Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | TERESA PINTO DA SILVA | ||
Descritores: | PROPRIEDADE HORIZONTAL ARRANJO ESTÉTICO DO PRÉDIO PARTES COMUNS LEGITIMIDADE PROCESSUAL DO CONDÓMINO | ||
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Nº do Documento: | RP202505124826/24.1T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/12/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Quando o tema de um litígio são as partes comuns de uma propriedade horizontal, impõe-se distinguir se o seu objeto se situa no perímetro da administração das partes comuns ou se se está perante um litígio cujo objeto respeita à violação do estatuto real das partes comuns da propriedade horizontal. II - Esta distinção revela-se necessária para aferir da legitimidade ativa, porquanto na propriedade horizontal o proprietário de uma fração autónoma (condómino) é titular de um direito de propriedade singular sobre a sua fração e, simultaneamente, no tocante às partes comuns e em conjunto com os demais condóminos, de um direito sobre as partes comuns, coexistindo, de modo incindível, estes dois direitos reais distintos, o primeiro um direito de propriedade singular e o segundo um direito de compropriedade. III - Imputando os Autores ao Réu o fecho de varandas e colocação de um aparelho de ar condicionado que conduz a uma alteração do arranjo estético do prédio essa imputação traduz-se na atribuição ao Réu de um comportamento violador do estatuto real das partes comuns da propriedade horizontal e, por isso, os Autores, condóminos, têm legitimidade, por si só, para estar em juízo. IV - Qualquer condómino tem legitimidade singular para demandar judicialmente outro condómino com vista à defesa do seu direito de compropriedade sobre as partes comuns do edifício. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 4826/24.1T8PRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível do Porto – Juiz 2 Recorrentes: AA e BB Recorrido: CC
Relatora: Juíza Desembargadora Teresa Pinto da Silva 1ª Adjunta: Juiz Desembargador Mendes Coelho 2º Adjunto: Juíza Desembargadora Carla Fraga Torres * Acordam os Juízes subscritores deste acórdão, da 5ª Secção, Cível, do Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO Em 8 de março de 2024, AA e BB intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC, pedindo a condenação do Réu a repor as fachadas principal e posterior do edifício em propriedade horizontal onde se integram as frações de Autores e Réu identificadas nos arts. 1º e 3º da petição inicial, respetivamente. no estado em que se encontravam antes das obras levadas a efeito pelo Réu, descritas nos arts. 9º, 10º e 15º do articulado inicial, retirando as “marquises” que construiu nas varandas da sua fração e o aparelho de ar condicionado que colocou ao nível do segundo andar do mesmo edifício, no prazo de quinze dias após trânsito em julgado da sentença condenatória, com custas por ele, Réu. Alegaram, para tanto e em síntese, serem donos e legítimos proprietários de uma fração autónoma designada pela letra D, correspondente a uma habitação no terceiro andar do prédio em propriedade horizontal sito na Rua ..., com número de polícia ..., no Porto, sendo o Réu dono e proprietário da fração autónoma designada pela letra C, correspondente a uma habitação no segundo andar do mesmo prédio, o qual foi edificado na década de 60 do século passado, de acordo com o projeto de arquitetura da autoria do Arqº DD, aprovado pela Câmara Municipal ... em 5 de Junho de 1957, tendo a fachada principal e a fachada posterior do prédio varandas abertas, como estava previsto no projeto aprovado. Sucede que durante o mês de maio de 2022,, o Réu construiu na sua fração C uma estrutura fixa de PVC e vidro – vulgo “marquise” – na varanda da fachada principal de tal fração e uma outra estrutura semelhante na varanda da fachada posterior dessa mesma fração, fixando a estrutura das marquises nos muretes das varandas da fração dele e no piso da fração dos Autores, com o que alterou e prejudicou substancialmente a imagem do alçado principal e posterior do prédio e a sua linha arquitetónica e arranjo estético, em violação do projeto aprovado e da construção realizada, para além de ter aplicado, na mesma ocasião, ao nível da fachada posterior do segundo andar e em local visível, um aparelho de ar condicionado com dimensões aproximadas de 80 cm de comprimento, 50 cm de altura e 30 cm de profundidade, o qual altera o equilíbrio e harmonia daquela fachada e constitui um elemento que choca com o arranjo estético do edifício, sem que o Réu tenha previamente comunicado aos demais condóminos a realização das descritas obras, nem obtido deles autorização ou anuência, tendo a fração dos Autores, em consequência da alteração introduzida pelo Réu, diminuído o seu valor comercial em valor nunca inferior a €8.000,00. Em 11 de junho de 2024, o Réu contestou, invocando a exceção dilatória da ilegitimidade ativa dos Autores, sustentando que a legitimidade para a propositura da presente ação judicial seria sempre do condomínio, mediante prévia deliberação da assembleia de condóminos nesse sentido, e não dos Autores, impugnando em parte os factos por estes alegados na petição inicial. Conclui pugnando pela verificação da exceção dilatória da ilegitimidade dos Autores, com a sua absolvição da instância, bem como pela procedência da impugnação apresentada, sendo o Réu absolvido do pedido. Na sequência de despacho a determinar a notificação dos Autores para se pronunciarem quanto à matéria de exceção invocada pelo Réu na sua contestação, vieram aqueles, por articulado de 3 de outubro de 2024, sustentar a improcedência da exceção da ilegitimidade ativa deduzida pelo Réu, concluindo como na petição inicial. Em 12 de dezembro de 2024 realizou-se a audiência prévia, no âmbito da qual o Tribunal a quo proferiu saneador-sentença, com o seguinte dispositivo: “Nestes termos, julga-se procedente a exceção de ilegitimidade ativa dos AA e absolve-se o R da presente instância. Custas pelos AA.”. * Inconformados com esta decisão, vieram os Autores dela interpor o presente recurso, pretendendo a revogação da decisão proferida e a sua substituição por outra que, declarando-os partes legítimas, ordene o prosseguimento dos autos. Para tanto, apresentaram alegações, finalizando com as seguintes conclusões: 1. Nos termos dos artigos 1420º do Código Civil, para além da propriedade exclusiva sobre as respetivas frações, os condóminos são ainda comproprietários das partes comuns. 2. Não existindo norma relativa ao condomínio sobre a questão da legitimidade ativa questionada, deve o intérprete socorrer-se dos dispositivos substantivos concernentes à compropriedade, aplicando-se, assim, à propriedade horizontal as regras da compropriedade, designadamente o artigo 1405º do Código Civil, pelo qual qualquer dos consortes pode agir em juízo isoladamente, para defesa das partes comuns. 3. A remissão efetuada na parte final do nº 1 do artigo 1420° para o regime da compropriedade, em que se inclui o disposto no nº 2 do artigo 1405°, significa que os condóminos, tal como os consortes, podem agir isoladamente em juízo na defesa das partes comuns do prédio, seja contra terceiros, seja contra outro condómino. 4. Um condómino pode agir, mesmo sozinho, para tutela do seu direito sobre as coisas comuns, lesado por obra de um condómino ou de um terceiro, sem chamar a juízo os outros condóminos ou o administrador do condomínio, não se configurando aqui uma hipótese de litisconsórcio necessário. 5. Estando vedada ao réu a realização das obras sub judice, por constituírem prejuízo para a linha arquitetónica do edifício nos termos do art. 1422º 2 a) do Código Civil – o que os autores expressamente alegam na p.i. –, só a concordância de todos os condóminos (autores incluídos) seria suscetível de suprir tal proibição, daí decorrendo, desde logo, o efeito útil da presente ação sem intervenção dos demais condóminos e / ou do condomínio. 6. Em todo o caso e ainda que se entendesse reconduzirem-se as obras sub judice do réu ao conceito de mera modificação da linha arquitetónica do prédio nos termos do art. 1422º 3 do Código Civil, sempre elas dependeriam de prévia autorização da assembleia de condóminos, que não foi convocada, não ocorreu e nada autorizou, sendo consequentemente as obras em causa sempre ilícitas, porque não autorizadas previamente, dai decorrendo outrossim o efeito útil da ação sem intervenção dos demais condóminos e / ou do condomínio. 7. Assim, na defesa daquilo que os autores alegam ser parte comum do edifício constituído em propriedade horizontal, poderão eles agir, coligados com outros condóminos ou isoladamente, ainda que a decisão não vincule os condóminos que não intervenham na ação. 8. Os autores, ora recorrentes, têm, pois, interesse em demandar na presente ação, sendo por isso partes legítimas nela. 9. Declarando a ilegitimidade ativa dos autores, terá a douta decisão recorrida, pois, violado o art. 30º 1 do Código de Processo Civil, bem assim as normas dos arts. 1420º 1, 1405º 2, 1422º 1 a) e 3 do Código Civil. 10. Deveria a Mma Juiz a quo ter proferido decisão considerando as partes legítimas, prosseguindo o despacho saneador nos termos da lei de processo. * O Réu /Apelado respondeu às alegações, sustentando a improcedência do recurso e a manutenção do saneador-sentença recorrido, tendo apresentado as seguintes conclusões: A. O presente recurso foi interposto pelos AA. / Recorrentes do douto despacho saneador proferido pelo Tribunal a quo, que julgou (e bem) os AA. / Recorrentes como parte ilegítima ativa, absolvendo o R. e ora Recorrido da instância. B. O objeto da relação material controvertida prende-se com a alegada realização de obras novas (instalação, que não se admite, de marquises na fração autónoma da titularidade do R. / Recorrido e colocação de aparelho de ar-condicionado), com prejuízo para a linha arquitetónica ou arranjo estético do edifício, constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua .... C. Na propriedade horizontal há partes do edifício que pertencem exclusivamente a proprietários singulares (as frações autónomas) e outras que pertencem a todos em regime de comunhão (as partes comuns), como é o caso das fachadas dos edifícios. D. Nos termos do número 1 do artigo 1430º do Código Civil (“CC”), “A administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador”, sendo que, nos termos do número 1 do artigo 1437º do CC, “O condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele”, e que, nos termos do número 2 da mesma disposição legal, “O administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos, ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos”. E. Conforme resulta da douta decisão colocada em crise pelos AA. / Recorrentes, nos termos conjugados dos números 1 e 3 do artigo 30º do Código de Processo Civil (“CPC”), “Afirma-se legítima a parte que na ação tem interesse em demandar ou em contradizer, sendo que, se aferem essas posições de interesse a partir da relação material controvertida tal-qual ela é configurada pelo autor”. F. Qualquer questão relativa a partes comuns de um imóvel em regime de propriedade horizontal, nas quais se incluem a linha arquitetónica ou o arranjo estético das respetivas fachadas, é, em termos processuais, do interesse do Condomínio. G. A vontade do Condomínio, independentemente da maioria exigível para a respetiva deliberação, resulta das deliberações tomadas em sede de Assembleia de Condóminos, regularmente convocada para o efeito, não se bastando com qualquer tomada de posição de Condómino(s) fora do âmbito da referida Assembleia de Condóminos. H. O interesse relevante é do Condomínio, apenas este sendo parte legítima ativa da relação material controvertida, nos termos delineados pelos AA. / Recorrentes. I. Não há sequer que aplicar analogicamente, no caso concreto, o regime da compropriedade, por força do disposto no número 1 do artigo 1420.º do Código Civil, porquanto o regime da propriedade horizontal, nomeadamente os termos conjugados do número 1 do artigo 1430.º e números 1 e 2 do 1437.º do Código Civil, constituem norma especial, face ao regime da compropriedade. J. A relação material controvertida foi delineada pelos AA. / Recorrentes, impõe-se a aplicação das normas especiais dos artigos 1430º e 1437º do Código Civil, em detrimento da aplicação analógica do regime da propriedade horizontal. L. Em sede de alegações de recurso, os AA. / Recorrentes recorreram a Jurisprudência que visa regular questões distintas da questão material controvertida nos presentes autos, na medida em que em ambos os acórdãos citados pelos AA. / Recorrentes estava em causa a defesa do direito de (com)propriedade dos condóminos, em termos análogos a uma verdadeira ação de reivindicação do direito de (com)propriedade e/ou da posse, tendente a fazer cessar uma ofensa a tal direito… e não os limites impostos aos condóminos, nas relações entre si, relativamente às partes comuns do imóvel, nomeadamente dos limites impostos pelo número 2 do artigo 1422º do Código Civil. M. Centrando-se a relação material controvertida no âmbito dos limites impostos aos condóminos, nas relações entre si, relativamente a parte comum de imóvel constituído em propriedade horizontal – a sua fachada e, em especial, a linha arquitetónica e arranjo estético do edifício -, quer a doutrina, quer a Jurisprudência nacional, defendem maioritariamente que um condómino não pode agir isoladamente, sendo o interesse processual relevante do Condomínio e, como tal, apenas este podendo ser, processualmente, considerado como parte legítima ativa. N. Face ao exposto, bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, impondo-se manter a decisão ora colocada em crise e, consequentemente, julgar-se os AA. / Recorrentes como parte ativa ilegítima e absolver o R. / Recorrido da instância. * Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e com efeito devolutivo. * Recebido o processo nesta Relação, emitiu-se despacho que teve o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * Delimitação do objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões vertidas pelos Recorrentes nas suas alegações (arts. 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil). Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais prévias, destinando-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não à prolação de decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo Tribunal recorrido. Mercê do exposto, da análise das conclusões vertidas pelos Recorrentes nas suas alegações decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à seguinte questão: 1ª – Se os Autores têm ou não legitimidade para a presente ação. * II – FUNDAMENTAÇÃOFundamentação de facto Os factos provados com relevância para a decisão constam já do relatório que antecede, resultando a sua prova dos autos, não se procedendo à reprodução dos mesmos, por tal se revelar desnecessário. * Fundamentação de direito
1 – Se os Autores têm ou não legitimidade para a presente ação A legitimidade processual – (note-se que é apenas esta que está em causa no recurso em análise, não se confundindo com a denominada legitimidade substantiva, requisito de procedência do pedido) – constitui um pressuposto processual de cuja verificação depende o conhecimento do mérito da causa, dispondo o artigo 278º, nº1, alínea d), do Código de Processo Civil, que o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância quando considere ilegítima alguma das partes. Daí que o artigo 577º, alínea e), do citado diploma fundamental, qualifique a ilegitimidade de alguma das partes como uma exceção dilatória, o que bem se compreende, porquanto com a exigência da legitimidade o legislador pretende garantir que os titulares da relação material controvertida estejam em juízo, uma vez que só assim a decisão a proferir pode resolver efetiva e definitivamente o conflito. Neste sentido aponta o conceito de legitimidade que o legislador consagra no artigo 30º, do Código de Processo Civil, aí se preceituando que o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar e o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer, interesse esse que, nos termos do nº 2, da citada norma, ocorre, no que respeita ao Autor, quando da procedência da ação advém para ele diretamente um benefício, uma utilidade, e relativamente ao Réu, quando da procedência da ação advém para ele um prejuízo. Acrescenta ainda o nº 3, do citado preceito, que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida qual como é configurada pelo Autor e é nestes termos que tem de ser apreciada. No caso concreto, os Autores alegam que as alterações nas fachadas principal e posterior do prédio introduzidas pelas obras levadas a efeito pelo Réu e descritas nos arts. 9º a 15º da petição inicial alteram a imagem exterior do prédio, prejudicando gravemente a sua linha arquitetónica e o arranjo estético das fachadas. Mais alegaram que a linha arquitetónica de um prédio em propriedade horizontal é um bem comum a todos os condóminos, cuja alteração pode diminuir o valor comercial do edifício e, em consequência, o valor da fração autónoma de que os próprios Autores são proprietários. Com interesse para o conhecimento da exceção invocada, convém ter presente que quando o tema de um litígio são as partes comuns de uma propriedade horizontal impõe-se distinguir se o seu objeto se situa no perímetro da administração das partes comuns ou se se está perante um litígio cujo objeto respeita à violação do estatuto real das partes comuns da propriedade horizontal[1]. Esta distinção revela-se necessária para aferir da legitimidade ativa, porquanto na propriedade horizontal o proprietário de uma fração autónoma (condómino) é titular de um direito de propriedade singular sobre a sua fração e, simultaneamente, no tocante às partes comuns e em conjunto com os demais condóminos, de um direito sobre as partes comuns, coexistindo, de modo incindível, estes dois direitos reais distintos, o primeiro um direito de propriedade singular e o segundo um direito de compropriedade (como dispõe o art. 1420.º/1 do Código Civil, “cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”). Quanto à sua fração autónoma, dispõe o condómino de todos os poderes para a gozar e administrar exclusivamente e dentro dos limites da lei, de acordo com o artigo 1305.º do Código Civil. Diferentemente, quanto à administração das partes comuns a lei impõe a existência de dois órgãos: a assembleia dos condóminos (órgão deliberativo composto por todos os condóminos, a quem compete decidir sobre os problemas do condomínio que se refiram às partes comuns, – cf. artigos 1430.º a 1434.º do Código Civil) e o administrador de condomínio (órgão executivo e da representativo do condomínio, a quem cabe a gestão dos assuntos correntes relativos às partes comuns, assim como as que lhe forem delegadas pela assembleia – cf. artigos 1435.º a 1438.º do Código Civil). Estas regras próprias afastam o condomínio de uma simples compropriedade, conferindo ao direito de compropriedade dos condóminos sobre as partes comuns do edifício especificidades em relação ao regime geral da compropriedade, não lhe sendo aplicável o art. 985.º do Código Civil (ex vi art. 1407.º do citado diploma fundamental); ou seja, os condóminos não podem individual e isoladamente (ainda que só “na falta de convenção em contrário”) exercer os direitos inerentes à administração das partes comuns, na medida em que, quanto à propriedade horizontal, estão estabelecidos específicas formas de organização/funcionamento e de formação da vontade do grupo constituído pelos condóminos. A coexistência desses dois direitos (sobre cada fração e sobre as partes comuns), permite afirmar, conforme se pode ler no acórdão da Relação de Coimbra de 10 de julho de 2019, já acima citado, que “o direito (real) do condómino nas situações de propriedade horizontal é um direito real novo, constituído por um direito privativo/exclusivo de domínio sobre uma parcela determinada do prédio/edifício urbano – o “espaço geométrico”, “volume” ou “cubo de ar”, referido pelos autores, em que se inclui tudo o que esteja contido em tal espaço geométrico e que não seja considerado comum – direito exclusivo que é um verdadeiro direito de propriedade, direito este a que está associado, com função instrumental (e de modo incindível), um direito de compropriedade sobre as partes do prédio/edifício não abrangidas pelo referido direito privativo/exclusivo de domínio. E justamente por ser assim – por as frações autónomas estarem integradas num edifício de estrutura unitária, coexistindo um direito de domínio exclusivo com um direito de compropriedade – estão os condóminos, no exercício do seu referido direito real (e para além das limitações impostas, nos termos gerais, aos proprietários e comproprietários de coisas imóveis - cfr. art. 1422.º/1 do Código Civil), sujeitos a específicos condicionalismos/limitações”. Como escreve Henrique Mesquita[2], “(…) A estreita comunhão/proximidade em que vivem os condóminos, como co-utentes de um mesmo edifício, sujeita-os a limitações que a lei não impõe ao proprietário normal e que são reclamadas pela necessidade de conciliar os interesses de todos ou de proteger interesses de outra ordem.” Assim, nas alíneas a) e b) do n.º 2 do citado preceito estabelece-se que é vedado aos condóminos “prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício” e ainda “destinar a sua fração a usos ofensivos dos bons costumes”. “Relativamente, por exemplo, aos elementos privativos visíveis do exterior (portas, janelas), os condóminos não têm o poder de livre atuação ou de abstenção que assiste a um proprietário normal: eles estão sujeitos às limitações e às obrigações de facere (obrigações propter rem) que decorram da necessidade de salvaguardar os interesses de segurança ou de natureza meramente estética a que alude a al. a).” E, na mesma linha de condicionalismos/limitações, diz-se no art. 1422.º/3 do C. Civil que “as obras que modifiquem a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio”. Acrescentando-se no art. 1425.º/1 do Código Civil que “as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio” e no 7 do citado preceito que “nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de alguns dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns.” Tudo isto – todas estas regras e limitações – faz parte do estatuto real do condomínio, tem eficácia erga omnes e molda o direito real de cada condómino. É justamente neste ponto que se situa o litígio em causa nos autos. O que os Autores vêm imputar ao Réu na petição inicial é uma conduta violadora do estatuto real das partes comuns da propriedade horizontal – fecho de varandas e colocação de um aparelho de ar condicionado que conduz a uma alteração do arranjo estético do prédio -, não estando em causa uma mera questão respeitante à administração de partes comuns. Como se afirma no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra já citado, “ o direito real concedido aos condóminos, na propriedade horizontal, compreende várias restrições – decorrentes da estrutura unitária do prédio, da estreita comunhão em que vivem os condóminos, da necessidade de conciliar e proteger todos os seus interesses – e quando estas restrições não são respeitadas (quando se abrem portas na fachada traseira sem autorização prévia da assembleia, quando se efetuam construções no logradouro sem a aprovação da devida maioria dos condóminos) qualquer condómino pode demandar os condóminos que assim procederam e exigir o respeito/reconstituição do que resulta do estatuto real do condomínio. E não é por os pretensos comportamentos violadores incidirem sobre as partes comuns e por a assembleia de condóminos se poder pronunciar/autorizar tais comportamentos/utilizações que os mesmos deixam de ser violações do estatuto real da propriedade horizontal e passam a ser questões respeitantes à administração das partes comuns”. Quer isto dizer que, diferentemente do sustentado no saneador-sentença recorrido, não estamos perante um litígio respeitante à administração das partes comuns, mas sim perante um litígio em que os Autores atribuem ao Réu comportamentos violadores do estatuto real da propriedade horizontal. Ademais, tendo, é certo, a assembleia dos condóminos e o administrador (que se alega não existir) poderes (relativamente às partes comuns do edifício) de administração, quando se trata de atos de administração extraordinária, que impliquem inovações nas coisas comuns, não basta a maioria simples do capital a que a alude o art. 1432.º/5 do Código Civil, exigindo-se a aprovação pela maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio (1425.º/1); ora, alegam os Autores que nada foi alguma vez sujeito à aprovação da maioria (qualificada ou não) dos condóminos. O que temos pois, é tão só, em face da alegação dos Autores, a imputação ao Réu de haver violado o estatuto real das partes comuns da propriedade horizontal, tal como o mesmo se apresenta e resulta das regras gerais do Código Civil. Consequentemente, sendo esta a configuração da lide, haverá que concluir pela legitimidade dos Autores para, sozinhos, proporem a presente ação[3], não colhendo a argumentação do Tribunal recorrido segundo a qual só com a presença do condomínio se poderá acautelar em definitivo o efeito útil normal da presente ação. Os Autores intervêm na qualidade de condóminos, em defesa de direitos respeitantes a partes comuns do edifício. Outro condómino (ou o condomínio mandatado pelos condóminos) que demandasse o Réu pelas mesmas razões (pedido e causa de pedir iguais), estaria a fazê-lo na mesma qualidade de condómino, estando subjacente a mesma relação jurídica, pelo que se verificaria uma situação de caso julgado (arts. 580º e 581º, nº 1 do Código de Processo Civil ). Em tal hipótese, para além do sujeito passivo, pedido e causa de pedir serem os mesmos, também o sujeito ativo é o mesmo, considerando a qualidade jurídica em que intervém (art. 581º, nº 2 do CPC). Nesta conformidade, a decisão de mérito proferida na presente ação sobre a questão concreta em apreço resolve-a definitivamente. Pelo exposto, tem a apelação de proceder, não podendo subsistir a decisão que absolveu o Réu da instância por ilegitimidade dos Autores. * Das Custas De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do Código de Processo Civil, a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. Por seu lado, acrescenta o nº2, do citado preceito, que se entende que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. Termos em que, perante a procedência da apelação, se decide que as custas serão suportadas pelo Recorrido. * Síntese Conclusiva (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil): ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Pelo exposto, acordam os Juízes subscritores deste acórdão, da 5ª Secção, Cível, do Tribunal da Relação do Porto, em julgar a apelação procedente e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida, substituindo-a por decisão em que se declara que os Autores gozam de legitimidade e se ordena o prosseguimento dos autos. Custas pelo Apelado. * Porto, 12 de maio de 2025Os Juízes Desembargadores Teresa Pinto da SilvaMendes Coelho Carla Fraga Torres ______________ [1] Neste sentido cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 0.07.2019, proferido no âmbito do processo nº 2119/18.2T8LRA.C1, disponível em www.dgsi.pt. [2] Cf. A propriedade horizontal no C. Civil, RDES, Ano 23, pág. 142 e ss.. [3] No mesmo sentido de que qualquer condómino tem legitimidade singular para demandar judicialmente outro condómino com vista à defesa do seu direito de compropriedade sobre as partes comuns do edifício cfr. acórdãos do STJ de 23.02.1995, processo nº 086757 e de 11.01.2011, processo nº 290/2002.E2.S1; e da Relação de Lisboa de 05.03.2015, processo nº 5570/12.8TBALM.L1-8, todos disponíveis em www.dgsi.pt. |