Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3347/19.9T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO
Descritores: ARTIGO 145.º DO CPT
REVISÃO DA INCAPACIDADE CASO NÃO EXISTA PREVIAMENTE PROCESSO EM TRIBUNAL
INDEMNIZAÇÃO POR ITA EM CASO DE PRESTAÇÃO DE TRABALHO NESSE PERÍODO
Nº do Documento: RP202406283347/19.9T8VLG.P1
Data do Acordão: 06/28/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULAÇÃO DA SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - Na revisão da incapacidade em juízo a que se refere o art.º 145º do Código de Processo do Trabalho, nos casos em que não existe previamente processo em tribunal, porque não existe previamente uma definição das questões que são abordadas na tentativa de conciliação, seja por ter havido consenso seja por ter havido decisão judicial [cfr. art.ºs 111º e 112º do Código de Processo do Trabalho], pode ser necessário fazer diligências probatórias complementares para apurar factos necessários para sua decisão, donde dizer o legislador [art.º 145º, nº 8 do Código de Processo do Trabalho] que, nestes casos em que não existe processo prévio, se segue a tramitação do incidente previsto para o caso de ter existido processo em tribunal com as necessárias adaptações.
II - O dano que se visa reparar, em matéria de acidentes de trabalho, não é, em rigor, o da perda das retribuições, mas antes o da perda da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, sendo que a incapacidade de trabalho não pode confundir-se com a perda das retribuições, pelo que se o sinistrado tiver efetivamente prestado trabalho em período que vem a ser considerado de ITA, recebendo da empregadora, que não tem obrigatoriedade de transferir a responsabilidade para seguradora, a remuneração por esse trabalho efetivamente prestado, o pagamento de indemnização pelo período de ITA pela empregadora não implica um qualquer duplo ressarcimento do sinistrado.
III - Assim, resultando ter sido paga a remuneração, mas não constando do processo se foi efetivamente prestado trabalho no período de ITA, impõe-se anular a sentença nos termos do art.º 662º, nº 2, al. c) do Código de Processo Civil a fim de serem realizadas as diligências necessárias com vista a apurar tal facto, sendo de seguida proferida nova sentença.


(elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no art.º 663º, nº 7 do Código de Processo Civil (cfr. art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de apelação n.º 3347/19.9T8VLG.P1
Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Valongo – J1

Sinistrado: AA;

Entidade Responsável: “A..., S.A. Sociedade Aberta”.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO


AA (Sinistrado), em 09/12/2019 apresentou requerimento com o seguinte teor (que se reproduz em essência):
Pela presente, venho apresentar reclamação de sinistro ocorrido em 09/04/2009 em que o sinistrado sou eu (…) e que por motivos que desconheço até à presente data não fui ressarcido. No momento do acidente de trabalho que sofri do qual resultou …, tendo sido sujeito a duas cirurgias para reparação do dano corporal. Foi-me atribuída incapacidade temporária absoluta após o sinistro, situação que se manteve até ao dia.
Entretanto fui convocado para junta médica em 23 março de 2010 que foi realizada bem como em 03 agosto do mesmo ano que foi igualmente realizada.
Estranhamente fui convocado para nova junta médica para dia 14 fevereiro de 2011 que foi cancelada porque após junta médica de 03 de agosto me tinha sido atribuída alta sem qualquer incapacidade. Após reclamação por mim remetida para o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, fiquei a ter conhecimento que o sinistro por mim sofrido deveria ser apreciado e decidido nesse Tribunal, pela redação do Dec. Lei 503/99, de 20 novembro e da Lei 59/2008, de 11 de setembro, a responsabilidade da Entidade Patronal em acidentes de trabalho em acidentes de trabalho/serviço deverá ser transferida para uma seguradora. Como desconheço de todo se a empresa A..., S.A. efetuou a transferência da responsabilidade e porque já não estou ao serviço da mesma solicito a v/intervenção no sentido de resolver a minha situação.

O processo foi tramitado nos Serviços do Ministério Público, vindo a ser entendido ser de apresentar pedido de revisão [cfr. designadamente despachos de 23/04/2021 e 09/02/2022], na sequência do que, em 24/03/2022, o Sinistrado, com mandatária constituída, apresentou requerimento solicitando “revisão de incapacidade”, alegando ter sofrido acidente de trabalho em 08/04/2009 ao serviço dos “A..., S.A.”, e em 03/08/2010 em junta médica foi-lhe dada alta por se encontrar clinicamente curado, não sendo atribuída incapacidade permanente, mas tem sofrido um agravamento na sua saúde resultante da lesão derivada do acidente, terminando o requerimento dizendo que “em razão do agravamento do estado de saúde resultante das lesões sofridas, e da apresentação pelo Sinistrado de novos sintomas, em consequência do acidente de trabalho, vem requerer a reapreciação do estado de saúde do Requerente e a fixação da sua incapacidade, submetendo-se o Sinistrado a nova perícia médica”.
Foi, assim, dado início a “revisão da incapacidade em juízo” (art.º 145º do Código de Processo do Trabalho) – cfr. despacho de 04/04/2022.

Citada a Requerida, apresentou “oposição”, com dedução de exceções, a que o Sinistrado respondeu, sendo em 26/09/2022 proferido despacho que conheceu das questões/exceções que foram suscitadas, julgando-as improcedentes.
Destaca-se, por ser pertinente para a apreciação a fazer infra, que em tal despacho foi considerado o seguinte:
(…)
Com efeito, e conforme bem foi decidido na aludida sentença do tribunal administrativo de círculo do Porto, atenta a causa de pedir e a factualidade que lhe está subjacente, sendo o Autor um trabalhador que exerce/exerceu funções numa empresa que não se encontrava abrangida pelo disposto no artigo 2º, nos 1, 2 e 3 do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de novembro, antes pelo respetivo nº 4 (inserido na nova redação ao normativo) é-lhe aplicável o regime dos acidentes de trabalho, previsto no Código do Trabalho.
E assim sendo é materialmente competente para apreciar e decidir o presente incidente de revisão da incapacidade do Autor enquanto funcionário da Ré, o presente Juízo de Trabalho.
(…)
Sendo certo que quanto aos demais motivos de oposição invocados pela entidade responsável quanto ao mérito do presente incidente de revisão, os mesmos terão de ser apreciados no âmbito do procedimento e das diligências previstas para o incidente de revisão da incapacidade no artigo 145º do CPT.
Nesse despacho foi, ainda, determinada a realização de “exame médico de revisão da incapacidade do sinistrado”.

Realizado exame médico (singular), pelo perito médico foram formuladas as seguintes conclusões:
− a data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 03/08/2010;
− incapacidade temporária absoluta fixável num período total de 355 dias;
− incapacidade temporária parcial fixável num período total de 147 dias;
− incapacidade permanente parcial fixável em 3,00%;
− o examinado beneficia de tratamentos médicos regulares: tratamento fisiátrico nos períodos de agudização das queixas referidas ao punho e joelho esquerdos, de periodicidade a definir pelo médico assistente.

Depois de requerida, por Sinistrado e Entidade Responsável, a realização de junta médica, foram realizados exames por junta médica – nas especialidades de ortopedia e de medicina física e reabilitação, e sem especialidade –, destacando-se a afirmação pelos peritos médicos que tiveram intervenção na junta médica na especialidade de ortopedia do seguinte [o que foi acompanhado pelos peritos médicos que tiveram intervenção nas demais juntas médicas]: … do evento ocorrido em 09/04/2009 ocorreu traumatismo do joelho esquerdo com derrame articular com líquido serohematico e contusão do punho esquerdo radiologicamente com pseudartrose do escafoide cárpico esquerdo. A pseudartrose do escafoide não tem relação de causalidade com o evento de 09/04/2009, nem foi agravado por este. / Os registos clínicos revelam lesão ligamentar já conhecida e antecedentes de derrame articular das mesmas características em 2005 (episódio de urgência – folha 243 verso). Assim, admite-se que o evento agravou temporariamente a dor no joelho esquerdo, num período expectável de 3 meses (ITA de 09/04/2009 a 09/07/2009), sem agravamento sequelar definitivo do estado anterior do joelho;

Foi depois, em 18/02/2024, proferida decisão final/sentença a julgar o pedido de revisão parcialmente procedente, sendo em consequência decidido:
A) que o Sinistrado, AA, em consequência do acidente de trabalho em apreço nos presentes autos, se encontra sem IPP, sendo a data da consolidação médico-legal das lesões fixada em 09 de julho de 2009;
B) condenar a entidade responsável, “A..., S.A.”, a pagar ao Sinistrado a quantia de € 4.432,61, a título de indemnização pela incapacidade temporária em débito, acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, a calcular a partir da respetiva data de vencimento até integral e efetivo pagamento.
Para melhor perceção do objeto da condenação, desde já se transcrevem as partes da sentença recorrida que se referem à indemnização em cujo pagamento a Entidade Responsável foi condenada:
(…)
Ora, no caso dos autos, inexistindo fundamento legal que permita um entendimento diverso do emitido pelos senhores peritos nas juntas médicas realizadas e não se afigurando necessária a realização de outras diligências, importa considerar que o Sinistrado se mantém sem IPP, apenas tendo sofrido um agravamento temporário das lesões, com uma ITA (correspondente ao período durante o qual a vítima esteve totalmente impedida de realizar a sua atividade profissional), desde 09/04/2009 a 09/07/2009, fixável num período total de 91 dias com a data da consolidação médico-legal das lesões fixável em 09/07/2009.
Com efeito, importa atender ao período de incapacidade temporária fixado nos aludidos autos de junta médica.
Com efeito, o nº 1 do artigo 70º da LAT determina que «quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação (…) a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada», sendo certo que «a expressão “prestações” tem um sentido mais abrangente do que “pensões” pois engloba também as indemnizações decorrentes de Its.» (Ac. RC, de 12/02/2009; www.dgsi.pt/jtrc - Proc. nº 602/04.6TTAVR.C1).
(…)
Está, assim, em falta o pagamento ao sinistrado da ITA desde 09/04/2009 a 09/07/2009, fixável num período de 91 dias.
O regime legal a ter em conta é o que decorre das disposições legais conjugadas dos artigos 2º, 3º, 6º, 7º, 8º, 23º, 39º, 47º, 48º, 50º, 70º, 71º, 75º, 76º e 77º, da Lei nº 98/2009, de 04 de setembro ex vi do disposto no artigo 10º da Lei nº 27/2011, de 16 de junho, e bem assim, dos artigos 145º e 135º, do Código de Processo do Trabalho.
(…)
Importa ter conta que in casu os A..., S.A. atribuíram alta ao Sinistrado sem qualquer incapacidade, não tendo sido fixada, nessa altura, nenhuma pensão reparatória do acidente de trabalho ao Sinistrado.
E conforme já se referiu, apesar do sinistrado se manter sem IPP, o mesmo sofreu um agravamento temporário das lesões, com uma ITA (correspondente ao período durante o qual a vítima esteve totalmente impedida de realizar a sua atividade profissional), desde 09/04/2009 a 09/07/2009, fixável num período total de 91 dias com a data da consolidação médico-legal das lesões fixável em 09/07/2009.
Assim, tem o Sinistrado direito à indemnização devida pelos referidos dias de ITA.
Para tanto, importa apurar a retribuição anual do Sinistrado, recorrendo-se para tanto aos seus recibos de vencimento dos meses de fevereiro, março, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2009 e dos meses de janeiro e de fevereiro de 2010, juntos aos autos em 17/02/2020 (cfr. Refª 25147864).
Assim, dos mesmos resulta o vencimento base do Sinistrado de € 961,50, o montante mensal de diuturnidades de € 152,85, o montante de € 195,14 a título de subsídio de refeição correspondente 22 dias úteis, o montante mensal de € 13,11 de diuturnidades especiais, o montante médio mensal de € 63,10 a título de horário noturno [= (€ 71,11 + € 60,44 + € 76,31 + € 54,51 + € 72,68 + € 25,96 + € 72,80 + € 72,68 + € 76,31 + € 29,07 + € 61,77 + € 83,58) : 12], o montante médio mensal de € 24,85 a título de abono de família [= ((€ 11,29 x 9) + (€ 45,18 x 6)) : 15], o montante médio mensal de € 99,97 a título de Comp. Hor. Incov. [= (€ 113,77 + € 96,70 + € 122,10 + € 87,21 + € 46,16 + € 116,28 + € 116,28 + € 122,10 + € 46,51 + € 98,84 + € 133,72) : 11], o montante médio mensal de € 38,81 a título de Compl. Alt. L. Tr. Cicl. [= (€ 37,09 +€ 41,18 + € 37,44 + € 37,44 + € 37,44 + € 39,31 + € 35,57 + € 37,44 + € 41,18 + € 39,31 + € 43,06 + € 39,31) : 12], o montante médio mensal de € 143,51 a título de Sub. Chefia Subst. [= (€ 142,50 + € 165,00 + € 150,00 + € 150,00 + € 150,00 + € 142,50 + € 165,00 + € 157,50 + € 150,00 + € 165,00 + € 157,50 + € 13,11 + € 157,50) : 13], o montante médio mensal de € 31,81 a título de pequenos almoços [= (€ 36,20 + € 30,77 + € 27,45 + € 38,43 + € 36,60 + € 12,81 + € 36,60 + € 36,60 + € 38,43 + € 14,64 + € 31,11 + € 42,09) : 12] e o montante médio mensal de € 172,30 a título de Ab Viag/Auto [= (€ 181,06 + € 220,12 + € 165,85 + € 190,99 + € 169,14 + € 201,25 + € 126,44 + € 156,23 + € 142,00 + € 189,66 + € 152,59) : 11].
Assim, (€ 961,50 x 14) + (€ 152,85 x 14) + (€ 195,14 x 11) + (€ 13,11 x 14) + (€ 63,10 x 13) + (€ 24,85 x 13) + (€ 99,97 x 13) + (€3 8,81 x 13) + (€ 143,51 x 13) + (€ 31,81 x 13) + (€ 172,30 x 13) = € 13.461,00 + € 2.139,90 + € 183,54 + € 2.146,54 + € 820,30 + € 323,05 + € 1.299,61 + € 504,53 + € 1.865,63 + € 413,53 + € 2.239,90 = € 25.397,53.
Deste modo, € 25.397,53: 365 = € 69,58 x 70% = € 48,71 x 91 dias = € 4.432,61.
Assim sendo, o Sinistrado tem direito ao montante de € 4.432,61 de indemnização pelos supra referidos 91 dias de ITA (de 09/04/2009 até 09/07/2009) que não resulta dos presentes autos que lhe tenham sido pagos.

Não se conformando com a decisão final/sentença proferida, veio a Entidade Responsável interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[1]:
A) Vem o presente recurso interposto da decisão de fls., na parte que condenou a Recorrente nos termos que, de seguida, se reproduzem:
(…)
DECISÃO: Pelo exposto, aplicando os citados normativos à matéria de facto apurada, nos termos do disposto no art.º 145°, n° 6, do C.P.T. julgo o pedido de revisão parcialmente procedente e em consequência: (...)
B) Condeno a responsável “A..., S.A.” “a pagar ao Sinistrado a quantia de € 4.432,61, a título de indemnização pela incapacidade temporária em débito, acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, a calcular a partir da respetiva data de vencimento até integral e efetivo pagamento”.
B) Submete à apreciação dos venerandos Desembargadores:
- DA NULIDADE DA SENTENÇA, nos termos do artigo 615° do CPC, alíneas c) d) e e), por:
> Excesso de pronúncia
> Condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido
> Contradição insanável entre a fundamentação e a decisão
- DO ERRO DE JULGAMENTO
C) Em 09/01/2019 em requerimento inicial (Acidente de Trabalho), o Sinistrado reclamava não lhe ter sido fixada uma incapacidade decorrente de acidente de trabalho ocorrido em 09 de abril de 2009, consequentemente não lhe ter sido paga indemnização a esse título, concluindo com o pedido apreciação do seu estado de saúde e fixação de incapacidade e apresentação dos respetivos quesitos nessa matéria, o que reitera em requerimento remetido aos autos em 26/11/2020 - Ref: 27473934, onde alega agravamento do seu estado de saúde em consequência das lesões sofridas no referido acidente de trabalho, pedido que reitera no requerimento de revisão de incapacidade/pensão apresentado em 23/03/2022 - Ref: 770465.
D) Em nenhum momento esteve em causa nos presentes autos a falta de pagamento de quaisquer quantias, pelo que, consequentemente o Sinistrado não pediu, nem podia pedir a condenação da Entidade Responsável A... S.A., no pagamento de quaisquer montantes a título de ITA ou ITP.
E) A 04 de abril de 2022, os autos de Acidente de Trabalho são autuados em processo de incidente de revisão de incapacidade pensão, restando avaliar relativamente ao acidente ocorrido em 09/04/2009, se dele resultou uma IPP, e se à data da atual avaliação estaria agravada.
F) Os quesitos apresentados pelo Sinistrado cingem-se apenas e só ao grau de incapacidade. O Tribunal a quo definiu que o objeto da perícia se limitava à resposta aos referidos quesitos que visavam apurar e fixar o eventual grau de incapacidade (IPP) decorrente do acidente, em caso afirmativo desde quanto, sendo essa a questão avaliada pelos senhores peritos.
G) De acordo com o previsto no artigo 145° do CPT, ao Tribunal, após a realização das diligências periciais, cabe decisão sobre a fixação, manutenção, aumento, redução ou extinção da Incapacidade, consequentemente sobre as obrigações a que a Entidade Responsável se encontra obrigada, conforme resulta do texto da norma ínsita no n° 6 do artigo 145.° do CPT.
H) De com o previsto no n°8 do mesmo artigo, aplicável aos casos em que a Entidade Responsável uma seguradora, (no caso dos autos, os A... enquanto auto seguradora, de acordo com o regime de acidentes de trabalho em vigor até 31/12/2015, aplicável aos trabalhadores subscritores da CGA) e que o acidente não tenha sido participado ao Tribunal por o sinistrado ter sido curado sem incapacidade, como sucede no caso em apreço.
I) Nessa medida, a decisão recorrida, não poderia ir para além do que infra se transcreve:inexistindo fundamento legal que permita um entendimento diverso do emitido pelos senhores peritos nas juntas médicas realizadas e não se afigurando necessária a realização de outras diligências, importa considerar que o Sinistrado se mantém sem IPP” (Sublinhado nosso).
J) Não obstante, o Mmº Juiz a quo, desviou-se do objeto da presente ação quando se pronuncia e decide sobre o seguinte:
Está, assim, em falta o pagamento ao sinistrado da ITA desde 09/04/2009 a 09/07/2009, fixável num período de 91 dias. O regime legal a ter em conta é o que decorre das disposições legais conjugadas dos artigos 2o, 3o, 6o, 7o, 8o, 23°, 39°, 47°, 48°, 50°, 70°, 71°, 75°, 76° e 77°, da Lei n° 98/2009, de 04 de setembro ex vi do disposto no artigo 10° da Lei n° 27/2011, de 16 de junho, e bem assim, dos artigos 145° e 135°, do Código de Processo do Trabalho. (...)
(...) Importa ter conta que in casu os A..., S.A. atribuíram alta ao sinistrado sem qualquer incapacidade, não tendo sido fixada, nessa altura, nenhuma pensão reparatória do acidente de trabalho ao sinistrado. E conforme já se referiu, apesar do sinistrado se manter sem IPP, o mesmo sofreu um agravamento temporário das lesões, com uma ITA (correspondente ao período durante o qual a vítima esteve totalmente impedida de realizar a sua atividade profissional), desde 09/04/2009 a 09/07/2009, fixável num período total de 91 dias com a data da consolidação médico legal das lesões fixável em 09/07/2009.
K) A decisão proferida é nula porquanto se pronunciou sobre questões que não se deveria ter pronunciado, condenando a Entidade Responsável para além do pedido contra aquela formulado, conhecendo sobre questões que não foram submetidas à apreciação, porquanto nem o próprio sinistrado reclamou nada a esse título, sendo certo que o MP já tinha verificado o cumprimento das obrigações da Entidade Responsável.
L) O Tribunal a quo não poderia conhecer da questão não suscitada nos autos relativa aos períodos de incapacidade temporária sofridos pelo Sinistrado, pelo que, nessa medida, a douta decisão sempre terá de ser declarada nula, por excesso de pronúncia.
M) Ainda que por mero dever de raciocínio se considerasse que o Tribunal se poderia socorrer do disposto no art.º 74° do Código de Processo do Trabalho, ainda assim tal condenação estaria condicionada ao prévio cumprimento do contraditório, que não foi cumprido.
N) Excesso de pronúncia que converge na condenação para além do pedido, tendo em conta que em consequência da primeira ocorre a condenação ao pagamento ao sinistrado de “€ 4.432,61, a título de indemnização pela incapacidade temporária em débito, acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, a calcular a partir da respetiva data de vencimento até integral e efetivo pagamento”, condenação que é nula pelas mesmas razões já apontadas.
O) Pala além das já arguidas nulidades, verifica-se ainda que o Mmº Juiz a quo com vista à concretização da condenação traçada, se socorre dos elementos constantes dos autos que segundo o raciocínio lógico, deveriam levar à inevitável absolvição da Entidade Responsável, e com eles promove uma condenação apoiada em elementos de prova que levam a conclusão absolutamente contrária ao decidido.
P) Veja-se que o apuramento da alegada indemnização devida ao sinistrado é feita com base nos 12 boletins de vencimento do Sinistrado posteriores ao acidente Assim, tem o sinistrado direito à indemnização devida pelos referidos dias de ITA. Para tanto, importa apurar a retribuição anual do sinistrado, recorrendo-se para tanto aos seus recibos de vencimento dos meses de fevereiro, março, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2009 e dos meses de janeiro e de fevereiro de 2010, juntos aos autos em 17/02/2020 (cfr. Refª 25147864)”.
Q) Logo, a Decisão recorrida encontra-se ferida de erro de raciocínio lógico, ambiguidade ou obscuridade que a tornam ininteligível, porquanto faz o Mmº Juiz a quo, o apuramento da retribuição com base nos boletins de vencimento constantes juntos aos autos em 17/02/2020 (cfr. Refa 25147864), sendo essa a prova documental que faz prova de que todas as quantias devidas a título de ITA se encontram pagas.
R) Conclui-se assim que a decisão proferida pelo Tribunal a quo está viciada por excesso de pronúncia, por ter condenado para além do pedido e pelos seus fundamentos estarem em oposição com o decidido em nos termos do art.º 615.°, nº 1, al. c) d) e e), o que determina a nulidade da decisão, o que se requer.
S) Ainda que os Venerandos Juízes Desembargadores não entendam verificadas as nulidades arguidas, o que não se concebe nem concede, sempre se dirá que a decisão proferida, na parte em que condena a Entidade Responsável ao pagamento “€4.432,61, a título de indemnização pela incapacidade temporária em débito, acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, a calcular a partir da respetiva data de vencimento até integral e efetivo pagamento”, deve ser revogada por verificado Erro de Julgamento.
T) Viola do disposto no. n° 2 do art.º 71°, da Lei 98/2009, assim como o disposto no art.º 261°, n° 3, do Código do Trabalho, e ainda o disposto 48.°, nos 1 e 3, al. d), da Lei nº 98/2009.
U) Primeiramente, ainda sem prescindir do alegado quanto às nulidades invocadas, a decisão recorrida lavra em erro ao utilizar para apuramento do valor da retribuição os doze boletins posteriores à data do acidente.
V) Depois, porque não faz a valoração da prova documental junta aos autos da forma que o deveria fazer, obtendo uma condenação com base nos documentos que provam exatamente o contrário do decidido, concluindo de forma ininteligível que não resulta provado dos autos que tenha sido feita prova do pagamento ao sinistrado das quantias que apurou.
W) Os documentos juntos pela Entidade Responsável, dos quais erradamente o Douto Juiz a quo, se socorreu para fazer o apuramento dos montantes alegadamente devidos ao sinistrado, são exatamente os que demonstram que lhe foram pagas, nomeadamente as seguintes quantias: no mês de abril de 2009 de € 1.517,99, no mês de maio de 2009 € 1.298,55, no mês de junho de 2009 € 1.490,10, e no mês de julho de 2009 € 1.854,32.
X) Em erro, lavrou a presente decisão porquanto não fez a devida valoração de prova documental que consta dos seguintes requerimentos:
No dia 24 de janeiro, a recorrente remeteu aos autos informação sobre o discriminativo de todos os montantes pagos desde a data do acidente até à data da alta – Ref: 24918578 – 27/01/2020;
No dia 14 de fevereiro de 2020, a recorrente remeteu aos autos todos os Boletins de vencimento atinentes a todas as verbas pagas, nos períodos de incapacidade, reparatórias do acidente sofrido pelo trabalhador em 09/04/2009, com alta na situação de curado sem qualquer incapacidade no dia 03 de agosto de 2010 – Ref: 25147864 de 17/02/2020.
No dia 02 de julho, depois do envio de outras informações aos autos, a recorrente reitera a informação anteriormente prestada – Ref: 26174383 de 02 de julho de 2020;
No dia 16 de setembro de 2020, a Entidade responsável volta a juntar aos autos os boletins de vencimento posteriores ao acidente, desde abril de 2009 a agosto de 2010, informação registada com a Ref: 26754494 de 17/09/2020.
Y) Se alguma dúvida se colocasse no espírito do Meritíssimo Juiz a quo, sempre o mesmo deveria ter considerado como razoável mencionar que os montantes apurados deveriam ser descontados os montantes já pagos.
Z) Enferma a presente decisão de erro de julgamento porquanto ignorou em absoluto os elementos fornecidos ao processo e que impunham uma decisão diversa, devendo ser declarada nula, ou revogada na parte recorrida que considera parcialmente procedente e condena os A... S.A ao pagamento de € 4.432,61, a título de indemnização pela incapacidade temporária em débito, acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, a calcular a partir da respetiva data de vencimento até integral e efetivo pagamento.
AA) A decisão recorrida, porque não aplicou corretamente o direito, enferma de nulidade nos termos do disposto no art.º 615º, nº 1, al. c), d) e e) CPC, violou o disposto nos artigos 341°, 362° e 371° do Código Civil e ainda o disposto no. n° 2 do art.º 71°, da Lei 98/2009, assim como o disposto no art.º 261º, nº 3, do Código do Trabalho.
BB) Nestes termos, e nos mais de direito, sempre do douto suprimento de V. Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso e ser revogada a Decisão e substituída por outra que julgue a total improcedência da Ação.
Termina dizendo dever ser concedido provimento ao recurso e revogado a sentença recorrida e substituída por outra que julgue a total improcedência do incidente de revisão da incapacidade/pensão com a consequente total absolvição do pedido.

O Sinistrado, juntando comprovativo de ter solicitado apoio judiciário (incluindo modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo), apresentou resposta, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem:
1- A Douta Sentença não se encontra ferida de Nulidade por excesso de pronúncia, condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido e contradição insanável entre a fundamentação e a decisão;
2- Não existiu qualquer erro de julgamento;
3- A Douta decisão não merce qualquer reparo, e deverá ser mantida;
4- A perícia admitiu por unanimidade um agravamento temporário das queixas ao nível do joelho esquerdo, num período expectável de 3 meses (ITA de 09/04/2009 a 09/07/2009), sem agravamento sequelar definitivo do estado anterior do joelho;
5- A qual é contraria as conclusões iniciais “… in casu A..., S.A. atribuíram alta ao Sinistrado sem qualquer incapacidade, não tendo sido fixada, nessa altura, nenhuma pensão reparatória do acidente de trabalho do Sinistrado”.
6- E como tal nessa altura a entidade patronal não pagou ao sinistrado qualquer valor a título de ITA;
7- Ora à luz da perícia mais recente tem o Sinistrado direito a receber os valores não recebidos de ITA, não tendo a Douta sentença com a condenação do pagamento dos A... ao sinistrado do valor de € 4.432,61 incorrido em qualquer excesso de pronúncia ou sequer erro de julgamento;
8- Valor esse que nunca foi pago ao Sinistrado, e como tal deve ser mantida a Douta Sentença nos exatos termos em que foi proferida;

Termina dizendo dever o recurso improceder, mantendo-se a decisão.

Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo, sendo proferido despacho pronunciando-se sobre a nulidade da sentença arguida, essencialmente dizendo o seguinte:

3. Começa a Recorrente por invocar que o tribunal apreciou questão que não deveria apreciar: Excesso de pronúncia – al. d), 2ª parte, do nº 1 do artigo 615º do CPC.

Nos termos da aludida al. d), 2ª parte, do nº 1 do artigo 615º do CPC “É nula a sentença quando” “o juiz” “conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Tal normativo deve ser conjugado com o disposto no artigo 608º, nº 2, do CPC que nos indica quais são as questões a resolver: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

In casu, estamos no âmbito dos acidentes de trabalho, e consequentemente perante direitos indisponíveis do sinistrado (cfr. art.º 12º, nº 1, da LAT) e perante preceitos legais inderrogáveis.

O que significa que, nos termos do disposto no artigo 608º, nº 2, in fine, do CPC o juiz deve resolver todas as questões que se suscitem nos presentes autos por a lei lhe impor o seu conhecimento oficioso, pelo que in casu impunha-se conhecer da incapacidade temporária do Sinistrado que lhe foi reconhecida nos presentes autos de revisão da sua incapacidade.

Com efeito, o nº 1 do artigo 70º da LAT determina que «quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação (…) a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada», sendo certo que «a expressão “prestações” tem um sentido mais abrangente do que “pensões” pois engloba também as indemnizações decorrentes de IT’s» (Ac. RC, de 12/02/2009; www.dgsi.pt/jtrc - Proc. nº 602/04.6TTAVR.C1).

“O que importa, para o efeito, é que tenha havido um acidente de trabalho e que este tenha dado origem a incapacidades mesmo que temporárias, com o recebimento das correspetivas indemnizações, para além do nexo causal entre o sinistro e as atuais lesões” (Ac. RP, de 19/11/2012; www.dgsi.pt/jtrp - Proc. nº 337/10.0TTVFR.P1), não se encontrando quaisquer “razões jurídicas para fazer distinção entre o direito à pensão e o direito às indemnizações por ITA e ITP na medida em que ambas têm por pressuposto a «redução da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado»” (Ac. RP, de 21/09/2015; www.dgsi.pt/jtrp - Proc. nº 138/09.9TUMTS-A.P1).

Com efeito, o artigo 70º da LAT, aqui aplicável, sob a epígrafe “Revisão das prestações”, prevê expressamente que «(…) a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a alteração verificada».

O âmbito de tal incidente não se circunscreve à fixação de pensão por IPP antes permite outrossim aferir do direito à reparação por ITA e outras prestações como despesas médicas, nas situações em que, sendo responsável uma seguradora, o acidente não tenha sido participado ao tribunal por o sinistrado ter sido considerado curado sem incapacidade e após a alta, a situação clínica do Sinistrado venha a revelar necessitar de ser reapreciada” (Ac. RP, de 24/09/2020; www.dgsi.jtrp.pt - Proc. nº 1084/19.3T8MAI.P1).

Assim, ao ter conhecido na sentença recorrida do direito do Sinistrado à indemnização por incapacidades temporárias o ora signatário mais não faz do que ocupar-se de questões de cujo conhecimento oficioso a lei lhe permite ou impõe, nos termos previstos na 2ª parte do nº 2 do artigo 608º do CPC.

Inexiste, assim, qualquer excesso de pronúncia na sentença recorrida, não tendo o tribunal apreciado questão que não deveria apreciar, não se verificando a nulidade prevista na al. d), 2ª parte, do nº 1 do artigo 615º do CPC.

O que necessariamente implica indeferir a arguição de nulidade efetuada pela Recorrente com fundamento na aludida al. d), 2ª parte, do nº 1 do artigo 615º, o que se decide.

4. Invoca ainda a Recorrente enfermar a sentença recorrida de nulidade por considerar que o tribunal condenou para além do pedido formulado: Condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido – al. e) do nº 1 do artigo 615º do CPC.

Recorde-se que nos termos da invocada al. e) do nº 1 do artigo 615º do CPC “é nula a sentença quando” “o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.

Tal preceito relaciona-se diretamente com o estatuído no artigo 609º, nº 1, do CPC: “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”, aí se estabelecendo os limites da condenação.

Porém, como é sabido, estatui o artigo 74º do CPT que “o juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 412.º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho”.

É o precisamente o caso dos processos de acidente de trabalho onde está em causa matéria subtraída à disponibilidade das partes (art.º 12.º da LAT) com a aplicação de preceitos inderrogáveis, em que a condenação pode até exceder ou ir além do pedido (Condenação extra vel ultra petitum – art.º 74º do CPT).

Com efeito, como é sabido, “as pensões e indemnizações decorrentes de acidente de trabalho são um direito de natureza irrenunciável” e “assim, a condenação pode ir além do pedido” (Ac. RL, de 11/10/2006; CJ, 2006, 4º - 146).

Está-se, assim, no âmbito da aplicação do disposto no artigo 74º do CPT, norma especialíssima do nosso Processo do Trabalho, que permite (e impõe, por se tratar de um autêntico poder-dever) a condenação extra vel ultra petitum, nos termos da qual “o juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso dele quando isso resulte da aplicação á matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 412º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho”.

Ora, como escreve Maria José Costa Pinto “partilham inequivocamente desta natureza de ‘preceitos inderrogáveis de leis’, as normas legais que estabelecem o direito a reparação por virtude de acidente de trabalho” (Violação de Regras de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho: Perspetiva Jurisprudencial, em Prontuário do Direito do Trabalho, nos 74º/75º, 2006, pág. 224).

Tal decorre, aliás, claramente do disposto no artigo 12º da LAT.

O que necessariamente implica que o referido artigo 74º do CPT constitui uma exceção legal ao disposto no artigo 609º do CPC, não se podendo, por isso, considerar que a aplicação do disposto no aludido artigo 74º do CPT, com a consequente condenação extra vel ultra petitum faça a correspondente sentença enfermar do vício de nulidade previsto no artigo 615º, nº 1, al. e) do CPC por o tribunal ter condenado em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.

Ao invés, ao aplicar o disposto no aludido artigo 74º do CPT em ações referentes a acidentes de trabalho o juiz mais não faz do que exercer o poder-dever de condenar em quantidade superior ao pedido quando isso resulte da aplicação á matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, de preceitos inderrogáveis de leis.

Foi o caso dos presentes autos.

O que necessariamente implica indeferir a arguição de nulidade efetuada pela Recorrente com fundamento na aludida al. e) do nº 1 do artigo 615º, o que se decide.

5. The last but not the least, invoca ainda a Recorrente que o tribunal proferiu decisão que assenta em contradição com os fundamentos expendidos: Contradição insanável entre a fundamentação e a decisão – al. c) do nº 1 do artigo 615º do CPC.

Estatui esta norma que “é nula a sentença quando” “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.

Para que se verifique tal causa de nulidade da sentença seria necessário que “os fundamentos invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença ou acórdão expressa”, nas sempre atuais palavras do Professor Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, 5º, pág. 141).

Ou seja, para que se verifique tal nulidade “é necessário que a fundamentação da decisão aponte num sentido e que esta siga caminho oposto ou, pelo menos, direção diferente” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/02/1991; AJ 15º/16º, pág. 31).

Ora, não é o caso da sentença aqui recorrida, pois a decisão apresenta-se como consequência lógica dos fundamentos realmente invocados.

Questão diversa é a Recorrente considerar que os fundamentos invocados não estão corretos, mas tal já contende com o mérito da decisão e com o erro de julgamento que a Recorrente invoque ter havido, mas não com a estrutura lógica da sentença.

Do mesmo modo, não sendo manifestamente a decisão recorrida ininteligível também não se verifica tal fundamento da invocada causa de nulidade.

Deste modo, indefere-se também a arguição de nulidade efetuada pela Recorrente com fundamento na aludida al. c) do nº 1 do artigo 615º, o que se decide.


*

Pelo exposto, e sem necessidade de ulteriores considerações, indefiro a arguição de nulidade da sentença efetuada pela Recorrente no seu requerimento de interposição de recurso, na sua alegação e nas conclusões apresentadas.

Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se no sentido de ser concedido parcial provimento ao recurso, referindo essencialmente o seguinte:

5. Invoca a Recorrente a nulidade da sentença nos termos do artigo 615º, als. c), d) e e) do CPC.

A este propósito, algumas dúvidas se podem suscitar, salvo melhor opinião.

5.1. Diz-se na douta sentença que, “O regime legal a ter em conta é o que decorre das disposições legais conjugadas dos artigos 2º, 3º, 6º, 7º, 8º, 23º, 39º, 47º, 48º, 50º, 70º, 71º, 75º, 76º e 77º, da Lei nº 98/2009, de 04 de setembro ex vi do disposto no artigo 10º da Lei nº 27/2011, de 16 de junho, e bem assim, dos artigos 145º e 135º, do Código de Processo do Trabalho”.

Porém, sendo a Lei nº 98/2009, de 04 de setembro, aplicável aos acidentes de trabalho ocorridos a partir de 01/01/2010 – art.º 188º (sem prejuízo do referido no artigo anterior, a presente lei entra em vigor no dia 01 de janeiro de 2010) –, e tendo este acidente ocorrido a 09/04/2009, parece não lhe poder ser aplicável.

Aplicável, neste caso, seria a lei anterior, a Lei 100/97 de 13 de setembro e DL 360/71, de 21 de agosto (regulamento).

5.2. Diz-se que era aplicável esta Lei 98/2009, de 04 de setembro, ex vi do disposto no artigo 10º da Lei nº 27/2011, de 16 de junho.

Esta Lei 27/2011, de 16/06, estabelece o regime relativo à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais e revoga a Lei n.º 8/2003, de 12 de maio.

Mas esta Lei, nos termos do seu artigo 12.º (Aplicação da lei no tempo), só é aplicável aos acidentes de trabalho que ocorram após a sua entrada em vigor.

E a mesma nos termos do artigo 13º (Entrada em vigor), entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (17 de junho de 2011).

Tendo este acidente ocorrido a 09/04/2009, parece não lhe ser aplicável, também.

Aplicável, neste caso, seria a Lei 8/2003 de 12 de maio.

(E também da douta sentença recorrida, com o devido respeito e salvo melhor opinião, não consta ou não conseguimos ver qual seja a profissão do Autor/sinistrado, nomeadamente de desportista profissional, que justifique a aplicação desta Lei)

5.3. Também na decisão começa por se dizer que “Em 09 de dezembro de 2019, veio o sinistrado AA instaurar contra a entidade responsável “A..., S.A.”, “reclamação do sinistro ocorrido em 09/04/2009” (sic) “do qual resultou fratura do escafoide cárpico esquerdo e rotura do ligamento cruzado anterior e meniscos do joelho esquerdo” (sic), tendo sido sujeito a duas cirurgias”.

Aparentemente estaria o Sinistrado a participar este acidente, que só mais tarde concluiu que tinha de ser participado ao tribunal de Trabalho (Juízo do Trabalho).

Depois, diz-se que apresentou requerimento de revisão da sua incapacidade, requerendo, em síntese, a sua sujeição a exame médico de revisão nos termos do nº 7 do art.º 145º do CPT.

Sendo que os regimes serão diferentes, consoante se trate de participação inicial do acidente, ou requerimento de revisão.

Aquela, constituindo processo autónomo, corre nos serviços do MP e sob orientação deste.

Esta corre por apenso ao processo se o houver e é presidida pelo Juiz.

Naquela justificava-se (pelo menos mais) a condenação da Ré nas indemnizações por Incapacidade Temporária, sobretudo seguida ao acidente.

Nesta, a existirem deveriam ser depois da data da alta e antes do requerimento de pedido de revisão.

Na sentença a fls. 4 e 7 fala-se em “agravamento temporário” das lesões, sendo certo que as datas se reportam à data do acidente.

5.4. E, tendo a Recorrente pago ao Recorrido alguma quantia por ocasião do acidente, como parece inferir-se do que é dito no recurso, concorda-se com a Recorrente quando diz que tais quantias deveriam ser descontadas na quantia a pagar ao Recorrido.

E ainda que se tais quantias são superiores às pedidas, antes do cumprimento do disposto no art.º 74º do CPT, deveriam ouvir-se previamente os interessados sobre tal matéria.

6. Tendo sido o Recorrido/sinistrado dado como curado sem incapacidade e só agora tiver sido participado o acidente ao tribunal, como refere José Joaquim Oliveira Martins, CPT anotado e comentado, Almedina, CJ, p. 199, pode ser necessário fazer diligências probatórias complementares, dado que não há um auto de conciliação ou uma sentença em que estejam já fixados os factos relativos a esse acidente e todos os factos que servirão para o cálculo de eventuais pensões ou indemnizações (como a própria retribuição do sinistrado a considerar nesta sede), sendo necessário apurar também esses factos se as partes estiverem de acordo quanto aos mesmos.

Por todo o exposto, sem que fiquem prejudicados os direitos do Recorrido/sinistrado, deveria fundamentar-se a decisão considerando o supra referido.

A Recorrente apresentou resposta, concluindo dever a sentença ser declarada nula na parte recorrida em que considera parcialmente procedente e condena os A... S.A. ao pagamento de € 4.432,00 e respetivos juros, julgando-se a total procedência do recurso apresentado, sendo de destacar a alegação do seguinte:



No seguimento do douto parecer emitido, diga-se que resulta dos autos que o sinistrado com Categoria Profissional de carteiro (CRT), era à data do acidente subscritor do regime da CGA, pelo que caberia aos A... enquanto Entidade Responsável – auto seguradora, de acordo com o regime de acidentes de trabalho em vigor até 31/12/2015, aplicável aos trabalhadores subscritores da CGA, proceder à reparação dos danos resultantes do mesmo.


Foi o que sucedeu, de acordo como amplamente provado nos autos, nos termos do definido no Decreto-Lei 503/99 de 20 de novembro, o Sinistrado após a data do acidente teve direito à remuneração nos termos definidos no artigo 15º do referido DL:

(…)



Razão pela qual naturalmente, o Sinistrado não reclamou nenhuma quantia a esse título, estando o pedido dos autos restringido apenas à fixação duma IPP, incapacidade e/ou reavaliação sobre eventual agravamento decorrente do acidente ocorrido a 09/04/2009, que se veio a confirmar não existir.


Considerando que a douta sentença a quo, se quisesse pronunciar sobre o alegado período de ITA 09/04/2009 a 09/07/2009, ainda assim, não poderia deixar de analisar criteriosamente a prova constante nos autos, o que não sucedeu.


Como refere e bem o douto parecer do MP, no ponto 5.4, foram pagos diversos montantes ao sinistrado, facto que não se infere apenas das alegações apresentadas, resultando sem margem para qualquer dúvida dos documentos que constam dos autos, designadamente dos boletins de vencimento juntos em diversos momentos e dos quais o Mmº Juiz a quo se socorreu.


Não poderá deixar de concluir que a recorrente procedeu de acordo com o regime aplicável ao trabalhador, nos termos do legalmente previsto no DL 503/99 de 20 de novembro – regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais aplicáveis ao Sinistrado, que determina que as faltas ao serviço, resultantes de incapacidade temporária absoluta motivadas por acidente, são consideradas como exercício efetivo de funções, não implicando, em caso algum, a perda de quaisquer direitos ou regalias, nomeadamente o desconto de tempo de serviço para qualquer efeito.


Ficou igualmente demonstrado que no período de faltas ao serviço, em resultado de acidente, o trabalhador manteve o direito à remuneração, incluindo os suplementos de carácter permanente sobre os quais incidam descontos para o respetivo regime de segurança social, e ao subsídio de refeição.

10º

Nos termos do previsto no número 4º alínea a) do referido DL, a Empregadora ora Recorrente procedeu à reparação que se impunha, através do respetivo pagamento da remuneração, de acordo com os boletins de vencimento juntos, prova que não foi em qualquer momento impugnada pelo trabalhador.

(…)


11º

Não tendo sido fixado nenhuma IPP, a prova do pagamento do referido período de ITA, consta dos autos, boletins de vencimento dos quais erradamente o Mmº Juiz a quo se socorre para apurar a média de retribuição, razão pela qual para além de nula a sentença lavra em erro de julgamento.

12º

Pelo que, tal como considera do douto parecer do MP agora emitido, ainda que por mero dever de raciocínio se considerasse que o Tribunal se poderia socorrer do disposto no art.º 74.º do Código de Processo do Trabalho , ainda assim tal condenação estaria condicionada ao prévio cumprimento do contraditório, concedendo-se à parte com aquela possivelmente prejudicada a possibilidade prática de alegar o que entendesse conveniente à defesa dos seus interesses, o que também não sucedeu.

13º

Por fim aderindo ao constante no douto parecer do MP, considerando por mero dever de raciocínio, ainda que fosse possível uma condenação relativa ao período de ITA assinalado de 09/04/2009 até 09/07/2009, no valor de € 4.432,61, ainda assim os montantes comprovadamente pagos ao trabalhador sinistrado teriam de ser descontados, de acordo com os montantes resultantes da prova documental junta aos autos pela Entidade Responsável – boletins de vencimento de fevereiro de 2009 a setembro de 2010.

(…)


15º

Ainda que alguma dúvida se colocasse no espírito do Meritíssimo Juiz a quo, sempre o mesmo deveria ter considerado descontar os montantes já pagos ao Sinistrado, constantes dos boletins de vencimento de abril 2009 € 1.517,99, maio de 2009 € 1.298,25; junho 2009 € 1.490,10 e julho de 2009 € 1.854,32.

16º

Igualmente aderimos ao alegado no ponto 6. do parecer emitido pelo MP, uma vez que a subsistir alguma dúvida no espírito do julgador, deveria o mesmo ter realizado diligências complementares, antes de proferir decisão condenatória totalmente infundada.

17º

A decisão proferida deveria concluir pela absolvição da Entidade Responsável, uma vez que todos os direitos do sinistrado foram devidamente acautelados, nada lhe sendo devido seja a que título for.

Fazendo exame preliminar, pelo relator foi proferido despacho a determinar o regresso do processo à 1ª instância a fim se der fixado valor do incidente.

Em 1ª instância foi fixado o valor do incidente de revisão em €4.432,61.

Regressado o processo a esta Relação, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.


*

FUNDAMENTAÇÃO

Conforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada[2], sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso.

Assim, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso[3] é saber se:

● a sentença recorrida é nula?

● não pode ter lugar a condenação da entidade empregadora pelo pagamento da quantia relativa a períodos de incapacidade temporária para o trabalho como ocorreu?


**

A factualidade a considerar para apreciação do recurso é a que supra se expôs em Relatório, sem prejuízo de concretizações que se farão infra, sendo de deixar consignado desde já o seguinte:

− é pacífico que o Sinistrado, AA, em 09/04/2009[4] sofreu acidente de trabalho, ao serviço dos “A..., S.A. – Sociedade Aberta”, como Carteiro (CRT);

− à data do acidente, o Sinistrado não era pensionista/subscritor da Caixa Geral de Aposentações [cfr. informação da CGA junta ao processo em 22/05/2020 que o expressa, que se aceita embora dos “boletins de vencimento” constem descontos “CGA e SOB”].


**

Da nulidade da sentença:

Alega a Recorrente ser nula a sentença recorrida, mas, antes de se apreciar se assim é, importa deixar claro o seguinte.

A referência na decisão recorrida, como regime legal a ter em conta a par de outros, à Lei nº 27/2011, de 16 de junho [estabelece o regime relativo à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais], é manifesto lapso [que decorrerá da utilização dos meios informáticos que todos utilizamos (copy and paste)], pois não é posto em causa que o Sinistrado tinha a categoria profissional de “carteiro” [estando completamente afastado que se tratasse de praticante desportivo profissional], e como tal não releva a referência a esse regime legal, tudo se passando como se não fosse feita referência ao mesmo (sendo indiferente que à data do acidente estivesse em vigor esse regime, ou o regime revogado por aquele diploma), tanto que não se colhe que na sentença recorrida tenha sido aplicada alguma norma desse regime.

Por outro lado, a Entidade Responsável à data do acidente [2009] tratava-se de empresa pública, com capitais exclusivamente públicos [como é sabido a privatização dos A... foi aprovada em 2013 – cfr. DL nº 129/2013, de 06 de setembro], mas não oferece dúvidas [foi apreciada no processo, com trânsito em julgado, a questão da (in)competência em razão da matéria, tendo havido processo nos Tribunais Administrativos[5]] que estamos perante trabalhador com contrato individual de trabalho, sendo aplicável o regime de acidentes de trabalho resultante do Código do Trabalho [atualmente vd. art.º 283º], conforme dispõe o nº 4 do art.º 2º do DL nº 503/99, de 20 de novembro[6] [aprova o novo regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública].

Assim, é de ter em consideração a LAT [Lei dos Acidentes de Trabalho], mas, como refere o Digno Procurador Gral-Adjunto, não a Lei nº 98/2009, de 04 de setembro, que é referida na sentença recorrida [pois não estava em vigor aquando da ocorrência do acidente, e apenas é aplicável aos acidentes ocorridos após a sua entrada em vigor (art.º 187º, nº 1)], antes a Lei nº 100/97, de 13 de setembro, e DL nº 143/99, de 30 de abril (RLAT – Regulamento da Lei dos Acidentes de Trabalho].

Será, pois, este regime (específico) de reparação dos acidentes de trabalho que vamos considerar [sendo a Lei nº 100/97 referida como LAT, e o DL nº 143/99 como RLAT], mas adiantando-se que não será a circunstância de a sentença recorrida ter considerado a Lei nº 98/2009 que determinará o sucesso do recurso, dada a similitude de regimes.

Feitos estes esclarecimentos, passemos então a ver se a sentença recorrida é nula.

Alega a Recorrente ser nula a sentença nos termos do disposto no art.º 615º, nº 1, alíneas c), d) e e) do Código de Processo Civil.

Começando pelo alegado excesso de pronúncia, argumenta a Recorrente que o tribunal a quo se pronunciou sobre questões que não se deveria ter pronunciado, estando em causa a consideração de períodos de incapacidade temporária sofridos pelo Sinistrado, considerados no exame por junta médica, dizendo a Recorrente que o Sinistrado nada reclamou a esse título.

De acordo com o disposto no art.º 615º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil[7], é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, estando em causa o ter a sentença um conteúdo que não pode ter (excesso de pronúncia), tendo tal vício a ver diretamente com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no art.º 608º, nº 2 do Código de Processo Civil [o qual dispõe o seguinte: [o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras] [8].

Como escrevem João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa[9], a não possibilidade do conhecimento de uma questão pode ser absoluta, se o tribunal não pode conhecer em circunstância alguma, dessa questão, ou relativa, se o tribunal não pode conhecer, em certas condições, dessa questão, mas poderia conhecê-la em outras circunstâncias [o tribunal não pode proferir uma decisão-surpresa (art.º 3º, nº 3 do Código de Processo Civil), mas pode decidir com base num fundamento não alegado pelas partes depois de as ouvir previamente[10]].

Ora, não se pode olvidar que estamos no domínio de direitos indisponíveis (cfr. artos 34º e 35º da LAT)[11], o que quer dizer que não pode haver renúncia, donde ao juiz caber determinar a reparação nos termos em que a legislação específica determina, mesmo que o Sinistrado não se refira à reparação em toda a sua extensão.

Nessa medida, no acórdão desta Secção Social do TRP de 30/09/2013[12], estando em causa despacho a determinar o pagamento de indemnização por período de ITA já depois de proferida sentença, considerou-se que «atento a natureza oficiosa das ações emergentes de acidente de trabalho e de doença profissional e o carácter indisponível dos direitos em questão, justifica-se a prolação de despacho que, mesmo depois da prolação da sentença, procede à condenação da Ré seguradora extra vel ultra petitum»[13].

Quer isto dizer que um sinistrado ao impulsionar um incidente de revisão de incapacidade não tem que se referir a períodos de incapacidade temporária para que o julgador possa determinar a reparação em função de períodos de incapacidade temporária que os peritos médicos afirmem ter existido [note-se que bastas vezes é só em função da perícia médica realizada em juízo que se conhecem os períodos de incapacidade, não os conhecendo o sinistrado quando vem a juízo solicitar a reparação, apenas tendo a perceção que o seu estado de saúde determinou ou determina incapacidade].

Questão diversa é saber se, no caso em apreço, no incidente impulsionado pelo Sinistrado estava em causa/podia estar em causa a reparação das consequências do acidente, digamos que imediatas ao acidente, ou tão só saber se houve agravamento, recaída ou recidiva, o que se apreciará infra (como questão de mérito), mas a nulidade por excesso de pronúncia não se verifica.

Passando à alegada condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, argumenta a Recorrente que o tribunal a quo condenou a Entidade Responsável para além do pedido contra si formulado.

Está em causa a al. e) do nº 1 do art.º 615º, nº 1 do Código de Processo Civil, nos termos da qual é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, nulidade que resultará da violação do disposto no art.º 609º, nº 1 do Código de Processo Civil e art.º 74º do Código de Processo do Trabalho (condenação extra vel ultra petitum).

Ora, valem aqui as considerações feitas antes a propósito da alínea d), não se podendo argumentar, como faz a Recorrente, que se impunha antes de proferir a decisão exercer contraditório, pois o resultado dos exames por junta médica foi notificado às partes, conhecendo as mesmas a atribuição de período de ITA.

Sendo assim, a nulidade não se verifica, podendo sim questionar-se, como se disse, qual o objeto do incidente, o que apreciará infra.

Finalmente, quanto à alegada contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, argumenta a Recorrente que a sentença está ferida de erro de raciocínio lógico, pois o julgador a quo partiu de elementos de prova que conduziriam à absolvição mas condenou [os recibos de vencimento provam que foram pagas todas as quantias devidas pelo período de ITA, e o julgador a quo serviu-se deles para calcular o valor da retribuição para cálculo da indemnização].

Reporta-se a situação à al. c) do nº 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil – os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível –, estando em causa uma contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente[14].

Com efeito, entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.

Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se.

In casu verifica-se que a Recorrente discorda do decidido na sentença, apreciando-se infra se a decisão deveria ter sido outra, mas a nulidade apontada não se verifica.

Em suma, não se conclui pela nulidade da sentença, improcedendo o recurso nesta parte.


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Da possibilidade de condenação no pagamento de indemnização por período de ITA:

Como resulta do exposto no Relatório supra, estamos perante incidente de revisão nos termos do art.º 145º do Código de Processo do Trabalho [assim foi determinado sucedesse], importando, antes de mais, esclarecer o que está em causa neste incidente, para depois se apreciar se o decidido em 1ª instância pode subsistir.

Sendo pacífico que o Sinistrado sofreu acidente de trabalho, resulta da documentação junta ao processo [cfr. a junta em 27/01/2020 e 17/02/2020], que a Recorrente, como Empregadora do Sinistrado, procedeu à avaliação da sua situação, tendo sido considerados períodos de incapacidade temporária [v.g. período de ITP 50% até 05/06/2009; período de ITA até 08/06/2009; período de ITP 50% até 26/06/2009; período de ITA até 27/07/2009], tendo em junta médica realizada em 03/08/2010 sido considerado estar curado sem desvalorização (sem IPP).

Como é consabido o estado de saúde dum sinistrado é suscetível de sofrer alterações, pelo que, em conformidade, prevê o art.º 25º da LAT a revisão das prestações, dispondo o nº 1 que quando se verifique uma modificação na capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de prótese ou ortótese, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.

Aquilo que está em causa é a revisão do grau de incapacidade [a modificação das prestações será uma consequência da modificação dessa incapacidade], ou seja, está em causa saber se, depois de alcançada que foi a consolidação médico-legal em determinada data [consolidação com IPP ou sem IPP], houve um agravamento (exacerbação de sequela ou enfermidade), recidiva (reaparição da enfermidade após ter sido debelada uma primeira vez) ou recaída (recomeço dos sintomas antes de atingir um estado de saúde completo) [15].

Em termos processuais, preveem os art.ºs 145º e 146º do Código de Processo do Trabalho a revisão da incapacidade, podendo dizer-se que o incidente de revisão constitui um mecanismo processual, criado pelo legislador, que viabiliza a reapreciação atualizada do estado de saúde do sinistrado, como consequência direta do acidente de trabalho sofrido.

O art.º 145º do Código de Processo do Trabalho prevê do nº 1 ao nº 7 a tramitação do incidente pressupondo a existência de processo judicial iniciado com a participação obrigatória do acidente de trabalho ao tribunal.

No entanto, porque a participação ao tribunal, no caso de empresas de seguros, nem sempre é obrigatória [art.º 18º do RLAT], ou, dito de outra forma, porque pode ter ocorrido acidente de trabalho sem que exista processo judicial, no nº 8 o legislador manda aplicar o disposto nos números 1 a 6 do art.º 145º do Código de Processo do Trabalho[16], aos casos em que, sendo responsável uma seguradora, o acidente não tenha sido participado ao tribunal por o sinistrado ter sido considerado curado sem incapacidade, mas, naturalmente que, não existindo processo, com as necessárias adaptações.

Ora, importa ver o alcance desta última expressão referida – com as necessárias adaptações – constante desse nº 8.

No caso de ter existido processo emergente de acidente de trabalho (iniciado com participação do acidente ao trabalho), houve necessariamente uma fase conciliatória, a qual culminou com uma tentativa de conciliação; nesta ou houve acordo homologado, ou não houve e iniciou-se a fase contenciosa, seja por requerimento para submissão a junta médica seja por petição inicial (no primeiro caso se a discordância se resumiu à questão da incapacidade ao resultado da perícia médica realizada, no segundo se a discordância se alargou a outras questões).

Significa isto que, havendo processo judicial (prévio), ressalvados casos de inércia processual (cfr. 119º, nº 4 do Código de Processo do Trabalho), ou existe um acordo homologado pelo juiz ou uma sentença proferida pelo juiz, sendo que, de todo o modo, as questões sobre as quais houve acordo na tentativa de conciliação se consideram assentes [art.º 131º, nº 1, al. c) do Código de Processo do Trabalho].

O acabado de expor permite afirmar que, tendo existido processo em tribunal, quando é impulsionado o incidente de revisão, pode dizer-se que o seu objetivo se restringe à reavaliação da situação do sinistrado, não se visando discutir novamente questões já discutidas naquele processo, ou discutir questões que podiam ter sido discutidas naquele processo e não o foram[17].

Todavia, não tendo existido processo em tribunal, não existe previamente uma definição das questões que são abordadas na tentativa de conciliação, seja por ter havido consenso seja por ter havido decisão judicial [cfr. art.ºs 111º e 112º do Código de Processo do Trabalho].

E assim compreende-se que o legislador refira que, nestes casos em que não existe processo prévio, se segue a tramitação do incidente previsto para o caso de ter existido processo em tribunal com as necessárias adaptações, pois, e como refere José Joaquim F. Oliveira Martins[18], pode ser necessário fazer diligências probatórias complementares, dado que não há um auto de conciliação ou uma sentença em que estejam já fixados os factos relativos a esse acidente e todos os factos que servirão para o cálculo de eventuais pensões ou indemnizações (como a própria retribuição do sinistrado a considerar nesta sede), sendo necessário apurar também esses factos se as partes não estiverem de acordo quanto aos mesmos.

Neste caso poderá aceitar-se a atribuição de prestações, por exemplo indemnização por período de ITA[19].

No caso em apreço podemos ter como assente – estando subjacente a todo o processado – que, antes do requerimento do Sinistrado apresentado em 09/12/2019, não houve “participação” do acidente em tribunal, e o teor desse requerimento não excluiria que o Sinistrado estivesse a discordar da não atribuição de incapacidade permanente em agosto de 2010.

Só que, o certo é que Sinistrado, como decorre do Relatório supra, em 24/03/2022 apresentou requerimento para incidente de revisão porque assim foi conduzido o processo nos Serviços do Ministério Público.

Sendo assim, e até porque não é de excluir que a Empregadora não tivesse a responsabilidade transferida para seguradora por a tal não estar, então, obrigada enquanto empresa pública [como “auto seguradora”, como a Recorrente se intitula no ponto 3º da resposta ao parecer do MºPº], poderíamos ser levados a ponderar a equiparação da mesma a seguradora para efeitos do nº 8 do art.º 145º do Código de Processo do Trabalho, mas de qualquer modo estando nós numa situação em que não existiu processo prévio nos termos expostos, teremos que dizer que no caso específico em análise o incidente segue a tramitação do incidente previsto para o caso de ter existido processo em tribunal com as necessárias adaptações, pois pode ser necessário averiguar factos, que caso esse processo prévio tivesse existido estariam apurados.

Aqui chegados, surge-nos como cristalino que não podemos restringir o objeto deste incidente à reavaliação da situação do sinistrado como agravamento, recidiva ou recaída, donde poder ser considerado o período de ITA subsequente ao acidente, e surge-nos com clareza aquilo que temos que decidir: saber se existem no processo elementos para fixar a indemnização devida pelo período de ITA, mas antes disso, saber se se encontra totalmente saldado o devido, como diz a Recorrente, ou se há alguma quantia a abater [e na afirmativa, se existem elementos para saber qual é esse valor a abater, ou se existem diligências necessárias a fazer antes].

Como é sabido, e consta da sentença recorrida, a indemnização devida por período de ITA, é calculada fazendo apelo à seguinte fórmula: RD x 70% x nº de dias, em que RD é retribuição diária (art.ºs 17º, nº 1, al. e) e 26º da LAT).

Mas como é natural a indemnização não acresce à retribuição, sendo devida em vez de [o empregador paga a retribuição correspondente ao dia do acidente, sendo a indemnização devida a partir do dia seguinte – art.º 17º, nos 3 e 4 da LAT], pois nas situações de ITA o trabalhador não está no ativo, donde a indemnização corresponder a 70% da retribuição diária (e não a 100%).

Compulsado o processo encontramos os “boletins de vencimento” relativos ao Sinistrado e referentes ao período de ITA [de 10/04/2009[20] a 09/07/2009] juntos em 17/02/2020, e novamente em 17/09/2020, e deles consta a liquidação do vencimento sem descontos, sendo inclusive liquidado subsídio de refeição [em abril um total líquido de € 1.517,99, em maio um total líquido de € 1.298,25, em junho um total líquido de € 1.490,10, e em julho um total líquido de € 1.854,32].
Como é sabido, até ao pagamento da retribuição o empregador deve entregar ao trabalhador documento do qual conste a identificação daquele e o nome completo deste, o número de inscrição na instituição de segurança social respetiva, a categoria profissional, o período a que respeita a retribuição, discriminando a retribuição base e as demais prestações, os descontos e deduções efetuados e o montante líquido a receber [art.º 276º, nº 3 do Código do Trabalho], pretendendo o legislador que seja prestada ao trabalhador uma cabal informação quanto ao seu crédito.
Porém, apesar de virem sendo apelidados de “recibos”, os recibos de vencimento só podem funcionar como quitação se o trabalhador assinar o duplicado, o mesmo é dizer se aceitar ter recebido as quantias e relativas às rubricas nele inscritas.

Ora, o Recorrido argumenta que o valor relativo a indemnização por ITA nunca lhe foi pago, mas não põe em causa que a retribuição lhe tivesse sido paga[21].

A posição da Entidade Responsável/Empregadora no processo sempre foi no sentido de que aos trabalhadores sinistrados em acidente de trabalho era assegurado na íntegra o pagamento das remunerações.

Todavia, desconhece-se se o Sinistrado no período relativamente ao qual lhe foi atribuída ITA prestou efetivamente trabalho, pois se assim foi poderá não haver duplo ressarcimento como subjaz à alegação da Recorrente.

A este propósito, no acórdão do TRC de 11/04/2013[22], em que a questão a decidir era saber se o autor tem direito a indemnização por incapacidade temporária absoluta, apesar de no período dessa incapacidade ter prestado trabalho e ter recebido a retribuição correspondente, foi escrito o seguinte (sublinhando-se):

Neste enquadramento e na ausência de uma qualquer outra razão que permitisse ao sinistrado faltar justificadamente ao serviço, facilmente se conclui que ao sinistrado não restava outra solução que não fosse a de prestar à sua entidade empregadora o trabalho a que contratualmente estava obrigado, impendendo sobre a entidade patronal a obrigação de pagar ao sinistrado o trabalho por este efetivamente prestado.

No entanto, no período compreendido entre 29/09/07 e 15/06/08, o autor esteve realmente afetado de ITA, conforme unanimemente reconhecido no laudo de junta médica e na própria sentença recorrida.

Assim sendo, a recorrida ficou constituída na obrigação de pagar ao sinistrado a indemnização prevista no art.º 17º/1/e da LAT/97.

Cumpre agora referir, com relevo para a situação em apreço, que têm distintos fundamentos substantivos a obrigação de indemnização acabada de referir e a obrigação da entidade empregadora pagar ao sinistrado a remuneração pelo trabalho prestado.

A primeira dessas obrigações destina-se a compensar o sinistrado pela “…redução na capacidade de trabalho ou ganho do sinistrado… (corpo do art.º 17º/1 da LAT/97); não se destina, ao contrário do entendimento subjacente à decisão recorrida, a reparar o sinistrado por uma qualquer perda de retribuição.

É justamente por isso que: a) a retribuição a atender para efeitos de cálculo da indemnização é a auferida pelo trabalhador à data do acidente (art.º 26º/1 da LAT/97), e não a que o sinistrado aufira à data em que se verifique a situação de incapacidade temporária, porventura diversa da auferida à data do acidente – caso a indemnização visasse compensar a perda de retribuição, naturalmente que a sua medida deveria corresponder à retribuição a auferir nos períodos de incapacidade, por ser dessa que o sinistrado ficará privado por não prestar trabalho em consequência da incapacidade; b) a indemnização é reduzida a 70% da retribuição ou da redução sofrida na capacidade geral de ganho (art.º 17º/1/e/f da LAT/97) – caso a indemnização visasse compensar a perda de retribuição, naturalmente que não faria sentido a redução para os referidos 70%, pois que o dano suportado pelo trabalhador não corresponde a tal percentagem, mas sim ao valor integral da retribuição deixada de auferir; c) a indemnização por incapacidade temporária não está dependente da subsistência da relação de trabalho, sendo devida, a nosso ver, mesmo naquelas situações em que a situação de incapacidade temporária subsiste para lá da data da cessação do contrato de trabalho e em que, por isso, o sinistrado deixou de ser titular do direito à retribuição pela disponibilidade para o trabalho – cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 06/02/2013, proferido no âmbito da apelação 393/07.9TTSNT.2.L1.

A segunda das mencionadas obrigações destina-se a remunerar o trabalhador pela sua disponibilidade para a prestação do trabalho a que está contratualmente obrigado – António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 463.

Portanto, ao contrário do que parece ter estado subjacente à decisão recorrida, o facto de o sinistrado receber da seguradora a indemnização por ITA e de receber da empregadora a remuneração pelo trabalho efetivamente prestado em período de ITA não implica um qualquer duplo ressarcimento do sinistrado fundado na dita ITA: a indemnização por ITA ressarce o sinistrado pela redução efetiva da sua capacidade de trabalho; a remuneração compensa o sinistrado pelo trabalho que efetivamente prestou apesar de se encontrar de ITA e de, por isso, não se encontrar obrigado a prestá-lo, satisfazendo a empregadora com o seu pagamento a obrigação que sobre ela impende de remunerar o trabalho que foi efetivamente prestado sem que o sinistrado a tanto estivesse obrigado.

Cumpre referir, igualmente, que ao contrário do que sucede no âmbito da responsabilidade civil em geral, a obrigação de indemnização emergente de acidentes de trabalho não abrange todos os danos sofridos pelo sinistrado (v.g. os danos sofridos pelo sinistrado nos bens de sua propriedade, os danos correspondentes a perdas patrimoniais sofridas pelo sinistrado por causa do acidente pela circunstância de, por exemplo, ter ficado impedido de participar num determinado evento por referência ao qual já se tenha suportado despesas de organização, os danos morais em situações de responsabilidade não agravada), mas apenas aqueles que se traduzam em morte (arts. 20º e 22º da LAT/97) ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho (arts. 17º, 19º, 23º e 24º da LAT/97), sendo que a medida das indemnizações/pensões devidas por morte ou por incapacidades para o trabalho estão tabeladas legalmente (arts. 17º/1 e 20º/1 da LAT/97), não dependendo do montante efetivo dos prejuízos realmente suportados pelo sinistrado/familiares por causa do acidente como sucede no âmbito da responsabilidade civil em geral (art.º 566º/2 do CC).

Em consonância, temos o acórdão do STJ de 25/09/2019[23], constando no sumário que o dano que se visa reparar, em matéria de acidentes de trabalho, não é, em rigor, o da perda das retribuições, mas antes o da perda da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, sendo que a incapacidade de trabalho não pode confundir-se com a perda das retribuições.

Sendo assim, antes de se proferir decisão era, pegando nas palavras de José Joaquim F. Oliveira Martins acima citadas, necessário fazer diligências probatórias complementares no sentido de apurar se no período de ITA o Sinistrado prestou efetivamente trabalho, de modo a fazê-lo constar nos factos provados ou nos factos não provados.

O art.º 662º, nº 2, al. c) do Código de Processo Civil determina que a Relação deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida em 1ª instância, quando considere indispensável a ampliação da matéria de facto.

São situações em que tenha sido omitida matéria de facto que se revele essencial para a resolução do litígio, bastando que a Relação se confronte com essa omissão, estando reservada a casos em que se revele indispensável[24].

Assim, impõe-se revogar a decisão recorrida para que a matéria de facto seja ampliada de modo a apurar se foi prestado efetivamente trabalho pelo Sinistrado no período de ITA e o salário foi efetivamente pago (embora pareça não estar posto em causa o pagamento, como se disse), e depois seja proferida nova sentença ponderando o apurado.


***


DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em proceder à anulação da sentença proferida, para que sejam feitas as diligências que se mostrem necessárias para apurar se no período de ITA o Sinistrado prestou efetivamente trabalho e se recebeu a retribuição constante dos recibos de vencimento, sendo depois proferida nova sentença.

Custas a fixar a final.

Valor do recurso: o da ação (art.º 12º, nº 2 do RCP).

Notifique e registe.


(texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente)

Porto, 28 de junho de 2024

António Luís Carvalhão [Relator]

Teresa Sá Lopes [1ª Adjunta]

Germana Ferreira Lopes [2ª Adjunta]


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1] As transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes e realces/sublinhados que no geral não se mantêm (porque interessa o texto em si), consignando-se que quanto à ortografia utilizada se adota o Novo Acordo Ortográfico.
[2] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 156 e págs. 545/546 (estas no apêndice I: “recursos no processo do trabalho”).
[3] Seguindo a ordem da precedência lógica, sendo que a solução de alguma pode prejudicar o conhecimento de outra(s) – art.ºs 608º e 663º, nº 2 do Código de Processo Civil (cfr. art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho).
[4] Apesar de no requerimento de 24/03/2022 o Sinistrado referir como data do acidente 08/04/2009, todos os elementos do processo apontam para dia 09, sendo a data que o Sinistrado refere no requerimento que apresentou inicialmente.
[5] No qual foi decidido absolver a demandada da instância [cfr. decisão junta, por cópia certificada, em 28/07/2022].
[6] Na redação da Lei nº 59/2008, de 11 de setembro.
[7] Aplicável por via do disposto nos art.os 1º, nº 2, al. a) e 77º do Código de Processo do Trabalho.
[8] Sobre esta nulidade vd. o acórdão do STJ de 24/01/2024, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 2529/21.8MTS.P1.S1.
[9] Cfr. “Manual de Processo Civil”, volume I, AAFDL Editora, 2022, pág. 633.
[10] Vd. acórdãos do TRL de 11/07/2019 e de 19/11/2020, consultáveis em www.dgsi.pt, processos nº 4794/18.9T8OER.L1-7 e nº 3332/13.4TBTVD-B.L1-6 respetivamente.
[11] Nem se pode esquecer o caráter oficioso da ação para efetivação de direitos emergentes de acidentes de trabalho (cfr. art.º 26º. nº 3 do Código de Processo do Trabalho).
[12] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 237/11.7TTVNF.P1.
[13] Cfr. também o acórdão do TRC de 19/03/2021, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 337/06.5TTVIS.2.C2.
[14] Vd. Fernando Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, Almedina, 2ª edição, pág.49 (que apesar de se reportar à versão do Código de Processo Civil anterior à revisão operada pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho – art.º 668º –, mantém atualidade).
[15] Para distinção destes conceitos, vd. Carlos Alegre, “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais – Regime Jurídico Anotado”, 2ª ed., Almedina, pág. 127.
[16] A expressão o disposto nos números não anteriores não se pode referir ao nº 7 porquanto este se prevê que o pedido de revisão corra por apenso ao processo emergente de acidente de trabalho, no caso uma impossibilidade por inexistir esse “processo prévio”.
[17] Vd. acórdãos do TRL de 27/01/2021 e do TRG de 20/10/2022, consultáveis em www.dgsi.pt, processos nº 2527/17.6T8CSC-A.L1-4 e nº 2758/20.1T8VCT.G1, respetivamente.
No acórdão do TRC de 15/09/2016 (consultável em www.dgsi.pt, processo nº 254/10.4TTFIG.1.C1) considerou-se, contudo, que sem prejuízo de discussão de “questões novas”, cujo sumário é o seguinte (que se sublinha): o incidente de revisão de incapacidade, por definição e nos termos do art.º 145º do Código de Processo do Trabalho, destina-se a apreciar se se verificou um aumento ou diminuição da capacidade laboral do sinistrado, culminando com despacho do juiz a manter, aumentar ou reduzir a pensão ou a declarar extinta a obrigação de a pagar – art.º 145º, nº 6 do Código de Processo do Trabalho; contudo, esse preceito não proíbe, nem faria qualquer sentido que o fizesse, que nos autos se discuta outro tipo de questões, como sejam o direito à prestação em espécie a que se refere o art.º 10º, al. a) da Lei nº 100/97, de 13/09 (LAT aplicável ao caso).
[18] In “Código de Processo do Trabalho Anotado e Comentado – Os Processos Laborais na Prática Judiciária”, Almedina/Colectânea Jurisprudência, 2020, pág. 199.
[19] Vd. o acórdão desta Secção Social do TRP de 17/05/2021, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 4830/20.9T8VNG-A.P1 [relatado pela agora 1ª adjunta, subscrito pelo agora relator como 2º adjunto].
[20] Dia 09 foi o dia do acidente.
[21] A liquidação de IRS junta ao processo (em 11/02/2021) também aponta nesse sentido.
[22] Consultável em www.dsgi.pt, processo nº 736/09.0TTLRA.C1.
[23] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 246/14.4TTGMR.G1.S1.
[24] Vd. a propósito António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 307.