Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RODRIGUES PIRES | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL ATIVIDADE PERIGOSA PRESUNÇÃO DE CULPA CULPA DO LESADO CONCORRÊNCIA DE CULPAS INDEMNIZAÇÃO PERDA DO DIREITO À VIDA DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
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Nº do Documento: | RP2024100816332/22.4T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/08/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O que determina a qualificação de uma atividade como perigosa é a sua especial aptidão para produzir danos, o que resultará da sua própria natureza ou da natureza dos meios empregados e só poderá ser apurado face às circunstâncias do caso concreto. II – A execução da cobertura de uma nave industrial, composta por chapas metálicas e placas de plástico translúcidas, a 16 metros de altura, constitui atividade perigosa. III – A presunção de culpa decorrente do exercício de atividade perigosa, prevista no art. 493º, nº 2 do Cód. Civil, só poderá ser afastada provando-se o emprego de todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de evitar os danos. IV – O art. 570º, nº 2 do Cód. Civil não estabelece uma preclusão absoluta do direito à indemnização baseado em presunção de culpa quando se demonstre culpa efetiva do lesado, antes impõe, nestes casos, um exercício de ponderação sobre a relevância de cada uma das “culpas” em concurso. V – A perda do direito à vida, o mais importante dos direitos fundamentais, reclama a fixação de valores progressivamente mais elevados tendo em conta os princípios da atualidade e da dignidade na compensação dos danos. VI – Relativamente a uma vítima de 22 anos de idade, que exercia as funções de serralheiro de 3ª e vivia com a mãe com quem tinha uma relação próxima, não é excessivo que a indemnização pela perda do seu direito à vida seja fixada em 80.000,00€. VII - O sofrimento tido pela vítima nos instantes que, em queda, antecederam a sua morte é indemnizável. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. 16332/22.4T8PRT.P1
Comarca do Porto – Juízo Central Cível do Porto – Juiz 7 Apelação Recorrente: “A..., Lda.” Recorrida: AA Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Ramos Lopes
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO A autora AA, residente na Rua ..., ..., Barcelos, instaurou a presente ação de processo comum contra os réus “A..., Lda.”, com sede na Rua ..., ..., Barcelos, BB, CC, com domicílio profissional na sede da referida empresa “A...” e Companhia de Seguros B..., S.A., com sede na Rua ..., Lisboa, pedindo que estes sejam condenados a, solidariamente, pagar-lhe a quantia global de 102.221,00€, pelos danos patrimoniais (2.221,00€) e não patrimoniais (100.000,00€) decorrentes do acidente de trabalho de que o filho DD foi vítima. Para o efeito, alegou que o seu filho faleceu na execução de uma obra ao serviço e sob as ordens da 1.ª ré de que esta era subempreiteira, em virtude de, ao tempo, não terem sido adotadas as medidas de segurança adequadas a evitar o acidente. Citada, a ré seguradora começou por invocar a incompetência material do Tribunal, assim como a ilegitimidade ativa e, de seguida, por um lado, imputou a responsabilidade pelo acidente à própria vítima que, ao tempo, não se encontrava a utilizar o equipamento de segurança disponibilizado pela entidade patronal e de acordo com as ações de formação dadas por esta, e, por outro, enjeitou, em todo o caso, qualquer responsabilidade na medida em que, primeiro, o contrato de seguro celebrado por si e pela 1.ª ré refere-se apenas à responsabilidade infortunística abrangida pela Lei n.º 98/2009, o que no caso não sucede porque a autora não reúne a condição necessária de beneficiária, e, segundo, a própria responde apenas por danos contemplados pelo regime jurídico dos acidentes de trabalho, no que não estão incluídos os danos não patrimoniais, sobre cujas quantias despendidas, em caso de violação das regras de segurança por parte da entidade patronal, tem direito de regresso sobre esta. Por fim, impugnou as despesas de funeral apresentadas pela autora assim como os danos não patrimoniais alegados. Os demais réus, citados, invocaram igualmente a incompetência material do Tribunal e a ilegitimidade da autora, requereram a suspensão da instância por causa prejudicial, e rejeitaram qualquer responsabilidade sua, dado que o acidente se ficou a dever a culpa da vítima. Em resposta, a autora pronunciou-se sobre a matéria de exceção invocada pelos réus. Em sede de despacho saneador, as invocadas exceções foram julgadas improcedentes, tal como foi indeferida a requerida suspensão da instância. Procedeu-se depois à identificação do objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova. Realizou-se audiência de discussão e julgamento de acordo com o formalismo legal. Por último, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a ação, e, em consequência: 1. Condenou a 1.ª ré “A...” a pagar à autora a quantia de 80.000,00€ acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano desde a data da sentença até integral pagamento; 2. Condenou a 4.ª ré Companhia de Seguros a pagar à autora a quantia de 1.776,80€ acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento. 3. No mais absolveu os réus dos pedidos. Inconformada com o decidido, interpôs recurso a ré “A...” que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. parece resultar da sentença que a condenação da Ré resulta de uma responsabilidade objectiva: por um lado, por culpa in elegendo, e por outro por se tratar de uma actividade perigosa. 2. E ainda mais à frente, que a Ré incorreu em responsabilidade civil por culpa, e decide-se uma repartição de responsabilidades sem que se conheçam os fundamentos de facto e de direito que sustentem essa repartição de responsabilidades. 3. Como se consta do AUJ 12/2014 “A existência de uma chefia para um grupo de trabalhadores de uma determinada empresa não conduz a que o trabalhador desse grupo passe a depender do seu chefe em detrimento da direcção da empresa” 4. apurar a responsabilidade do chefe de equipa não era tema de prova nem nela assentava a causa de pedir; 5. pois a A. não imputou, nem imputa, responsabilidades à Ré por essa via antes imputou sempre, e por repetidas vezes, às decisões ao[s] sócios e gerentes da Ré – que também demandou - com esse fundamento e não ao chefe de equipa. 6. A A. nunca alegou qualquer hierarquia ou qualquer dependência do infeliz DD do chefe de equipa na execução de qualquer trabalho mas, ao invés, aos sócios e gerentes da Ré. 7. Pelo que da matéria de facto dada como provada não se retira quais as funções do chefe de equipa na organização dos trabalhos e quais as responsabilidade que detinha face aos demais trabalhadores e se estes lhe deviam, ou não, obediência e, se era devida, quais as consequências do seu não acatamento. 8. Entende a Ré que não estão preenchidos os pressupostos para que a Ré fosse responsabilizada por essa via, tanto mais que, repete-se, não constituía a causa de pedir nem era tema de prova. 9. A segunda questão abordada na sentença diz respeito à responsabilidade objectiva por se tratar de uma actividade perigosa. 10. Os trabalhos eram executados em cima do telhado pelo que daí não decorre que seja uma actividade perigosa; 11. Sustenta-se ainda na sentença que a Ré “incorreu em responsabilidade civil por facto ilícito, constituindo-se, deste modo, na obrigação de indemnizar a A.” por falta de medidas de segurança; 12. Estabelece o artigo 36.º do DL n.º 50/2005, de 25 de fevereiro, quanto à utilização dos equipamentos de trabalho destinados a trabalhos em altura, que: o dimensionamento do equipamento deve corresponder à natureza dos trabalhos e às dificuldades que previsivelmente ocorram na sua execução, bem como permitir a circulação de trabalhadores em segurança (nº 3); e a escolha do meio de acesso mais apropriado a postos de trabalho em altura deve ter em consideração a frequência da circulação, a altura a atingir e a duração da utilização (nº 4). 13. A respeito das medidas coletivas, temos que sempre que a avaliação de riscos considere necessário, devem ser instalados dispositivos de proteção contra quedas, com configuração e resistência que permitam evitar ou suster quedas em altura (artigo 37.º, n.º 2 do DL 50/2005) dispositivos que, no caso concreto, por força do artigo 44.º do RSTCC, se reconduzem, à utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo ou caso, estes não sejam viáveis, a cintos de segurança providos de cordas. 14. Contudo, o simples facto de decorrerem trabalhos em cima de telhados não faz nascer a obrigação de adotar as medidas previstas no artigo 44.º do RSTCC. 15. De facto, esta norma é muito clara no sentido de que tais medidas devem ser adotadas se os trabalhos em cima de telhados oferecerem perigo por causa: da inclinação, da natureza ou estado da superfície ou, finalmente, das condições atmosféricas. 16. No caso dos autos não foi alegada a especial inclinação do telhado, nem que as condições atmosféricas exigissem medidas de segurança especiais, sendo que a cobertura do telhado estava a ser colocada, sendo por isso novo. 17. Assim, pode-se concluir que não estamos perante uma situação de violação das regras de segurança por parte da Ré empregadora, tal como esta vem prevista no artigo 18.º da LAT.” 18. Aliás, como de resto se reconheceu por sentença proferida no processo de acidente de trabalho que correu termos pelo nº 1184-19.0T8VLG, do tribunal de trabalho de Barcelos e que, não obstante não fazer caso julgado, tem autoridade de caso julgado, o que expressamente se invoca; 19. Era adequado, tal como constava do respetivo plano de segurança e explicitado pela testemunha EE, devendo os trabalhadores, no caso, realizar os trabalhos utilizando o devido EPI – ou seja, a linha de vida e o arnês. 20. Por outro lado, ficou provado que o sinistrado tinha conhecimento que a utilização do arnês e da linha de vida era obrigatória e essencial para evitar a queda em altura (52). 21. E que a utilização do arnês e da linha de vida não dificultava a colocação das chapas metálicas nas laterais no chapéu do telhado (53) 22. Que a 1.ª R. havia dado instruções aos seus trabalhadores, incluindo o sinistrado, para que sempre que realizassem trabalhos em altura utilizasse o arnês e a linha de vida que haviam sido facultados (54) 23. E que para os trabalhos em causa foi elaborado pela 1.ª R. um plano de trabalhos com riscos especiais, datado de 21/11/2018 e divulgado aos seguintes trabalhadores: FF, GG, HH, II; JJ; KK, DD; LL e MM (57) 24. Que o DD sabia que tinha de utilizar o arnês e a linha de vida para a tarefa que estava a realizar (61) 25. E que o DD sabia que o arnês e a linha de vida era adequado a evitar a sua queda no solo (62) 26. E que a utilização do arnês e da linha de vida teria evitado a queda do DD no solo (63). 27. existe nexo de causalidade adequada entre o acidente e a conduta do sinistrado e, ao invés, não existe qualquer nexo de causalidade entre a conduta da Ré e o acidente relatado nos autos; 28. A imputação da responsabilidade à Ré e a repartição de responsabilidades (80/20) não vem fundamentada de facto e de direito. 29. Da matéria de facto resulta com clareza que a conduta do sinistrado é a única causadora do acidente que o vitimou e a Ré deveria ter sido absolvida dos pedidos contra ela formulados por não se verificarem os respectivos pressupostos. 30. Pois resulta de forma clara e evidente que o evento ocorreu devido à conduta incauta e negligente do Sinistrado e pela violação das normas de segurança impostas pela entidade empregadora. 31. Conforme foi demonstrado e devidamente esclarecido, nomeadamente pela testemunha EE, a entidade empregadora tinha um plano de segurança devidamente elaborado, deu formação aos seus trabalhadores (inclusive ao sinistrado) e disponibilizou todos os equipamentos de protecção individual necessários e imprescindíveis, nomeadamente, linhas de vida, arnês, e rede de contenção - durante a fase em que foi possível tê-la instalada -, que foi um meio de segurança complementar utilizado durante a fase inicial da obra. 32. Os equipamentos de protecção individual estavam disponíveis e foram entregues aos trabalhadores para serem utilizados, e foram dadas devidamente as formações para serem utilizados, de acordo com o plano de segurança existente, o que aliás é integralmente confirmado pelas testemunhas MM e KK, colegas de trabalho da obra onde ocorreu o sinistro aqui discutido nos presentes autos; 33. foram indevidamente julgados provados o facto 23 e 39 e deveria ser dado como provado o facto “Quem colocou e retirou a rede de segurança tenha sido a empresa C..., Unipessoal, Lda.” 34. pela testemunha EE foi atestado que o Plano de Trabalhos se manteve exactamente o mesmo do fixado no início dos trabalhos e até à sua finalização, conforme depoimento entre os minutos 08:45 a 012:14: EE - técnica superior de higiene e segurança no trabalho (depoimento registado no programa H@bilus Média Studio): 35. Refere que os trabalhos foram concluídos exatamente como estavam previstos, com a linha de vida. 36. Conforme foi referido pela testemunha EE a segurança era obtida através da utilização do arnês e da linha de vida, e não com as duas proteções (nomeadamente, linha de vida e redes de contenção). 37. Refere ainda que a rede foi retirada e já não estava previsto estar lá após a fase da cobertura pois após a cobertura os trabalhos seriam executados com a linha de vida e era isso que estava previsto (10:30) 38. E que os trabalhos foram retomados exclusivamente com linha de vida e arnês, que era suficiente para a execução daqueles trabalhos e era essa medida de segurança que constava do plano. 39. Ao longo do seu depoimento a referida testemunha refere que rede de segurança, é uma rede que é considerada uma proteção a complementar a proteção do trabalhador, só que naquela fase da obra, estávamos na parte já final, não era possível ter essa instalação. 40. Aquele meio não era o essencial para garantir a segurança do trabalhador e numa fase de desenvolvimento posterior, já não era possível mantê-lo e acabava por ser uma falsa segurança se ela se mantivesse naquela instalação. 41. É clara ao afirmar que a segurança estava a ser conseguida naquele trabalho específico com a linha de vida e com o arnês e que os trabalhos foram concluídos exatamente como estavam previstos, com a linha de vida. 42. Face ao depoimento prestado pela testemunha EE, não deve constar dos factos dados como provados o facto no ponto 23 a expressão a utilização de equipamento de protecção colectiva, como redes de segurança 1 m abaixo da estrutura do telhado que deverá ser suprimida 43. Passando o referido facto a constar apenas: 23. O trabalho em altura executado naquele momento por DD e pelos restantes colaboradores da 1.º Ré exigia, tal como estava previsto no plano de trabalhos apresentado pela 1.ª R. para a execução da obra em causa, a utilização de linha de vida com elementos todos devidamente certificados e em bom estado de conservação, e equipamento de protecção individual como o arnês anti-queda com ligação à linha de vida fixa a elementos sólidos da estrutura do “chapéu” do telhado. 44. De igual modo a matéria do facto 39 deveria ser alterada de modo a que fique a constar: 39. A utilização de linha de vida e arês era adequada a impedir a queda do DD no solo e consequentemente a morte deste. 45. Passando este facto a estar em consonância com o facto dado como provado em 63. 46. E o seguinte facto dado como não provado deveria ser considerado como provado: Quem colocou e retirou a rede de segurança tenha sido a empresa C..., Unipessoal, Lda. 47. Sem prescindir e por mera cautela de patrocínio, quanto ao montante dos danos diremos que a fundamentação da matéria de facto vertida no ponto 43 não vem explicitada na sentença. 48. Percorrida toda a prova produzida não existe qualquer prova nos autos – testemunhal ou documental - donde se possa extrair o referido facto. 49. Pelo que a matéria do ponto 43 deveria ser eliminado por ausência de prova. 50. O valor arbitrado a título de dano moral da vítima não pode subsistir uma vez que não facto de que se possa extrair qualquer sofrimento da vítima. [sic] 51. E o valor a considerar para o direito à vida não deveria ser superior a 60.000 euros por ser o valor que corresponde ao que é, de um modo geral, mantido pela maioria da jurisprudência. Pretende assim a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que a absolva a ré dos pedidos. A autora apresentou resposta ao recurso, pugnado pela confirmação do decidido. Formulou as seguintes conclusões: A. No atual sistema a produção de prova em audiência tem por objeto “temas da prova”(art.º 596.º) enunciados na audiência prévia e não incide sobre factos sincopados, mas antes optou-se por inscrever a decisão da matéria de facto no âmbito da própria sentença (art.º 607.º, n.º 3), perante o que será de admitir «uma maior liberdade no que concerne à descrição da realidade litigada, a qual não deve ser imoderadamente perturbada por juízos lógico-formais que deixem a justiça à porta do tribunal. B. A atuação da Recorrente, o modo de operar, a personificação de como atuou, instruções e local onde estava a atuar a trabalhar cabem ainda assim nos Temas da Prova, cabendo dessa forma aquilatar a atuação do seu auxiliar e chefe de equipa como forma de apurar a responsabilidade da Recorrente. C. Apurou-se que o chefe de equipa não impôs ao falecido DD que utilizasse o arnês na execução dos trabalhos do dia 16/05/2019. D. Obrigação que se lhe exigia no Plano de Trabalhos elaborado pela Recorrente. E. A Recorrente e seu chefe de equipa sabiam que não estava colocada rede de segurança prevista. F. Ainda assim, não foi evidenciada qualquer ação daquele para advertir o DD para a utilização do arnês individual e que o impedisse de executar os trabalhos sem esse EPI. G. A Recorrente foi incauta e imprudente na escolha da pessoa de chefe de equipa a quem incumbira daquelas funções de prevenção e fiscalização, tanto que o próprio estava no telhado sem EPI, e conforme resulta da prova nem sequer linha de vida havia sido colocada para ligar o arnês. H. Dessa forma, a Recorrente foi, por ato do seu auxiliar e pelo qual responde nos termos do art.º 800 do Código Civil, incapaz de garantir a observância das regras de segurança e integridade física dos seus colaboradores o que originou a violação do direito absoluto do DD, que lhe competia verificar e fiscalizar nos termos do disposto no Decreto n.º 41821/58 de 11/08, regulamento de segurança no trabalho da construção civil, no seu art.º 44; e nos termos do art.º 36.º., 37.º do DL n.º 50/2005 de 25/02 sobre prescrições mínimas de segurança e de saúde na utilização de equipamentos de trabalho e ainda nos termos do disposto na Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro que prevê o regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho. I. A Recorrida não só invocou que a atividade perigosa na sua petição como foram os autos instruídos com os fatos essenciais que preenchem o conceito jurídico a preenche-lo. [sic] J. A execução de trabalhos braçais a 16 metros de altura em cima de uma cobertura de que fazem parte placas plásticas importa o risco de queda dos trabalhadores e de ocorrência de danos nos próprios, inclusive a morte, pelo que pela sua natureza e estado da superfície constitui atividade perigosa que, como tal, deve obedecer a cuidados e medidas especificas de forma a criar condições a evitar a concretização daqueles perigos. K. No caso, tem aplicação o disposto no art.º 493.º, n.º 2 do C.C, pelo que sobre a Recorrente incumbia presunção de culpa que não afastou e, por fim, subsumir a sua atuação á luz do art.º 493.º do C.C. como culposa. L. A Recorrida não foi considerada beneficiária, nem foi parte na ação com o número proc.º 1184-19.0T8VLG. M. Não foi alegado, nem demonstrado qualquer identidade de objeto, ou sequer da questão em apreço ao longo do processo, sendo agora, depois da prolação da sentença despropositada. N. Naturalmente que nenhum efeito de caso julgado (ou mesmo autoridade de caso julgado) pode ser extraído de uma decisão relativamente a sujeitos que não tiveram qualquer intervenção na ação proferida nem se integram na esfera da identidade subjectiva definida pelo art.º 581.º, n.º 2 do CPC. O. Os pontos 23) e 39) devem manter-se como provados na totalidade porquanto assenta inquestionavelmente na prova documental do processo – emanada pela Recorrente - sendo que quer o segmento probatório quer alegação não são adequados, nem evidenciam qualquer erro de julgamento no mesmo, antes importam uma dedução que nem sequer afasta o referido pela testemunha KK. P. A circunstância do falecido não usar arnês durante a execução dos trabalhos na cobertura no dia 16/05/2019 não determina a sua culpabilidade pelo acidente, na verdade, resulta dos factos provados que nem sequer estava colocada a linha de vida para ancorar esse arnês. Q. Era atribuição legal da Recorrente a prevenção e fiscalização da utilização desse equipamento, função que executava nas condições referidas através do seu auxiliar e chefe de equipa que, pelo qual responde e que, como resulta da prova, não a levou a cabo, neste ponto não se pode deixar de considerar que há culpa efetiva. R. A sentença enumerou as obrigações especiais que incidiam sobre a Recorrente no que se refere quer à prevenção, quer à execução, quer á vigilância do cumprimento e uso das medidas de segurança, por contraposição dos deveres também legais do falecido. É adequado fixar em 80% a responsabilidade da Recorrente, entidade organizada com 10 trabalhadores, representante em obra, operadores de segurança e que desenvolve a atividade perigosa, e de 20% para o falecido, com a tenra idade de 22 anos, que, ainda que com tenra idade, agiu imprudentemente não cumprindo com as prescrições previstas no art.º.º. 17.º, n.º 1, las. a) e b) da Lei n.º 102/2009 de 10/09. S. Sem prejuízo, como resulta da interpretação atualista o disposto no n.º 2 do art.º 570º não estabelece uma preclusão absoluta do direito à indemnização baseado em presunção de culpa até porque, in casu, não foi quebrada a conexão entre a conduta culposa presumida da Recorrente e o prejuízo, donde o necessário exercício de ponderação sobre a relevância de cada uma das “culpas” supra exposto. T. Resulta da experiência comum que a queda da cobertura de um edifício, passando por uma placa translúcida, de uma altura de 16 metros causa a perceção quer da queda quer da consequência. U. É adequado a fixação indemnizatória pela perda da vida de um jovem com 22 anos amado, respeitado pelos pares, da quantia de 80.000,00€. V. A sentença está bem fundamentada e da matéria dada como provada verificam-se preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual da Recorrente. O recurso foi admitido como apelação com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, em virtude de ter sido prestada caução por parte da recorrente. Cumpre então apreciar e decidir. * FUNDAMENTAÇÃO O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil. * As questões a decidir são as seguintes: I. Apurar de deve ser alterada a matéria de facto provada e não provada; II. Apurar se na sentença recorrida, em sede de responsabilidade da ré, se podia ter tratado da matéria relativa à culpa in eligendo; III. Apurar se os trabalhos que estavam a ser executados integram o conceito de atividade perigosa; IV. Apurar se a ré/recorrente deve ser responsabilizada pela ocorrência do acidente; V. Apurar se a repartição de responsabilidades entre a ré/recorrente e a vítima está fundamentada e se se mostra corretamente determinada; VI. Apurar se o valor da indemnização pela perda do direito à vida deve ser reduzida para 60.000,00€; VII. Apurar se o valor de 5.000,00€ arbitrado pelo sofrimento da própria vítima na iminência da morte se deve manter. * São os seguintes os factos dados como provados: Da petição inicial 1. A Autora era mãe de DD, solteiro, sem descendentes, nascido a 09 de Janeiro 1997. 2. DD faleceu a 16 de Maio de 2019, pelas 11H30m, na sequência de acidente durante a realização da sua prestação laboral na Zona Industrial ..., D..., Rua .../..., ... ..., ..., União de freguesias ... e ..., no município .... 3. Correu termos processo sob o número 1184/19.0T8VLG no âmbito do qual foi proferido despacho a reconhecer que nem a mãe nem o irmão são beneficiários legais do sinistrado DD para efeitos da LAT. 4. A 7 de Janeiro de 2016, DD celebrou contrato de trabalho por tempo incerto com a 1.º Ré para desempenhar, sob a sua orientação, fiscalização e autoridade, as funções de Serralheiro de 3.ª. 5. Funções que até ao momento do seu falecimento desempenhou em horário e local que lhe era pré-estabelecido pela 1.ª Ré e de acordo com as suas orientações. 6. Categoria profissional que mantinha à data do evento em causa. 7. Pelas quais auferiu de salário base a quantia de 680,00€. 8. A 1.º Ré é uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada e com capital social de 2.000,00€. 9. Tem como escopo social a montagem de estruturas e sede social na Estrada Nacional ..., ..., freguesia ..., no concelho de Barcelos. 10. Tem 2 sócios, o 2.º Réu, BB, com quota de €1.000,00 (mil euros) e a 3.º Ré CC, com a quota de 1.000,00€. 11. Ambos assumem a qualidade de sócios-gerentes, com funções de gestão da 1.ª Ré. 12. A 1.ª Ré obriga-se com assinatura de apenas um gerente. 13. A 1. Ré obriga-se com a assinatura de apenas um gerente e desde que assumiram essa qualidade, registada a 16/09/2014, que são o 2.º R. e 3.ª R. quem diretamente decidem os destinos desta sociedade, nomeadamente, contratando com fornecedores e clientes; determinando os preços a praticar; as dívidas a pagar; os créditos a cobrar; intervindo nos processos de venda, compra, prestação de serviços, aprovisionamento, produção, laboração, negociação de contratos ou direção da sociedade; contratação de pessoal e conferência da sua contabilidade. 14. Desde então os 2.º R. e 3.ª Ré tomam diretamente todas as decisões sobre o modo como as obras eram contratadas e executadas e, bem assim, sobre as condições em que todas as prestações de serviços e contratos de empreitadas eram assumidas e executadas pelos seus trabalhadores. 15. A R. é uma organização de pessoas e bens que tem como escopo o lucro, com organização própria e, à data dos factos, tinha 10 trabalhadores dependentes das suas orientações, expressas e veiculadas pelos seus sócios-gerentes e representantes legais, à data dos factos, BB e CC. 16. A 1.º Ré foi contratada, em regime de subempreitada, para a execução de estruturas metálicas, designadamente a da cobertura da nave/pavilhão industrial de um edifício destinado à instalação de uma indústria de “Biomassa”, sito na freguesia ..., na Zona Industrial ..., pertencente à D..., ..., .... 17. Esta cobertura, além dos chapéus (zonas mais elevadas da cobertura), é composta em parte por chapas metálicas e, aproximadamente de 12 em 12 metros, por placas de plástico translúcidas. 18. No dia 16/05/2019, estas chapas metálicas e placas translúcidas já haviam sido colocadas, faltando executar o revestimento da referida zona mais elevada da cobertura. 19. Para tanto, a 1.ª Ré tinha, naquela obra, ao seu serviço e no seu interesse sob sua orientação, autoridade e fiscalização, quatro colaboradores, o falecido DD, NN, MM e KK, este último também com as funções de chefe de equipa. 20. Todos serralheiros que desempenham de forma habitual, o trabalho de serralharia, montagem de estruturas metálicas e a quem a 1.ª R. tinha instruído para proceder à fixação das chapas de revestimento nas “madres” colocadas na lateral direita do “chapéu” da cobertura do edifício referido em 17). 21. A zona do chamado chapéu da cobertura fica a aproximadamente 16 metros de altura do solo. 22. Para se deslocarem para a cobertura DD e os seus colegas de trabalho ascenderam numa plataforma elevatória existente na obra para o efeito e operada pelos próprios. 23. O trabalho em altura executado naquele momento por DD e pelos restantes colaboradores da 1.º Ré exigia, tal como estava previsto no plano de trabalhos apresentado pela 1.ª R. para a execução da obra em causa, a utilização de equipamento de protecção colectiva, como redes de segurança 1 m abaixo da estrutura do telhado, e linha de vida com elementos todos devidamente certificados e em bom estado de conservação, e equipamento de protecção individual como o arnês anti-queda com ligação à linha de vida fixa a elementos sólidos da estrutura do “chapéu” do telhado. 24. No dia 16/05/2019 a cobertura em causa não dispunha da referida rede de segurança que tinha estado colocada durante a colocação das chapas metálicas e das placas plásticas translúcidas da cobertura. 25. A 1.ª R. no dia 10/04/2018 havia entregue um arnês anti-queda ao DD que o recebeu. 26. No dia 29/05/2018 DD recebeu formação/informação em contexto de trabalho sobre o tema segurança trabalhos em altura, tendo sido abordados os seguintes aspectos: protecções colectivas - guarda-corpos redes e nos andaimes; acessibilidade; regras da utilização da escada de mão; riscos associados à realização de trabalhos com risco de queda em altura e utilização de arnês de protecção, linhas de vida, pontos de ancoragem. 27. No dia 19/10/2018 DD recebeu formação/informação em contexto de trabalho sobre o tema trabalhos com risco de queda em altura, tendo sido abordados os seguintes aspectos: protecções colectivas a implementar (guarda-corpos de protecção, redes de segurança); equipamentos de protecção individual (arnês de segurança, linha de vida e restantes acessórios); verificação de segurança do arnês e acessórios (costuras, linha de vida farpada, com cortes, mosquetões); montagem adequada dos andaimes (bases em madeira sólida, ancoragens aos edifícios, guarda corpos de protecção em todos os lados abertos das plataformas de trabalho, guarda-cabeças, etc.); utilização segura das escadas de mão (1 m acima local de encosto, preensão da escada ao local de encosto, e regra dos 3 apoios – 2 mãos 1 pé ou 2 pés e uma mão); proteger sempre com guarda-corpos as bordaduras das lajes, extremidade de telhados, varandas, aberturas nas paredes (portas e janelas com peitoril baixo) caixas de escadas e aberturas para o poço do elevador; sobradar sempre as aberturas existentes ao nível dos pavimentos. 28. Às 11.30 h do referido dia 16/05/2019, DD e os outros trabalhadores da 1.ª Ré, NN, KK e MM, encontravam-se naquela cobertura a proceder à colocação de chapas laterais que compunham o “chapéu” da mesma cobertura. 29. A 1.ª R. sabia que o local já não estava dotado de rede de segurança/contenção. 30. A 1.ª R. instruiu os seus supra ids. trabalhadores, designadamente a vítima DD, para continuar com os trabalhos no chapéu da cobertura. 31. Os trabalhadores da 1.ª Ré, NN, KK, MM e o falecido DD, aquando do acidente, não dispunham de guarda-corpos e não estavam a utilizar o arnês individual e a linha de vida. 32. Quando DD executava o seu trabalho junto ao “chapéu” da cobertura calcou uma placa translúcida que, com o peso, abriu. 33. Deixando o corpo de DD sem qualquer suporte e com espaço livre por onde o mesmo caiu, sem qualquer equipamento de protecção que evitasse a queda no solo do interior do pavilhão. 34. DD caiu de uma altura de cerca de 16 metros. 35. Da queda adveio a morte ao DD. 36. A 1.ª R. instruiu aqueles seus trabalhadores para que executassem o trabalho de fixação das chapas de revestimento nas “madres” colocadas na lateral direita do “chapéu” da cobertura do edifício. 37. Nesta altura, já não se encontrava colocado qualquer equipamento de protecção colectiva. 38. A 1.ª R. conhecia o risco de queda que a execução do trabalho supra descrito envolvia. 39. A utilização de material de protecção colectiva, como a rede de contenção, e de protecção individual, como o arnês, em conjunto com a linha de vida, era adequada a impedir a queda do DD no solo e consequentemente a morte deste. 40. KK, como chefe de equipa, não impôs ao DD que utilizasse o arnês na execução dos trabalhos em cima da cobertura no referido dia 16/05/2019. 41. A 1.ª R., através do 2.º R. e da 3.ª R., agiu de forma livre, voluntária e consciente. 42. Na sequência da queda, o DD sofreu lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, toraco-abdomino-pélvicas e vertebrais cervicais, e outras lesões traumáticas, que, no conjunto, lhe provocaram a morte. 43. Ao constatar a passagem do seu corpo pela placa da cobertura, o DD anteviu a sua iminente morte e sentiu sofrimento e terror inimaginável que o acompanharam nos instantes finais da sua vida. 44. A Autora, já viúva à data dos factos, tinha apenas como familiares directos os seus dois descendentes: o falecido DD e OO. 45. O DD vivia com a mãe com quem mantinha uma relação muito próxima e presente, ainda mais vincada pelo pré-falecimento do progenitor daquele. 46. A Autora viveu meses num sofrimento atroz agravada pela memória do funeral do seu filho. 47. Ainda veste preto, visita religiosamente a campa do filho todos os fins de semana. 48. É diariamente acompanhada pela saudade do filho. 49. Tem episódios depressivos em que não quer sair de casa. 50. Com o funeral do seu filho a A. despendeu a quantia de 2.221,00€. 51. À data do acidente existia entre a 1.ª R. e a Companhia de Seguros B..., S.A. um contrato de seguro titulado pela apólice de acidentes de trabalho nº ....... Da Contestação da R. Companhia de Seguros 52. O sinistrado tinha conhecimento que a utilização do arnês e da linha de vida era obrigatória e essencial para evitar a queda em altura. 53. A utilização do arnês e da linha de vida não dificultava a colocação das chapas metálicas nas laterais no chapéu do telhado. 54. A 1.ª R. havia dado instruções aos seus trabalhadores, incluindo o sinistrado, para que sempre que realizassem trabalhos em altura utilizassem o arnês e a linha de vida que haviam sido facultados. Da Contestação da 1.ª R., do 2.º R. e da 3.ª R. 55. A 1.ª R. tem organizados os serviços de segurança e saúde no trabalho na modalidade de serviços externos. 56. A entidade empregadora dispunha de uma ficha de procedimentos de segurança previstos para a montagem de estruturas metálicas. 57. Para os trabalhos em causa foi elaborado pela 1.ª R. um plano de trabalhos com riscos especiais, datado de 21/11/2018 e divulgado aos seguintes trabalhadores: FF, GG, HH, II; JJ; KK, DD; LL e MM. 58. DD foi submetido a exame de saúde periódico em 14/04/2018, não evidenciando a ficha de aptidão qualquer restrição para o trabalho, tendo sido considerado apto. 59. A 1.ª R. participou acidente de trabalho à Companhia de Seguros. 60. A entidade patronal procedeu à análise do acidente. 61. DD sabia que tinha de utilizar o arnês e a linha de vida para a tarefa que estava a realizar. 62. DD sabia que o arnês e a linha de vida era adequado a evitar a sua queda no solo. 63. A utilização do arnês e da linha de vida teria evitado a queda do DD no solo. 64. A obra em causa tinha como coordenadora de segurança em obra PP nomeada pela dona da obra. 65. Os representantes em obra da entidade executante, C..., Unipessoal, Lda., eram EE, Técnica Superior de Segurança e Saúde no Trabalho e QQ, Director de Obra. * Os factos não provados são os seguintes: Todos os que se mostram em contradição com os que acima se deram como provados, designadamente e ainda que: Da PI - O 2.º R. e 3.ª R. tenham instruído por si os seus colaboradores, designadamente a vítima DD. - O falecido estivesse a trabalhar em altura sem que lhe tivesse sido fornecido pela 1.ª R. qualquer arnês. - Não tivesse sido criada a linha de vida. - O DD tivesse colocado ambos os pés na placa translúcida. - As chapas colocadas no telhado e as placas de plástico translúcidas não estivessem todas devidamente fixadas. - Tenha sido por não estar devidamente fixada que a placa translúcida que o DD calcou caiu. - Essa placa translúcida estivesse deficientemente colocada na cobertura. - A R. não tenha fornecido a DD um arnês individual. - O 2.º R. e a 3.ª R. se tenham conformado com criação do perigo para a vida do DD. - O 2.º R. e a 3.ª R. por si conhecessem o risco elevado de queda. - A 1.ª R. e os seus representantes legais tenham agido com dolo. - Tenham sido a 1.ª R. e os seus legais representantes quem retirou a rede de segurança para que o trabalho fosse executado mais rapidamente e/ou para diminuir custos de produção. Da Contestação da R. Companhia de Seguros - O arnês e a linha de vida estivessem disponíveis no local onde o sinistrado se encontrava a desempenhar a sua actividade profissional. Da Contestação da 1.ª R., do 2.º R. e da 3.ª R. - A 1.ª R. sempre tenha exigido aos trabalhadores o cumprimento rigoroso das medidas de prevenção e protecção de acidentes de trabalho, designadamente das medidas de segurança relativas a trabalhos em altura, como o uso de arnês e linha de vida. - A obra tenha sido sempre acompanhada pela coordenadora de segurança em obra e pela técnica superior de segurança e saúde no trabalho. - Quem colocou e retirou a rede de segurança tenha sido a empresa C..., Unipessoal, Lda. * Passemos à apreciação do mérito do recurso. I. Apurar se deve ser alterada a matéria de facto provada e não provada 1. Na apreciação do recurso interposto pela ré/recorrente principiaremos pela impugnação que esta faz de alguns pontos constantes da matéria de facto dada como provada e não provada. Mais concretamente mostram-se impugnados os nºs 23 e 39 da factualidade assente que têm a seguinte redação: - 23. O trabalho em altura executado naquele momento por DD e pelos restantes colaboradores da 1.ª Ré exigia, tal como estava previsto no plano de trabalhos apresentado pela 1.ª R. para a execução da obra em causa, a utilização de equipamento de protecção colectiva, como redes de segurança 1 m abaixo da estrutura do telhado, e linha de vida com elementos todos devidamente certificados e em bom estado de conservação, e equipamento de protecção individual como o arnês anti-queda com ligação à linha de vida fixa a elementos sólidos da estrutura do “chapéu” do telhado; - 39. A utilização de material de protecção colectiva, como a rede de contenção, e de protecção individual, como o arnês, em conjunto com a linha de vida, era adequada a impedir a queda do DD no solo e consequentemente a morte deste. Pretende a ré/recorrente que a sua redação passe a ser a seguinte: 23. O trabalho em altura executado naquele momento por DD e pelos restantes colaboradores da 1.ª Ré exigia, tal como estava previsto no plano de trabalhos apresentado pela 1.ª R. para a execução da obra em causa, a utilização de linha de vida com elementos todos devidamente certificados e em bom estado de conservação, e equipamento de protecção individual como o arnês anti-queda com ligação à linha de vida fixa a elementos sólidos da estrutura do “chapéu” do telhado. 39. A utilização de linha de vida e arnês era adequada a impedir a queda do DD no solo e consequentemente a morte deste. Simultaneamente entende que o facto não provado “quem colocou e retirou a rede de segurança tenha sido a empresa C..., Unipessoal, Lda.” deverá transitar para o elenco dos factos provados. Como fundamento para estas alterações factuais indicou excertos do depoimento da testemunha EE, tendo, por seu turno, a autora/recorrida referido excertos do depoimento da testemunha KK. 2. Uma vez que a ré/recorrente observou os ónus previstos no art. 640º do Cód. de Proc. Civil, iremos proceder à reapreciação da decisão de facto, principiando pela audição destes dois depoimentos. EE é técnica de segurança, sendo representante na obra da “C... Unipessoal, Lda.”, que era o empreiteiro geral. Disse que para os trabalhos que estavam a ser efetuados, após a fase da cobertura, o que estava especificado era a utilização da linha de vida, acrescentando que antes já lá tinha estado montada uma rede de contenção. Depois do acidente os trabalhos foram retomados apenas com arnês e linha de vida, o que foi autorizado pela ACT[1]. KK é funcionário da ré “A...”. Disse que estavam em cima da cobertura. Não tinham colocado o arnês nem a linha de vida e também não havia rede de segurança coletiva. Não sabe quem tomou a decisão de tirar a rede. Referiu também que acederam à cobertura pelo exterior, através de uma plataforma. Talvez a razão porque se tirou a rede de segurança tenha sido o facto de o telhado estar acabado. Era o responsável por orientar o pessoal nos trabalhos. No Plano de Trabalhos para a obra aqui em causa, apresentado pela ré “A...” e datado de 10.1.2019 – Plano de Proteções Coletivas –, para o risco de queda em altura como medidas de proteção coletiva constam: - Utilizar Linha de Vida com os elementos todos devidamente certificados e em bom estado de conservação (verificar sempre a utilizar). - Fixação de rede de segurança 1m abaixo da estrutura do telhado. Como equipamento de proteção individual para corpo inteiro, quanto à queda em altura, consta cinto de segurança do tipo arnês. Por seu turno, do relatório de acidente de trabalho consta o seguinte quanto a medidas de prevenção: - Na execução de trabalhos com risco de queda em altura antes de se iniciar a execução das tarefas os trabalhadores têm que obrigatoriamente verificar se o local possui as condições necessárias para executar as tarefas devidamente protegidos dos fatores de risco. - Não permitir que removam as proteções coletivas dos locais até conclusão dos trabalhos (guarda-corpos, redes de segurança, utilização de plataformas elevatórias, entre outros). - Na execução das tarefas sempre que se verifique a existência de fator de risco (mesmo o risco residual) os trabalhadores têm que obrigatoriamente recorrer a elementos de proteção individual no caso concreto do sinistro utilização de arnês anti-queda com ligação a linha de vida fixa a elementos sólidos da estrutura do “chapéu” do telhado. 3. Deverá a Relação alterar a decisão factual se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, sendo igualmente de salientar que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – cfr. arts. 662º, nº 1 e 607º, nº 4 do Cód. de Proc. Civil. Sucede que apreciados os elementos probatórios indicados pela ré/recorrente entendemos não existir motivo para alterar os pontos factuais impugnados no sentido por esta pretendido. Com efeito, tendo em conta o plano de trabalhos apresentado para a obra, dele decorre que a fixação de rede de segurança 1m abaixo da estrutura do telhado se encontrava prevista como medida de protecção coletiva com o fim de evitar a queda em altura. Atendendo a que o nº 23 da matéria de facto se apoia nesse plano de trabalhos nada justifica que o mesmo seja alterado no sentido de suprimir da sua redação a utilização de rede de segurança, sendo nesse sentido insuficiente o teor do depoimento prestado pela testemunha EE. Quanto ao nº 39 também não se justifica a sua modificação, desde logo porque na sequência do referido plano de trabalhos é, a nosso ver, evidente que a utilização do material de proteção coletiva, como seja a rede de contenção, e do material de proteção individual, como seja o arnês, em conjunto com a linha de vida, era adequada a impedir a queda no solo do DD e a sua consequente morte. Facto que não entra em contradição com o posterior facto nº 63 [A utilização do arnês e da linha de vida teria evitado a queda do DD no solo], que se reporta ao concreto momento da queda do DD no solo, relativamente ao qual se deu como assente que a utilização do arnês e da linha de vida a teria evitado. É entendimento prevalecente que só existe contradição entre factos quando eles se mostrem absolutamente incompatíveis entre si, de tal modo que não possam coexistir[2], o que não ocorre entre os factos nºs 39 e 63 que mutuamente não se excluem. Por fim, também não existem elementos probatórios documentais ou testemunhais (depoimento de EE) dos quais resulte que quem colocou e retirou a rede de segurança tenha sido a empresa “C..., Unipessoal, Lda.” Deste modo, a impugnação fáctica efetuada pela ré “A...” improcede totalmente, mantendo-se a factualidade provada e não provada sem qualquer modificação. * II. Apurar se na sentença recorrida, em sede de responsabilidade da ré, se podia ter tratado da matéria relativa à culpa in eligendo 1. Na sentença recorrida escreveu-se o seguinte: “Nesta medida, ao não ter integrado na equipa de trabalho um chefe de equipa capaz de fazer cumprir pelos demais trabalhadores as medidas necessárias à execução dos trabalhos em segurança ou de impedir a realização dos trabalhos por quem não cumprisse tal exigência, a 1.ª R. foi incauta e agiu de forma imprudente, sem o cuidado devido e exigível, e, como tal, com negligência, que consistiu na chamada culpa in eligendo, escolha de pessoa sem competência para exercer as funções próprias de um cargo de chefia.” Nas suas alegações de recurso, a ré/recorrente salientou que a responsabilidade do chefe de equipa não era tema de prova nem nela assentava a causa de pedir, uma vez que a autora não imputou, por essa via, quaisquer responsabilidades à ré. Aliás, a autora nunca alegou qualquer hierarquia ou dependência funcional do falecido DD na execução dos trabalhos, reportando-a sempre aos sócios e gerentes da ré. Entende, por esse motivo, que não pode ser responsabilizada com este fundamento. 2. Percorrendo a petição inicial verifica-se que em nenhuma passagem da mesma se faz alusão à circunstância de o KK desempenhar as funções de chefe da equipa e de nessa qualidade não ter imposto, no dia 16.5.2019, ao DD que utilizasse o arnês na execução dos trabalhos em cima da cobertura. É certo que na enunciação dos temas da prova – art. 596º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil -, os quais podem até revestir uma formulação puramente conclusiva ou genérica, consta “Instruções fornecidas pela 1ª R., pelo 2º R. e pela 3ª R. ao sinistrado”, mas qualquer tema da prova de grande amplitude, como sucede com este, tem de ser sempre balizado pelos limites que decorrem da causa de pedir e das exceções invocadas.[3] Ora, se na petição inicial a autora nada alegou quanto à escolha de KK para desempenhar as funções de chefe da equipa e igualmente no tocante à forma como as desempenhou no dia 16.5.2019, entendemos que não podia a Mmª Juíza “a quo” buscar a responsabilidade da 1ª ré “A...” também na imprudência que esta teve ao escolher para essa tarefa pessoa sem competência para um cargo de chefia e consequentemente na culpa in eligendo. Quando muito poder-se-ia considerar que essa factualidade não articulada, relativa ao chefe da equipa, resultando da instrução da causa, surge como complemento do que havia sido alegado pela autora na sua petição inicial, no que concerne à responsabilidade da 1ª ré “A...”, o que, porém, sempre implicaria a observância do disposto no art. 5º, nº 2, al. b) do Cód. de Proc. Civil. Ou seja, equacionando o tribunal a eventual consideração de factualidade que poderia implicar para a 1ª ré a sua responsabilidade a título de culpa in eligendo teria que lhe dar a possibilidade de sobre ela se pronunciar, o que inteiramente se compagina com a proibição de decisões-surpresa. Acontece que não decorre dos autos que essa possibilidade tenha sido concedida à 1ª ré. Por esse motivo, não poderia o tribunal recorrido, conforme flui do excerto acima transcrito, ter fundado a responsabilidade da 1ª ré também na escolha de uma pessoa sem competência para exercer as funções próprias de um cargo de chefia, isto é na chamada culpa in eligendo. Tal significa que, nesta parte, é de acolher a argumentação apresentada pela ré/recorrente, não podendo subsistir a condenação da ré com apoio no fundamento que se vem referindo. * III. Apurar se os trabalhos que estavam a ser executados integram o conceito de atividade perigosa 1. A ré/recorrente questiona depois a integração dos trabalhos que estavam a ser executados em cima do telhado no conceito de atividade perigosa a que alude o art. 493º, nº 2 do Cód. Civil, tal como se fez na sentença recorrida. Mas não lhe assiste razão. 2. Estatui-se o seguinte neste preceito: 2. Quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.» Não se diz na lei o que se deve entender por atividade perigosa, tratando-se assim de matéria a apreciar, em cada caso, segundo as circunstâncias.[4] ANTUNES VARELA (in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 4ª ed., pág. 521) afirma que o carácter perigoso da atividade causadora de danos pode resultar ou da própria natureza da atividade (fabrico de explosivos, confeção de peças pirotécnicas, navegação aérea, etc.) ou da natureza dos meios utilizados (tratamento médico com ondas curtas ou raios X, corte de papel com guilhotina mecânica, tratamento dentário com broca, etc.). ALMEIDA COSTA (in “Direito das Obrigações”, 11ª ed., págs. 585/6) defende que a atividade perigosa deve tratar-se de atividade que, mercê da sua natureza ou da natureza dos meios utilizados, tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes atividades em geral. VAZ SERRA (in BMJ, nº 85, pág. 378) define atividades perigosas como as “que criam para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras atividades”. Por seu turno, JOÃO ANTÓNIO ÁLVARO DIAS (in “Dano Corporal – Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios”, Colecção Teses, Almedina, pág. 74) afirma que a definição de uma atividade como perigosa centra-se em torno de dois critérios basilares. “Sendo um (de ordem qualitativa) atinente à intensidade da lesão em que a perigosidade pode consubstanciar-se, que o mesmo é dizer relativo à importância e à gravidade dos danos; e consistindo o outro (de natureza quantitativa) na especial probabilidade de a perigosidade da coisa ou actividade provocar um dano.” Conforme se afirma no Ac. Rel. Porto de 25.9.2014 (p. 7837/12.6TBMAI.P1, relatora JUDITE PIRES, disponível in www.dgsi.pt.)[5], com apoio no Ac. Rel. Lisboa de 14.1.2010 (p. 967/2001.L1-8, relatora CARLA MENDES, disponível in www.dgsi.pt.)[6], “no exercício de uma actividade perigosa a previsibilidade do dano está em “in re ipso” e o sujeito deve agir tendo em conta o perigo para os terceiros, os deveres inerentes à normal diligência seriam em tal caso insuficientes porque, onde a periculosidade está ínsita na acção, há o dever de proceder tendo em conta o perigo; o dever de evitar o dano torna-se mais rigoroso quando se actua com a nítida previsão da sua possibilidade, o sujeito, pois, deve adoptar, mesmo que com sacrifícios, todas as medidas aptas para evitar o dano”. Em suma: a perigosidade concreta de uma atividade deve pois ser apreciada caso a caso, tendo em atenção as circunstâncias que a envolvem e que implicarão para outrem uma situação de perigo agravado de dano face à normalidade das coisas.[7] 3. De regresso à concreta situação dos autos, verifica-se que o trabalho que estava a ser efetuado pela 1ª ré correspondia à execução da cobertura de um edifício destinado à instalação de uma indústria de “biomassa”, cobertura que é composta em parte por chapas metálicas e, aproximadamente de 12 em 12 metros, por placas de plástico translúcidas [nºs 16 e 17]. No dia 16.5.2019 executava-se o revestimento da zona mais elevada da cobertura – o “chapéu” - que fica a aproximadamente 16 metros de altura do solo, consistindo este trabalho na fixação das chapas de revestimento nas “madres” colocadas na lateral direita do referido “chapéu” [nºs 18, 20, 21 e 28]. Em sintonia com a sentença recorrida, entendemos que quer pela altura, quer pelo piso em cima do qual era necessário trabalhar a essa altura, a atividade desenvolvida pela 1ª ré não pode deixar de ser considerada perigosa. Com efeito, quando se executam trabalhos braçais a 16 metros de altura em cima de uma cobertura de que faziam parte placas plásticas pode ocorrer a queda dos respetivos trabalhadores, daí podendo advir danos pessoais para os próprios, inclusive a própria morte, essa atividade deve obedecer a cuidados e medidas específicas de forma a criar condições que permitam evitar a concretização desses perigos. Como tal, concluiu-se acertadamente na sentença recorrida que “a perigosidade inerente à actividade da 1.ª R., no caso concreto, advém da combinação de factores como seja a altura e o piso de trabalho, por um lado, e as inerentes tarefas a executar, por outro, o que no seu conjunto, potencia a probabilidade da ocorrência de eventos danosos.” Por conseguinte, por força do citado art. 493º, nº 2 do Cód. Civil, impende sobre a ré “A...” a presunção de culpa decorrente do exercício de atividade perigosa, da qual esta só se poderá exonerar provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de evitar os danos, prova que, desde já se adianta, não foi feita. * IV. Apurar se a ré/recorrente deve ser responsabilizada pela ocorrência do acidente 1. Da matéria fáctica dada como provada resulta que o falecido DD estava a executar os trabalhos de revestimento da zona mais elevada da cobertura sem que estivesse presente qualquer sistema ou medida de segurança. A rede de segurança ou contenção que tinha estado montada no interior do pavilhão já tinha sido removida e nenhum dos trabalhadores que se encontrava a trabalhar no local estava a usar o arnês, equipamento individual que, por estar ligado à linha de vida fixa a elementos sólidos do chapéu de cobertura, é adequado a impedir a queda no solo dos trabalhadores que executem tarefas em altura e, por isso, permite evitar lesões que causem a morte. – nºs 24, 29, 31, 39, 37e 63. Ora, tal como afirma a Mmª Juíza “a quo”, se é certo que o equipamento de proteção individual havia sido entregue pela 1ª ré ao DD [nº 25], também é verdade que da factualidade assente não flui que que aquela tenha adotado quaisquer outras medidas de proteção ou de controlo do cumprimento pelos trabalhadores do plano de trabalhos que ela própria elaborara para garantir as necessárias condições de segurança durante a realização da obra. É sabido – e tal já foi realçado atrás em III – que os trabalhos aqui em causa a executar em cima da cobertura de uma nave industrial a aproximadamente 16 metros de altura, pela sua natureza, envolvem um elevado risco de queda e, por isso, de lesões graves, inclusive a morte, se não forem adotadas medidas de segurança adequadas a evitar esses riscos. 2. O Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil [Decreto nº 41821/58, de 11.8], no seu art. 44º, referente a “obras em telhados”, dispõe o seguinte: «No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo. § 1.º As plataformas terão a largura mínima de 0,40 m e serão suportadas com toda a segurança. As escadas de telhador e as tábuas de rojo serão fixadas solidamente. § 2.º Se as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis, os operários utilizarão cintos de segurança providos de cordas que lhes permitam prender-se a um ponto resistente da construção.» Por seu lado, o Dec. Lei nº 50/2005, de 25.2., referente às prescrições mínimas de segurança e de saúde na utilização de equipamentos de trabalho, preceitua o seguinte no seu art. 36º, que tem a epígrafe “disposições gerais sobre trabalhos temporários em altura”: «1 - Na situação em que não seja possível executar os trabalhos temporários em altura a partir de uma superfície adequada, com segurança e condições ergonómicas apropriadas, deve ser utilizado equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras. 2 - Na utilização de equipamento destinado a trabalhos temporários em altura, o empregador deve dar prioridade a medidas de proteção coletiva em relação a medidas de proteção individual. 3 - O dimensionamento do equipamento deve corresponder à natureza dos trabalhos e às dificuldades que previsivelmente ocorram na sua execução, bem como permitir a circulação de trabalhadores em segurança. (…)» Depois no art. 37º, referente a medidas de proteção coletiva, estatui-se o seguinte: «1 - As medidas de proteção coletiva destinadas a limitar os riscos a que os trabalhadores que executam trabalhos temporários em altura estão sujeitos devem atender ao tipo e características dos equipamentos de trabalho a utilizar. 2 - Sempre que a avaliação de riscos considere necessário, devem ser instalados dispositivos de proteção contra quedas, com configuração e resistência que permitam evitar ou suster quedas em altura. 3 - Os dispositivos de proteção contra quedas só podem ser interrompidos nos pontos de acesso de escadas, verticais ou outras. 4 - Se a execução de determinados trabalhos exigir, tendo em conta a sua natureza, a retirada temporária de dispositivos de proteção coletiva contra quedas, o empregador deve tomar outras medidas de segurança eficazes e, logo que a execução dos trabalhos termine ou seja suspensa, instalar esses dispositivos.» Por último, na Lei nº 102/2009, de 10.9. [Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho] diz-se no seu art. 15º, no nº 1, que «[o] empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho» e no nº 2 que «… deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção: a) Evitar os riscos; b) Planificar a prevenção como um sistema coerente que integre a evolução técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos fatores ambientais; c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na conceção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na seleção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos; d) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e a saúde do trabalhador no conjunto das atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adotar as medidas adequadas de proteção; e) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de proteção; f) Assegurar, nos locais de trabalho, que as exposições aos agentes químicos, físicos e biológicos e aos fatores de risco psicossociais não constituem risco para a segurança e saúde do trabalhador; g) Adaptação do trabalho ao homem, especialmente no que se refere à conceção dos postos de trabalho, à escolha de equipamentos de trabalho e aos métodos de trabalho e produção, com vista a, nomeadamente, atenuar o trabalho monótono e o trabalho repetitivo e reduzir os riscos psicossociais; h) Adaptação ao estado de evolução da técnica, bem como a novas formas de organização do trabalho; i) Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso; j) Priorização das medidas de proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual; l) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador.» Depois nos nºs 3, 4 e 5 deste artigo 15º preceitua-se o seguinte: «3 - Sem prejuízo das demais obrigações do empregador, as medidas de prevenção implementadas devem ser antecedidas e corresponder ao resultado das avaliações dos riscos associados às várias fases do processo produtivo, incluindo as atividades preparatórias, de manutenção e reparação, de modo a obter como resultado níveis eficazes de proteção da segurança e saúde do trabalhador. 4 - Sempre que confiadas tarefas a um trabalhador, devem ser considerados os seus conhecimentos e as suas aptidões em matéria de segurança e de saúde no trabalho, cabendo ao empregador fornecer as informações e a formação necessárias ao desenvolvimento da atividade em condições de segurança e de saúde. 5 - Sempre que seja necessário aceder a zonas de risco elevado, o empregador deve permitir o acesso apenas ao trabalhador com aptidão e formação adequadas, pelo tempo mínimo necessário.» 3. Neste contexto legislativo constata-se que sobre o empregador – aqui a ré “A...” -, conforme se afirma na sentença recorrida, recai um conjunto de deveres ao nível da saúde e de segurança no trabalho, cujo cumprimento, com o propósito de serem alcançados resultados eficazes na prevenção de acidentes, exige do próprio que não só disponibilize aos seus trabalhadores equipamentos de proteção necessários como também seja um agente ativo na capacitação dos mesmos com conhecimentos adequados sobre saúde e segurança no trabalho que executam e no controlo e vigilância da adoção e cumprimento das medidas concretamente mais adequadas a prevenir os riscos decorrentes da atividade que desenvolvem. No caso “sub judice” verifica-se que a 1ª ré, para trabalhos em altura, ministrou a DD duas ações de formação, uma em 29.5.2018 e outra em 19.10.2018. Na primeira, o falecido recebeu formação/informação em contexto de trabalho sobre o tema segurança nos trabalhos em altura, tendo sido abordados os seguintes aspectos: proteções coletivas - guarda-corpos redes e nos andaimes; acessibilidade; regras da utilização da escada de mão; riscos associados à realização de trabalhos com risco de queda em altura e utilização de arnês de proteção, linhas de vida, pontos de ancoragem [nº 26]. Na segunda, recebeu formação/informação em contexto de trabalho sobre o tema trabalhos com risco de queda em altura, tendo sido abordados os seguintes aspectos: proteções coletivas a implementar (guarda-corpos de proteção, redes de segurança); equipamentos de proteção individual (arnês de segurança, linha de vida e restantes acessórios); verificação de segurança do arnês e acessórios (costuras, linha de vida farpada, com cortes, mosquetões); montagem adequada dos andaimes (bases em madeira sólida, ancoragens aos edifícios, guarda corpos de proteção em todos os lados abertos das plataformas de trabalho, guarda-cabeças, etc.); utilização segura das escadas de mão (1 m acima local de encosto, preensão da escada ao local de encosto, e regra dos 3 apoios – 2 mãos 1 pé ou 2 pés e uma mão); proteger sempre com guarda-corpos as bordaduras das lajes, extremidade de telhados, varandas, aberturas nas paredes (portas e janelas com peitoril baixo) caixas de escadas e aberturas para o poço do elevador; sobradar sempre as aberturas existentes ao nível dos pavimentos [nº 27]. A questão que a seguir é colocada na sentença recorrida consiste em saber se estas ações que foram desenvolvidas pela ré “A...” se mostram suficientes para que se possam considerar cumpridos os seus deveres no âmbito da segurança no trabalho de molde a serem evitados os riscos inerentes aos trabalhos em altura que estavam a ser realizados pelo DD. Ora, atendendo à altura a que os trabalhos em causa tinham de ser executados, a cerca de 16 m do solo, à composição da cobertura por onde os trabalhadores tinham de se deslocar onde surgiam placas plásticas translúcidas, menos resistentes do que as demais, à ausência de rede de segurança aquando do acidente e à juventude do DD, apenas 22 anos de idade, entendemos que à 1ª ré, por força dos deveres a que estava obrigada, impunha-se zelar e assegurar o cumprimento das medidas de segurança pelos seus trabalhadores, designadamente através da sensibilização para a importância das mesmas, da exigência da sua observância através de fiscalização adequada e da aplicação, se necessário, de sanções disciplinares apropriadas. Sucede que, tal como afirma a Mmª Juíza “a quo”, da factualidade assente não resulta que por parte da 1ª ré tenham sido desenvolvidos quaisquer tipos de ações de forma a garantirem o cumprimento das medidas de segurança adequadas a evitar, no dia 16.5.2019, a queda do DD. Na verdade, a ré “A...” não demonstrou que, relativamente a esse fatídico dia, tenha havido da sua parte qualquer advertência aos trabalhadores para a necessidade de utilização do arnês individual ligado à linha de vida, o que mais se impunha se tivermos em conta que a rede de segurança já havia sido removida. Há assim uma atuação imprevidente da parte da 1ª ré, ao não exigir e assegurar que os seus trabalhadores, entre os quais se contava o DD, utilizassem naquele dia o arnês individual ligado à linha de vida, como forma de suster a sua queda em altura. Ou seja, apesar das instruções que haviam sido dadas aos seus trabalhadores no tocante à utilização do arnês e linha de vida quando realizassem trabalhos em altura, descurou a 1ª ré o dever de vigilância que se lhe impunha, diariamente, quanto ao cumprimento das normas de segurança por parte dos trabalhadores. Não acolhemos, por isso, a argumentação expendida pela ré/recorrente no seu recurso, no sentido de que na sua atuação nada lhe é de censurar quanto ao cumprimento dos deveres a que estava obrigada no âmbito da segurança do trabalho, remetendo toda a responsabilidade no sinistro para o próprio falecido. Tanto basta para que, movendo-nos no domínio de uma atividade perigosa, conforme se concluiu em III, não se possa ter como ilidida a presunção de culpa a que se reporta o art. 493º, nº 2 do Cód. Civil, uma vez que a ré/recorrente não logrou provar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de evitar os danos. Impõe-se, assim, a responsabilização da ré “A...” por via da não elisão da presunção de culpa prevista no referido art. 493º, nº 2. * V. Apurar se a repartição de responsabilidades entre a ré/recorrente e a vítima está fundamentada e se se mostra corretamente determinada 1. Porém, concluindo-se pela responsabilidade da 1ª ré, tal não obsta a que se conclua também pela culpa do próprio falecido, que neste caso se verifica. Com efeito, a vítima DD, enquanto trabalhador, estava obrigado a cumprir as prescrições de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas nas disposições legais e em instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, bem como as instruções determinadas com esse fim pelo empregador e ainda a zelar pela sua segurança e pela sua saúde – cfr. art. 17º, nº 1, als. a) e b) da Lei nº 102/2009. Sucede que o DD estava ciente dos perigos que decorriam dos trabalhos que estava a executar em altura e, apesar disso e de nem sequer estar colocada a rede de segurança, não utilizou, tal como os demais trabalhadores que ali se encontravam, o arnês individual que lhe havia sido fornecido pela ré “A...” devidamente ligado à linha de vida. Agiu, por isso, de forma imprudente e culposa. 2. A culpa do lesado remete-nos para a aplicação do disposto no art. 570º, nº 2 do Cód. Civil, porquanto a responsabilidade da ré “A...”, na perspetiva da decisão recorrida, se funda na presunção de culpa prevista no art. 493º, nº 2 do mesmo diploma. Estatui-se o seguinte nesta norma: «Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.» BRANDÃO PROENÇA (in “Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral”, Universidade Católica, 2018, pág. 580) escreve que este preceito cobre as diversas presunções de culpa e, para que seja aplicado, pertence ao lesante, por força da inversão do ónus da prova, demonstrar que o dano foi devido à conduta culposa do lesado. Continuando, afirma este Professor que a melhor interpretação do preceito não parece prescindir de uma concausalidade efetiva, ponderando-se a culpa presumida e a culpa do lesado, grave ou leve. Por conseguinte, “essa concausalidade não terá lugar na hipótese de o lesante provar que o dano só ocorreu por culpa do lesado, não ficando, assim, qualquer margem de incerteza sobre a origem da imputação danosa.” Ou seja, “[m]ais do que provar diretamente que não teve culpa (…) o presumido culpado deve (…) provar que o dano foi exclusiva e adequadamente devido à culpa do lesado.” Já no Acórdão do STJ de 12.9.2013 (p. 308/09.0TBCTB.C1.S1, relator ALVES VELHO, disponível in www.dgsi.pt.)[8] sustenta-se que o art. 570º, nº 2 do Cód. Civil não estabelece uma preclusão absoluta do direito à indemnização baseado em presunção de culpa quando se demonstre culpa efetiva do lesado, antes se impõe, nestes casos, “um exercício de ponderação sobre a relevância de cada uma das “culpas” em concurso.” 3. Porém, regressando ao caso “sub judice”, independentemente da verificada não elisão da presunção de culpa referente às atividades perigosas, cremos que a responsabilidade da ré “A...” se pode buscar também no plano da culpa efetiva. Com efeito, tal como já atrás se escreveu em IV, a 1ª ré agiu de forma imprevidente ao não exigir e assegurar que os seus trabalhadores, entre os quais se contava o DD, utilizassem naquele dia o arnês individual ligado à linha de vida, como forma de suster a sua queda em altura. Assim, manifesto é que, apesar das instruções que haviam sido dadas aos seus trabalhadores no tocante à utilização do arnês e linha de vida quando realizassem trabalhos em altura, a 1ª ré descurou o dever de vigilância que se lhe impunha, diariamente, quanto ao cumprimento das normas de segurança por parte dos trabalhadores. Ora, se para lá da não elisão da presunção de culpa prevista no art. 493º, nº 2 do Cód. Civil, se desenha na atuação da 1ª ré uma culpa que se impõe até considerar como efetiva, tal implicará, face à existência de culpa por parte da própria vítima, não a aplicação do nº 2, mas sim a do nº 1 do art. 570º do mesmo diploma. É a seguinte a redação deste preceito: «Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indmenização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.» Sucede, porém, que os deveres da 1ª ré, enquanto entidade empregadora e beneficiária da atividade perigosa que estava a ser desenvolvida, em confronto com os deveres individuais do trabalhador, assumem importância mais significativa e abrangente do ponto de vista da eficácia da prevenção dos riscos profissionais. Consequentemente, terá que se ponderar a relevância de cada uma das culpas em concurso mostrando-se, a nosso ver, de bem maior gravidade a da ré “A...”, por, na situação dos autos, se ter mostrado totalmente indiferente ao cumprimento das regras de segurança por parte dos seus trabalhadores, demitindo-se do dever de vigilância que se lhe impunha, tanto mais que no caso concreto da vítima estávamos perante um jovem de apenas 22 anos, sendo sabido que a juventude, para além da pouca experiência, é muitas vezes sinónimo de desafio e irresponsável “coragem” perante o risco. Prosseguindo. Na sentença recorrida, onde a repartição de responsabilidades se mostra devidamente fundamentada tanto de facto como de direito, ao contrário do que é sustentado pela ré/recorrente nas suas alegações de recurso, fixou-se essa proporção em 80% para a ré e em 20% para a vítima. Entendemos, todavia, que esta proporção deve sofrer um ajustamento no sentido de dar maior relevo à verificada culpa efetiva da vítima, fundada na sua imprudência, até porque face ao que se expôs em II não se pode considerar na atuação da ré “A...” a denominada culpa in eligendo. Deste modo, fixa-se tal proporção de culpa em 30% para a vítima e, em simultâneo, reduz-se a da ré para 70%. * VI. Apurar se o valor da indemnização pela perda do direito à vida deve ser reduzida para 60.000,00€ 1. Na sentença recorrida a indemnização pela perda da vida foi fixada em 80.000,00€, valor que tem a discordância, em sede recursiva, da ré, que pugna pela sua fixação em 60.000,00€. Vejamos então. 2. A lesão corporal que pela sua irreversibilidade melhor expressa a fragilidade da vida humana e potencialmente desencadeia danos patrimoniais de maior expressão e gravidade é a morte.[9] Com a morte findam os sonhos de uma vida, cessa a esperança. Ora, se a compensação pelo dano moral da morte é um dado pacífico do nosso ordenamento jurídico, os problemas surgem quando se trata de proceder à sua quantificação, sendo certo que o padrão de decisão terá que ser definido sempre com recurso à equidade. De qualquer modo, nenhuma razão séria justifica que este dano, perfilando-se como lesão do bem vida, de grau máximo e inexcedível, possa ter um tratamento de menor dignidade ressarcitória do que aquele que é conferido às lesões da saúde em geral, todas necessariamente, e por definição, de menor gravidade.[10] 3. Centremos agora a nossa atenção em algumas decisões que têm vindo a ser proferidas pelo nosso mais alto tribunal sobre esta matéria. No acórdão do STJ de 3.11.2016 (proc. 6/15.5T8VFR.P1.S1, relator ANTÓNIO PIÇARRA, disponível in www.dgsi.pt) escreveu-se, com referência a esta data, que “consolidou-se (…) na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida, direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos, situa-se, em regra e com algumas oscilações, entre os €50.000,00 e €80.000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a €100.000,00 (cfr, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2012, de 10 de Maio de 2012 (processo 451/06.7GTBRG.G1.S2), de 12 de Setembro de 2013 (processo 1/12.6TBTMR.C1.S1), de 24 de Setembro de 2013 (processo 294/07.0TBETZ.E2.S1), de 19 de Fevereiro de 2014 (processo 1229/10.9TAPDL.L1.S1), de 09 de Setembro de 2014 (processo 121/10.1TBPTL.G1.S1), de 11 de Fevereiro de 2015 (processo 6301/13.0TBMTS.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 185/13.6GCALQ.L1.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 1369/13.2JAPRT.P1S1), de 30 de Abril de 2015 (processo 1380/13.3T2AVR.C1.S1), de 18 de Junho de 2015 (processo 2567/09.9TBABF.E1.S1) e de 16 de Setembro de 2016 (processo 492/10.OTBB.P1.S1), todos acessíveis através de www.dgsi.pt.).” No caso concreto aí apreciado, reportando-se este a uma situação em que a vítima contava 52 anos de idade, fixou-se a indemnização pela perda do direito à vida na importância de 60.000,00€. No acórdão do STJ de 22.2.2018 (proc. 33/12.4GTSTB.E1.S1, relator MANUEL BRAZ, disponível in www.dgsi.pt.) em que a vítima tinha 25 anos de idade e era piloto da Força Aérea, com a patente de alferes, a indemnização pela perda do direito à vida foi arbitrada em 120.000,00€. No acórdão do STJ de 7.5.2020 (proc. 952/06.7TBMTA.L1.S1, relator OLINDO GERALDES, disponível in www.dgsi.pt) em que a vítima tinha 29 anos de idade, considerando a elevada expetativa de vida, o casamento contraído há cerca de dois anos e a circunstância de ter sido pai há um ano, fixou-se a indemnização pela perda do direito à vida em 85.000,00€. No acórdão do STJ de 11.2.2021 (proc. 625/18.8T8AGH.L1.S1, relator ABRANTES GERALDES, disponível in www.dgsi.pt) em que a vítima tinha 7 anos de idade fixou-se a indemnização pela perda do direito à vida em 100.000,00€. No acórdão do STJ de 25.2.2021 (proc. 4086/18.3T8FAR.E1.S1, relatora ROSA TCHING, disponível in www.dgsi.pt.), em sede de compensação pela perda do direito à vida, tendo em conta que a vítima tinha 53 anos de idade e não contribuiu para a produção do acidente, teve-se por razoável fixar o valor base daquela compensação em 80 000,00€. No acórdão do STJ de 27.9.2022 (proc. 253/17.5T8PRT-A.P1.S1, relator ISAÍAS PÁDUA, disponível in www.dgsi.pt.) em que a vítima tinha 41 anos de idade, sendo pessoa saudável, feliz, com família constituída e estabilizada profissionalmente, fixou-se a indemnização pela perda do direito à vida na importância de 95.000,00€. Por fim, no mais recente acórdão do STJ de 10.10.2023 (proc. 9039/20.9T8SNT.L1.S1, relator Jorge Arcanjo, disponível in www.dgsi.pt.) escreveu-se o seguinte: “A jurisprudência portuguesa, sobretudo a partir de meados da década de 90 (do século passado) deu um salto qualitativo, aumentando progressivamente a indemnização pela perda do direito à vida, como se resumiu no Ac do STJ de 17/2/2002 (www.dgsi.pt/jstj), com indicação de diversas decisões. Como critério adjuvante para a determinação equitativa do dano, a jurisprudência passou a socorrer-se da Resolução do Conselho de Ministros sobre o caso do acidente de Entre-os Rios de 4/3/2001, segundo o parecer do Provedor de Justiça (Diário da República, n.º 96, 2ª série, de 24 de Abril de 2001 - resumo, parte VIII, páginas 7142). Funcionando então o acidente de Entre-os-Rios como uma espécie de “precedente” ou “premissa endoxal”, não pode deixar de se entender hoje a posterior evolução do custo de vida, os aumentos dos prémios de seguros, e sobretudo o princípio da dignidade da compensação dos danos. Neste contexto, no caso concreto aí apreciado, entendeu-se não se mostrar exagerado fixar em 100.000,00€ o valor indemnizatório pela perda do direito à vida, referente a uma vítima de 39 anos de idade, alegre, jovial e bem disposta, que trabalhava na área do teatro, representação e comunicação. 4. De regresso ao caso dos autos, a ré/recorrente discorda do valor de 80.000,00€ arbitrado pela perda da vida, entendendo que não deveria ser superior a 60.000,00€, por este melhor se harmonizar com a nossa jurisprudência. Ora, face ao que vem sido decidido pelo nosso mais alto Tribunal e que referimos em 3., a linha argumentativa da ré/recorrente não merece acolhimento. Com efeito, não podemos ignorar que estamos perante um jovem de apenas 22 anos de idade, que tinha a vida à sua frente, exercia as funções de serralheiro de 3ª e familiarmente vivia com a sua mãe com quem a sua relação era próxima, de tal modo que o valor de 80.000,00€ se alguma censura pode merecer é a da sua parcimónia, mas que nos está vedado corrigir porquanto a elevação desse montante é matéria excluída do âmbito do presente recurso. Como tal, neste segmento, o recurso improcede. * VII. Apurar se o valor de 5.000,00€ arbitrado pelo sofrimento da própria vítima na iminência da morte se deve manter. 1. A ré/recorrente discorda também da atribuição desta verba indemnizatória, uma vez que, na sua perspetiva, não se pode extrair qualquer sofrimento da vítima antes da morte. Decorre do nº 43 da matéria de facto que ao constatar a passagem do seu corpo pela placa da cobertura, o DD anteviu a sua iminente morte e sentiu sofrimento e terror inimaginável que o acompanharam nos instantes finais da sua vida. Trata-se de algo que, do ponto de vista factual, não pode merecer qualquer dúvida, porque se o malogrado DD cai de uma altura de 16 metros, que corresponde aproximadamente a um edifício de cinco andares, apercebeu-se necessariamente da sua queda e das consequências desta. Os instantes finais da sua vida foram muito curtos, mas seguramente marcados por um terror indescritível face à iminência da morte. Como tal, ao contrário do que sustenta a ré/recorrente, nada justifica que o nº 43 da factualidade assente desta seja eliminado. 2. Continuando, há a sublinhar que por mais imediata que tenha sido a morte, esta raramente se configura como um acontecimento instantâneo. Com efeito, por breves que sejam os momentos que a antecedem, designadamente em eventos de natureza traumática, a vítima não pode deixar de sentir intensas dores físicas, mesmo que por escassos segundos ou até nanosegundos[11], tal como não poderá deixar de sentir a angústia própria da súbita e inesperada finitude.[12] A supressão da verba indemnizatória ora em apreciação só se justificaria nos casos extremos, difíceis de configurar, de morte instantânea, ou de coma profundo desde o preciso instante do acidente até à morte, o que não é o presente caso. A sua modulação é que sempre dependerá, designadamente, do sofrimento e da respetiva duração e da maior ou menor consciência da vítima sobre o seu estado de aproximação da morte. [13] Assim, considerando que por breves instantes o falecido DD se apercebeu da sua iminente morte, com o terror e a angústia que acompanharam essa perceção, esse seu sofrimento terá naturalmente que ser reparado, entendendo-se ser ajustada para o seu ressarcimento a verba de 5.000,00€ arbitrada pela 1ª Instância. Deste modo, nesta parcela, o recurso improcede. * Em suma: O recurso interposto, face à alteração da proporção de culpas entre a ré “A...” e a vítima, que se fixou agora em 70% para a ré e em 30% para a vítima (ponto V, supra), obterá parcial procedência, o que implicará a redução do montante indemnizatório a suportar pela ré para 70.000,00€.[14] * Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil): ……………………………… ……………………………… ……………………………… * DECISÃO Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela ré “A..., Lda.” e, em consequência, alterando-se o decidido, condena-se esta a pagar à autora AA a quantia de 70.000,00€ (setenta mil euros), acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano desde a data da sentença e até integral pagamento. Custas, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à autora. |