hierárquico, o que a lei impunha, é difícil conceber que tal decisão da Câmara Municipal do Porto tenha atingido a definitividade que subjaz, por ser premissa essencial, à prática das correspondentes contra-ordenações (uma vez que a recorrente ainda poderia impugnar contenciosamente tal decisão).
Dito isto, e retornando ao que acima se mencionou, diremos que o exposto no parágrafo anterior não se aplica também às licenças relativas aos espaços referidos nos factos provados n.° 13, 18, 27, 48 e 53, já que estes não fizeram parte do objecto da decisão da Câmara Municipal do Porto indicada no facto provado n.° 82 (e o mesmo se refira quanto ao espaço referido no facto provado n.° 1 - que se relaciona com o facto provado n.° 8). Pelo contrário, a prova produzida sustém a versão de que em relação àqueles locais (dos factos provados n.° 13, 18, 27, 48 e 53) a recorrente não tinha licença válida (cfr. facto provado n.° 98 e não provado n.° 7). Ou seja, aqui (e também quanto ao local descrito no facto provado n.° 1) inexiste motivo para que a recorrente desconhecesse o carácter ilícito da sua conduta, decorrente na inexistência de licenças, válidas, que lhe permitissem a ocupação do espaço público nos termos em que fez. Aqui não pode a recorrente beneficiar da dúvida de ter entregado a "contestação" de uma decisão de extinção de licenças a advogado que não foi notificado do recurso hierárquico que apresentou. Não tem cabimento lógico que a recorrente desconhecesse, portanto, a sua situação real quanto àqueles espaços - leia-se, o facto de não ter licenças válidas para os ocupar. E isto porque é empresa com largos anos de experiência, gerida por pessoas que partilham tal longevidade, sendo que, para uma empresa que se dedica à actividade da recorrente, o tratamento de licenças é assunto básico, e, simultaneamente, dos mais importantes e primeiros a ser tratado e cumprido, pelo que tal ausência de licenças não poderia desconhecer.
Quanto ao facto não provado n.° 3, diremos que a conduta da recorrente, de ter mantido os painéis publicitários colocados nos locais referidos em 9), 14), 23), 44) e 49) mesmo depois de notificada em sede de medidas de tutela da legalidade para os retirar no prazo de 5 dias úteis, não pode ser considerada ilícita. De facto, tal prazo, principalmente pelas circunstâncias em que foi concedido (tratando-se de vários painéis a serem removidos, o que tem de ser cumprido por entidade externa à recorrente, a que acresce o referido nos factos provados n.° 92 e 94), é extremamente curto e desajustado (até abusivo), implicando a recorrente numa obrigação impossível de satisfazer atempadamente e não deixando outro caminho que não seja o do seu incumprimento. Pelo exposto, não se pode concluir pela existência de uma conduta ilícita da recorrente relativamente à manutenção dos painéis publicitários nos espaços acima indicados, pelo que, consequentemente, o vertido no facto não provado n.° 3 assim mesmo resultou - não provado.
Quanto ao facto não provado n.° 4 não foi feita qualquer prova.
(…)
***

II-3- Decisão administrativa impugnada (que se transcreve parcialmente nas partes relevantes)
“Factos Provados
Da instrução dos autos resulta provada a seguinte factualidade:
(…) 14) A arguida, nas pessoas dos seus legais representantes, ao ter mantido o painel publicitário colocado no local, em ocupação do espaço público, apesar de saber que já não detinha licença para o efeito e ao não ter procedido à sua remoção, mesmo depois da notificação em sede de medidas de tutela da legalidade, agiu ciente da ilicitude da sua conduta, bem sabendo que incorria na prática dos ilícito contraordenacionais;
(…) 20) A arguida, nas pessoas dos seus legais representantes, ao ter mantido o painel publicitário colocado no local, em ocupação do espaço público, apesar de saber que já não detinha licença para o efeito e ao não ter procedido à sua remoção, mesmo depois da notificação em sede de medidas de tutela da legalidade, agiu ciente da ilicitude da sua conduta, bem sabendo que incorria na prática dos ilícito contraordenacionais;
(…) 62) A arguida, nas pessoas dos seus legais representantes, ao ter mantido o painel publicitário colocado no local, em ocupação do espaço público, apesar de saber que já não detinha licença para o efeito e ao não ter procedido à sua remoção, mesmo depois da notificação em sede de medidas de tutela da legalidade, agiu ciente da ilicitude da sua conduta, bem sabendo que incorria na prática dos ilícito contraordenacionais.
(…) 68) A arguida, nas pessoas dos seus legais representantes, ao ter mantido o painel publicitário colocado no local, em ocupação do espaço público, apesar de saber que já não detinha licença para o efeito e ao não ter procedido à sua remoção, mesmo depois da notificação em sede de medidas de tutela da legalidade, agiu ciente da ilicitude da sua conduta, bem sabendo que incorria na prática dos ilícito contraordenacionais.
(…)
Factos não provados
(…) 2) Que a arguida só tinha tido conhecimento de que as suas licenças já não se encontravam válidas com a notificação dos processos de contraordenação.”
*
III - Fundamentação de direito:
(…)
Pelas infracções com os n.° 1, 3, 4, 6, 11 e 12 da decisão administrativa, a recorrente foi condenada nas coimas parcelares, respectivamente, de € 500,00, € 1.200,00, € 1.200,00, € 1.200,00, € 1.200,00 e € 1.200,00, numa moldura, que é partilhada em relação a todas as infracções, que vai dos € 1.000,00 aos € 10.000,00.
(…) O facto de a recorrente não ter painéis na cidade do Porto, apesar de não ser irrelevante, não impede que se considere a existência de necessidades de prevenção (especiais, positivas e negativas), uma vez que a recorrente mantém-se a laborar, havendo, por isso, que avaliar o risco de repetição de tais condutas ilícitas, inclusivamente, e não exclusivamente, no território do concelho do Porto.
*
A recorrente pugna pela aplicação de uma admoestação, considerando que a gravidade das infracções tal justifica.
No entanto, e em nosso entender, este tipo de sanção não deve ser aplicada no caso concreto.
Isto porque não cremos que a gravidade da infração e da culpa seja reduzida (artigo 51.°, n.° 1, do RGCO), uma vez que estamos perante vários elementos colocados no espaço público, sem que estivessem devidamente licenciados.
De facto, a recorrente ocupou o espaço público em seis locais diferentes.
*
(…)
A recorrente suscita a questão da atenuação especial da coima.
Desde já diremos que seguimos o entendimento de que a coima pode ser especialmente atenuada, por aplicação do artigo 72.°, n.° 1, do Código Penal, por remissão do artigo 32.° do RGCO, mesmo quando não estamos perante uma das hipóteses previstas nos artigos 9.°, n.° 2, 13.°, n.° 2 e 18.°, n.° 3, deste mesmo diploma.
(…) Assim sendo, há que considerar, no caso concreto, que a recorrente não contava com antecedentes criminais aquando da prática das contraordenações em causa, que quando foi notificada da prática das infracções encetou esforços com vista a repor a legalidade, tendo conseguido retirar vários painéis (cfr. factos provados n.° 7 e 97), sendo que não pode ficar prejudicada por não ter retirado os restantes por causa do prazo muito curto concedido pela autoridade administrativa. Certo é que a recorrente diligenciou imediatamente pela retirada dos painéis, pelo que é possível concluir que acabaria por retirar todos aqueles elementos, caso tivesse sido concedido um período de tempo adequado para o fazer (após o prazo de cinco dias úteis, gradualmente, a Câmara Municipal do Porto procedeu à remoção daqueles, pelos seus próprios meios).
Assim sendo, cremos ser adequada a atenuação especial da coima, nos termos previstos no artigo 18.°, n.° 3, do Regime Geral das Contra-ordenações.
Pelo exposto, dentro da moldura aplicável a cada uma das contra-ordenações acima mencionadas (infracções n.° 1, 3, 4, 6, 11, 12) o mínimo reduz para o valor de € 500,00 e o máximo para o valor de € 5.000,00.
Considerando o grau de ilicitude das condutas da recorrente, que é o normal neste tipo de ilícito, não atingindo patamar diferenciado, que a mesma agiu com dolo, que não tinha (e não tem) antecedentes criminais, que apresenta uma situação económica positiva, apesar da quebra na facturação ocorrida no na de 2022 (factos provados n.° 76, 77, 80 e 81), que já não tem painéis na cidade do Porto (o que acaba por reduzir o risco da prática de novos ilícitos contraordenacionais), e considerando, conforme já se mencionou, que a recorrente não pode ser prejudicada por não ter tido tempo suficiente para retirar os restantes painéis, para além do instalado no local referido em 1) dos factos, provados, considera-se que a recorrente deve ser condenada na coima de € 700,00 por cada uma das seis infracções que praticou.
Assim sendo, cremos ser adequada a atenuação especial da coima, nos termos previstos no artigo 18.°, n.° 3, do Regime Geral das Contra-ordenações.
Pelo exposto, dentro da moldura aplicável a cada uma das contra-ordenações acima mencionadas (infracções n.° 1, 3, 4, 6, 11, 12) o mínimo reduz para o valor de € 500,00 e o máximo para o valor de € 5.000,00.
Considerando o grau de ilicitude das condutas da recorrente, que é o normal neste tipo de ilícito, não atingindo patamar diferenciado, que a mesma agiu com dolo, que não tinha (e não tem) antecedentes criminais, que apresenta uma situação económica positiva, apesar da quebra na facturação ocorrida no na de 2022 (factos provados n.° 76, 77, 80 e 81), que já não tem painéis na cidade do Porto (o que acaba por reduzir o risco da prática de novos ilícitos contraordenacionais), e considerando, conforme já se mencionou, que a recorrente não pode ser prejudicada por não ter tido tempo suficiente para retirar os restantes painéis, para além do instalado no local referido em 1) dos factos, provados, considera-se que a recorrente deve ser condenada na coima de € 700,00 por cada uma das seis infracções que praticou.
Procedendo agora ao cúmulo jurídico destas 6 coimas, nos termos do artigo 19.° do RGCO e em linha com o que já se mencionou, entre o mínimo de € 700,00 e o máximo de € 4.200,00, consideramos adequada fixar a coima única em € 2.200,00.”
***


II.4- Apreciação do recurso

II.4.1. Da nulidade da sentença

II.4.1.2. Da nulidade prevista no artigo 379º, al. b) do CPP
§1. A recorrente entende que a sentença recorrida padece de nulidade por ter alterado os factos 14, 20, 62 e 68 da decisão administrativa ao eliminar a expressão “já” dos factos provados sob os pontos 13, 18, 48 e 53, o que contraria o teor da decisão administrativa, não devendo por isso ter sido dado como não provado o ponto 7.
Invoca como norma violada o artigo 379º, n.º 1, al. b) do CPP.
Adiantamos, desde já, que não assiste razão à recorrente.
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§1. À sentença que põe termo ao processo contraordenacional é aplicável o disposto no artigo 379º do CPP – que regula as nulidades da sentença – em face do preceituado nos artigos 41º, n.º 1 e 64º, n.ºs 4 e 5, ambos do RGCO (neste sentido, veja-se Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Regime Geral das Contraordenações, 2022, pág. 359).
De acordo com o disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, é nula a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º.
Segundo estes últimos preceitos, caso ocorra alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, das duas uma: se a alteração for não substancial, o tribunal comunica-a ao arguido e concede-lhe um prazo para deles se defender; se a alteração for substancial, não podem (os novos factos) serem tidos em conta, mas, sendo autonomizáveis, a sua comunicação ao Ministério Público vale como denúncia.
Não constitui alteração não substancial dos factos toda e qualquer alteração ou desvio da sentença em relação ao texto da acusação ou pronúncia. A modificação dos factos constantes destas peças processuais só integra o referido conceito normativo quando tiver relevo para a decisão da causa e implique uma limitação dos direitos de defesa do arguido, vista em função do condicionamento da estratégia e utilidade da defesa.
Quanto à condenação por factos diversos dos imputados ao arguido pela autoridade administrativa, conforme assinala o acórdão do TRP de 24.02.2021, relatado por Jorge Langweg (acessível em www.dgsi.pt), “a doutrina e a jurisprudência não são unívocas quanto à aplicação do regime do processo penal respeitante à alteração dos factos da acusação, havendo quem sustente que a especificidade do processo contraordenacional não permite aplicar, diretamente e em toda a sua extensão, o disposto nos artigos (…) 358.º do Código de Processo Penal. Porém, são consensuais ao entender que não pode haver condenação (decisão judicial) por factos diversos do que a arguida havia sido acusada (decisão administrativa), sem que à mesma tenha sido dada a oportunidade de sobre eles se pronunciar.”
Na senda do que defende Paulo Pinto de Albuquerque (in ob. cit. pág. 335) “o regime da alteração dos factos na audiência de julgamento no processo contraordenacional rege-se por critérios distintos dos previstos nos artigos 358º e 359º do CPP, uma vez que o Tribunal procede a uma renovação da instância baseada na remessa dos autos e não a uma mera reforma da decisão administrativa recorrida, devendo por isso ter em conta toda a prova já produzida nos autos e a que vier a ser produzida na audiência de julgamento, bem como todos os factos que dela resultem, mesmo que não tenham sido incluídos na decisão administrativa recorrida ou não tenham sido invocados pela defesa diante da autoridade administrativa”, autor este que, no entanto, assinala a falta de consenso jurisprudencial em tal matéria e ressalva que a alteração dos factos dificilmente poderá funcionar em sentido desfavorável ao arguido atenta a proibição da reformatio in pejus e a falta de competência contraordenacional primária do Ministério Público para conhecer de novas contraordenações (in ob. cit., pág. 336).
Neste sentido, entre outros, os acórdãos do TRP de 03.04.2002, relatado por Coelho Vieira, disponível in Colectânea de Jurisprudência, 2002, tomo II, pág. 233, do TRG de 18.12.2002, relatado por Heitor Gonçalves, disponível em Colectânea de Jurisprudência, 2002, tomo V, pág. 292 e do TRC de TRC 02.06.2011, relatado por José Eusébio Almeida e de 06.05.2015, relatado por Maria José Nogueira, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
A propósito desta questão o citado acórdão do TRC de 06.05.2015 refere que “Temos, assim, que nos domínios sancionatórios onde não vigore a sobredita proibição da reformatio in pejus e quando a alteração substancial não traduza a imputação de uma contraordenação inovadora e distinta – nomeadamente através da introdução de factos autonomizáveis – não se divisará qualquer óbice a tal atuação por parte do Tribunal.”
Neste aresto afirmou-se ainda que “Não nos parece, no entanto e com o devido respeito, que aqueles que pugnam por orientação distinta atentem à autonomia e às especificidades do processo contraordenacional. Na verdade, contrariamente ao que sucede com o direito adjetivo criminal, temos que a decisão administrativa se assume, invariavelmente, como “provisória” – pois que a sua subsistência fica condicionada à existência de impugnação judicial – e que o recurso envolve “a transferência da questão do domínio da administração para o juiz.“
Neste conspecto, não merecendo unanimidade quer na doutrina quer na jurisprudência a posição que perfilha que o regime de alteração do objecto do processo no âmbito do processo das contraordenações não está integralmente sujeito à disciplina dos artigos 358º e 359º do CPP dada a sua especificidade, há inequivocamente consenso de que não pode haver condenação (decisão judicial) por factos diversos do que a arguida havia sido acusada (decisão administrativa), sem que à mesma tenha sido dada a oportunidade de sobre eles se pronunciar por força do princípio constitucional do direito de defesa em processo contraordenacional consagrado no artigo 32.º n.º 10 da Constituição da República Portuguesa.
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§4. Revertendo ao caso concreto, o tribunal a quo deu como provados os pontos 13, 18, 48 e 53 com a seguinte redacção:
“A arguida, nas pessoas dos seus legais representantes, ao ter mantido o painel publicitário colocado no local, em ocupação do espaço público, apesar de saber que não detinha licença para o efeito, agiu ciente da ilicitude da sua conduta, bem sabendo que incorria na prática de ilícito contraordenacional.”
Por seu turno, a decisão administrativa, a este respeito, descreveu os factos 14, 20, 62 e 68 do seguinte modo:
“A arguida, nas pessoas dos seus legais representantes, ao ter mantido o painel publicitário colocado no local, em ocupação do espaço público, apesar de saber que já não detinha licença para o efeito e ao não ter procedido à sua remoção, mesmo depois da notificação em sede de medidas de tutela da legalidade, agiu ciente da ilicitude da sua conduta, bem sabendo que incorria na prática dos ilícito contraordenacionais;”.
Ora, salvo o devido respeito por outra opinião, parece-nos que a factualidade dada como provada na sentença recorrida acima transcrita não representa qualquer alteração factual, substancial ou não, dos factos acima descritos na decisão administrativa.
Em primeiro lugar, claramente não estamos perante uma situação de alteração substancial dos factos, pela simples razão de que a eliminação da expressão “já” nos factos provados da sentença recorrida não ter como efeito a imputação à recorrente de ilícitos contraordenacionais diversos, permanecendo a mesma moldura penal abstracta.
Em segundo lugar, também não se verifica qualquer alteração não substancial dos factos na medida em que os factos provados na sentença recorrida aqui em causa não desvirtuam a realidade fáctica descrita na decisão administrativa.
Na verdade, a factualidade subjectiva descrita na sentença recorrida que importa atentar para o preenchimento dos respectivos ilícitos contraordenacionais – à data da prática das infracções a recorrente sabia que não detinha licença para manter painel publicitário colocado em espaço público, agindo ciente da ilicitude da sua conduta, bem sabendo que incorria na prática de ilícito contraordenacional – mantém-se nos precisos termos da decisão administrativa.
Dito de outro modo, os factos provados descritos nos pontos 13, 18, 48 e 53 não modificam o quadro factual descrito na decisão administrativa em outro manifestamente diferente quanto ao comportamento ilícito imputado à recorrente (ou seja, a recorrente não deter licenças dos espaços publicitários à data das respectivas acções de fiscalização), nem tem a virtualidade de causar qualquer impacto negativo na estratégia de defesa do arguido.
Cumpre ainda referir que não tem qualquer relevância jurídica para a decisão da causa saber se a recorrente já tinha tido essas licenças em data anterior à data da prática dos factos.
A este propósito é elucidativo o excerto da sentença recorrida do segmento da “Fundamentação de direito” que passamos a transcrever (com sublinhado aposto):
“Cumpre ainda referir que, ao contrário do alegado pela recorrente [no sentido de que esta norma apenas tem como objectivo punir quem dolosamente coloca/ocupa o espaço público sem previamente solicitar as devidas licenças camarárias e não também quem as pediu e as viu posteriormente serem extintas], parece-nos claro que o artigo H/24°, n.° 1, alínea a), do Código Regulamentar do Município do Porto, prevê o comportamento adoptado pela recorrente.
Isto porque a previsão de tal artigo fala de «ocupação do espaço público sem título», algo que a recorrente nas situações acima descritas fez. Ou seja, não é feita qualquer diferenciação entre uma inexistência total de licença ou, pelo contrário, uma inexistência recente, por já terem existido licenças anteriores que, entretanto (após a atribuição primeira das licenças), foram julgadas extintas.
Daqui decorre que da eliminação da expressão “já” não se pode retirar qualquer consequência jurídica ao nível do preenchimento dos elementos constitutivos dos ilícitos contraordenacionais pelo quais a recorrente foi condenada.
Donde, independentemente da posição que se tome sobre o regime de alteração do objecto do processo no âmbito do processo das contraordenações, a verdade é que não houve condenação por parte do tribunal recorrido por factos diversos da decisão administrativa.
Improcede a nulidade invocada pela recorrente.
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II.4.1.2. Da nulidade prevista no artigo 379º, al. c) do CPP
§1. A recorrente sustenta que o tribunal a quo se pronunciou sobre questão sobre a qual não se podia pronunciar – se a recorrente possuía licença para a ocupação de espaço público em causa nos autos – por não estar contemplada na decisão administrativa.
Invoca como norma violada o artigo 379º, n.º 1, al. c) do CPP.
Não assiste razão à recorrente.
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§2. O artigo 379º do CPP preceitua (na parte que aqui interessa, com sublinhado aposto) que: “1. É nula a sentença:
a) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Esta sanção da nulidade, exclusivamente prevista para as sentenças (atento o princípio da legalidade em matéria de nulidades, ínsito no artigo 118º nºs 1 e 2 do CPP), visa garantir a completude ou exaustividade da decisão, de acordo com o qual, uma sentença deve conter, de forma esgotante, a apreciação dos factos e o respectivo enquadramento jurídico, mas sempre em estreita coerência com o que foi alegado pelos sujeitos processuais; com a prova produzida e com o direito aplicável, segundo as várias soluções jurídicas possíveis e segundo os seus poderes de cognição, resultantes das regras do processo ou dos temas pertinentes à decisão de mérito sobre o objecto do processo ou sobre a tramitação do mesmo, que tenham sido colocadas à apreciação do tribunal, pelos sujeitos processuais.
Trata-se de assegurar a coincidência significativa entre o que é pedido e o que é julgado.
De acordo com o preceituado no nº 2 do artigo 608º do Código Processo Civil, aplicável, ex vi do artigo 4º do CPP, o “juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
A expressão questões que devesse apreciar “deve ser entendida em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das exceções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da nulidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sob os aspetos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão” (Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Coimbra, Almedina, 1982, pág. 142).
“O juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 660º/2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado» (Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pág. 704).
E também “não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito ( art. 511º/1 ), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 664º) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra, Coimbra Editora reimp, 1984, pág. 143).
É, pois, neste sentido, que deve ser interpretada a palavra “questões” incluída na previsão do artigo 379º nº 1, al. c) do CPP, sentido este, que não se confunde com os simples argumentos, teses doutrinárias ou jurisprudenciais, razões, ou opiniões invocados pelos sujeitos processuais para sustentar a sua pretensão, reconduzindo-se antes a problemas concretos com incidência e influência directa no desfecho do processo, esteja em causa uma decisão de mérito sobre o seu objecto, ou apenas a aplicação de normas de direito adjectivo que obstem ao conhecimento do fundo da causa.
Para efeitos da nulidade prevista na al. c) do nº 1 do artigo 379º do CPP, o conhecimento proibido é o que resulte de decisão não compreendida pelo objecto do processo. Assim, há excesso de pronúncia, quando o tribunal decide uma questão que não havia sido chamado a resolver e que não é de conhecimento oficioso.
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§3. Transpondo estas breves considerações para o caso em concreto, o recorrente enfoca o excesso de pronúncia na alteração dos factos 14, 20, 62 e 68 da decisão administrativa.
Importa desde logo esclarecer que factos não são questões e só as questões, com o significado e alcance acima exposto, é que estão no âmbito da previsão contida no artigo 379º nº 1, al. c) do CPP.
Mas sempre se dirá que o tribunal a quo não extravasou o objecto do processo contraordenacional, uma vez que, atentas as questões suscitadas pela recorrente na impugnação judicial que apresentou, o mesmo teria necessariamente que se debruçar sobre se todas as infracções respeitavam a licenças que a recorrente detinha e que foram objecto da decisão de extinção por parte da Câmara Municipal do Porto, se essa decisão de extinção englobou todos os locais onde a recorrente tinha colocado painéis publicitários em espaço público, se as licenças foram extintas pela entidade administrativa e em que circunstâncias, se a recorrente apresentou reclamação em relação a todos os locais onde tinha colocado os painéis publicitários em espaço público, se a recorrente apresentou recurso hierárquico dessas extinções e se a recorrente desconhecia o carácter ilícito da sua conduta, decorrente na inexistência de licenças que lhe permitissem a ocupação do espaço público nos termos em que fez.
Neste conspecto, ao contrário do que entende a recorrente, o tribunal a quo não podia deixar de apreciar se a recorrente possuía licença para a ocupação dos espaços públicos em causa nos autos.
Improcede a nulidade invocada pela recorrente.
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II.4.2. Dos vícios decisórios – artigo 410º, n.º 2 do C.P.P.

§1. A recorrente invoca expressamente nas suas conclusões os seguintes vícios decisórios: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e o erro notório na apreciação da prova.
Assenta a sua pretensão recursiva no artigo 410º, n.º 2, als. a) e c) do CPP.
A recorrente não tem qualquer razão.
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§2. Nos termos do artigo 410º, n.º 2 do C.P.P. o recurso interposto sobre a matéria de facto de uma sentença proferida em processo crime pode ter um de três fundamentos: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e c) o erro notório na apreciação da prova.
Em qualquer um dos apontados fundamentos, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a quaisquer elementos estranhos à peça decisória para o fundamentar, como por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos (como documentos juntos ou depoimentos colhidos ao longo do processo), mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10ª ed., pág. 279; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., pág. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed., págs. 77 e ss.), tratando-se assim de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser autossuficiente.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova: “com efeito, aqui, e num momento logicamente anterior, é a prova produzida que é insuficiente para suportar a decisão de facto; ali, no vício, é a decisão de facto que é insuficiente para suportar a decisão de direito” (cfr. acórdão do TRC de 10.12.2014, relatado por Vasques Osório, acessível em www.dgsi.pt). Ou, como se consigna no acórdão do STJ de 06.10.2011, relatado por Souto de Moura “A insuficiência da matéria de facto para a decisão (art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP), implica a falta de factos provados que autorizam a ilação jurídica tirada; é uma lacuna de factos que se revela internamente, só a expensas da própria sentença, sempre no cotejo com a decisão, mas não se confunde com a eventual falta de provas para que se pudessem dar por provados os factos que se consideraram provados”.
Assim, para que se verifique o vício da alínea a) do nº 2, do art. 410º do CPP, “é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada» (cfr. Prof. Germano Marques da Silva in “Curso de Processo Penal”, vol. III, p. 339/340), vício que tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência, e “só existe quando o tribunal de recurso se vê perante a impossibilidade da própria decisão, ou decisão justa, por insuficiência da matéria de facto provada”. Tal vício só se concretizará quando os factos recolhidos pela investigação do tribunal ficam aquém do necessário para concluir pela decisão jurídica adoptada nos termos em que o é.
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados, entre os meios de prova invocados na fundamentação de facto, ou entre a fundamentação e a decisão. Tal ocorre maxime quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o erro notório na apreciação da prova verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, “Recursos em processo penal”, 5.ª edição, pág. 61 e seguintes). Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª Ed., pág. 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, “Recursos em Processo Penal”, 6ª Ed., pág. 74).
Esta interpretação, para além acolhida por todos os Tribunais da Relação, é também sufragada pelo Supremo Tribunal de Justiça, podendo referenciar-se neste sentido, e entre muitos outros, o recente acórdão do STJ de 09.03.2023, relatado por Helena Moniz (acessível em www.dgsi.pt) “O erro notório na apreciação da prova é um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão, nomeadamente, através da leitura da matéria de facto e da fundamentação da matéria de facto, mas nem sempre detetável por um simples homem médio sem conhecimentos jurídicos. Na verdade, o erro pode não ser evidente aos olhos do leitor médio e, todavia, constituir um erro evidente para um jurista de modo que a manutenção da decisão com base naquele erro constitui uma decisão que fere o elementar sentido de justiça”.
Não obstante, e como adverte o acórdão do STJ de 23.09.2010, relatado por Souto de Moura (acessível em www.dgsi.pt) “O vício da al. c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP – erro notório na apreciação da prova (…) tem também que ser um erro patente, evidente, perceptível por um qualquer cidadão médio. E não configura um erro claro e patente um entendimento que possa traduzir-se numa leitura que se mostre possível, aceitável, ou razoável da prova produzida”.
Ou seja, não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Sendo de conhecimento oficioso (cfr. acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95), percorrida a sentença recorrida não detectamos o vício categorizado no artigo 410º, n.º 2, al. c) do CPP, ou seja, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
Passemos agora a analisar os vícios decisórios expressamente invocados pela recorrente
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§3. Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
A pretensão recursiva deverá ser enquadrada em dois segmentos:
1º O Tribunal a quo fundamenta a condenação da recorrente em prova insuficiente para alcançar a decisão dos presentes autos.
2º A sentença recorrida não identifica nos pontos 13, 18, 48 e 53 “os legais representantes” da recorrente não permitindo apreender por quem foram perpetradas as condutas ilícitas como é imposto pelo artigo 7º do RGCO.
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No que concerne ao primeiro segmento da questão ora enunciada, não se pode invocar a insuficiência da matéria de facto para uma decisão de facto diferente da que foi proferida, uma vez que aquela insuficiência tem de ser apreciada em função da solução adoptada para o caso na decisão recorrida. Isto é, a insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida. Esta é uma questão que respeita ao recurso da matéria de facto, sendo que é com este enquadramento que o recorrente aponta este vício a sentença recorrida, pois entende que a insuficiência da prova produzida não permite a decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância.
Improcede, neste segmento, o recurso.
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Quanto ao segundo segmento da questão supra enunciada, dispõe o artigo 7º, n.º 2 do RGCO que “as pessoas colectivas ou equiparadas serão responsáveis pelas contraordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções.”
A questão suscitada pela recorrente prende-se com a interpretação do segmento da norma “praticadas pelos seus órgãos no exercício de funções”.
Como refere o acórdão do TRL de 12.01.2023, relatado por Madalena Caldeira (acessível em www.dgsi.pt) “é sabido que no regime contraordenacional vários são os modelos de imputação de responsabilidade às pessoas coletivas, a saber: o modelo de imputação orgânica, em que o ato ilícito tem de ser decidido e/ou praticado pelos órgãos da pessoa coletiva; o modelo de imputação representativa, em que o ato ilícito tem de ser decidido e/ou praticado por órgão da pessoa coletiva ou por representantes/mandatários dessa mesma pessoa; e o modelo de imputação funcional, em que o ato ilícito tem de ser decidido e/ou praticado por órgão da pessoa coletiva ou por representantes/mandatários ou ainda por funcionários, agindo sempre em nome ou por conta da pessoa coletiva, desde que não se demonstre que o agente atuou contra ordens ou instruções da pessoa coletiva ou que atuou no seu próprio interesse.
A letra da lei, concretamente do artigo 7.º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações, inculca que o legislador terá pretendido consagrar o modelo de imputação orgânica, a que não será alheio o facto de o referido RGCO ter sido criado em 1982”
Neste aresto podemos ainda ler que “As dificuldades práticas deste regime de imputação orgânica e o facto de geraram significativas lacunas de impunibilidade contraordenacional estão na origem de uma corrente jurisprudencial (aliás hoje maioritária) e doutrinal, na esteira do parecer do ConcC da PGR n.º 11/2013, que advoga uma interpretação extensiva (apelidada por outros de atualista) do segmento normativo “praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções”, de modo a incluir, para além dos órgãos, também os representantes - administradores, gerentes, mandatários, outros representantes - e ainda os trabalhadores, desde que atuem em nome da pessoa coletiva, interpretação extensiva que consagra o modelo mais amplo de imputação funcional.” (Neste sentido, veja-se, o acórdão do TRG, datado de 27.01.2020, relatado por Jorge Bispo, acessível em www.dgsi.pt).
Recentemente, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 566/2018, de 07.11.2018 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt) concluiu que inexistem razões para questionar e desconsiderar a referida interpretação extensiva do art.º 7º, n.º 2, do RGCO. Como se pode ler no seguinte excerto desse aresto:
“Acresce que o termo “órgão”, do ponto de vista conceptual, não está necessariamente associado a um centro autónomo e institucionalizado de poderes funcionais – a uma realidade institucional ou estatutária (sobre as diferentes conceções a respeito da natureza de órgãos, v., por exemplo, FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2015, pp. 624 e ss.). Por isso mesmo, são descortináveis diversas definições legais de “órgão”, consoante os fins concretamente visados pelo diploma em que as mesmas se inserem (v., a título meramente exemplificativo: o artigo 20.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo – “centros institucionalizados de poderes e deveres para efeitos da prática de atos jurídicos imputáveis à pessoa coletiva” –; e o artigo 1.º, alínea c), do Código de Processo Penal – “entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer atos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados por este Código”).
Na perspetiva material da atividade dos entes coletivos (por contraposição à perspetiva da sua estrutura organizatória) – que é aquela que releva a propósito da imputação de condutas individuais a uma pessoa coletiva –, pode entender-se o órgão como o indivíduo cuja atuação é imputada ao ente coletivo. Estando em causa uma conduta correspondente a uma declaração de vontade, é evidente que as regras estatutárias sobre os processos deliberativos internos tendem a assumir maior relevância (cfr. a mencionada definição legal constante do artigo 20.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo). Mas, tratando-se de simples atuações materiais, nada obsta a que a imputação se fundamente com base numa atuação em nome do ente coletivo e no seu interesse (representante) ou na circunstância de o mesmo indivíduo dispor no âmbito de tal ente de autoridade ou de uma posição de liderança para controlar a respetiva atividade.
Nessa medida, faltando uma definição legal própria aplicável no domínio específico do RGCO, e abstraindo de argumentos teleológicos e outros argumentos sistemáticos (por exemplo, uma maior adequação ao princípio da equiparação consignado no artigo 7.º, n.º 1, do RGCO), não se pode ter por absolutamente incompatível com o sentido literal do termo “órgão” referido no artigo 7.º, n.º 2, do RGCO um entendimento extensivo do mesmo, na linha da previsão das alíneas a) e b) do n.º 2 e do n.º 4 do artigo 11.º do Código Penal. De resto, o artigo 32.º do RGCO reforça tal entendimento: “[e]m tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contraordenações, as normas do Código Penal” (e não, por exemplo, as do Código do Procedimento Administrativo; itálico aditado).”
Consideramos, pois, que “a imputação da infração à pessoa coletiva é direta e autónoma, não estando dependente de uma qualquer conexão com uma pessoa física, mas apenas da vontade da pessoa coletiva, que se manifesta através da vontade dos seus órgãos e representantes, e não das pessoas físicas que os compõem, não supondo, por isso, a individualização da pessoa ou das pessoas físicas que representam os órgãos. O que releva é a identificação funcional e não a identificação pessoal ou biográfica da pessoa” (cfr. citado acórdão do TRL de 12.01.2023; no mesmo sentido o acórdão do TRC de 13.10.2021, relatado por Maria José Nogueira e o acórdão TRL de 12.01.2021, relatado por Vieira Lamim, ambos acessíveis em www.dgsi.pt e, ainda, Paulo Pinto de Albuquerque em “Comentário do Regime Geral das Contraordenações”, 2ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, pág. 58).
No caso em apreço, imputa-se a prática de seis contraordenações (as infracções descritas nos pontos 9-13, 14-18, 44-48 e 49-53 dos factos provados expressamente invocadas pela recorrente e, ainda, as infracções descritas nos pontos 1-8 e 23-27 dos factos provados) em que a recorrente foi condenada (ocupação da via pública - no caso com painéis publicitários - sem licença camarária) a decisão dos seus representantes legais (ou seja, os seus gerentes), actuando em representação da recorrente (que é uma sociedade por quotas).
Assim sendo, na matéria de facto assente é identificado funcionalmente o representante da pessoa colectiva que, actuando em nome desta, determinou a vontade da recorrente, daí derivando a imputação da responsabilidade da prática das seis contraordenações à recorrente.
Improcede, neste segmento, o recurso.
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b) Erro notório na apreciação da prova
A recorrente invoca que na fundamentação de facto o tribunal a quo extraiu conclusões ilógicas e violadoras das regras de experiência comum.
Acrescenta que a valoração que o tribunal recorrido fez da prova produzida contraria inequivocamente as regras de experiência comum, insurgindo-se contra os factos provados sob os pontos 13, 18, 48 e 53.
Para fundamentar a sua divergência socorre-se dos seguintes elementos externos à decisão recorrida:
- o teor da decisão administrativa;
- o requerimento da impugnação judicial apresentado pelo recorrente;
- a decisão que incidiu sobre o recurso hierárquico apresentado pela recorrente junto da Câmara Municipal do Porto;
- o depoimento da testemunha AA prestado junto da entidade administrativa.
Conforme acima explanado, os vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, nomeadamente, o erro notório na apreciação da prova ora em análise, não podem ser confundidos com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova, princípio inscrito no artigo 127.º do CPP.
Para avaliar se a convicção formada pelo tribunal padece do aludido vício há que apreciar, por um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção) e, por outro, a natureza das provas produzidas e os processos intelectuais que o conduziram a determinadas conclusões.
O vício ora em análise não se confunde com o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida.
Por conseguinte, este tribunal não pode perscrutar os elementos externos elencados pela recorrente para analisar o invocado vício de erro notório na apreciação da prova.
Assim, em conformidade com as considerações expendidas, teremos apenas que nos cingir ao texto da decisão recorrida, em conjugação com as regras da experiência comum.
Ora, no caso vertente, o texto da decisão é totalmente explícito e esclarecedor acerca dos motivos da convicção, tanto da consideração dos factos provados, como dos não provados.
Como se pode concluir da simples leitura do texto da motivação acima transcrito, o tribunal a quo analisou com detalhe, quer a prova documental, quer a testemunhal , indicando qual a razão de ciência das testemunhas, bem como que espécies de documentos se socorreu e o que é que os mesmos atestam, estabelecendo correlações entre os conteúdos dos diversos documentos e entre estes e os outros meios de prova, explicando com suficiente clareza qual foi o caminho traçado para formar a sua convicção, designadamente para chegar à conclusão que a arguida, nas pessoas dos seus legais representantes, sabia que não detinha licença para manter o painel publicitário nos locais em causa nos autos (cfr. pontos 13, 18, 48 e 53 dos factos provados referenciados pela recorrente).
E, do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, não resulta evidente uma conclusão sobre o significado da prova contrária àquela a que esse tribunal chegou a respeito da prova desse facto.
Nos termos expostos, considerando apenas o texto da sentença recorrida sobre a motivação da matéria de facto e a convicção aí expressa, desse não ressalta a evidência de que ocorra o invocado vício de erro notório na apreciação da prova.
Improcede também, nesta parte, o recurso.
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II.4.3. Da violação do princípio in dubio pro reo

§1. O princípio in dubio pro reo, emanação da injunção constitucional da presunção de inocência do arguido, na vertente de prova (artigo 32º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), constitui, pois, um limite do princípio da livre apreciação da prova na medida em que impõe nos casos de dúvida fundada sobre os factos que o Tribunal decida a favor do arguido.
Com efeito, o princípio in dubio pro reo configura-se, basicamente, como uma regra da decisão: produzida a prova e efectuada a sua valoração, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos -, ou seja, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida razoável e irresolúvel sobre a verificação, ou não, de determinado facto, o juiz deve decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
Enquanto expressão, ao nível da apreciação da prova, do princípio político-jurídico da presunção de inocência, traduz-se na imposição de que um non liquet, na questão da prova, tem que ser sempre valorado a favor do arguido. “No que se traduz que apenas pode haver condenação se se tiver alcandorado a verdade com um grau de certeza, para além de qualquer dúvida razoável, que, naturalmente, fica aquém da noção de qualquer sombra de dúvida” (neste sentido, o acórdão do TRP de 28.10.2015, relatado por Ernesto Nascimento, acessível in www.dgsi.pt). Como igualmente se refere no referido acórdão do TRP, a verificação deste vício “pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador. A simples existência de versões díspares e até contraditórias sobre os factos relevantes não implica que se aplique, sem mais, o princípio in dubio pro reo”.
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§2. Entende a recorrente que da prova produzida o tribunal a quo deveria ter formado a convicção de que não existia o conhecimento da ocupação da via pública sem licença válida por parte da recorrente, o que, não o tendo feito, consubstancia uma violação do princípio in dubio pro reo.
Acrescenta ainda que sempre que o julgador tenha dúvidas quanto à responsabilidade criminal do agente, deverá decidir no sentido mais favorável àquele, aplicando o princípio in dubio pro reo, que deve ser aplicado sem qualquer restrição, não só nos elementos fundamentadores da incriminação, mas também na prova de quaisquer factos cuja fixação prévia seja condição indispensável de uma decisão susceptível de desfavorecer, objectivamente, o arguido.
Analisada a sentença recorrida não decorre que o tribunal a quo tenha ficado numa situação de dúvida a respeito do factualismo integrador das contraordenações que deu por configurado e que, apesar disso, se decidisse por entendimento desfavorável à recorrente ao arrepio do sentimento de dúvida reconhecidamente inafastável.
Assim, a sentença recorrida não evidencia qualquer possibilidade de que a prova legitimamente conduzisse o julgador a uma dúvida razoável e insuperável quanto à verificação da factualidade dada como provada.
Não estamos, pois, na presença de uma situação em que, lendo-se a decisão recorrida, se detecta que houve violação do princípio in dubio pro reo.
Improcede igualmente, nesta parte, o recurso.
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II.4.4. Da aplicação de uma admoestação

§1. A recorrente pugna pela aplicação de uma admoestação.
Em abono da sua pretensão recursiva, argumenta sucintamente que: as contraordenações pelas quais foi condenada revestem-se de reduzida gravidade; a recorrente não colocou qualquer transeunte em perigo; desde Julho de 2022 que a recorrente não detém painéis publicitários na cidade do Porto; não se apuraram quaisquer consequências advenientes da prática das infracções, nem tão pouco qualquer prejuízo verificado; a culpa deve ser considerada diminuta; não ficou apurado qualquer benefício económico por parte da recorrente; a recorrente é primária.
Não tem qualquer razão o recorrente.
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§2. Dispõe o artigo 51.º, n.º 1, do RGCO que “Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação”.
Assim, os pressupostos cumulativos de que o citado artigo 51º faz depender a aplicação ao agente da pena de admoestação, são os seguintes:
i) a infracção consistir em contraordenação classificada como leve; e
(ii) a culpa do agente ser reduzida.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque (in ob. cit. pág. 271) “Trata-se de uma medida alternativa para os casos de pouca relevância do ilícito contraordenacional e da culpa do agente, isto é, para contraordenações leves ou simples, ou seja, merecedoras de uma advertência sem coima”.
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§3. No caso vertente, as contraordenações pelas quais a recorrente foi condenada (infracções indicadas na decisão administrativa com os n.ºs 1, 3, 4, 6, 11 e 12) não são qualificadas pelo Código Regulamentar do Município do Porto (cfr. artigo H/24, n.º 1, al. a) e n.º 2, 2.1. e 2.2.), pelo que, há que analisar, em concreto, a sua gravidade.
A este propósito, na decisão administrativa, no segmento “Determinação da medida da coima” pode ler-se o seguinte (com sublinhado aposto):
“Nos casos em análise, não nos parece ser reduzida a gravidade das infracções, porquanto as situações em causa, atentos os factos dados como assentes dos factos provados; Por outro lado, tão pouco a culpa é reduzida, porquanto a arguida agiu de forma dolosa em todos os casos.
Cremos, assim, não estarem preenchidos os requisitos de que depende a aplicação de mera admoestação (…)”.
Por seu turno, a este propósito, a sentença recorrida refere que (com sublinhado aposto) “(…) em nosso entender, este tipo de sanção não deve ser aplicada no caso concreto. Isto porque não cremos que a gravidade da infração e da culpa seja reduzida (artigo 51.°, n.° 1, do RGCO), uma vez que estamos perante vários elementos colocados no espaço público, sem que estivessem devidamente licenciados. De facto, a recorrente ocupou o espaço público em seis locais diferentes.”
Não poderemos deixar de concordar com a sentença recorrida, pois no caso concreto, apesar de a recorrente não contar com antecedentes criminais aquando da prática das contraordenações em causa, a verdade é que resultou provado que a mesma praticou os factos com dolo directo e, objectivamente, estamos perante seis contraordenações com alguma gravidade em face do bem jurídico tutelado, razões bastantes para afastar a possibilidade da aplicação da pena de admoestação prevista no citado artigo 51.º do RGCO, como era pretendido pela recorrente.
Improcede também, nesta parte, o recurso.
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II.4.5. Da violação da proibição da reformatio in pejus

§1. A recorrente sustenta que o tribunal a quo não podia ter agravado uma das coimas aplicadas ao recorrente (no caso, a infracção indicada na decisão administrativa com o n.º 1) por a sua situação económica ter piorado.
Assenta a sua pretensão recursiva no artigo 71º- A do RGCO.
Assiste, nesta parte, razão à recorrente.
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§2. No âmbito do direito contraordenacional o artigo 72º-A do RGCO, com a epígrafe “Proibição da Reformatio in Pejus” dispõe que:
1. Impugnada a decisão da autoridade administrativa ou interposto recurso da decisão judicial somente pelo arguido, ou no seu exclusivo interesse, não pode a sanção aplicada ser modificada em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes”.
2. O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de agravamento do montante da coima, se a situação económica e financeira do arguido tiver entretanto melhorado de forma sensível”.
A propósito da possibilidade do agravamento do montante da coima Paulo Pinto de Albuquerque (in ob. cit., pág. 356) escreveu que “depende da prova válida e sujeita a contraditório sobre a situação económica e financeira do arguido. (…) A situação económica e financeira inclui não apenas as alterações patrimoniais, mas também as alterações de meios pecuniários”.
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§3. Revertendo para o caso concreto, a sentença recorrida manteve a condenação da recorrente pela prática das contraordenações indicadas na decisão administrativa com os n.° 1, 3, 4, 6, 11 e 12, aumentando a coima aplicada quanto à infração n.º 1 e reduzindo as coimas aplicadas quanto às restantes infracções para o montante de € 700,00 (setecentos euros), por cada uma das seis infracções.
Dada a limitação da proibição da “reformatio in pejus”, uma vez que a coima da infracção n.º 1 foi fixada pela autoridade administrativa em montante inferior (€ 500,00), o seu agravamento por parte do tribunal a quo só seria possível se a situação económica e financeira da recorrente tivesse entretanto melhorado significativamente.
O que não aconteceu.
Na verdade, dos factos provados sob os pontos 76, 77. 80 e 81 acima transcritos constatamos que a situação económica da recorrente entretanto em vez de ter melhorado piorou.
Assim, consideramos, como a recorrente, que a fixação da coima da infracção n.º 1 no montante de € 700,00 viola o citado artigo 72-A do RGCO.
Como tal, há que alterar para o montante fixado na decisão administrativa, ou seja, para € 500,00.
Tendo a recorrente sido condenada pela prática de seis contraordenações impõe-se, agora, determinar se a coima conjunta fixada pelo tribunal a quo deve ser alterada.
Estabelece o artigo 19º do RGCO (ex vi artigo 41º do D.L. 35/2019, de 11.03) que o concurso de contraordenações é punido com uma coima única, que tem como limite máximo a soma das coimas concretamente aplicadas (com o limite do dobro do limite máximo abstracto mais elevado das contra-ordenações em concurso) e como limite mínimo a mais elevada das coimas parcelares.
No caso dos autos, a moldura da coima conjunta passou a ter como limite mínimo € 500,00 (em vez de € 700,00) e máximo de € 4.000,00 (em vez de € 4.200.00).
A coima única deve ser fixada em função da apreciação conjunta dos factos acima elencados e da responsabilidade social do agente, pelo que, atentos os limites da moldura penal acima referidos e o conjunto dos factores ponderados pelo tribunal a quo na determinação da medida concreta das coimas explicitados na decisão recorrida nos termos acima transcritos e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, considera-se adequado manter a coima única de € 2.200,00 (mil e duzentos euros).

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III- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento parcial ao recurso interposto pela arguida A..., Lda. e, em consequência:

1. Alterar a coima parcelar aplicada à recorrente pela prática da contraordenação indicada na decisão administrativa com o n.º 1, p. e p. pelos artigos D-1/7.º, H/24, n.º 1, alínea a), n.º 2, 2.1. e 2.2., conjugado com o artigo H/5.º, n.º 2, todos do Código Regulamentar do Município do Porto, republicado no republicado no DR n.° 167, II Série, de 30.08.2013 para o montante de €500,00 (quinhentos euros);

2. Confirmar no mais a sentença recorrida.
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Sem custas.









Porto, 19.06.2024

Maria do Rosário Martins (Relatora)
Raul Esteves (1º Adjunto)
Paulo Costa (2º Adjunto)