Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4075/16.2T8MTS-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: CADUCIDADE DO DIREITO À RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CONHECIMENTO DAS EXCEPÇÕES NO SANEADOR SENTENÇA
Nº do Documento: RP201801114075/16.2T8MTS-C.P1
Data do Acordão: 01/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º118, FLS.155-164)
Área Temática: .
Sumário: I - A caducidade do direito à resolução do contrato de arrendamento prevista no artigo 1048.º do Código Civil é distinta da caducidade prevista no artigo 1085.º do mesmo diploma; aquela está associada ao pagamento da indemnização pelo inquilino, esta é consequência da inércia do senhorio na instauração da acção durante determinado tempo após a verificação do fundamento da resolução.
II - É controversa a questão jurídica de saber se o novel fundamento de resolução do contrato previsto no n.º 4 do artigo 1083.º, da mesma forma que exclui a aplicação do disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 1084.º, afasta a aplicação do disposto no artigo 1048.º, do Código Civil.
III - As excepções para as quais haja várias soluções plausíveis de direito só devem ser julgadas no despacho saneador se já estiverem assentes os factos necessários para delas conhecer na perspectiva de todas as soluções plausíveis.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO DE APELAÇÃO
PROCESSO N.º 4075/16.2T8MTS-C.P1 [COMARCA DO PORTO / JUÍZO LOCAL DE MATOSINHOS]

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
B…, contribuinte fiscal n.º ………, residente em …, instaurou acção declarativa contra C…, contribuinte fiscal n.º ………, residente em …, terminando a petição inicial com a dedução dos seguintes pedidos: a) ser decretada a cessação, por resolução, do contrato de arrendamento relativo ao imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial nos termos do artigo 1083.º, n.ºs 1 e 4 do Código Civil; b) condenar o réu a despejar imediatamente o locado e entregá-lo ao autor livre de pessoas e bens; c) ser o réu condenado, nos termos do artigo 829.º-A do Código Civil, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, de montante nunca inferior a €500,00 por cada mês de atraso na entrega do imóvel do autor.
Para o efeito, alegou que é senhorio e o réu arrendatário do prédio urbano do autor sito na Rua … n.º …, …, cuja renda se cifra actualmente em €125,94 mensais; o réu o R. é useiro e vezeiro em incumprir o dever de pagar a renda mensal aquando do seu vencimento, bem como em desrespeitar a faculdade que a lei lhe concede de fazer cessar a mora até oito dias após o vencimento, o que sucedeu com as rendas dos meses entre Março de 2012 e Novembro de 2015 que descrimina; a falta de pagamento das rendas conferiu ao senhorio o direito à resolução do contrato de arrendamento, nos termos do artigo 1084.º, n.ºs 1 e 4 do Código Civil, pelo facto de se verificarem bem mais de quatro moras superiores a oito dias no pagamento de rendas num período de 12 meses, não tendo aplicação os números 3 e 4 do artigo 1084.º, ex vi do número 4 do artigo 1083.º, todos do Código Civil; o autor tentou notificar extrajudicialmente o réu da resolução do contrato mas apesar das sucessivas tentativas não foi possível proceder à sua notificação pessoal pelo que foi enviada carta para o locado e para a residência do réu nos termos do disposto na alínea b), do n.º 5, do artigo 10.º do NRAU.
O réu contestou a acção, alegando além do mais, na parte que ora interessa, que não existiu qualquer comunicação/notificação formal para a resolução do contrato de arrendamento ao réu, nem para o pagamento da indemnização dos 50%, que foi feito o depósito de 50% das rendas devidas por todos e quaisquer atrasos (por dias) que ocorreram desde 2012, o autor nunca impugnou o depósito dessas rendas e procedeu ao seu levantamento em Julho de 2015 o que faz precludir o seu “alegado” direito «e que também por essa via é sempre extemporâneo – caducidade».
Mais à frente o réu alegou (artigos 34.º e 35.º da contestação) que «apesar de o art. 1084º, do CC, no seu nº 3 conter uma condição de ineficácia da resolução (que o arrendatário ponha fim à mora no prazo de três meses) esta oportunidade ou possibilidade para o arrendatário não se esgota com o decurso do assinalado prazo de três meses», «é que, o art. 1048º, do CC, concede-lhe, expressamente, uma segunda oportunidade de poder fazer caducar o direito à resolução do contrato – que consiste em realizar o depósito ou pagamento até ao termo do prazo para oposição à execução».
O autor respondeu à matéria desta excepção alegando, na parte que aqui interessa, que levantou o valor das rendas depositadas porque tem o direito de o fazer sem prejuízo das consequências da mora do inquilino.
No despacho saneador, conheceu-se desta excepção nos termos do seguinte despacho:
«Veio o réu alegar, no seu articulado de contestação, defesa por excepção, invocando a caducidade.
Para tanto alega, em síntese, que o autor já procedeu ao levantamento das rendas que se encontravam depositadas na D…, pelo que precludiu o alegado direito de pedir a resolução do contrato de arrendamento, por extemporâneo e, portanto, caduco.
O autor respondeu, impugnando a excepção de caducidade, dizendo que continua a ter direito às rendas, mesmo que depositadas fora de prazo.
Cumpre decidir.
As situações em que os direitos se precludem, por força do decurso do tempo e que a lei apelidou de caducidade, nos termos do art.º 298º nº 2 do Código Civil, são situações taxativas, pelo que expressamente previstas na lei.
Ora, no Código Civil ou na lei do arrendamento urbano não está prevista a preclusão do direito do senhorio em caso de levantamento das rendas depositadas por força da consignação em depósito.
A caducidade que a lei civil prevê é a consignada no art.º 1085º do Código Civil, a qual não se aplica à presente situação.
Pelo que, não se verificando nos autos qualquer decurso do prazo do autor formular o pedido dos autos, julgo improcedente a excepção de caducidade invocada pelo réu
Do assim decidido, o réu interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
A) O réu/recorrente foi notificado do douto despacho saneador que conheceu do mérito da causa relativamente à excepção da caducidade do direito do autor à resolução do contrato de arrendamento e do interpor a presente acção;
B) Considera-se que, tal matéria a ser conhecida nesta fase teria necessariamente de ser em sentido diverso, ou seja que, ocorreu a caducidade do alegado direito do autor. E apesar de se considerar que não assiste razão ao autor quanto ao pedido, ocorreu sempre a caducidade do direito de resolução e o de interpor a acção, conforme foi invocado.
C) Admitindo-se, no entanto, por hipótese meramente académica, que os autos poderiam não conter toda a prova necessária para decidir quanto a esta matéria (certeza dos prazos e soluções jurídicas aplicáveis), uma vez que existe matéria controvertida, pelo que só poderia ser conhecida a final e não nesta fase.
D) O recorrente desde Dezembro/2007 que vem efectuando regularmente o depósito das rendas à ordem do Recorrido na D…, conforme foi dado conhecimento formal ao autor, e aliás como resulta do teor do doc. nº 1 da Contestação, que se juntou aos autos,
E) Continuando a manter tais depósitos no âmbito dos Processos Proc. nº 5049/08.5TBMTS, que correu os seus trâmites legais no 4° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Matosinhos, devidamente transitado em julgado por douto Acórdão do Tribunal da Relação do porto (3â secção), proferido em 28 de Outubro de 2010) e Proc. nº 6499/12.5TBMTS, Comarca do Porto Matosinhos Inst. Local Secção cível J3, a qual, de igual modo, terminou com a improcedência da pretensão do Recorrido.
F) O recorrido desde há muito que sabe do depósito das rendas, tanto mais que, foi-lhe comunicada por meio de carta registada c/ A.R. (assinado pelo próprio autor) e desde 2007, e tendo existido 2 acções judiciais entre 2008 e 2015 tendo sempre sido depositada a respectiva renda por ter sido recusada.
G) Nunca em momento algum o recorrido reconheceu o recorrente como seu legítimo inquilino, tendo pela primeira vez se dirigido a este como inquilino para dizer que resolvia o contrato de arrendamento.
H) Não sendo assim, minimamente, concebível para o comum dos mortais que, desde 2007 desconhecia o depósito das rendas e com tal se conformasse (comprova-se o contrário por comunicação ao próprio autor em 2007).
I) Estes factos estarão necessariamente assentes nos autos.
J) Conforme está provado nos autos não existiu qualquer comunicação/notificação formal para a resolução do contrato de arrendamento ao réu/recorrente, nem para o pagamento da indemnização dos 50% cf. o confessado no art. 30º da douta petição inicial certidão negativa da notificação judicial avulsa (doc. nº 05 da petição inicial).
L) Esta comunicação não ocorreu, tendo sido realizada sempre em data posterior ao depósito referente a 50% das rendas devidas por todos e quaisquer atrasos (por dias) que ocorreram desde Março de 2012 e até Novembro de 2015 (cf. art. 26° da douta petição inicial), apesar de legalmente nem serem exigíveis atento o tempo já decorrido (acresce que tinha as rendas todas pagas!)
M) Aquando da comunicação da resolução (e que nem sequer se aplica ao caso e não cumpre com os requisitos legais a de Abril/2016 cf. doc. nº 06 da petição inicial) já se encontrava paga a totalidade da quantia referente a 50% por todos os eventuais atrasos e comunicada ao autor/recorrido (cf. doc. anexo nº 07 e 08 juntos com a petição inicial)
N) Até à data da entrada da acção de impugnação do depósito apresentada em 24 Março de 2016 pelo autor e que se refere na petição inicial não tinha sequer ocorrido qualquer outra impugnação de depósitos ou resolução do contrato.
O) Caso não exista notificação efectuada, ao réu/recorrente cabe sempre a faculdade de colocar termo à mora através do depósito dos montantes em dívida acrescidos da respectiva indemnização,
P) Aquando da dita comunicação já não existia qualquer mora por parte do recorrente, tendo ocorrido a caducidade do alegado direito de resolver o contrato e/ou interpor a acção.
Q) Nesse sentido e relativamente ao fundamento do pedido da acção (n° 4 do artigo 1083.°, CC), veja-se ainda: “Pelas razões expostas, é nosso entendimento que o novo fundamento de resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio com base na existência de mora superior a oito dias apenas se aplica aos casos em que a mora do arrendatário se mantenha operante aquando da comunicação e não tenha cessado por força do oportuno pagamento da indemnização devida, nos termos dos artigos 1041º e 1042º do CC.” in A resolução do contrato de arrendamento no novo e novíssimo regime do arrendamento urbano” de Albertina Maria Gomes Pedroso, Julgar n.° 19 2013, Coimbra Editora Pág. 57.
R) Pelo que, estando tudo pago (as respectivas rendas) e estando cessada a alegada mora p/ qualquer atraso (purga da mora) e antes de qualquer notificação legal, não assiste direito algum ao autor de resolver o contrato, tanto mais que nunca lhe fez qualquer reparo, comunicação/ notificação ou exigência anterior é um claro Abuso de Direito invocado em juízo.
S) Conforme tem sido entendido pela nossa jurisprudência e doutrina: “No caso do nº 4 do mesmo artigo 1083º, o termo a quo de contagem do prazo de caducidade é o momento em que se verificar o conhecimento da situação de “mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses”, que, como anota Maria Olinda Garcia “não coincidem com um qualquer ano civil”. Vide douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13/07/2016, proc. nº 12399/15.0T8LSB. L1-2. Transcreve-se ainda parte do seu sumário: “II. A resolução do contrato de arrendamento com esse fundamento deve porém ser efectivada dentro do prazo de três meses a contar do conhecimento da completude desse período de mora, sob pena de caducidade do direito à resolução do contrato. III. Cada uma das rendas vencidas tem, nesse caso, autonomia para a contagem do prazo de caducidade. IV. No tocante à hipótese do n.° 4, do artigo 1083do Código Civil, o termo a quo de contagem do prazo de caducidade é o momento em que se verificar o conhecimento da situação de “mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses. V. Tal período não coincide com um qualquer ano civil. VI. É de presumir o coetâneo conhecimento pelo senhorio da falta de pagamento de renda, na data do seu vencimento, recaindo sobre aquele o ónus de prova de, sem culpa sua, apenas posteriormente haver tomado conhecimento da situação de mora. (...)”. E diz-se ainda no douto Acórdão: “Aquele é um período “que se inicia com o primeiro incumprimento, independentemente do mês e do ano civil em causa. Iniciada essa contagem, o fundamento resolutivo verificar-se-á quando forem contabilizados 5 atrasos, desde que não tenham passado mais de 12 meses sobre o primeiro atraso no pagamento das rendas. A passagem do período de 12 meses sobre a verificação de um atraso no pagamento da renda elimina esse facto da contabilização para efeitos de resolução. O início da contagem passa para o incumprimento subsequente, e assim sucessivamente.”
T) O recorrido tinha conhecimento desde 2007 dos depósitos da renda na referida conta (única existente) pelo que, tinha que provar que sem culpa sua, apenas posteriormente haver tomado conhecimento da situação de mora e do términus do período relevante, o que não sucede no caso dos autos.
U) Nestas situações, o senhorio deverá invocar a resolução no prazo de 3 (três) meses, sob pena de caducidade, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 1085º.
V) E também na esteira do douto Acórdão supra mencionado:
A) Quanto aos atrasos nas rendas dos meses: Março de 2012, vencida em 01-02-2012 e paga em 09-02-2012; Maio de 2012, vencida em 01-04-2012 e paga em 10-04-2012; Junho de 2012, vencida em 01-05-2012 e paga em 10-05-2012; Setembro de 2012, vencida em 01-08-2012 e paga em 13-08-2012; Fevereiro de 2013, vencida em 01-01-2013 e paga em 09-01-2013; Teria que ter procedido à resolução até 09/04/2013 caducou esse direito;
B) Quanto aos meses: Março de 2013, vencida em 01-02-2013 e paga em 13-02-2013; Maio de 2013, vencida em 01-04-2013 e paga em 10-04-2013; Junho de 2013, vencida em 01-05-2013 e paga em 10-05-2013; Setembro de 2013, vencida em 01-08-2013 e paga em 09-08-2013; Outubro de 2013, vencida em 01-09-2013 e paga em 10-10-2013; Teria que ter procedido à resolução até 09/12/2013 caducou esse direito;
C) Quantos aos meses: Novembro de 2013, vencida em 01-10-2013 e paga em 10-10-2013; Dezembro de 2013, vencida em 01-11-2013 e paga em 11-11-2013; Janeiro de 2014, vencida em 01-12-2013 e paga em 20-02-2014; Fevereiro de 2014, vencida em 01-01-2014 e paga em 20-02-2014; Março de 2014, vencida em 01-02-2014 e paga em 20-02-2014; Teria que ter procedido à resolução até 09/05/2014 caducou esse direito;
D) Quantos aos meses: Abril de 2014, vencida em 01-03-2014 e paga em 14-03-2014; Maio de 2014, vencida em 01-04-2014 e paga em 10-04-2014; Junho de 2014, vencida em 01-05-2014 e paga em 15-05-2014; Julho de 2014, vencida em 01-06-2014 e paga em 14-07-2014; Agosto de 2014, vencida em 01-07-2014 e paga em 14-07-2014; Teria que ter procedido à resolução até 09/10/2014 caducou esse direito;
E) Quantos aos meses: Outubro de 2014, vencida em 01-09-2014 e paga em 09-09-2014; Novembro de 2014, vencida em 01-10-2014 e paga em 09-01-2015; Dezembro de 2014, vencida em 01-11-2014 e paga em 09-01-2015; Janeiro de 2015, vencida em 01-12-2014 e paga em 09-01-2015; Março de 2015, vencida em 01-02-2015 e paga em 18-02-2015; Teria que ter procedido à resolução até 09/05/2015 caducou esse direito;
F) Quantos aos meses: Abril de 2015, vencida em 01-03-2015 e paga em 25-03-2015; Maio de 2015, vencida em 01-04-2015 e paga em 09-04-2015; Junho de 2015, vencida em 01-05-2015 e paga em 29-07-2015; Julho de 2015, vencida em 01-06-2015 e paga em 29-07-2015; Agosto de 2015, vencida em 01-07-2015 e paga em 29-07-2015; Teria que ter procedido à resolução até 09/10/2015 caducou esse direito;
G) Quantos aos restantes meses invocados/peticionados não tem aplicação legal para essa disposição art. 1083°, nº 4 (cf. art. 26° da petição inicial).
X) Pelo que, conclui-se que ocorreu a caducidade do alegado direito do Recorrido à resolução do contrato e/ou interpor a acção com tal fundamento.
Z) Conforme invocado e comprovado, o autor/recorrido em Junho de 2015 procedeu ao levantamento dos depósitos das rendas no montante global de 11.036,44€ [o saldo da conta em 07/07/2015 passou a ser 0 (zero)] cf. doc. anexo nº 3 da petição inicial, sem qualquer ressalva, e sem nunca ter impugnado tais depósitos;
AA) E o autor/recorrido juntou aos autos o documento anexo nº 03 da petição inicial do extracto de todos os pagamentos realizados até essa data e das respectivas datas em que ocorreram, o que comprova que pelo menos desde 23/06/2015 (data em que foi obtido o documento consta do cabeçalho) que teve conhecimento dos atrasos nos pagamentos, e o que por si só já faz também precludir o seu “alegado” direito (que inexiste), e que também por essa via é sempre extemporâneo caducidade.
BB) E ainda que se entendesse que o recorrido só teve de facto conhecimento da mora em 22/ 23 de Junho/2015 (cf. doc. anexo nº 3 da petição inicial) sem culpa (c/ ónus da prova) e que ocorreu por culpa deste, nessa hipótese meramente académica teríamos:
A) Quanto aos atrasos nas rendas dos meses: Março de 2012, vencida em 01-02-2012 e paga em 09-02-2012; Maio de 2012, vencida em 01-04-2012 e paga em 10-04-2012; Junho de 2012, vencida em 01-05-2012 e paga em 10-05-2012; Setembro de 2012, vencida em 01-08-2012 e paga em 13-08-2012; Fevereiro de 2013, vencida em 01-01-2013 e paga em 09-01-2013; Março de 2013, vencida em 01-02-2013 e paga em 13-02-2013; Maio de 2013, vencida em 01-04-2013 e paga em 10-04-2013; Junho de 2013, vencida em 01-05-2013 e paga em 10-05-2013; Setembro de 2013, vencida em 01-08-2013 e paga em 09-08-2013; Outubro de 2013, vencida em 01-09-2013 e paga em 10-10-2013; Novembro de 2013, vencida em 01-10-2013 e paga em 10-10-2013; Dezembro de 2013, vencida em 01-11-2013 e paga em 11-11-2013; Janeiro de 2014, vencida em 01-12-2013 e paga em 20-02-2014; Fevereiro de 2014, vencida em 01-01-2014 e paga em 20-02-2014; Março de 2014, vencida em 01-02-2014 e paga em 20-02-2014;” Abril de 2014, vencida em 01-03-2014 e paga em 14-03-2014; Maio de 2014, vencida em 01-04-2014 e paga em 10-04-2014; Junho de 2014, vencida em 01-05-2014 e paga em 15-05-2014; Julho de 2014, vencida em 01-06-2014 e paga em 14-07-2014; Agosto de 2014, vencida em 01-07-2014 e paga em 14-07-2014;” Outubro de 2014, vencida em 01-09-2014 e paga em 09-09-2014; Novembro de 2014, vencida em 01-10-2014 e paga em 09-01-2015; Dezembro de 2014, vencida em 01-11-2014 e paga em 09-01-2015; Janeiro de 2015, vencida em 01-12-2014 e paga em 09-01-2015; Março de 2015, vencida em 01-02-2015 e paga em 18-02-2015; Abril de 2015, vencida em 01-03-2015 e paga em 25-03-2015; Maio de 2015, vencida em 01-04-2015 e paga em 09-04-2015; Junho de 2015, vencida em 01-05-2015 e paga em 29-07-2015; Julho de 2015, vencida em 01-06-2015 e paga em 29-07-2015; E contando-se o prazo desta outra forma, teria que ter procedido à resolução até 09/09/2015 (prazo 3 meses) caducou esse direito;
B) Quantos aos restantes meses invocados/peticionados não tem aplicação legal para essa disposição art. 1083°, nº 4 (cf. art. 26° da petição inicial).
CC) Conclui-se, de igual modo, que ocorreu a caducidade do alegado direito do Recorrido à resolução do contrato e/ou interpor a acção com tal fundamento.
DD) Desde Junho de 2015 que o ora autor/recorrido deve ao réu/recorrente a quantia de €688,50 (seiscentos e oitenta e oito euros e cinquenta cêntimos de custas de parte), acrescido de juros de mora a 4% ao ano (nem sequer foram pagos), e que só foi paga por meio de cheque remetido em finais de Março de 2016 (após o depósito impugnado).
EE) O autor/recorrido é que era devedor ao réu/recorrente da quantia de €688,50 (seiscentos e oitenta e oito euros e cinquenta cêntimos) de custas de parte (reconhecido!) ao que acresce os juros de mora à taxa legal de 4%, no âmbito do Proc. nº 6499/12.5TBMTS, Comarca do Porto Matosinhos Inst. Local Secção Cível J3, divida esta desde Junho de 2015, e que só foi paga ao Recorrente em finais de Março/2016 (sem os respectivos juros) e após o depósito dos 50%, tendo direito sempre à compensação de créditos (ou seja, os 50% de agosto, Outubro e Novembro de 2015), e como se comprova por doc. anexo nº 4 que foi junto aos autos com a contestação.
FF) A acção especial de impugnação de depósito é referente unicamente ao pagamento dos tais 50% pelos atrasos (pagamento realizado em 4 de Março de 2016) antes de qualquer resolução contratual (que nunca foi aceite pelo Recorrente).
GG) Considera-se assim, que foram violadas as disposições vertidas no artigo 1042º, e sempre do artigo 1085º, nº 2, do Código Civil, pelo que a douta decisão inserta no despacho saneador deverá ser revogada, e reconhecida a excepção da caducidade da resolução do contrato de arrendamento e/ou direito de interpor a acção.
O recorrido respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado, apresentando as seguintes conclusões:
A. O levantamento das rendas depositadas por força da consignação em depósito não tem por efeito estabelecer qualquer caducidade do direito de acção, particularmente quando a resolução do contrato de arrendamento tem fundamento no n.º 4 do artigo 1083º do Código Civil. Isto é, quando a resolução é motivada no facto de ter ocorrido mora superior a 8 dias no pagamento da renda, por mais de 4 vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, não tendo aplicação as normas dos n.ºs 3 e 4 do artigo 1084º do Código Civil.
B. Realce-se: por mais que o réu tente subsumir o objecto da presente acção a uma acção de despejo por falta de pagamento de rendas (cfr. nº 3 do artigo 1083º do Código Civil), a verdade é que se está perante uma situação em que ocorreu mora superior a oito dias no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de doze meses.
C. Existe, conforme referido, um fundamento de despejo por força da mora superior a oito dias no pagamento da renda mensal, por mais de quatro vezes, num período de doze meses, não sendo aplicável, de acordo com o referido nº 4 do artigo 1083º do Código Civil, o disposto nos números 3 e 4 do artigo 1084º do Código Civil.
D. Ou seja, o arrendatário está impedido, pela própria lei, de uma forma expressa e inequívoca, de pôr termo à mora.
E. E, para a apreciação de tais factos, não é necessário produzir qualquer outra prova para além da que já está produzida nos presentes autos, devidamente oferecida pelas partes, por se tratar de uma excepção, que eventualmente obstaria ao conhecimento do mérito da causa e que deve ser apreciada em sede de despacho saneador.
F. Aliás, a posição do recorrente e a sua contradição permanente é visível no artigo 12º das alegações de recurso, quando este alega que não tomou conhecimento da resolução do contrato de arrendamento, para depois vir referir que foi depositado 50% das rendas devidas por todos e quaisquer atrasos (por dias) (...) apesar de legalmente nem serem exigíveis atento o tempo já decorrido”.
G. O raciocínio é complexo e carece de decomposição: o Código Civil prevê no artigo 1041º uma indemnização pela mora no pagamento da renda. In casu, a renda estava paga, pelo que não era, de facto, aplicável qualquer indemnização, não tendo aplicação o preceituado no artigo 1041º do Código Civil.
H. Depois, a comunicação ocorreu, seja por carta registada simples, seja por carta registada com aviso de recepção, seja por notificação judicial avulsa, levada ao conhecimento de um funcionário do recorrente, que lha transmitiu. De outra forma, este não teria tido a iniciativa de, passados anos, vir depositar uma “indemnização”.
I. De referir que a dita “indemnização” jamais foi levantada pelo recorrido, como resulta da impugnação da consignação em depósito que se encontra apensada aos presentes autos.
J. Recorde-se: a mora em que incorreu o recorrente não pode ser findada pelo pagamento de qualquer indemnização, como resulta da lei, por não existir nenhuma norma que preveja uma indemnização por “eventuais atrasos”.
K. Pelo que, contrariamente ao referido pelo recorrente, não cabe ao réu a faculdade de colocar termo à mora através do depósito dos montantes em dívida acrescidos da respectiva indemnização porque tal indemnização não está prevista na lei.
L. No que respeita, por outro lado, à resolução, o recorrente não esclarece por que motivo aquela não cumpre os requisitos legais, uma vez que foram cumpridos todos os trâmites exigidos pela lei, mormente pelos artigos 9º e 10º do NRAU.
M. De uma forma bastante simples se conclui que, inexistindo forma legal de pôr termo à mora, não ocorreu a caducidade do direito de resolver o contrato e/ou interpor a acção.
N. Importa referir que a autora citada pelo recorrente no artigo 17º das alegações de recurso, é citado um artigo doutrinal que, uma vez consultado, tem um sentido diametralmente oposto ao que o recorrente extrai, por se encontrar fora do contexto, uma vez que se aplica aos casos em que o arrendatário se constituiu em mora relevante purgada com o pagamento da indemnização de 50% antes do senhorio decidir resolver o contrato cf. páginas 56 e 57 do referido artigo.
O. In casu, o pagamento da dita “indemnização” ocorreu bem após a resolução contratual, que o recorrente, de forma ardilosa, finge com marcada má-fé não conhecer. Isto porque o recorrente já conhecia a resolução contratual, caso contrário, não teria “ido a correr” pagar uma indemnização.
P. Esquece-se o recorrente, de citar os segmentos textuais mais relevantes do artigo referido, havendo que concluir-se que a mora do arrendatário se mantinha operante aquando da comunicação e não cessou por anterior pagamento da indemnização a que aludem os artigos 1041º e 1042º do Código Civil.
Q. No que respeita à caducidade do direito de resolução invocada pelo recorrente, importa referir, à imagem do que resulta do despacho saneador recorrido, que “a caducidade que a lei prevê é a consignada no artigo 1085º do Código Civil, a qual não se aplica à presente situação”.
R. Até porque, por se tratar de facto continuado ou duradouro, o prazo não se completa antes de decorrido um ano da sua cessação, nos termos e para os efeitos do número 3 do artigo 1085º do Código Civil, motivo pelo qual não caducou o direito de acção.
S. Como refere a generalidade da doutrina e da jurisprudência, o prazo de 12 meses a que alude o número 4 do artigo 1083º do Código Civil não coincide com o ano civil.
T. A título de exemplo, se se tomar em consideração os atrasos do recorrente nos meses de Abril, Maio, Junho, Julho e Agosto de 2015, a primeira constituição em mora dá-se em 08-03-2015, pelo que, se se tomar em consideração o período de doze meses, o prazo para resolver o contrato de arrendamento na forma como o Recorrente o conta caducaria no dia 08-06-2016. E nesta data, de facto, o contrato já se encontrava resolvido.
U. Como anota Maria Olinda Garcia, in “Arrendamento Urbano Regime Substantivo e Processual”, 3ª ed., Coimbra Editora, 2014, págs. 37-38, aquele é um período “que se inicia com o primeiro incumprimento, independentemente do mês e do ano civil em causa. Iniciada essa contagem, o fundamento resolutivo verificar-se-á quando forem contabilizados 5 atrasos, desde que não tenham passado mais de 12 meses sobre o primeiro atraso no pagamento das rendas.
V. Importa ainda referir que, como resulta da prova documental produzida nos autos, o recorrido tomou conhecimento da errónea forma de pagamento da renda promovida pelo recorrente em 23-06-2015, pelo que não se verifica o coetâneo conhecimento pelo senhorio da falta de pagamento de renda, na data do seu vencimento, pelo que se encontra demonstrado que aquele apenas posteriormente teve conhecimento da mora, nos termos do artigo 342º do Código Civil.
W. Não tendo caducado qualquer direito, pois que a falta que se imputa ao recorrente não é quanto ao pagamento, mas sim quanto ao pagamento atempado, obrigação legal que consta da lei e cuja inobservância gera o direito a resolver o contrato.
X. Por tudo, verifica-se assim que, à data da comunicação ao ora recorrente da resolução do contrato
de arrendamento, ocorria o fundamento daquela, previsto no artigo 1084º, nº 4, com referência às antecedentemente referidas rendas, não tendo caducado o direito do aqui recorrido à resolução com aquele fundamento.
Y. Ficando, por isso, sem efeito o arrazoado pelo recorrente nos artigos 19º a 31º, entendendo-se que os artigos 32º e seguintes das alegações não mais são do que manobras de diversão, vazias de qualquer sentido sério.
Z. Em face de todo o supra exposto, considera-se não estar verificada, por não ter aplicação à presente situação, a excepção invocada pelo réu de caducidade, motivo pelo qual deverá ser o despacho saneador ser mantido, sendo mantida a decisão de julgar improcedente a excepção de caducidade invocada pelo réu/recorrente.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida qual é a excepção de caducidade que o réu arguiu na sua contestação e se é possível julgar essa excepção no saneador por se encontrarem já fixados os factos indispensáveis para o efeito.
III. Os factos:
Os factos que relevam para a decisão a proferir são os que constam do relatório que antecede.
IV. O mérito do recurso:
Um dos meios de defesa à disposição do demandado numa acção é a dedução de excepções, as quais consistem na invocação de factos novos destinados a impedir, modificar ou extinguir o direito reclamado pelo autor.
A dedução da excepção na própria contestação é um ónus a cargo do demandado já que com excepção das excepções que são de conhecimento oficioso, se o demandado não invocar a excepção de que podia beneficiar fica precludido esse meio de defesa, não podendo o tribunal conhecer dele ou o demandado invocá-lo mais tarde na acção.
Os articulados de uma acção são actos jurídicos carecidos de interpretação, em resultado da qual podem ser descobertos sentidos e conteúdos implícitos que a redacção literal do arrazoado da parte pode deixar na penumbra.
Acresce que a invocação de uma excepção se basta com a manifestação da intenção de pretender beneficiar do efeito jurídico que a lei associa a um determinado facto, não sendo indispensável nem que o demandado qualifique correctamente a excepção do ponto de vista jurídico nem que mencione o nomem jurídico correspondente.
No caso o réu invocou na contestação a excepção da caducidade do direito da autora à resolução do contrato de arrendamento urbano, direito este que, conforme a autora deixou claro, tem como fundamento o disposto no artigo 1083.º, n.º 4, do Código Civil, e não o disposto no n.º 3 da mesma disposição legal.
Na relação jurídica do arrendamento urbano a caducidade do direito do senhorio à resolução do contrato pode ocorrer em variadas circunstâncias ou por efeito da verificação de diversos factores.
Na decisão recorrida entendeu-se que o réu apenas invocou a caducidade do direito do senhorio em consequência do “levantamento das rendas” e que essa não é a hipótese prevista no artigo 1085º do Código Civil, única em que a lei prevê a caducidade do direito do senhorio, razão pela qual se julgou a excepção improcedente.
Com todo o devido respeito, entendemos que esta leitura simplificou em demasia a alegação do réu e, por outro lado, não levou em consideração outras situações de caducidade do direito do senhorio à resolução do contrato por motivos relacionados com o (não) pagamento da renda.
É correcto afirmar que nos artigos 15.º a 20.º da contestação o réu sustentou a caducidade do direito da autora com fundamento no facto de esta ter procedido ao levantamento das rendas que o réu depositou em singelo na D….
Também é correcto sustentar que essa alegação é absolutamente improcedente porque em qualquer caso de não pagamento da renda o senhorio tem sempre direito a receber as rendas vencidas, para além disso tem o direito, em alternativa, de receber a indemnização moratória correspondente a 50% do valor das rendas ou pedir a resolução do contrato com fundamento no não pagamento das rendas.
Nos termos do artigo 1041.º do Código Civil, o senhorio pode é recusar-se a receber as rendas seguintes, as quais, não sendo recebidas são consideradas em dívida para todos os efeitos, mas o facto de as receber não priva o locador do direito à resolução do contrato com fundamento nas rendas não pagas. Daí resulta claramente que o facto de o senhorio receber as rendas entretanto pagas ou depositadas não faz caducar o direito à resolução do contrato com fundamento no não pagamento das rendas que se tenha efectivamente verificado. Coisa diferente, note-se, é o pagamento das rendas e do valor da indemnização de 50% mas não foi isso que o réu invocou nos referidos artigos.
Por conseguinte, se esta tivesse sido de facto a única excepção invocada pelo réu estaria correcta a decisão de julgar de imediato a excepção improcedente.
Todavia, nos artigos 27.º e seguintes da sua contestação, o réu ocupa-se já não do mero depósito das rendas, leia-se em singelo, mas sim do efeito do depósito da indemnização de 50% destinada a fazer cessar a mora no pagamento das rendas, defendendo que o artigo 1048º do Código Civil lhe concede a «oportunidade de poder fazer caducar o direito à resolução do contrato – que consiste em realizar o depósito ou pagamento» da referida indemnização.
Com efeito, o artigo 1048.º do Código Civil, na redacção do artigo 2.º da Lei n.º 31/2012, de 14.08.2012 (em vigor a partir de 12.11.2012, sendo por isso aplicável aos autos) estabelece o seguinte sobre a falta de pagamento da renda ou aluguer:
«1- O direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer, quando for exercido judicialmente, caduca logo que o locatário, até ao termo do prazo para a contestação da acção declarativa, pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1 do artigo 1041.º
2- O locatário só pode fazer uso da faculdade referida no número anterior uma única vez, com referência a cada contrato.
[…] 4- Ao direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer, quando for exercido extrajudicialmente, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 1084.º».
Esta norma prevê uma outra situação de caducidade do direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda, conforme resulta expressamente da mesma, que não se confunde com a caducidade prevista no artigo 1085.º do Código Civil: aquela é consequência do pagamento da indemnização por parte do inquilino, esta é consequência da inércia do senhorio na instauração da acção durante determinado tempo após a verificação do fundamento da resolução.
Lidos os articulados de ambas as partes é possível concluir que face à causa de pedir eleita pelo autor está em causa na acção saber se o réu se constituiu «em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato», isto é, se estão preenchidos os elementos constitutivos da previsão do artigo 1083.º, n.º 4, do Código Civil.
Do lado da defesa está em causa decidir se não obstante a parte final do preceito invocado pela autora para fundamentar o direito à resolução do contrato excluir expressamente a aplicação do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 1084.º - isto é, excluir a possibilidade de a resolução do contrato ficar sem efeito se o inquilino puser termo à mora num período subsequente -, tem ainda assim aplicação o disposto no artigo 1048.º do Código Civil. Por outras palavras, está em causa a interpretação do disposto no n.º 4 do artigo 1083.º do Código Civil e a forma como o mesmo deve ou pode ser conjugado com o regime dos artigos 1041.º, 1048.º e 1084.º do Código Civil.
Trata-se de uma questão jurídica que gera dúvidas e não exclui diversidade de entendimentos. A abordagem da mesma é feita, por exemplo, por Albertina Pedroso, in A resolução do contrato de arrendamento no novo e novíssimo regime do arrendamento urbano, na revista Julgar, n.º 19, 2013, nos seguintes termos:
«Diz-nos ainda o artigo 1041.º, n.º 1, que se o locatário se constituir em mora, entenda-se mora relevante em face do que dispõe o seu n.º 2, o locador tem o direito de exigir, além das rendas em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento. Como entender então, em face deste referido normativo, o segmento do n.º 4 do artigo 1083.º quando refere a final “não sendo aplicável o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo seguinte”, ou seja, não permitindo que, nestes casos, o arrendatário possa pôr fim à mora no prazo de um mês, pagando a renda e a indemnização?
De facto, perante o que dispõem os n.os 3 e 4 do artigo 1041.º, torna-se difícil entender o respectivo alcance porquanto segundo estes, quando o arrendatário se constitui em mora relevante, o senhorio tem o direito de recusar o recebimento das rendas seguintes, mas se as receber tal não o priva do direito à resolução do contrato ou à indemnização referida. Porém, tem de optar: ou resolve o contrato e tem direito ao pagamento das rendas em singelo; ou recebe a indemnização e tal não lhe dá lugar à possibilidade de accionar a sanção para o incumprimento que consiste na possibilidade de resolver o contrato.
Por seu turno, o artigo 1042.º do CC, com a redacção introduzida pela Lei n.º 31/2012, sob a epígrafe, Cessação da mora, dispõe que: «1. O locatário pode pôr fim à mora oferecendo ao locador o pagamento das rendas ou alugueres em atraso, bem como a indemnização fixada no n.º 1 do artigo anterior. 2. Perante a recusa do locador em receber as correspondentes importâncias, pode o locatário recorrer à consignação em depósito».
Ora, da própria epígrafe do preceito decorre que a mora cessa nos termos do preceito, ou seja, quando o locatário que se encontra em mora pagar as rendas acrescidas da indemnização. Nessa ocasião, o locatário faz cessar a mora, põe fim à mesma, ou seja, deixa de estar em mora e, como tal, cessa a situação de incumprimento em que se encontrava. Portanto, se a mora cessa quando o arrendatário paga a indemnização - e não se diga que este preceito é apenas para a locação porquanto o mesmo refere-se claramente ao pagamento das rendas ou alugueres, pelo que também se aplica ao arrendamento - mesmo que esta situação aconteça mais do que 4 vezes num ano, não pode depois esta mora “renascer” para que o locatário se considere constituído em mora nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1083.º, n.º 4, porquanto ele constituiu-se em mora, mas fê-la cessar nos termos da lei.
Acresce que, a lei nestes casos, nem sequer dá ao senhorio a possibilidade de não aceitar a indemnização. De facto, se ele se recusar a receber estas importâncias, o locatário pode recorrer à consignação em depósito, purgando a mora, ou seja, acabando com a situação de incumprimento em que se encontrava passível de fundar a resolução do contrato.
Ora, se assim é, e se no n.º 4 do artigo 1083.º o legislador impede o arrendatário de purgar a mora nos casos de reiteração do atraso no pagamento da renda, afastando a aplicação do artigo 1084.º, n.º 3, do CC, em face da sua conjugação com o preceituado nos artigos 1041.º e 1042.º do CC, pensamos que a interpretação mais adequada daquele preceito, só pode ser a de que o referido fundamento de resolução se aplica aos casos em que o arrendatário pagou a renda mais de oito dias depois da data contratualmente fixada e a renda foi recebida em singelo pelo senhorio, porquanto a recepção de novas rendas não priva o locador do direito à resolução do contrato de arrendamento — artigo 1041.º, n.º 4.
Desta sorte, nos casos em que o arrendatário se constituiu em mora relevante, nos termos sobreditos, por mais de 4 vezes seguidas ou interpoladas, e ainda se encontra em mora aquando da resolução pelo senhorio - note-se que o legislador expressamente refere “no caso de o arrendatário se constituir em mora”, e não “no caso de o arrendatário se ter constituído em mora”, inculcando precisamente a ideia de que o arrendatário ainda está numa mora operante quando o senhorio decide resolver o contrato -, deve entender-se que o legislador considera que tal constitui um comportamento que compromete de tal forma irremediavelmente o sinalagma contratual que torna, sem mais, inexigível a manutenção do contrato, não lhe sendo consequentemente possível purgar agora a mora que não fez oportunamente cessar nos termos em que os artigos 1041.º e 1042.º o admitiam a fazer, cessando o incumprimento.
Caso, porém, o arrendatário se tenha constituído em mora relevante que haja oportunamente purgado com o pagamento da indemnização de 50%, por via do artigo 1041.º, n.º 1, deve entender-se, em face da previsão do artigo 1042.º que aquele fez cessar a mora, aceitando obrigatoriamente o senhorio a indemnização como compensação pelo incumprimento e, como tal, este não pode depois “renascer” para fundar a grave sanção agora consagrada no n.º 4 do artigo 1083.º, e que se reporta a uma mora operante.
Este entendimento é o único que se nos afigura efectuar uma interpretação harmoniosa do sistema, acrescendo que a defesa do contrário, ou seja, de que o fundamento de resolução previsto no n.º 4 do artigo 1083.º do CC, se verifica mesmo que tenha havido cessação da mora, em face de um comportamento do arrendatário e do senhorio que tem uma relevância concludente que se encontra legalmente estabelecida quanto ao pagamento pelo arrendatário da indemnização, atentaria contra a boa fé e constituiria mesmo abuso de direito, instituto que em face dos referidos normativos sempre poderá ser usado pelo arrendatário como meio de defesa em sede de oposição.
Na verdade, ainda que pudesse ter sido essa a intenção do legislador, - e admitimos que sim, talvez pensando nos casos em que as rendas são de baixo valor e este procedimento do pagamento da indemnização beneficia o arrendatário -, o seu pensamento deveria ter na letra da lei um mínimo de correspondência expressa, como resulta do disposto no artigo 9.º, n.º 2, do CC, - o que, salvo o devido respeito, não acontece no referido preceito legal -, para do mesmo se poder retirar que se aplica aos casos em que o arrendatário fez cessar a mora nos termos dos indicados normativos, caindo este argumento se tivermos em conta que a lei também se aplica aos casos em que as rendas são elevadas, e aí existiria um claro benefício do senhorio com a possibilidade de receber a indemnização e, ainda assim, fazer operar a resolução. Pelas razões expostas, é nosso entendimento que o novo fundamento de resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio com base na existência de mora superior a oito dias apenas se aplica aos casos em que a mora do arrendatário se mantenha operante aquando da comunicação e não tenha cessado por força do oportuno pagamento da indemnização devida, nos termos dos artigos 1041.º e 1042.º do CC
Esta é uma das interpretações possíveis. Não importa por ora decidir – nem decidimos - se é ela que deve ser adoptada. Importa sim acentuar que havendo mais que uma interpretação possível e viável sobre a mesma questão jurídica, a excepção que a tenha como pressuposto só deve ser conhecida se no momento do despacho saneador já estiverem assentes todos os factos necessários à aplicação de qualquer delas.
Nos termos do artigo 595.º do Código de Processo Civil, no despacho saneador o juiz pode «conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória».
A norma não prevê a eventualidade de existirem várias soluções plausíveis de direito para a mesma questão que importa decidir, não esclarecendo se mesmo nessa circunstância o conhecimento imediato pode ter lugar, optando o juiz pela solução de direito que merece a sua adesão e cuja fundamentação de facto é já possível fazer, ainda que as outras soluções plausíveis estejam dependentes do apuramento de factos que nesse momento ainda esteja por fazer. A norma só faz depender o conhecimento imediato do mérito da causa (do pedido ou de alguma excepção peremptória) da circunstância de o estado do processo o permitir por não haver necessidade de mais provas.
Parece resultar que o conhecimento imediato no saneador só será possível se nesse momento já estiverem fixados os factos indispensáveis para o julgamento do pedido ou da excepção, seja por os mesmos terem sido admitidos por acordo ou falta de impugnação seja por estarem plenamente provados. Nos demais casos, isto é, nos casos em que o conhecimento do mérito impuser a aplicação do direito a factos que permanecem controvertidos, não é possível julgar de imediato o pedido ou a excepção, decisão que deve ser relegada para final, para depois da audiência de julgamento.
Todavia, como se acentua no Acórdão desta Relação de 05.12.2016, proc. n.º 406/14.8TBMAI.P1, in www.dgsi.pt, «o conhecimento imediato do mérito só se realiza no despacho saneador se o processo possibilitar esse conhecimento, o que não ocorre se existirem factos controvertidos que possam ser relevantes, segundo outras soluções igualmente plausíveis da questão de direito: ao despacho saneador não cabe antecipar qualquer solução jurídica e, muito menos, desconsiderar quaisquer factos que sejam relevantes segundo outros enquadramentos possíveis do objecto da acção. […] Em nítida obediência aos princípios da celeridade e da economia processuais, a lei quer que o mérito da causa seja arrumado logo no saneador. Mas não sacrificou a esses princípios outras exigências também axiologicamente relevantes. O mérito da causa será julgado no despacho saneador tão-somente se a questão puder ser decidida nesse momento, ou seja se essa apreciação, segundo as vários enquadramentos jurídicos possíveis do seu objeto, não demandar a produção de mais provas e, portanto, poder, com inteira justificação, ser antecipada para o despacho saneador». No mesmo sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 24.02.2015, proc. n.º 3767/13.2TBVFR.P1, in www.dgsi.pt; na doutrina Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, pág. 402, em anotação ao art.º 510.º, correspondente ao actual artigo 595.º, n.º 1, alínea b), com redacção igual.
Ora isso não sucede no caso. Com efeito, na interpretação acima sustentada torna-se necessário apurar quando foram pagas as sucessivas rendas e, para além disso, determinar se e quando procedeu o autor à resolução do contrato por via extrajudicial, em ordem a determinar se o pagamento da indemnização ainda podia ser feito no momento em que ocorreu, melhor dizendo, que nesse momento ainda podia ter a consequência de fazer caducar, impedir ou tornar ineficaz a resolução do contrato que a autora procurou concretizar por via extrajudicial.
Os factos concernentes a estes últimos aspectos não estão ainda provados já que existe divergência entre as partes sobre os termos em que a autora diligenciou pela resolução do contrato por via extrajudicial, sobre os motivos pelos quais o réu não foi notificado pessoalmente (e, consequentemente, se não obstante isso a notificação se pode considerar efectuada).
Acresce que o depósito do valor da indemnização foi objecto de impugnação e se desconhece (não resulta do histórico do processo principal nem da respectiva consulta electrónica) com que fundamentos, pelo que de momento é impossível considerar o depósito da indemnização como definitivo e liberatório, o que impede naturalmente qualquer conclusão jurídica que se fundamente na sua realização.
Por conseguinte, o conhecimento da excepção da caducidade não podia ter lugar no despacho saneador por o processo não conter nesse momento os elementos indispensáveis para o efeito. Nessa medida o recurso deve ser julgado procedente e a decisão recorrida revogada, relegando-se para final o conhecimento da excepção da caducidade.
V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a decisão que conheceu da excepção da caducidade no despacho saneador, relegando o conhecimento desta excepção para final.
Custas do recurso pela recorrida, sendo a taxa de justiça a da tabela I-B.

Porto, 11 de Janeiro de 2018.
Aristides Rodrigues de Almeida (Relator; Rto 395)
Inês Moura
Francisca Mota Vieira