Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3352/10.0TBVCD-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: PROVA PERICIAL
OBJECTO DA PERÍCIA
Nº do Documento: RP202407043352/10.0TBVCD-B.P1
Data do Acordão: 07/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIAL
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A perícia pode ser requerida por uma ou mais partes, exigindo-se, todavia, sob pena de rejeição, que com o respectivo requerimento seja logo indicado o seu objecto e enunciadas as questões de facto cujo esclarecimento se pretende obter através da referida diligência, que tanto se pode reportar aos factos articulados pelo requerente, como aos alegados pela parte contrária.
II - A diligência deve ser rejeitada pelo juiz quando a mesma não revele pertinência para o esclarecimento da matéria controvertida no processo, e, quando admitida, incumbe ao juiz, no despacho em que a ordene, determinar o respectivo objecto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ao apuramento da verdade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3352/10.0TBVCD-B.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Central Cível de Póvoa de Varzim – Juiz 6

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO.

Tendo AA e esposa, BB, por si e em representação dos filhos menores, CC e DD, instaurado acção declarativa emergente de acidente de viação, com processo ordinário, contra Companhia de Seguros A..., S.A., Banco 1..., S.A., B..., Lda. e EE e esposa, FF, concluída a instrução dos autos e realizado o julgamento, foi proferida sentença que, na parte que aqui releva, condenou a Ré Companhia de Seguros A..., S.A. a pagar à autora CC a quantia de € 306.870,16, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, bem como “a pagar-lhe 60% do valor de todas as despesas que, desde a data da interposição da presente acção e até à data da sua morte, tenha com a aquisição de medicamentos, consultas, tratamentos médicos e respetivas deslocações, assim como outras despesas que tenha de suportar em consequência do acidente objeto dos presentes autos”.

Determinou a mesma sentença que os Réus B..., Lda. e EE responderão solidariamente com a Ré seguradora “pelo pagamento de 60% das despesas que a autora CC tenha necessidade de suportar em consequência do acidente objeto dos presentes autos, na parte em que o montante total das indenizações pagas por esta ré exceda o montante de € 600.000,00...”.

Interpostos recursos da referida sentença pela ré seguradora e pelos autores, foi proferido acórdão que, entre o mais, condenou Ré Companhia de Seguros A..., S.A. a pagar à autora CC a quantia de € 576.870,16, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, bem como “a pagar-lhe 60% do valor de todas as despesas que, desde a data da interposição da presente acção e até à data da sua morte, tenha com a aquisição de medicamentos, consultas, tratamentos médicos e respectivas deslocações, assim como outras despesas que tenha de suportar em consequência do acidente objeto dos presentes autos”.

De tal acórdão recorreram a Ré – recurso principal – e a demandante CC – recurso subordinado – para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 17.11.2015, negou a revista interposta pela ré seguradora e concedeu parcial provimento à revista interposta pela demandante CC, atribuindo-lhe “a título de indemnização por perda de capacidade de ganho futuro a quantia de quatrocentos mil euros (€ 400.000,00), mantendo, quanto aos demais sectores em que se segmenta a indemnização, os valores fixados na decisão recorrida”.

A 30.03.2023 AA e mulher, BB, por si e em representação da sua filha CC, deduziram incidente de liquidação contra a Ré Companhia de Seguros A..., S.A., relativamente à condenação genérica, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 188.292,55, acrescida de juros legais, correspondente às despesas já efectuadas no período de 10 de Dezembro de 2010 até 31 de Dezembro de 2022, bem como no pagamento da quantia de € 1.136.884,72, acrescida de juros legais, correspondente ao período de 31 de Dezembro de 2022 até ao final de vida da CC, relegando para data posterior a liquidação/contabilização das despesas dos danos futuros, ainda não certos nem previsíveis , mas já provados serem possíveis de virem a aparecer mais tarde na saúde da CC, designadamente, o aparecimento de epilepsia.

Com a petição inicial indicou os meios de prova: testemunhal e por declarações de parte dos demandantes.

Contestou a Ré que, no respectivo articulado, requereu a realização de exame à CC, a realizar no INML, indicando quesitos para o efeito.

Proferido despacho saneador, nele foi identificado o objecto do processo [Determinação do valor da indemnização, cujo direito foi reconhecido à Autora por decisão transitada em julgado, correspondente às despesas com a aquisição de medicamentos, consultas, tratamentos médicos e respectivas deslocações outras que tenha necessidade de suportar em consequência do acidente que sofreu] e enunciados os temas de prova [1) O valor despendido desde a data da interposição da acção, com aquisição de medicamentos, consultas, tratamentos médicos e respectivas deslocações e bem assim outras despesas necessárias em consequência do acidente que sofreu; 2) A medicação e tratamentos médicos e assistência/apoio de que a Autora necessitará até ao fim da sua vida em consequência do referido acidente; 3) As despesas que os mesmos acarretarão].

No referido despacho foi ainda admitida “a prova pericial requerida pela Ré, a solicitar à competente delegação do INML, a qual deverá ter por objecto os quesitos indicados por ambas as partes e ainda a determinação da medicação, tratamentos médicos e assistência/apoio de que a Autora necessitará até ao fim da sua vida em consequência do referido acidente”.

Os Autores arguiram a nulidade do despacho de admissão da testemunha Dr. GG, bem como da prova pericial requerida pela Ré, sustentando, em síntese, que o acórdão, transitado em julgado, já definiu a existência do direito, cujos danos, já provados, vêm agora contabilizar.

Sobre tal requerimento recaiu o seguinte despacho: “Requerimento da Autora de 10 de janeiro último.

Salvo o devido respeito por opinião em contrário, não vislumbramos as nulidades processuais invocadas pela Autora relativas ao despacho de admissão dos meios de prova das partes.

Desde logo, no que concerne o despacho que admitiu o objecto da perícia indicado pela Ré, não nos parece estarmos perante a prática de um acto que a lei não admita ou a omissão de formalidade imposta por lei. Poderá, isso sim, na perspectiva da Autora, existir um erro de julgamento, sindicável por via recurso (aliás por ela já interposto);

No que respeita à invocada inadmissibilidade legal da testemunha Dr. GG, não se verificando qualquer impedimento, entre os legalmente previstos, para a sua inquirição como testemunha, não vemos como é que asua admissão a intervir nos autos nessa qualidade possa configurar a prática de um acto proibido por lei [...]”.

Não se conformando com o despacho que admitiu os referidos meios de prova, dele interpuseram os Autores recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:

“1º

Conforme é referido no requerimento inicial, além do mais, o acórdão, transitado em julgado, já definiu a existência do direito (cf. Acs. STJ, de 30-9-10, 1554/04 e de 4-7-19,5071/12), e, que importa agora apenas liquidar, e cujos danos já provados, os requerentes vêm agora contabilizar, nomeadamente, nos termos dos arts. 358º, 359º, nº1 e 360º, nºs 3 e 4, do CPC,

Portanto, os danos ora a liquidar, já resultaram provadas nos autos, por sentença/acórdão, transitado em julgado, e que por isso, já não podem ser alterados, confrontar a matéria provada, mormente de fls. 1677 a 1685, nomeadamente, factos provados das alíneas j) de fls. 1669, e alínea C) de fls. 1670, a partir de fls. 1677, números, 40, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 55, 59, 60, 62, 63, 64, 65, 66, 70, 71,72, 73, 74, 76, 77, 78, 79, 82, 93, 94 e 95, e das páginas 62 a 67 do Acórdão do STJ de 17-11-2015 de fls. , e dos documentos juntos aos autos, designadamente, o relatório de Perícia médico – legal do Instituto de Medicina Legal de fls. 624 a 636, os docs. de fls. 660 a 665, em que resulta claro da extensiva factualidade provada, que, infelizmente, os danos da CC, são muitos, gravíssimos e permanentes (até à data da sua morte).

Na aquisição de medicamentos, consultas e tratamentos médicos mais adequados a serem prescritos e realizados à CC e onde, em que, e salvo sempre melhor opinião, a escolha compete aos seus pais, e não à requerida, como ela parece querer dizer no art.º 6 do seu requerimento, e até diz, através de uma pericia médica (o que não nos parece fazer sequer qualquer sentido), sobre se em Portugal há uma grande oferta dos serviços de saúde.

Além de ser do conhecimento público, que o estado da saúde em Portugal, é, infelizmente, muito mau, os requerentes, ainda antes de saberem que a requerida iria suportar parte das despesas com o tratamento da sua filha, procuraram tudo e por todo o lado, designadamente aqui em Portugal, e o que os profissionais de saúde lhes indicaram e ainda indicam e eles encontraram de melhor e mais adequado ao estado de saúde gravíssimo e permanente da CC, foi precisamente esta clínica C..., na ..., em Espanha, por ser a melhor e a mais adequada ao caso da sua filha CC, pois, se assim não fosse, já teriam colocado a sua filha em clinica melhor,

e resultou provado, e supra já referido, à CC, são-lhe receitados determinados medicamentos, como o Animon complex, o Mineraxin e o Defenvid (cf. facturas da clínica C... que se juntaram como Docs. 6, 7), que são feitos por esta clínica espanhola, e não existe em mais lado nenhum, não existe à venda nas farmácias espanholas nem nas farmácias portuguesas, e duram apenas alguns meses ( cf. Factos provados nºs 94 e 95).

Portanto, ainda muito antes de saberem se a requerida teria ou não de suportar as despesas de saúde da sua filha e respetivas deslocações, não obstante os seus baixos rendimentos (com muito sacrifício e ajudas), já os requerentes, andavam nesta Clínica especializada na ..., em Espanha, e desde o ano de 2003, e onde ainda andam (sem a requerida ainda ter pago absolutamente nada, o que os tem limitado) e andarão, dado que, é onde lhes indicaram ser a melhor e única para o caso da CC e onde a CC se sente confortável por já conhecer as pessoas e o local, e os pais têm confiança (que é muito importante) e estão convencidos ser o melhor para o equilíbrio do estado de saúde da sua filha (cf., nomeadamente, os documentos juntos autos da Clínica C..., já desde o ano 2003, a fls. 333 a 445),

Sendo a obrigação da requerida de pagar 60% das despesas, e tendo a sentença/acórdão já transitado em julgado, há muitos anos, só agora é que a requerida, porque chamada a juízo, forçada, a cumprir com a sua parte, é que acha agora, que afinal, há em Portugal, tais exames e tratamentos, quando já o poderia ter feito, antes, e dizer-nos onde, nomeadamente, antes do transito em julgado da sentença, por forma a que não ficasse tal realidade como matéria assente nos autos, como factos provados, insusceptíveis de poderem agora ser alterados.

e portanto, é aqui, que a CC é e continuará a ser tratada e acompanhada, até, pela interpretação que fazemos do que resulta da sentença/acórdão transitado em julgado, que é, e salvo sempre melhor opinião, por onde nos devemos guiar e cumprir e fazer cumprir, e não por uma outra qualquer escolha da requerida ou de uma qualquer perícia médica ou outra a seu pedido, sendo que, a requerida, com o devido respeito, só está preocupada com o dinheiro que tem de pagar e sempre a ver se paga menos.

O mesmo se diga, das despesas da CC no D... ( D...), não fazendo, qualquer sentido, o que a requerida diz no seu art.º 7, sobre estas despesas tidas com a CC, que é totalmente incompreensível e, com o devido respeito, é até desumano, pois a CC só as tem, porque necessita de aqui estar, caso contrário nunca estaria nesta instituição pois dela não precisaria ou necessitaria.

10º

Esta instituição D..., como o próprio nome o diz, é uma instituição de apoio ao diminuído intelectual, e este, infelizmente, não tem limite de idade, ou é diminuído intelectual, como a CC o é, consequência do acidente de que foi vitima, como resulta claro da matéria provada, ou não é diminuído intelectual e então esta instituição não é para essa pessoa, o que não é o caso da CC, que tendo agora 29 anos ( há outros utentes com idades superiores) ainda frequenta esta instituição por ser diminiuída intelectualmente, e frequentará para todo o sempre dado que essa sua má sorte, como resultou provado, é permanente e irreversível, pois a CC, apesar da idade, ainda é uma criança, e por vezes chora muito e anda muito triste durante muito tempo, pois tem a noção que é diferente dos outros e questiona permanentemente os seus pais de qual a razão de não ser como os outros e de não poder fazer o que os outros fazem.

11º

Portanto, não é verdade o que diz a requerida, de que o D..., é um ensino especial, e de só admitirem despesas na formação até aos 25 anos de idade, sendo que, mesmo que ainda fosse de ensino especial, por força da sentença, a CC também tem esse direito e este não tem qualquer limite de idade, dado que, é uma outra despesa, que resulta ou é consequência do acidente, e que está prevista na decisão final transitada em julgado (...assim como de outras despesas que tenha necessidade de suportar em consequência do acidente objeto dos presentes autos),

12º

A requerida/recorrida, deixou transitar em julgado, a matéria de facto provada nos autos, designadamente, a supra referida, pelo que, baseando-nos na lei, na doutrina e jurisprudência, estando os danos da CC, já provados nos autos, com transito em julgado, tendo até sido dados provados como sendo já irreversíveis e permanentes, a requerida, não pode, nomeadamente, através de uma nova pericia, querer agora alterá-los, por em causa a existência do direito, sendo esse o propósito dos quesitos apresentados, e que violaria o caso julgado formado com a decisão definitiva anterior, que reconheceu à parte um crédito apenas dependente de liquidação (cf. Ac. STJ de 4-7-19, 507/12). Seria, de resto, um paradoxo o incidente de liquidação culminar na negação de um direito anteriormente firmado por sentença.

Neste domínio, a única questão em aberto é a da medida da liquidação e nunca a existência

do direito respetivo.

13º

A prova pericial requerida pela ré/recorrida, é um ato que a lei não admite, sendo uma irregularidade que influi no exame e decisão da causa, designadamente, viola a sentença/acórdão proferido nos autos já transitada em julgado, viola assim o caso julgado formal, pelo que, o despacho que a admitiu é nulo, nomeadamente, nos termos do nº 1 do art.º 195º do CPC, nulidade que expressamente se arguiu e invocou perante o julgador da 1ª Instância.

14º

Deve por V.ªs Ex.ªs ser como tal considerado e revogado o despacho que admitiu a prova pericial requerida pela ré,

15º

Além de visar ainda o protelamento da decisão e do recebimento do que é devido à CC, e de uma nova pericia fazer ainda reviver à CC o acidente terrível que a vitimou e a atirou para a marginalidade, o que é altamente prejudicial para ela, pois é o reabirir de uma enorme ferida que a faz sofrer imenso, além de que, a CC, não é nenhuma  “cobaia”, que tem de andar segundo a vontade e os interesses da ré recorrida.

Sem querer prescindir,

16º

A admitir-se a prova pericial requerida, os quesitos a colocar aos peritos, deverão ser apenas no sentido do agravamento do estado de saúde da CC atual e futuro, como complemento para mais, ao anteriormente já decidido, que foram os quesitos apresentados pelos aqui recorrentes.

17º

e por isso, nunca deveriam ter sido admitidos os quesitos apresentados pela ré, pois estes visam apenas a alteração da matéria de facto provada nos autos, nomeadamente, a que resultou através do anterior relatório pericial do IML junto aos autos a fls. , que já definiu os danos da CC como irreversíveis e permanentes, pelo que, não se vislumbra já necessidade de nenhuma nova prova pericial.

18º

Sendo legalmente inadmissível, esses quesitos requeridos pela ré são nulos, e não podem ser admitidos, nulidade que expressamente os recorrentes invocaram perante o julgador da 1ª Instância.

19º

Deve assim o despacho do tribunal “ a quo” de que se recorre, a admitir a nova pericia requerida pela ré, ser por V.ªs Ex.ªs, revogado.

20º

Quanto ao despacho de admissão da testemunha da ré Dr.º GG, este despacho, com o devido respeito, também é nulo, nos termos do nº1 do art.º 195º do CPC, por ser uma irregularidade que pode também influir no exame e decisão da causa, e que também se invocou perante o julgador da 1ª instância.

21º

Convocados pelo tribunal “ a quo” para uma tentativa de conciliação, em tribunal, e perante o julgador do tribunal “ a quo”, nessa tentativa de conciliação, e para a conciliação entre as partes, a ré exigiu que a CC fosse vista pelo médico da Ré, e sua testemunha Dr.º GG.

22º

Para o efeito, a CC, dirigiu-se com a sua mãe no dia 28 de Julho de 2023, à Casa de Saúde ..., onde aquele é ali médico, tendo sido analisada e consultada por ele.

23º

O que este médico verificou, e a mãe/demandante ouviu, foi que a sua filha CC está nesta altura muito pior do que na altura em que ele fez o relatório, juntamente com mais dois colegas, do IML junto aos autos, o que naturalmente a mãe já sabia pois acompanha a filha diariamente, e que com o decurso dos anos o seu estado de saúde piorou muito e agravou-se muito, o que também é o mais normal e natural de acordo com as regras da experiência de vida.

24º

Da parte dos requerentes e da sua filha CC, foi cumprida a condição exigida pela requerida, para a solução consensual do litigio, e estavam agora apenas a aguardar a resposta da requerida seguradora, no sentido da obtenção da solução consensual do litigio.

25º

Os demandantes, não obstante o histórico, mas como agora foi perante o julgador “a quo”, e tendo a seguradora em tribunal como que jurado que caso os demandantes cumprissem a sua exigência (supra já referida), iriam sim procurar obter uma solução consensual do litigio, os demandantes acabaram novamente por acreditar nas suas promessas e acederam novamente, pois tudo lhes fazia crer que agora em tribunal e perante o Meretissimo Juíz “ a quo”, tudo iria ou poderia vir a ser diferente,

26º

Sucede que, infelizmente, assim não foi, tudo é igual, sempre igual, nada apresentam para pagar, nada querem pagar.

27º

Porque o Dr.º GG é trabalhador da ré, de quem recebe um ordenado, nada nos garante que perante o tribunal venha agora dizer o mesmo que disse e que cosnta supra e do nosso requerimento de fls. , e até possa eventualmente dizer o contrário, pelo que, sendo uma testemunha já instruída, pois teve contacto prévio ao Julgamento com a CC, e até parece ter sido a razão de a ré querer que assim fosse, a lei não a admite a depor.

28º

Ao ter sido admitida, nestas circunstâncias, a sua admissão, é necessariamente um ato nulo, nos termos do nº1 do art.º 195º do CPC, que expressamente se invocou no tribunal “ a quo”, pois é uma irregularidade cometida que também influi no exame e decisão da causa, para além de uma outra ilegalidade que aqui possa existir que V.ªs Ex.ªs mui superiormente sempre podem suprir, nomeadamente, por força do art.º 5º, nº 3 do CPC.

29º

Foi violado pelo tribunal “a quo” toda a legislação e normativos referidos supra na nossa motivação e conclusões do presente recurso.

Nestes termos e nos melhores de direito, que V.ªs Ex.ªs, mui superiormente sempre suprirão, o despacho de que ora se recorre nas partes supra impugnadas deve por V.ªs Ex.ªs ser revogado, com as devidas consequências legais, como ato de inteira e sã justiça”.

 A apelada apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO.

A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.

B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, no caso dos autos cumprirá apreciar:

- se deve ser admitida a prova pericial requerida pela Ré, aqui recorrida, bem como o depoimento do Dr. GG, testemunha também por aquela indicada.

 

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Os factos/incidências processuais relevantes ao conhecimento do objecto do recurso são os constantes do relatório introdutório.

 

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Foi a Ré Companhia de Seguros A..., S.A. condenada a pagar à autora CC, entre o mais “60% do valor de todas as despesas que, desde a data da interposição da presente acção e até à data da sua morte, tenha com a aquisição de medicamentos, consultas, tratamentos médicos e respetivas deslocações, assim como outras despesas que tenha de suportar em consequência do acidente objeto dos presentes autos”.

Há muito transitado em julgado o acórdão do STJ que confirmou tal decisão, vieram os Autores deduzir incidente de liquidação quanto à referida condenação genérica.

Tal liquidação foi impugnada pela Ré, que argumentou serem excessivos os valores contabilizados pelos demandantes, indicando no articulado da contestação, entre outros meios de prova, exame à Autora CC, a realizar no INML, indicando, para o efeito, os seguintes quesitos:

1. Qual a situação clínica da sinistrada?

2. Continua a precisar de exames e tratamentos médicos relacionados com o acidente?

3. Tais exames e tratamentos são realizados em Portugal?

4. As despesas com formação – ensino especial – no D... seriam admissíveis apenas até aos 25 anos de idade?”.

Admitida a requerida prova pericial, contra a decisão que admitiu o referido meio de prova se insurgem os apelantes argumentando que “A prova pericial requerida pela ré/recorrida, é um ato que a lei não admite, sendo uma irregularidade que influi no exame e decisão da causa, designadamente, viola a sentença/acórdão proferido nos autos já transitada em julgado, viola assim o caso julgado formal, pelo que, o despacho que a admitiu é nulo, nomeadamente, nos termos do nº 1 do art.º 195º do CPC, nulidade que expressamente se arguiu e invocou perante o julgador da 1ª Instância” – conclusão 13.ª.

Adiantam ainda que “nunca deveriam ter sido admitidos os quesitos apresentados pela ré, pois estes visam apenas a alteração da matéria de facto provada nos autos, nomeadamente, a que resultou através do anterior relatório pericial do IML junto aos autos a fls. , que já definiu os danos da CC como irreversíveis e permanentes, pelo que, não se vislumbra já necessidade de nenhuma nova prova pericial” – conclusão 17.ª -, sustentando serem “nulos” os quesitos formulados pela recorrida.

E termina pedindo a revogação da decisão que admitiu a prova pericial requerida pela Ré.

O artigo 388.º do Código Civil delimita assim o objecto da perícia: “a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.

Deferida, quando requerida por uma ou mais partes, ou ordenada, quando oficiosamente determinada pelo tribunal[1], concluída a diligência pericial, deve o perito (ou peritos, no caso da perícia colegial) elaborar o respectivo relatório “…no qual o perito ou peritos se pronunciam fundamentadamente sobre o respectivo objecto[2].

A perícia pode ser requerida por uma ou mais partes, exigindo-se, todavia, sob pena de rejeição, que com o respectivo requerimento seja logo indicado o seu objecto e enunciadas as questões de facto cujo esclarecimento se pretende obter através da referida diligência, que tanto se pode reportar aos factos articulados pelo requerente, como aos alegados pela parte contrária[3].

Nos termos do artigo 476.º a lei processual civil,

1 - Se entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição.

2 - Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade”.

No caso aqui em discussão, tendo a Ré seguradora sido condenada a pagar à demandante CC “60% do valor de todas as despesas que, desde a data da interposição da presente acção e até à data da sua morte, tenha com a aquisição de medicamentos, consultas, tratamentos médicos e respetivas deslocações, assim como outras despesas que tenha de suportar em consequência do acidente objeto dos presentes autos”, requereu a mesma, agora no incidente deduzido para liquidação da condenação genérica, a realização de exame àquela demandante, com o objecto antes descrito.

A decisão de que emerge esse segmento condenatório descreve, e em abundância, as lesões sofridas pela CC em consequência do atropelamento que a vitimou e as sequelas de que passou a padecer em virtude das lesões sofridas - cfr. pontos 33 a 52 e 55 a 79.

No ponto 77 dos factos provados são definidas as necessidades permanentes de que a CC passou a carecer, designadamente: ajudas medicamentosas para evitar o surgimento de queixas e/ou agravamento de quadro clínico, tratamentos médicos regulares de medicina física e reabilitação, tratamentos e acompanhamento psicológicos regulares, necessidades educativas e de formação especiais, referindo-se no ponto 93 que “A CC necessita e necessitará permanentemente de tomar diversos medicamentos, submeter-se a consultas, tratamentos médicos e respectivas deslocações, em valores não apurados”.

Consta ainda do ponto 61 dos factos provados que “Por tal não existir na área da sua residência alargada, nomeadamente no Porto, teve de recorrer a tratamento para estimulação cognitiva numa clínica particular especializada – Centro de Investigação Biomédica – C..., na ..., em Espanha – onde actualmente continua a ser seguida”.

De acordo com o ponto 94 dos factos provados, “Na clínica C... na ..., Espanha são receitados à menor CC, para seu tratamento, como o Animon complex, o Mineraxin e o Defenvid, que são feitos por essa clínica espanhola, e não existe em mais lado nenhum, não existe à venda nas farmácias espanholas nem nas farmácias portuguesas”, referindo-se no ponto 95 dos mesmos factos provados que “Para obter tais medicamentos e efectuar tratamentos a menor vê-se obrigada a deslocar-se, acompanhada de, pelo menos, um adulto, duas vezes por ano àquela clínica na ..., assim como a suportar as respectivas despesas com transportes, preço das consultas, exames e medicamentos”.

Sendo evidente que o exame pericial requerido pela Ré não revela aptidão para esclarecer a matéria constante do quesito n.º 4 por ela formulado – pelo que tal questão sempre seria de arredar do objecto da perícia -, quanto à demais matéria, incidindo sobre factualidade já definitivamente assente no acórdão transitado em julgado, não pode ser submetida a nova reapreciação.

Aquela decisão precisa, com efeito, que a demandante CC sofreu, em consequência do acidente que a vitimou, danos que a afectam, de modo permanente, na sua saúde física e psíquica.

Dela ainda resulta que, em virtude de tais sequelas, a mesma carece, também permanentemente, de ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares de medicina física e reabilitação, tratamentos e acompanhamento psicológicos regulares, tendo ainda necessidades educativas e de formação especiais.

O incidente de liquidação não se destina, assim, a discutir a situação clínica da CC, nem se esta continua a carecer de tratamentos médicos e medicamentosos, tratamentos de reabilitação, acompanhamento psicológico e se tem necessidades educativas e de formação especiais. Estes são aspectos definitivamente resolvidos no processo antes de deduzido o incidente de liquidação e que, por isso, não podem ser objecto de nova reapreciação.

O incidente de liquidação destina-se tão somente a contabilizar as despesas já efectuadas com aquisição de medicamentos, consultas, tratamentos médicos e respectivas deslocações, e outras despesas efectuadas em consequência do dano funcional que, de forma permanente, passou a afectar a demandante CC, resultantes do atropelamento que sofreu, bem como ao cálculo das despesas futuras, também a esse título, que venha a suportar até ao fim da sua vida. Este foi, de resto, e sem controvérsia, o objecto do incidente identificado no despacho saneador, achando-se enunciados os temas de prova em conformidade com tal objecto.

Daí que deva entender-se que não devia ser admitida a prova pericial requerida pela Ré, não porque se trate de acto nulo, porque não admitido por lei – como argumentam os recorrentes -, mas porque a referida diligência se revela impertinente face os factos em indagação no incidente de liquidação.

Nesta parte, deve, pois, proceder o recurso dos apelantes, com, a consequente revogação do despacho que admitiu a prova pericial requerida pela Ré.

Contestam ainda os apelantes o facto de ter sido proferida decisão a admitir a testemunha Dr. GG, indicada pela Ré.

Na tese dos recorrentes, o respectivo despacho é “nulo, nos termos do nº1 do art.º 195º do CPC, por ser uma irregularidade que pode também influir no exame e decisão da causa, e que também se invocou perante o julgador da 1ª instância”.

Os recorrentes confundem nulidade do despacho com nulidade processual, sendo que se tratam de realidades distintas e com também distintas consequências jurídicas.

A primeira ocorre quando se mostre preenchida alguma das circunstâncias – e só estas, tendo elas natureza taxativa – enumeradas no n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil. Nenhuma delas foi invocada pelos recorrentes.

A segunda ocorre quando se verifique alguma das circunstâncias mencionadas no n.º 1 do artigo 195.º do referido diploma legal.

O alegado facto de a indicada testemunha ser “trabalhador da ré, de quem recebe um ordenado”, e de haver intervindo, como perito médico indicado pela Ré, no anterior exame realizado à CC pelo INML, não constituem factores de incapacidade ou impedimento para a mesma depor nessa qualidade, nem legitima qualquer pré-juízo acerca da isenção, ou parcialidade, do seu depoimento, podendo/devendo este, no entanto, depois de prestado, ser ponderado, em termos da credibilidade que mereceu.

Não existindo obstáculo legal à referida admissão da arrolada testemunha da Ré, não se configura a invocada nulidade processual, pelo que, nesta parte, improcede o recurso.


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Síntese conclusiva:

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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso dos apelantes e, em consequência:

1. Revoga-se o despacho que admitiu a prova pericial requerida pela Ré;

2. Mantém-se o despacho que admitiu o rol de testemunhas da Ré.

Custas: por apelantes e apelada, na proporção de ½ para cada uma das partes (art.º 527.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Notifique.


Porto, 4.07.2024
Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária.
Judite Pires
Manuela Machado
Carlos Portela
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[1] Artigo 477.º da lei processual civil.
[2] Artigo 484.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
[3] Artigo 475.º do Código de Processo Civil.