Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
216/17.0T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO
REQUISITOS
Nº do Documento: RP20191210216/17.0T8OAZ.P1
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE, CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Para que, nos termos do art. artº 14º, nº 1, al. a), da LAT/2009, o acidente de trabalho seja descaracterizado é necessária a verificação dos seguintes requisitos: (a) existência de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal ou previstas na lei; (b) violação, por ação ou por omissão, dessas condições, por parte da vítima; (c) que a atuação desta seja voluntária e sem causa justificativa; (d) que exista um nexo de causalidade adequada, na sua formulação positiva (Acórdão do STJ de 26.09.2007, in www.dgsi.pt, Processo nº 07S1700), entre essa violação e o acidente, nexo de causalidade esse que não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao acidente.
II - Pese embora o A., quando trabalhava com uma máquina de corte de tecido, haja colocado a mão ao alcance da guilhotina para ajeitar o tecido sem que a tivesse desligado previamente no botão existente para o efeito e fosse visível dísticos a proibir a introdução das mãos dos trabalhadores no interior da máquina, máxime na zona da sua guilhotina, vindo a ser colhido no segundo dedo da mão direita, o acidente não se encontra, nos termos do art. 14º, nº 1, al. a), da Lei 98/2009, descaracterizado, tendo em conta, em síntese: i) que resulta da matéria de facto provada que: a máquina, apesar de não desligada, se encontrava parada (uma vez que a mesma só operava o corte mediante o seu accionamento pelo operador através da “ordem de corte”, sendo que o A. já havia dado uma anterior “ordem de corte”, o que a máquina já havia feito); enquanto ajeitava o tecido, a máquina, sem que nada o fizesse prever, deu um erro inesperado e procedeu a um segundo corte ainda que o autor não o tivesse accionado ou dado a respectiva ordem de comando; o A. foi ensinado a operar na referida máquina por intermédio das instruções de superior hierárquico, tendo-a operado nos termos que lhe foram ensinados; ii) que foi dado como não provado o que a Recorrente alegara: que o A. havia recebido formação, pelo que sabia que, em caso algum, devia ter colocado a mão e dedos na zona da guilhotina, que, para aceder ao interior da máquina, o devia fazer pela parte frontal e não pela lateral, que, para o efeito, removeu a protecção existente.
III - Nas circunstâncias referidas em II, não decorre da matéria de facto provada que o sinistrado soubesse ou tivesse consciência (ou devesse ter) da proibição, nas concretas circunstâncias em que ocorreu o acidente, de colocar as mãos no local em que o fez (sem previamente desligar a máquina, mas encontrando-se a mesma parada) por forma a se poder concluir que, ao atuar como atuou, estivesse a violar condição de segurança imposta por lei, pelo dístico colocado na máquina e, muito menos, por ordem ou instrução do empregador, para além de que, tendo em conta o nexo de causalidade adequada na sua formulação positiva e atendendo ao concreto circunstancialismo do caso, mormente ao nº 9 dos factos provados, não se poderá dizer que o dano constitua uma consequência normal, típica, provável do comportamento do A.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 216/17.0T8OAZ.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1138)
Adjuntos: Des. Jerónimo Freitas
Des. Nelson Fernandes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

Participado, aos 18.01.2017, a ocorrência de acidente de trabalho e frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória da presente acção declarativa, com processo especial emergente de acidente de trabalho, B… apresentou petição inicial contra C… – Companhia de Seguros, SA, e D… – Empresa de Trabalho Temporário, SA, pedindo a condenação solidária das rés, na proporção da sua responsabilidade, no pagamento ao autor: da pensão anual e vitalícia de €216,03 com início no dia 10 de Janeiro de 2017; da quantia de €16 a título de despesas de deslocação; e das quantias de €506,30 pela ré seguradora e de €155,91 pela ré empregadora a título de indemnizações por períodos de incapacidade temporária.
Para tanto alegou, em síntese, que foi vítima de um acidente de trabalho porque a máquina em que trabalhava repetiu inesperadamente uma ordem de corte que o A. já tinha dado, tendo-lhe cortado o dedo que tinha introduzido no interior da máquina para arranjar o tecido tal como lhe tinham ensinado.

A Ré empregadora contestou alegando, em síntese, que é uma empresa de trabalho temporário desconhecendo como ocorreu o acidente, não tendo conhecimento sequer das funções exercidas pelo autor e tem a responsabilidade devidamente transferida para a ré seguradora e, por conseguinte, sobre esta recai a eventual responsabilidade pela reparação dos danos causados pelo sinistro.

A Ré seguradora contestou alegando, em síntese, que o autor introduziu a mão na parte interior da máquina contra a proibição expressa que lhe foi transmitida pelo empregador e em violação da formação que lhe foi ministrada, proibição que constava da sinalética existente na máquina, mais tendo retirado a protecção existente. Conclui que, “Dessa forma o autor violou a protecção e a sinaléctica existentes na máquina em causa, pelo que as suas instruções de segurança, o que foi a causa do acidente em apreço, que, como tal, e por se ter ficado a dever à sua negligência grosseira, deverá ser descaracterizado, absolvendo-se a ré do pedido”.

Foi proferido despacho saneador, consignando-se os factos assentes e elaborando-se base instrutória, mais se tendo determinado abertura de apenso para fixação da incapacidade, no âmbito do qual foi proferida decisão que fixou em 6% a IPP de que o autor padece em consequência das sequelas descritas no auto de Junta Médica.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
“julgo procedente a ação e, em consequência, declaro que o autor sofreu um acidente de trabalho em 3 de Outubro de 2016 que lhe determinou uma incapacidade de 6% com consolidação das lesões em 9 de Janeiro de 2017 e, por conseguinte, condeno as rés no seguinte
A ré seguradora a pagar ao autor as seguintes quantias:
O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 324,71 com vencimento em 10 de Janeiro de 2017 acrescida de juros desde esta data até integral pagamento;
A quantia de € 101,53 com vencimento em 10 de Janeiro de 2017 acrescida de juros desde esta data até integral pagamento; e
A quantia de € 16, a título de despesas de deslocação, acrescidas de juros de mora desde a data da tentativa de conciliação [28 de Maio de 2018] até integral pagamento.
A ré empregadora a pagar ao autor as seguintes quantias:
O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 45,63 com vencimento em 10 de Janeiro de 2017 acrescida de juros desde esta data até integral pagamento;
A quantia de € 135,42 com vencimento em 10 de Janeiro de 2017 acrescida de juros desde esta data até integral pagamento;
Mais condeno as rés no pagamento das custas na proporção da responsabilidade.
Valor da causa: € 6.781,67.
Registe e notifique.
Após trânsito, proceda ao cálculo e ao agendamento da entrega do capital de remição.”.

Inconformada, veio a Ré Seguradora, aos 13.05.2019, recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões:
“I. Dos factos provados nos autos sob os nºs 1, 3 a 10, inclusive, e 12 a 21, inclusive, maxime “19. Na máquina são visíveis os dísticos que proíbem a introdução das mãos dos trabalhadores no interior da máquina, máxime na zona da sua guilhotina.”, “O autor sabia que, em caso algum, devia colocar a mão e dedos na zona da sua guilhotina, bem como que para aceder ao interior da mesma devia fazê-lo pela sua parte frontal e não pela sua parte lateral, para isso tendo recebido expressa formação.”, “20. Apesar do sinal colocado na máquina a proibir a introdução da mão no interior da máquina, e sem antes parar a máquina no botão destinado a esse efeito, partindo da inexistência de ordem de acionamento do corte, o autor acedeu ao interior da máquina pela sua parte lateral entrando com os dedos na zona da guilhotina.” e 10. Tendo, nesse preciso momento, sido atingido pela guilhotina da máquina no segundo dedo da mão direita sem que nada o fizesse prever.” resulta de forma clara e suficiente a violação, com negligência grosseira e causal do sinistro, pelo autor de regras de segurança dadas pela respectiva entidade patronal, pelo que o fundamento para descaracterizar o acidente como de trabalho previsto no supra citado artº 14º/1, al. a) da LAT, sem que se tenha provado qualquer facto que, de alguma forma, justificasse aquela violação.
II. Ao não o considerar e antes, até, ponderar não os factos provados nos autos mas outros que neles não ficaram provados (todos os por ele invocados, mas não provados na fundamentação jurídica da sentença, ao apreciar o caso concreto) o tribunal a quo fez, pois, salvo o devido respeito, uma errada qualificação jurídica dos factos e, como tal, uma errada interpretação e aplicação daquele artº 14º/1, al. a) da LAT, devendo, nessa medida, a sua sentença ser revogada e substituída por outra que absolva a ré, aqui apelante, do pedido.
TERMOS EM QUE o presente recurso deverá ser julgado procedente, revogando a sentença recorrida e substituindo-se a mesma por acórdão que absolva a ré, aqui apelante, do pedido, (…).”

Aos 15.05.2019, o A. apresentou requerimento solicitando a rectificação da sentença no sentido da “eliminação da referida oração (não numerada e a seguir ao facto 21.º) dos factos provados e a manutenção do ponto 5.º dos factos não provados, mediante simples despacho.”,

Na sequência do que, aos 16.05.2019, a 1ª instância proferiu a seguinte decisão:
“ Por ser evidente, rectifico o erro material existente na sentença pelo qual se deixou após os factos provados devidamente numerados um facto que foi dado como não provado sob o n.º 5 com o seguinte teor: «O autor sabia que, em caso algum, devia colocar a mão e dedos na zona da sua guilhotina, bem como que para aceder ao interior da mesma devia fazê-lo pela sua parte frontal e não pela sua parte lateral, para isso tendo recebido expressa formação».
Por isso, elimina-se este facto não numerado nos factos provados e esclarece-se que, tal como resulta da motivação da matéria de facto, esse facto foi considerado não provado e como consta do elenco de factos não provados sob o n.º 5.”.

O A., aos 20.05.2019, contra-alegou no recurso acima mencionado, alegando, em síntese, que o recurso assenta num facto que, apenas por lapso manifesto, é que ficou a constar dos factos provados quando o mesmo foi dado como não provado, concluindo no sentido do não provimento do recurso.

A Ré, notificada do despacho de 16.05.2019, veio requerer a ampliação do recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:
“(que aqui se numera como nº I, renumerando-se em conformidade, as demais conclusões da anterior alegação de recurso):
I. Com base nos meios de prova supra em 3 e no uso dos poderes previstos no artº 662º do CPC, deverão ser dados como provados os factos indicados supra em 1, sob i. e ii., alterando-se, em conformidade, a sentença recorrida.
TERMOS EM QUE, julgando procedente o recurso, com a conclusão supra, se conclui como no mais da apelação (…)”.

O A. contra-alegou no que se reporta à ampliação, concluindo no sentido da improcedência do recurso.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual nenhuma das partes se pronunciou.

Colheram-se os vistos legais.
***
II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância [já com a rectificação decidida pelo despacho de 16.05.2019]

“1. Factos provados:
1. No dia 03 de Outubro de 2016, pelas 17:00h, nas instalações fabris da sociedade comercial E…, S.A., sita na Rua …, …, ….-… S. João da Madeira, o autor sofreu um acidente de trabalho quando laborava então sob as ordens, direcção e fiscalização da sua entidade patronal, ré empregadora, para quem desempenhava as funções de operário indiferenciado, mediante a remuneração mensal de € 530,00 x 14 meses, a título de salário, € 110,00 x 11 meses, a título de subsídio de alimentação e € 15,63 x 12 meses, a título de outras remunerações regulares, o que perfaz o salário anual de € 8.817,56.
2. A ré empregadora havia transferido a sua responsabilidade infortunística laboral para a Ré Seguradora, em função da retribuição anual ilíquida de apenas € 7.731,20, ao abrigo da Apólice n.º …….. que titulava o respectivo contrato de seguro, então em vigor.
3. No referido dia, no cumprimento de ordens que a sua entidade patronal lhe impôs, o autor achava-se a prestar serviços de operador indiferenciado da sociedade E…, no âmbito de um contrato de cedência de trabalhadores celebrado entre ambas as sociedades comerciais.
4. O autor operava numa máquina designada Tecnomack, que realiza cortes em tecidos, nas medidas pretendidas.
5. O tecido é colocado dentro da máquina e esta só opera ao seu corte mediante o seu accionamento pelo operador.
6. Em determinado momento, o autor deu ordens para a máquina realizar um corte, o que máquina fez.
7. Após ter feito o corte, o autor viu que o tecido se encontrava desajeitado para continuar a produção.
8. Então, procedeu ao ajeitamento do tecido.
9. Contudo, enquanto o fazia, a máquina deu um erro inesperado e procedeu a um segundo corte ainda que o autor não o tivesse accionado ou dado a respectiva ordem de comando.
10. Tendo, nesse preciso momento, sido atingido pela guilhotina da máquina no segundo dedo da mão direita sem que nada o fizesse prever.
11. Consequentemente, o autor ficou a padecer de ferimentos na mão direita, mais concretamente coto de amputação de D2 por F2 distal.
12. O autor iniciou as funções de operador na identificada empresa na data em que foi igualmente admitido ao serviço da 2.ª ré.
13. Foi colocado pela sua entidade patronal a trabalhar num sector para o qual a empresa cessionária o ensinou a operar na referida máquina por intermédio das instruções da sua superiora hierárquica, tendo o autor operado a mesma nos termos que lhe foram ensinados.
14. A referida máquina tinha portas dianteiras que sempre que eram abertas não despoletavam qualquer sistema de desligamento, mormente para aceder aos rolos de tecido.
15. Após o sinistro dos autos, passou a desligar sempre que as referidas portas eram abertas.
16. Trata-se de uma máquina onde é introduzido numa das suas laterais o tecido próprio, destinado às laterais dos colchões.
17. O tecido passa pelo interior da máquina e na parte final do processo, numa das outras laterais da máquina encontra-se uma guilhotina que procede ao corte automático do tecido em medidas previamente estabelecidas.
18. Na sua zona frontal, onde o operador se encontra, existe uma divisória para o interior da máquina com duas portas.
19. Na máquina são visíveis os dísticos que proíbem a introdução das mãos dos trabalhadores no interior da máquina, máxime na zona da sua guilhotina.
20. Apesar do sinal colocado na máquina a proibir a introdução da mão no interior da máquina, e sem antes parar a máquina no botão destinado a esse efeito, partindo da inexistência de ordem de acionamento do corte, o autor acedeu ao interior da máquina pela sua parte lateral entrando com os dedos na zona da guilhotina.
21. O autor trabalhava com aquela máquina há cerca de nove meses.
2. Factos não provados:
1. Na data do acidente, as duas portas existentes na zona frontal, quando eram abertas para manutenção ou outra situação paravam de imediato a máquina.
2. O trabalhador apenas tem de se colocar na frente da máquina onde se encontra a mesa de comando e controlar a produção através da passagem do tecido e respectivo corte.
3. Se precisasse de, por algum motivo, aceder ao interior da máquina devia fazê-lo pela sua parte frontal, o que tem logo o efeito de fazer parar a máquina.
4. O autor removeu a protecção lateral da máquina para acedeu ao seu interior.
5. O autor sabia que, em caso algum, devia colocar a mão e dedos na zona da sua guilhotina, bem como que para aceder ao interior da mesma devia fazê-lo pela sua parte frontal e não pela sua parte lateral, para isso tendo recebido expressa formação”.
***
III. Fundamentação

1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, são as seguintes as questões a apreciar no recurso e sua ampliação:
- Impugnação da decisão da matéria de facto;
- Da descaracterização do acidente como acidente de trabalho com fundamento no art. 14º, nº 1, al. a), da LAT/2009[1].

2. Da impugnação da decisão da matéria de facto [objeto da ampliação do recurso na sequência do despacho de rectificação proferido aos 16.05.2019]

A Ré Recorrente impugna o nº 5 dos factos não provados [“5. O autor sabia que, em caso algum, devia colocar a mão e dedos na zona da sua guilhotina, bem como que para aceder ao interior da mesma devia fazê-lo pela sua parte frontal e não pela sua parte lateral, para isso tendo recebido expressa formação”], pretendendo que o mesmo seja dado como provado.
Sustenta a impugnação: i) em simples presunção judicial assente nos nºs 1, 3 a 10 e 12 a 21 dos factos provados; ii) em simples presunção judicial alicerçada na normal experiência da vida quanto ao segmento em que se refere que “O autor sabia que, em caso algum, devia colocar a mão e dedos na zona da sua guilhotina;”; iii) no depoimento de parte do A. “produzido e gravado na audiência de julgamento de 11.03.2019, 9h30 (sistema de gravação: 00:00:01-00:41:16), em que, para além do exarado, por confessório, em acta (O A. declarou que não parou a máquina e que em vários locais da máquina existia uma sinalética proibitiva da introdução da mão no interior da máquina.), este reconheceu e afirmou expressamente o conjunto daqueles dois factos, ora aqui em apreço.”
Tendo sido dado cumprimento ao disposto no art. 640º, nºs 1 e 2, al. a), cumpre apreciar.

2.1. Na fundamentação da decisão da matéria de facto foi referido pelo Mmº Juiz o seguinte:
“De uma forma geral, quer o autor quer todas as testemunhas foram unânimes na descrição do acidente, ou seja, depois do autor ter colocado a máquina em funcionamento, este teve necessidade de ter acesso ao seu interior e acedeu pela parte lateral [local onde saía o tecido e onde se situava a guilhotina] e foi atingido pela guilhotina. Mas existem aspetos que resultam das declarações do próprio autor, mais concretamente o motivo que o levou a colocar a mão naquela zona [engelhamento do tecido junto à guilhotina] e a sua justificação para o fazer sem parar a máquina [a máquina não tinha ordem para cortar, o que significa que só por erro no sistema da própria máquina tal sucedeu]. Estas situações foram consideradas normais pelas testemunhas F…, operador da máquina que era superior do autor e que continua a trabalhar na empresa e G…, operador da máquina que fazia o turno da manhã, que confirmaram que quando o tecido engelhava era necessário meter as mãos dentro da máquina, sendo que a testemunha F… referiu que consideravam que como a máquina não tinha ordem para cortar, tal não devia acontecer e, por isso, a máquina estava parada, não sendo necessário pará-la no botão destinado a esse fim e que este tipo de erros, ou outros menos graves, aconteciam naquela máquina, motivo pelo qual a testemunha G… referiu que se recusava a introduzir a mão naquela zona porque já tinha tido problemas. Perante estes depoimentos consideramos que a versão dos factos trazida aos autos pelo autor é verosímil e deve ser considerada provada. Importa, no entanto, saber quais as ordens que existiam quando ocorriam estas situações: o autor, bem como as testemunhas F… e G…, confirmaram que não havia uma ordem expressa para não proceder como o autor procedeu, apesar da sinalética que todos confirmaram, sendo que a testemunha F… afirmou que, tendo em conta a forma como o autor descreve o acidente, o procedimento que o autor efetuou era o normal pois, para eles, a máquina estava parada pois não tinha ordem de corte e, por isso, a guilhotina não devia funcionar e a testemunha G… referiu até que, apesar de não fazer daquela forma, era assim que via os seus chefes fazerem porque da forma como fazia tinha muitas paragens na medida em que desligando a máquina esta tinha que reiniciar todo o processo, o que era demorado e, por isso, para evitar paragens, a forma normal de agir era colocar ali a mão para arranjar o tecido, partindo-se do princípio que era seguro porque não havia ordem de corte. Estas testemunhas acabam por aceitar que as instruções e a formação existente acabava por apontar neste sentido. (…)”.

2.2. Na ata da audiência de julgamento ficou consignado o seguinte, quanto ao depoimento do A.:
“Findo o depoimento supra, pelo Mmo. Juiz de Direito foi ordenado a redução a escrito a parte confessória do depoimento de parte, bem como as explicações pelo mesmo referidos por serem incindíveis a tal confissão - art.º 531.º do C.P.C.:
-O A. declarou que não parou a máquina e que em vários locais da máquina existia uma sinalética proibitiva da introdução da mão no interior da máquina.”

2.3. Procedeu-se à audição integral do depoimento de parte do A., bem como dos depoimentos das testemunhas F… e G….
Cumpre começar por dizer que, pese embora da ata da audiência de julgamento conste que deverão ser reduzidas a escrito não apenas a parte confessória do depoimento do A., como também as explicações pelo mesmo dadas por serem incindíveis a tal confissão, o certo é que tais explicações, que foram também referidas pelo A. [como decorre do seu depoimento, a cuja audição se procedeu], afinal não ficaram consignadas na acta como nesta havia sido determinado que ficassem.
E, na verdade, a confissão é, nos termos do art. 360º do CC, indivisível, dispondo tal preceito que se a declaração confessória, judicial ou extrajudicial, for acompanhada da narração de outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, a parte que dela quiser aproveitar-se como prova plena tem de aceitar também como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se provar sua inexactidão.
Ora, no caso, a declaração confessória do A. que ficou consignada em ata e foi efectivamente acompanhada do relato de outros factos tendentes a infirmar a sua eficácia, factos estes de cuja inexactidão não foi feita prova.
Com efeito, o teor do depoimento do A. está em consonância com o que o Mmº Juiz consignou, em síntese desse depoimento, na fundamentação da decisão da matéria de facto que acima se transcreveu.
Na verdade, afirmou o A., por diversas vezes, que: colocou a mão no sítio em causa “porque sabia que não havia perigo” uma vez que, tendo dado apenas uma ordem de corte e tendo, depois, a máquina parado, não devia ela ter cortado uma segunda vez; que o que lhe foi transmitido na formação que teve era que “desde que não ponhas a mão lá dentro quando a lâmina se mexe, não há perigo”; que essa era a forma de agir, que a forma como acedeu ao tecido era a normal; que o local para aceder ao tecido era por onde o fez uma vez que era aí que se encontrava o tecido que precisava de ser ajeitado; a abertura da porta da frente da máquina, à data do acidente, não a fazia parar automaticamente [só após o acidente é que ela foi modificada]; não era preciso desligar a máquina “quando isso acontecesse”, não tinha instruções para isso [“só quando o reclame estava mal cozido é que tinham que desligar a máquina para que ela parasse de cozer”]; “desde que eu não metesse a mão quando ela [reportando-se à lâmina] se mexesse, não havia perigo porque ela estava parada. Ela parada não corta”; que os dísticos significavam “não meter a mão na máquina quando a lâmina se mexesse”; como fez foi como lhe ensinaram a trabalhar; “fiz a operação em segurança porque não era suposto a lâmina mexer-se, a máquina deu um erro”, “a lâmina mexeu-se porque foi um erro da máquina”, nunca lhe foi dito que a lâmina se “mexia sozinha”, sem dar a ordem de corte, a lâmina só se “mexe” se for dada a ordem de corte e “só se mexe uma vez”, sendo que já se havia “mexido” e por isso estava na posição de estar parada.
E à pergunta sobre se para aceder ao interior da máquina devia fazê-lo pela sua parte frontal e não pela sua parte lateral, para isso tendo recebido expressa formação, respondeu que não, que “dependia da situação em que estivesse, tanto ia à parte frontal, como à lateral”, sendo que, acrescentamos nós, nem o tecido que necessitava de ser ajeitado se encontrava na parte frontal da máquina [como tal considerando-se a que fica em frente ao computador], nem a abertura das portas dessa parte da máquina a desligavam ou faziam parar, nem a parte lateral [onde se encontrava o tecido a ajeitar e a lâmina] tinha porta ou protecção de segurança que impedisse a colocação da mão, como tudo decorre também do depoimento do A. e das testemunhas F… e G…, conforme adiante se dirá.
Ou seja, o depoimento do A. não corrobora a alteração da decisão da matéria de facto que a Recorrente pretende.
E essa alteração não é, nem pode ser, sustentada em presunções judiciais assentes nos nºs 1, 3 a 10 e 12 a 21 dos factos provados e “na normal experiência da vida” pois que o pretendido é contrariado pela prova pessoal prestada, seja pelo depoimento do A., acima referido, seja pelos depoimentos das testemunhas F… e G… que contrariam o que a Recorrente pretende que seja dado como provado.
Quanto aos depoimentos de tais testemunhas, a cuja audição se procedeu, estão eles em consonância com o que o Mmº Juiz fez consignar na decisão da matéria de facto, deles decorrendo que o A. não sabia que, em caso algum, devia colocar a mão e dedos na zona da guilhotina, que o deveria fazer pela parte frontal da máquina [cujas portas aliás, como decorre dos referidos depoimentos, quando abertas não faziam desligar e/ou parar o funcionamento da máquina, mecanismo que apenas foi introduzido após o acidente] e não pela sua parte lateral.
F…, que deu formação, referiu, designadamente, que avisava para tomarem atenção e que embora diga sempre que há um risco, com a “lâmina parada, a priori não há problema”, “supostamente, se está parada, não vai ligar, funcionar sozinha; era um procedimento normal, limpar, tirar o material, não havia necessidade de ligar emergências ou outras funções para essa tarefa”; à pergunta sobre se para aceder à zona de guilhotina era preciso primeiro parar a máquina, respondeu que entende como “parada” quando a máquina está ligada, mas não recebeu [a máquina] ordem de funcionamento” e que, quando ela “está parada, à priori não funciona”, quando “ela não recebe nenhuma ordem de corte, ela está parada”, não havia instruções para desligar a máquina, até à data do acidente se a máquina estivesse parada era seguro aproximar as mãos da lâmina; a máquina corta e pára, só permitindo cortar uma vez, sempre que é para cortar novamente tem que se introduzir a ordem no computador.
G… referiu igualmente e em síntese que de acordo com a formação recebida “tinha que meter as mãos lá dentro, foi assim que me ensinaram, os próprios chefes fazem assim”, “quando não se dá ordens à máquina ela está parada, foi assim que me ensinaram”, mas que, não obstante e como já tivesse sido atingido num dedo, após isso e por sua iniciativa passou então a desligar a máquina.
Acresce dizer que o referido nos nºs 7 a 9 dos factos provados [7. Após ter feito o corte, o autor viu que o tecido se encontrava desajeitado para continuar a produção. 8. Então, procedeu ao ajeitamento do tecido. 9. Contudo, enquanto o fazia, a máquina deu um erro inesperado e procedeu a um segundo corte ainda que o autor não o tivesse accionado ou dado a respectiva ordem de comando], que não foram impugnados, mormente o nº 9, e que está em consonância com os depoimentos do A. e das mencionadas testemunhas, também não conforta a pretensão da Recorrente e a pretendida presunção judicial de que o A. saberia que, em caso algum, devia colocar a mão e dedos na zona.
Assim sendo, improcedem as pretendidas alterações à decisão da matéria de facto.

3. Da descaracterização do acidente de trabalho

Na sentença recorrida concluiu-se no sentido da não descaracterização do acidente de trabalho, do que discorda a Recorrente, invocando, no essencial, a “violação, com negligência grosseira e causal do sinistro, pelo autor de regras de segurança dadas pela respectiva entidade patronal, pelo que o fundamento para descaracterizar o acidente como de trabalho previsto no supra citado artº 14º/1, al. a) da LAT, sem que se tenha provado qualquer facto que, de alguma forma, justificasse aquela violação.”. E, para tanto, invoca os nºs 1, 3 a 10, 12 a 21, mormente os nºs 19, 20 e a matéria de facto acima impugnada [nº 5 dos factos não provados].
O recurso passava, em grande medida, pela procedência da impugnação desse nº 5 dos factos não provados, impugnação essa que foi julgada improcedente.

De todo o modo, e perante a matéria de facto provada, importa verificar se se verifica a causa de exclusão do direito à reparação prevista no art. 14º, nº 1, al. a), da Lei 98/2009.

3.1. Na sentença recorrida, após considerações de natureza jurídica, referiu-se o seguinte:
“No caso concreto a ré seguradora defende a existência de uma conduta grosseiramente negligente do autor violadora de uma instrução da entidade empregadora, ou seja, em caso de necessidade de intervenção na máquina, as instruções eram as de parar a máquina, acedendo ao tecido pelas portas dianteiras da máquina que imobilizavam imediatamente o seu funcionamento, permitindo assim o acesso, mesmo à zona da guilhotina, sem risco desta ser accionada. Mas o autor não fez isto, antes removeu uma proteção e acedeu pela parte lateral à zona da guilhotina, sendo atingido por esta que estava em funcionamento. No entanto, é certo que o autor não imobilizou a máquina e acedeu com os dedos à zona da guilhotina, não tendo parado a máquina no botão destinado a este fim mas não resulta provado que existissem instruções do empregador ou da empresa utilizadora de mão-de-obra que impedissem aquela manobra e as intervenções da máquina não eram sempre feitas pela parte frontal, cujas portas também não paravam a máquina e não ficou minimamente provado, até pelo contrário, que o autor tivesse removido qualquer proteção da máquina. Pelo contrário, o que resulta é que o autor atuou de acordo com a prática corrente na empresa que era a de considerar que a máquina estava parada e, por isso, em segurança, por não existir uma ordem de corte e, por conseguinte, por a guilhotina não ter sido accionada, e assim de acordo com o ensinamento que recebeu e só um erro da máquina, inesperado para o autor, é que fez com que, mesmo sem ordem para o efeito, a guilhotina accionasse, o que significa que não podemos afirmar um comportamento negligente do autor na medida que que este tinha que aceder com as mãos ao interior da máquina pois tinha que desengelhar o tecido para poder continuar a produção, não era previsível o acionamento da guilhotina pois o autor não tinha dado ordem para o efeito e só com fundamento num erro da máquina é que a guilhotina foi accionada, o que não aconteceria sem o erro e, por isso, não existe uma previsibilidade que possa sustentar uma situação de negligência, muito menos grosseira, pois só uma facto ocasional e anormal é que levou ao acionamento da guilhotina. É certo que a máquina já tinha dado erros anteriormente mas nunca neste tipo de situações e, por isso, apesar de haver sinalética no sentido de não aceder ao interior da máquina, não podemos afirmar a negligência, pois esta sinalética não é absolutamente proibitiva na medida em que, de uma maneira ou de outra, o autor sempre teria que aceder ao interior da máquina. O único elemento que nos podia apontar para alguma negligência consiste no facto de não haver o cuidado de parar a máquina mas sempre seria em baixo grau pois o operador não pode normalmente contar com erros mecânicos ou elétricos ou de outro tipo da máquina, era o procedimento comum e a finalidade deste procedimento era a de não parar a produção pois se o autor desligasse a máquina esta tinha que reiniciar com o dispêndio de tempo inerente, ou seja, era uma finalidade provocada pela pressão da produção e não por questões de descuido pessoal do trabalhador.”

3.2. Sob a epígrafe “Descaracterização do acidente”, dispõe o art. 14º da Lei 98/2009, de 04.09 que:
1 - O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei;
b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.
2 - Para efeitos do disposto no alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar do incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.
3 - Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.
Tal preceito corresponde, sem alterações significativas, ao que dispunha o seu antecessor: arts. 7º da Lei 100/97, de 13.09 e 8º do DL 143/99, de 30.04, mantendo-se atual a doutrina e jurisprudência firmadas no âmbito destes diplomas.
Para que o acidente de trabalho seja, no caso previsto no citado art. 14, nº 1, al. a), 2ª parte, descaracterizado é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
(a) existência de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal ou previstas na lei;
(b) violação, por ação ou por omissão, dessas condições, por parte da vítima;
(c) que a atuação desta seja voluntária e sem causa justificativa[2], requisito de onde decorre que sinistrado saiba, ou deva saber, ou que tenha, ou deva ter, consciência da norma de segurança (decorrente da lei ou de imposição do empregador) e da sua consequente violação;
(d) que exista um nexo de causalidade entre essa violação e o acidente, nexo de causalidade esse que não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao acidente - – cfr. Acórdão do STJ de 26.09.2007, in www.dgsi.pt, Processo nº 07S1700, sendo ainda de salientar que, como decorre de tal aresto, para efeitos de descaracterização do acidente de trabalho se deverá atender ao nexo de causalidade adequada entre o comportamento da vítima e o acidente na sua formulação positiva [o facto só deve considerar-se causa adequada do dano que constitua uma consequência normal, típica, provável, dele], entendimento que mantém actualidade.
Por fim, cumpre referir que constitui jurisprudência pacífica que o ónus de alegação e prova dos factos integradores da descaracterização do acidente de trabalho (porque impeditivas do direito à reparação – art. 342º, nº 2, do Cód. Civil) recaem sobre a entidade responsável pela reparação do mesmo.

3.3. Na contestação a Recorrente havia alegado que o A. recebeu formação, pelo que sabia que, em caso algum, devia colocar a mão e dedos na zona da sua guilhotina, bem como que para aceder ao interior da mesma devia fazê-lo pela sua parte frontal e não pela sua parte lateral e tendo para o efeito removido a protecção lateral que existia, assim tendo violado a protecção e a sinalética existentes na máquina em questão.
Da matéria de facto provada resulta que:
- No dia 03 de Outubro de 2016, o A. sofreu um acidente quando operava numa máquina designada Tecnomack, que realiza cortes em tecidos, nas medidas pretendidas, máquina essa na qual é introduzido numa das suas laterais o tecido próprio, destinado às laterais dos colchões, tecido esse que passa pelo interior da máquina e na parte final do processo, numa das outras laterais da máquina encontra-se uma guilhotina que procede ao corte automático do tecido em medidas previamente estabelecidas (nºs 1, 4, 16, 17).
- O tecido é colocado dentro da máquina e esta só opera ao seu corte mediante o seu accionamento pelo operador. (nº 5)
- Em determinado momento, o autor deu ordens para a máquina realizar um corte, o que máquina fez. (nº 6)
- Após ter feito o corte, o autor viu que o tecido se encontrava desajeitado para continuar a produção, tendo então procedido ao ajeitamento do tecido (nºs 7 e 8).
- Contudo, enquanto o fazia, a máquina deu um erro inesperado e procedeu a um segundo corte ainda que o autor não o tivesse accionado ou dado a respectiva ordem de comando (nº 9),
- E tendo, nesse preciso momento, sido atingido pela guilhotina da máquina no segundo dedo da mão direita sem que nada o fizesse prever. (nº 10)
- O A. foi ensinado a operar na referida máquina por intermédio das instruções da sua superiora hierárquica, tendo o autor operado a mesma nos termos que lhe foram ensinados. (nº 13)
- Na máquina são visíveis os dísticos que proíbem a introdução das mãos dos trabalhadores no interior da máquina, máxime na zona da sua guilhotina. (nº 19)
- Apesar do sinal colocado na máquina a proibir a introdução da mão no seu interior, e sem antes desligar a máquina no botão destinado a esse efeito, partindo da inexistência de ordem de acionamento do corte, o autor acedeu ao interior da máquina pela sua parte lateral entrando com os dedos na zona da guilhotina. (nº 20)
- A referida máquina tinha portas dianteiras que sempre que eram abertas não despoletavam qualquer sistema de desligamento, mormente para aceder aos rolos de tecido. (nº 14)
- Após o sinistro dos autos, passou a desligar sempre que as referidas portas eram abertas. (nº 15)
- O autor trabalhava com aquela máquina há cerca de nove meses (nº 21).
Porque com relevância, importa referir que não se provou o seguinte, que a Recorrente sustentava na contestação no sentido de concluir pela descaracterização do acidente em causa: que “5. O autor sabia que, em caso algum, devia colocar a mão e dedos na zona da sua guilhotina, bem como que para aceder ao interior da mesma devia fazê-lo pela sua parte frontal e não pela sua parte lateral, para isso tendo recebido expressa formação” e, bem assim, que “ 1. Na data do acidente, as duas portas existentes na zona frontal, quando eram abertas para manutenção ou outra situação paravam de imediato a máquina. 2. O trabalhador apenas tem de se colocar na frente da máquina onde se encontra a mesa de comando e controlar a produção através da passagem do tecido e respectivo corte. 3. Se precisasse de, por algum motivo, aceder ao interior da máquina devia fazê-lo pela sua parte frontal, o que tem logo o efeito de fazer parar a máquina. 4. O autor removeu a protecção lateral da máquina para acedeu ao seu interior.”.

3.4. É certo que existia sinalética no local proibitiva da colocação das mãos ao alcance da guilhotina e, bem assim [ainda que não invocado pela Ré, seja na contestação, seja no recurso, mas que por se tratar de matéria de direito é do conhecimento por esta Relação – art. 5º, nº 3, do CPC/2013] que, nos termos do art. 46º da Portaria 53/71, de 03.02 (Regulamento Geral de Segurança e Higiene no Trabalho nos Estabelecimentos Industriais) “[a]s operações de limpeza, lubrificação e outras não podem ser feitas com orgãos ou elementos de máquinas em movimento (…)”, dispondo ainda os arts. 19º, nº 1 e 31º, al. a), do DL 50/2005, de 25.02[3], respetivamente, que “[a]s operações de manutenção devem poder efectuar-se com o equipamento de trabalho parado, (…)” e que “[a] fim de proteger a segurança dos operadores e de outros trabalhadores, os equipamentos de trabalho devem: (a) Ser (…) utilizados de modo a reduzir os riscos.».
Não obstante, a máquina em causa, quando ocorreu o acidente, conquanto não estivesse desligada [através do botão para o efeito], estava contudo parada, como decorre da conjugação dos nºs 6 a 9 [mormente deste] dos factos provados. Com efeito, o A. já havia dado a “ordem de corte”, a máquina já havia cortado e encontrava-se parada, sendo que foi em consequência de erro inesperado que ela procedeu a um segundo corte, o que ocorreu sem que o A. tivesse dado a respectiva ordem de comando e sem a qual não seria suposto que este segundo corte tivesse ocorrido.
É de referir ainda que não decorre da factualidade provada que, em tal situação [máquina parada por já ter executado a primeira ordem de corte e sem que uma segunda “ordem” tivesse sido accionada, este o procedimento que a faria accionar], a sinalética fosse proibitiva ou, pelo menos, claramente proibitiva, da colocação das mãos no local em que tal ocorreu.
Por outro lado, o A. não recebeu instruções, ordens ou formação da empregadora no sentido de, numa tal situação, atuar de forma diferente daquela em que o fez, como resulta do nº 13 dos factos provados, nos termos do qual o A. “operou” a máquina “nos termos que lhe foram ensinados” pela empregadora [rectius, pela empresa cessionária].
E, como decorre do nº 5 dos factos não provados, não se provou que o A. soubesse que, em caso algum, devia colocar a mão e dedos na zona da sua guilhotina e, bem assim, que tivesse recebido formação nesse sentido. Aliás, a formação que recebeu foi no sentido de atuar como atuou [nº 13 dos factos provados]. Não decorre, pois, da matéria de facto provada que o sinistrado soubesse ou tivesse consciência [ou devesse ter] da proibição, nas concretas circunstâncias em que ocorreu o acidente, de colocar as mãos no local em que o fez [sem previamente desligar a máquina, mas encontrando-se a mesma parada] por forma a se poder concluir que, ao atuar como atuou, estivesse a violar condição de segurança imposta por lei, pelo dístico colocado na máquina e, muito menos, por ordem ou instrução do empregador.
Por outro lado, também não se provou “que para aceder ao interior da mesma devia fazê-lo pela sua parte frontal e não pela sua parte lateral” e, bem assim que, para isso, tenha recebido expressa formação. A formação que recebeu foi no sentido de atuar como atuou e, por outro lado, à data do acidente a referida máquina, tendo embora portas dianteiras, a abertura das mesmas não despoletava qualquer sistema de desligamento, mormente para aceder aos rolos de tecido, sendo que só após o acidente é que a máquina se passou a desligar sempre que as referidas portas eram abertas [e, só após o acidente, foi colocada a protecção lateral, onde o A. colocou a mão]. E também não se provou que o A. tenha, tal como havia sido alegado pela Recorrente, retirado qualquer mecanismo de protecção para aceder ao tecido que precisava de ajeitar, mecanismo esse que aliás não existia.
Ora, assim sendo, não se nos afigura ter sido feita prova da existência, por parte do A., de violação, sem causa justificativa, de norma de segurança imposta pela empregadora, por normativo legal ou existente no local e, bem assim, que o haja feito de forma voluntária e consciente.
Acresce que, tendo em conta, para efeitos de descaracterização do acidente de trabalho e como acima referido, o nexo de causalidade adequada entre o comportamento da vítima e o acidente na sua formulação positiva (Acórdão do STJ de 26.09.2007, in www.dgsi.pt, Processo nº 07S1700) e atendendo ao concreto circunstancialismo do caso, mormente ao nº 9 dos factos provados, não se poderá dizer que o dano constitua uma consequência normal, típica, provável do comportamento do A.
Deste modo, improcedem as conclusões do recurso.
***
IV. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.

Porto,
Paula Leal de Carvalho
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
_____________
[1] Abreviatura da Lei 98/2009, de 04.09, que aprovou o novo regime jurídico da reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, e à qual se reportarão os preceitos que se indicarão sem outra menção de origem.
[2] Cfr. Acórdão do STJ de 17.05.2007, in www.dgsi.pt, Processo 07S053.
[3] Diploma que rege sobre prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho e que veio revogar o anterior DL 82/99, de 16.03 (alterado pela L. 113/99, de 03.08). Deste diploma constavam, também, preceitos (arts. 21º e 33º, al. a)) de teor idêntico ao dos arts 19º, nº 1, e 31º, al. a), do DL 50/05, acima citados.