Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3422/23.5T8PNF-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: PROVA DOCUMENTAL
ADMISSIBILIDADE DE MEIOS DE PROVA
Nº do Documento: RP202407103422/23.5T8PNF-A.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Toda a prova a produzir, e, como tal, também, a documental (sendo “documento qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto” – v. art. 362º, do Código Civil), apresentada nos autos, se destina a demonstrar a realidade dos factos da causa relevantes para a decisão (artº 341º, de tal diploma legal).
II - E podendo ser objeto de instrução tudo quanto, de algum modo, interesse à prova dos factos relevantes para a decisão da causa (segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito), vedado está aquilo que se apresente como irrelevante (impertinente) para a desenhada causa concreta a decidir, devendo, para se aferir daquela relevância, atentar-se no objeto do litígio (pedido e respetiva causa de pedir e matéria de exceção). Havendo enunciação dos temas de prova, o objeto da instrução são os temas da prova formulados, densificados pelos respetivos factos, principais e instrumentais (constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito afirmado) – arts 410º, do CPC e 341º e seguintes, do Código Civil, cabendo ao requerente indicar o facto a que a prova que oferece se destina.
III - Requeridas provas, cabe ao tribunal pronunciar-se sobre as provas propostas e emitir, sobre elas, um juízo sobre a sua admissibilidade: i) legalidade e ii) pertinência sobre o seu objeto (a prova de factos, controvertidos, da causa, relevantes para a decisão).
IV - É de rejeitar o requerimento probatório de junção de vídeos (documentos – cfr. arts 362º e 368º, do CC, e art. 428º, do CPC) formulado na fase da audiência de julgamento, tendente à obtenção de meio de prova para o apuramento de factos da causa, sem que, contudo, tenham sido indicados os factos a cuja prova se destina e sem ser oferecida prova da justificação para a junção naquele momento, sendo, por isso, inadmissível (impertinente/ilegal/inoportuno - nº3, do art. 423º, do CPC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3422/23.5T8PNF-A.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)

Tribunal de origem do recurso: Juízo Central Cível de Penafiel – Juiz 3


Relatora: Des. Eugénia Cunha
1º Adjunto: Des. Fernanda Almeida

2º Adjunto: Des. Manuel Fernandes

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):

………………………………

………………………………

………………………………


*
I. RELATÓRIO

Recorrente: AA

Recorrida: A... COMPANHIA DE SEGUROS, S.A


AA, Autor na ação declarativa, com forma de processo comum, que propôs contra A... COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., notificado do despacho que indeferiu o requerimento que apresentou em 06-05-2024 de junção de três vídeos, dele apresentou recurso de apelação a pugnar pela sua revogação, formulando as seguintes

CONCLUSÕES:

1. Por requerimento datado de 06-05-2024 (com a referência CITIUS n.º 9617109), o A. requereu a junção aos autos de três vídeos.

2. Contudo, o tribunal a quo não admitiu os mesmos e ordenou o seu desentranhamento.

3. No entanto, a prova a produzir num determinado processo tem como destino a demonstração da realidade dos factos da causa relevantes para a decisão (artº 341º, do Código Civil), sendo que a demonstração que se pretende obter se traduz na convicção subjetiva a criar no julgador.

4. Com vista à obtenção de tal objetivo, cabe ao tribunal pronunciar-se sobre as provas propostas e emitir, sobre elas, não só um juízo de admissibilidade e de legalidade, mas também de pertinência sobre o seu objeto: a prova de factos controvertidos da causa, relevantes para a decisão,

5. Sendo de admitir o requerimento probatório de junção dos vídeos, apresentado posteriormente à audiência prévia, tendente à obtenção de meio de prova para o apuramento de factos da causa e formulado com justificação para a junção naquele momento, requerimento esse admissível (legal e pertinente) e oportuno (cfr. n.º 3, do art. 423º, do CPC).

6. Na verdade, o A. requereu a junção de três vídeos, esclarecendo que dois deles foram recolhidos no dia do sinistro (que demonstram os veículos a ser desamarrados) e um recolhido posteriormente com vista a demonstrar as características da via.

7. Mais esclareceu que apenas eram juntos naquela fase, em virtude de estarem armazenados num telemóvel antigo do A., o qual teve dificuldade na sua recuperação, apenas tendo ficado disponíveis naquela data após intervenção de técnico habilitado, provando assim a impossibilidade de os juntar em momento anterior.

8. De facto, o A. até à data em que juntou os vídeos não sabia sequer se os mesmos eram recuperáveis e por isso recorreu a um técnico habilitado.

9. Não ia o A. protestar juntar uma prova quando nem sequer sabia se a ia conseguir obter, mas o Tribunal à quo nem sequer ponderou as razões do A., nem as justificações dadas pelo mesmo.

10. Não dando qualquer relevância à prova apresentada pelo A..

11. Acresce que, os vídeos que o A. juntou retratam o sucedido, não são impertinentes, sendo necessários à boa decisão da causa, porquanto respeitam à matéria em causa e retratam um facto relevante para a resolução do litígio.

12. O artigo 423.º do CPC permite a junção em três momentos distintos: com o articulado, sendo essa a regra geral (nº1); até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas com a cominação de multa, exceto se a parte alegar e demonstrar que os não pôde oferecer antes (nº2); até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas, neste caso, somente daqueles cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior (nº3)

13. E ultrapassado o limite referido em ii), é ainda admitida a apresentação, e até ao encerramento da discussão em 1ª instância (que se dá com o termo das alegações orais– v. al. e), do nº3, do art. 604º e cfr., ainda, art. 425º), dos documentos, cuja junção não tenha sido possível até àquele momento, por se ter verificado um impedimento que não pôde ser ultrapassado em devido tempo – tal como alegou e provou o A..

14. Acresce que, em face do objecto da causa, tendo em atenção, mormente, a causa de pedir, a descoberta da verdade material e o princípio da livre apreciação judicial das provas deveriam a junção dos referidos vídeos ter sido admitida.

15. O A. fez prova quanto à impossibilidade de os ter apresentado em momento anterior.

16. Pelo que, deverá o despacho recorrido ser revogado, substituindo-se por outro que, com base nos elementos constantes do processo, admita a junção dos vídeos levados aos autos no requerimento apresentado pelo A. em 06-05-2024 (com a referência CITIUS n.º 9617109), determinando-se a sua permanência nos autos.

17. O Tribunal à quo violou, entre outros, o disposto no artigo 423.º do CPC.


*
Apresentou a Ré contra-alegações a pugnar por que se negue provimento ao recurso interposto pelo Autor e se mantenha a decisão recorrida sustentando bem ter sido indeferida a junção dos vídeos requerida pelo Autor por, para além de impertinente, ser dilatória. Afirma não ter o Autor referido antes do requerimento em causa a existência dos 3 vídeos nem que estivesse com dificuldade na sua obtenção e que era no final da petição inicial que o Autor devia requerer os meios de prova (art. 552º/2 do C.P.C.). Sustenta que o Autor não demonstrou que não pudesse ter junto no momento próprio (meramente se limitando a referir que “estavam armazenados num telemóvel antigo do A. e que teve dificuldade na sua recuperação, apenas tendo ficado disponíveis nesta data após intervenção de técnico habilitado.”). Mais sustenta que os vídeos nada acrescentarem aos elementos carreados para os autos, pois os dos veículos sinistrados a serem preparados para o reboque nenhuma utilidade têm e o outro limita-se a demonstrar as caraterísticas da via, desconhecendo-se em que data foi obtido e já existem nos autos fotografias a, de forma clara e evidente, demonstrar as características da via, sendo, por isso, dispensável.

Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.


*

II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO

Apontemos as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.

Assim, a questão a decidir é a seguinte:

- Da admissibilidade da junção dos documentos (vídeos) na fase de audiência de julgamento.


*

II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

São os seguintes os factos provados com relevância para a decisão, resultando a sua prova plena dos autos:

1. No dia 18/1/2024 foi proferido despacho saneador, com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova, nos seguintes termos:

“Objecto do litígio

a) Da verificação dos pressupostos legais da responsabilidade extracontratual emergente de acidente de viação;

b) Na positiva, da avaliação dos danos e do quantum indemnizatório.

Articulando o objecto do litígio com a matéria de facto alegada nos articulados, é, pelo menos, factualidade já assente:

A) No dia 13 de maio de 2023, pelas 13H20, na Auto Estrada ..., ao km 13,500, na União de Freguesias ... e ..., concelho de Lousada, ocorreu um embate em que foram intervenientes duas viaturas: a) O veículo ligeiro de passageiros, matrícula ..-IH-.., propriedade do A. (AA) e conduzido pelo próprio; e, b) O veículo ligeiro de passageiros, matrícula ..-..-MZ, propriedade de BB e conduzido pelo mesmo.

B) Era dia, estava bom tempo, o piso estava seco e a visibilidade era boa.

C) A faixa de rodagem tem cerca de 11 metros de largura.

D) Apresenta três vias de trânsito, no mesmo sentido de trânsito.

E) Da berma para o separador central, a primeira faixa destina-se aos veículos que vão no sentido de ... e ....

F) A segunda e terceira vias destinam-se a quem circula no sentido .../....

G) Essas duas vias são divididas por linha continua.

H) No local onde se deu o sinistro, a via configura uma reta.

I) O trânsito na via mais à direita e na via do meio encontrava-se parado, uma vez que se encontrava um cão à deriva naquele local e onde várias pessoas tentavam apanhá-lo.

J) A GNR estava também no local a regular o trânsito, em virtude da prova de rally de Portugal que se realizava nesse dia, estando nomeadamente a regular a circulação em direção às saídas da autoestrada.

K) A viatura segurada da Ré (com a matrícula ..-..-MZ) seguia pela via do meio, contudo o trânsito nessa via encontrava-se parado.

L) À data do embate, o proprietário do veículo de matrícula ..-..-MZ havia transferido a responsabilidade civil automóvel decorrente da circulação daquele veículo para a Ré através da Apólice n.º ..., nos moldes vertidos no documento n.º 1 junto com a contestação que aqui se dá por integralmente reproduzido”.

Temas da Prova

“1. O veículo segurado da Ré encontrava-se integrado na fila de trânsito parado da via do meio e à sua esquerda tinha a via da esquerda?

2. Embora, o trânsito nas vias do meio e da direita estivesse parado, a via da esquerda encontrava-se livre e o trânsito decorria normalmente, apenas com limitação de velocidade.

3. A viatura do A. (com a matrícula ..-IH-..) seguia na referida via da esquerda (onde o trânsito estava a circular), seguindo a cerca de 70Km/hora?

4. Sem que nada o fizesse prever, o A. foi surpreendido pelo veículo segurado da Ré, que saiu da fila de trânsito da via do meio, transpôs a linha contínua à sua esquerda e ocupou a via de trânsito da esquerda?

5. O que fez sem qualquer sinalização, sem qualquer atenção aos veículos da via da esquerda e transpondo a linha contínua, ingressou da esquerda?

6. Por onde circulava o veículo do A. e no preciso momento em que o A. se encontrava lado a lado com o veículo segurado da Ré?

7. Ao fazê-lo, o segurado da Ré acelerou de forma a entrar rapidamente na via da esquerda, cortando a linha de circulação do veículo do A.?

8. E porque o A. já se encontrava ao seu lado, o veículo segurado da Ré, imprimindo velocidade à sua viatura, galgou a linha continua, provocou o embate entre a sua roda traseira esquerda com a roda direita dianteira do veículo do A., provocou que as mesmas ficassem atreladas uma na outra e mesmo após o embate arrastou a viatura do A. por cerca de 50 metros, ampliando os danos que já havia provocado ao embater-lhe?

9. O embate deu-se assim entre a lateral esquerda do veículo segurado da Ré e a lateral direita do veículo do A.?

10. Embora travasse, o A. perdeu a direção do seu veículo, porque foi arrastado (deixando marcas de arrasto na via) e só parou quando o veículo segurado da Ré parou?

11. Em virtude de o trânsito se encontrar completamente imobilizado, devido ao facto já referido nos factos assentes, lentamente, todos os outros veículos que circulavam na faixa do meio iam integrando a faixa da esquerda – a única por onde se circulava?

12. E onde os respetivos condutores lhes iam permitindo entrar um a um?

13. Foi o que aconteceu com o condutor do MZ, que acionou o sinal luminoso da esquerda, e chegado ao local onde os veículos da faixa do meio se encontravam imobilizados, ocupou lentamente a faixa da esquerda e aí circulou cerca de 40 metros?

14. O Autor, para além da velocidade que imprimia ao seu veículo, seguia distraído, razão pela qual não conseguiu imobilizar o veículo?

15. E quando se apercebeu da distância que o separava do veículo MZ, ainda tentou travar e desviar-se para a esquerda?

16. Mas acabou por embater com a frente lateral direita do veículo ..-IH-.. na traseira do lado esquerdo do veículo MZ?

17. O segurado da Ré provocou danos na lateral e frente direita do veículo do A., bem como na roda da frente direita, eixo, longarina?

18. Em virtude do embate ficaram danificadas as peças que constam do orçamento de reparação, efetuado pela oficina M. Coutinho de Paredes, que é o doc. 5 junto com a petição inicial e que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais?

19. E, porque tais peças ficaram amolgadas, encolhidas, fragmentadas e partidas, têm de ser substituídas, sendo necessários trabalhos de mão de obra, pintura, mecânica e chapeiro descritos no doc. 5 junto com a petição inicial?

20. A referida reparação está orçamentada no valor de, pelo menos, 27.581,20€?

21. O veículo do A. (antes do sinistro) satisfazia todas as suas necessidades de deslocação?

22. Encontrava-se em ótimo estado de conservação, apresentava ótimas condições de funcionamento e de mecânica e tinha todas as revisões em dia?

23. Não estava à venda, nem o A. pretendia vendê-lo, porquanto o utilizava diariamente, quer nas suas deslocações de trabalho, quer nas suas deslocações de lazer?

24. O veículo do A., devido aos danos sofridos, ficou imediatamente impossibilitado de circular, onde permanece imobilizado?

25. Em consequência, ficou o A. privado do uso do seu veículo e de fruir todas as utilidades que o mesmo lhe proporcionaria durante todo este tempo?

26. O A. é empresário na área das madeiras e componentes e tem necessidade de se deslocar diariamente a diversos clientes e fornecedores, por todo o país, utilizando a referida viatura nessas suas deslocações laborais?

27. Utilizava também o mesmo para fazer face à sua economia doméstica e para transportar o seu agregado familiar?

28. Ficou ainda impossibilitado de dar um simples passeio ao fim de semana?

29. Tendo-se socorrido de automóveis de familiares e amigos, relativamente aos quais ficou e ficará a dever o favor?

30. Em consequência dos factos descritos, o A. sofreu transtornos, agastamentos e angústia?

31. O sinistro provocou-lhe insónias e mau estar?

32. Sofreu de dores físicas nos dias que seguiram ao sinistro?

33. No momento do sinistro, ficou com um sentimento de impotência e de medo ao ver que o veículo segurado da Ré embateu do lado do veículo em que seguia a sua filha?”.

2. Iniciada a audiência de julgamento no dia 11/4/2024 e proferido, conforme resulta da ata, o seguinte despacho “Atento os motivos invocados pelo autor, e a não oposição da ré, suspendem-se agora os trabalhos da audiência, transferindo-se a produção da prova da presente audiência de julgamento para o próximo dia 05 de junho de 2024, pelas 09:15 e pelas 14:00 horas, obtida a anuência dos ilustres mandatários das partes, devendo a prova ser convocada em grupos de duas pessoas, com intervalo de trinta (30) minutos entre grupos”, foi no dia 6/5/2024 apresentado, pelo Autor, o referido requerimento de junção dos vídeos com o seguinte teor:
“Requer a junção de três vídeos, sendo que dois foram recolhidos no dia do sinistro (que demonstram os veículos a ser desamarrados) e um recolhido posteriormente com vista a demonstrar as características da via.
Considerando que apenas são juntos nesta data, em virtude de estarem armazenados num telemóvel antigo do A. e que teve dificuldade na sua recuperação, apenas tendo ficado disponíveis nesta data após intervenção de técnico habilitado,
E uma vez que os mesmos retratam o sucedido, não são impertinentes, sendo necessários à boa decisão da causa, porquanto respeitam à matéria em causa e retratam um facto relevante para a resolução do litígio,
Requer que seja admitida a sua junção aos autos, com dispensa de multa pela apresentação nesta fase processual.”.

3. No dia 10/5/2024, foi proferido o despacho recorrido, do qual consta o seguinte:
“Não se admite a junção aos autos dos vídeos agora juntos pelos autores, face à limitação temporal imposta pelo art. 423º, n.º 3, do CPC.
Isto porque o autor não estava impedido de, logo na petição inicial ou, no limite, na audiência prévia, fazer arrolar aqueles elementos de prova e deduzir a sua pretensão de os juntar aos autos em momento posterior, alegando, apenas, o facto agora alegado de ter dificuldades a eles aceder.
Assim, entende-se que o autor podia ter arrolado como prova os referidos vídeos no tempo próprio, o que não fez, bastando-lhe apenas protestar juntá-los em momento posterior, face ao impedimento que agora alega, o que também não fez.
Pelo exposto, não se admite a junção aos autos daqueles vídeos, determinando-se o seu desentranhamento e entrega ao apresentante.
Custos do envio a cargo do autor”.


*

II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

- Da admissibilidade da junção dos três vídeos como meios de prova.

 

Insurge-se o Autor contra o despacho que indeferiu o requerimento de junção de três vídeos, que apresentou na fase de julgamento, manifestando-se a Ré pelo acerto da decisão.
Analisemos da admissibilidade – pertinência e legalidade – da junção de tais meios de prova.
A proposição e a produção da prova em juízo visam a demonstração da realidade dos factos relevantes para o processo[1], sendo que regras existem, para a balizar:
i) de direito probatório material, de natureza substantiva, a regular a admissibilidade e força probatória, inseridas no Código Civil, abreviadamente CC;
ii)   de direito probatório formal, a regular os procedimentos probatórios, que têm sede no Código de Processo Civil, abreviadamente CPC.
O artigo 410º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, com a epígrafe “Objeto da instrução”, estatui:
A instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova”.
Deste modo, quando tenha havido enunciação dos temas da prova (o que se verifica no processo comum de declaração, nos termos do art. 596º, a menos que ocorra revelia operante (art. 567, nº2), termo do processo no despacho saneador (art. 595º) ou decisão do juiz no sentido da dispensa, em ação de valor não superior a metade da alçada da Relação (art. 597º, c))), são os próprios temas da prova o objeto da instrução[2], neles se incluindo os factos, quer os essenciais quer os instrumentais, sobre que a prova incide, pois que o real e efetivo objeto da instrução é sempre matéria fáctica, nos termos dos arts 341º e segs, do CC. 
Assim, enunciados temas da prova - para, no final da instrução, o juiz decidir, na sentença, os factos que considera provados e não provados -, correspondendo um deles a um facto, tem de ser o mesmo objeto direto da instrução, não estando, contudo, as partes inibidas de produzir prova sobre factos instrumentais ou circunstâncias que indiciem ou revelem aquele. Nos temas de prova de formulação mais genérica é objeto de instrução toda a factualidade pertinente para a sua concretização, tendo em conta a previsão normativa de que depende o resultado da ação, aí se incluindo a livre discussão dos factos em relação de instrumentalidade[3].
Destarte, havendo enunciação dos temas de prova, o objeto da instrução são os temas da prova, densificados pelos factos, principais e instrumentais (constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito afirmado) – arts 410º, do CPC e 341º e segs, do CC.
E é garantida ampla liberdade, em sede de instrução, no sentido de permitir que, na produção de meios de prova sejam averiguados os factos circunstanciais ou instrumentais, designadamente aqueles que possam servir de base à posterior formulação de presunções judiciais, sendo que a instrução da causa “deve ter como critério delimitador o que seja determinado pelos temas da prova erigidos e deve ter como objetivo final habilitar o juiz a expor na sentença os factos que relevam para a decisão da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis da questão de direito”[4].
Sendo as diversas fases do processo a proposição, a audiência contraditória e a admissão (ou rejeição), com vista à produção das provas e decisão, podendo ser objeto de instrução tudo quanto, de algum modo, possa interessar à prova dos factos relevantes para a decisão da causa, não deve ser permitido seja objeto de instrução aquilo que se apresenta como irrelevante para a concreta causa, tal como desenhada se mostra.
Assim, para a apreciação da prova, que tem lugar na fase da sentença, só são admitidos os meios de prova propostos, após audiência da parte contrária, que relevem de acordo com as diversas soluções plausíveis da questão de direito.
Tem, pois, de ser olhado o objeto do litígio, que se define pelo pedido formulado e respetiva causa de pedir, para se aferir dessa relevância, nenhuma a podendo ter se nem sequer cabe apreciar a concreta questão a que a prova em causa pode interessar.
E, para além da relevância/pertinência, tem de se analisar da admissibilidade legal, só sendo de admitir um meio de prova se legalmente admissível.
Conheçamos, pois, da legalidade e da pertinência dos meios de prova – os vídeos -, prova documental (cfr. arts 362º e 368º, do CC, e art. 428º, do CPC) requerida já na fase de julgamento, objeto do despacho recorrido.
Com efeito, é documento, nos termos do art. 362º, do CC, qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto e o art. 428º, do CPC, aplica-se, mesmo por analogia, “a todos os casos em que o registo documental careça de um procedimento técnico para se tornar apreensível”[5], sendo que se aplica “a estes documentos o regime processual definido em geral para a prova documental (arts. 423º e ss. do CPC)…”[6].
Relativamente à prova por documentos, com a epígrafe “Momento de apresentação”, dispõe o art. 423º, do CPC, em matéria de oportunidade de junção:
“1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”.
Assim, quanto à junção de documentos, em 1ª instância, este diploma permite a junção em três momentos distintos (cfr art. 423º):
i) com o articulado, sendo essa a regra geral (nº1);
ii) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas com a cominação de multa, exceto se a parte alegar e demonstrar que os não pode oferecer antes (nº2);
iii) até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas, neste caso, somente daqueles cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior (nº3).
Sendo rígida[7] a imposição legal, os documentos destinados a provar os fundamentos da ação e da defesa (factos principais), bem como os factos instrumentais que constituam a base duma presunção legal ou facto contrário ao legalmente presumido, devem ser apresentados com o articulado em que os mesmos sejam alegados, sendo que, embora não um ónus (salvo quando o documento é essencial[8]) é um dever e a violação do mesmo com apresentação ulterior, permitida se efetuada sem ultrapassar o limite referido em ii), é punida com multa.
Ultrapassado o limite referido em ii) não podem mais ser juntos documentos pelas partes em primeira instância[9], apenas sendo admitida apresentação, e até ao encerramento da discussão em 1ª instância (que se dá com o termo das alegações orais – v. al. e), do nº3, do art. 604º e cfr., ainda, art. 425º), dos documentos:
1) cuja junção não tenha sido possível até àquele momento, por se ter verificado um impedimento que não pôde ser ultrapassado em devido tempo;
2) que sejam objetiva ou subjetivamente supervenientes (apenas produzidos ou que vieram ao conhecimento da parte apresentante depois daquele momento);
3) cuja apresentação se tenha revelado necessária em virtude de “ocorrência posterior”, esta a determinar casuisticamente, como é o caso de se verificar o facto transmissão de direito litigioso, determinante de habilitação da parte (art. 357º) ou de facto novo oficiosamente cognoscível[10], nunca sendo o caso depoimento prestado por testemunha arrolada pelas partes[11] e, como tal, mera produção de um meio de prova proposto. 
Assim, nunca pode uma parte estar à espera do que vai dizer uma testemunha arrolada para decidir da conveniência da junção de documentos destinados à instrução da causa, sendo que as necessidades de prova são as já existentes nos autos e já conhecidas das partes quanto a factos já verificados (não factos/ocorrências posteriores).
Pacífico é, na Doutrina e na Jurisprudência[12], que “ocorrência posterior” que legitima a entrada de documentos no processo não respeita a factos que constituem o fundamento da ação ou da defesa (factos essenciais – art. 5º), pois que alegados se mostram nos articulados ou têm de o ser na sequência de despacho de aperfeiçoamento (art. 590º, nº4), nem a factos supervenientes, pois que a alegação de tais factos deve ser acompanhada dos documentos (art. 588º, nº5), respeitando, sim,  a factos instrumentais ou a factos relativos a pressupostos processuais[13] [14].
Como refere Lebre de Freitas “O facto (“ocorrência”) posterior a que se refere o nº3, do art. 423º não é um facto principal, pois este só pode ser introduzido na causa mediante alegação em articulado superveniente, caso já coberto pela norma do nº1 do artigo; a previsão do nº3 respeita a factos instrumentais relevantes para a prova dos factos principais ou factos que interessem à verificação dos pressupostos processuais. Sendo a ocorrência posterior, o documento que a prova não pode deixar de ser formado, também ele, posteriormente; mas a esta situação há que assimilar os casos em que o facto (ainda que principal e como tal alegado) tenha ocorrido antes da preclusão do art. 423º-2, fazendo já parte do processo, mas o documento que o prova (contendo, por exemplo, uma declaração confessória extrajudicial) só posteriormente se tenha formado[15].

Assim, o depoimento da testemunha arrolada nenhum fato/ocorrência posterior constitui a justificar a apresentação de documento em audiência de julgamento, bem tendo a parte de com ele contar e de oferecer, com a antecedência imposta em relação à data da audiência os documentos com que pretenda fazer prova ou contraprova dos factos da causa.
Cabe ao requerente, apresentante do meio de prova documental, que se apresenta a exercer o direito à junção, os ónus de alegação e da prova de que não foi possível apresentar o documento até àquele momento ou de ocorrência posterior a tornar necessária a junção.
E nada tendo, sequer, sido alegado, pelo apresentante, que justifique impossibilidade de junção dos documentos apresentados até ao momento em que se apresentou a requerer, pois que, a ser verdade o que alega, não se apresenta a densificar impossibilidade de recorrer a meios técnicos antes de apresentar a petição inicial em juízo, sequer a invocando em relação a outro momento posterior mas anterior àquele em que se apresentou a requerer, não pode deixar de ser indeferido o requerimento formulado com vista à obtenção para os autos do meio de prova documental em causa.
Neste conspecto, por não ser legalmente admissível a junção, já que os pressupostos de tal junção não foram provados (nenhuma prova sendo oferecida), sequer alegados, acrescendo, ainda, a irrelevância dos mesmos para a decisão da causa, por de nenhum substrato probatório relevante para prova ou contraprova dos factos controvertidos  em causa nos autos ser dotado, sequer vir invocado pelo apresentante, em relação a concreto facto a provar, não podem os mesmos deixar de ser rejeitados.
Destarte, e apesar de o preceito em causa apontar para um sistema rígido, associado ao princípio da autorresponsabilização das partes, mas, contudo, a ser “compatibilizado com outros preceitos ou com outros princípios que justificam a iniciativa oficiosa do tribunal na determinação da junção ou requisição de documentos que, estando embora fora daquelas condições, sejam tidos como relevantes  para a justa composição do litígio, à luz, pois, de um critério de justiça material, cabendo realçar em especial o princípio do inquisitório consagrado no art. 411º e concretizado ainda no art. 436º (acerca do necessário equilíbrio entre a autorresponsabilidade das partes e a oficiosidade do contraditório”[16] [17], no caso, por os documentos além de terem sido apresentados depois de ultrapassado o momento oportuno de apresentação, sem qualquer justificação válida da impossibilidade de apresentação tempestiva, sequer oferecida prova de justificação, sendo, também, impertinentes, por não resultarem serem de relevo para a prova de factos controvertidos, sequer vindo indicados a concretos factos, não pode a junção dos mesmos ser admitida.     
Improcedem, assim, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação dos normativos invocados pelo apelante devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.


*

III. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.


*

Custas pelo apelante, pois que ficou vencido – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.


Porto, 10 de julho de 2024

Assinado eletronicamente pelos Senhores Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
Manuel Domingos Fernandes
__________________
[1] Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, vol. I, 2017, Almedina, pág 420
[2] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª edição, pág 205.
[3] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág. 482
[4] Ibidem, pág 483
[5] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Idem, pág. 246.
[6] Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, anotação ao artigo 368º, do Código Civil, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, pág. 850.
[7] “Com a inovação do n.º 2 do artigo 423.º, do CPC, decorrente da última reforma do processo civil, que impõe como limite para a junção de documentos o prazo de «20 dias antes da data em que se realize a audiência final», o legislador visou evitar surpresas no julgamento, decorrentes da junção inesperada de um qualquer documento, com consequências negativas traduzidas, nomeadamente, no arrastamento e no adiamento das audiências, obrigando as partes a uma maior lisura e cooperação processual na definição das suas estratégias probatórias” Ac. RP de 7/1/2019, proc. 3741/17.0T8MTS-A.P1, in dgsi.pt.
[8] Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 239, onde se esclarece não haver contradição entre o ónus de provar os factos alegados como fundamento da ação e da defesa e o dever de apresentar o documento que os prove com o articulado em que a alegação é feita (sem prejuízo do dever de colaboração para a descoberta da verdade) mantendo a parte liberdade de observar o ónus que sobre ela impende, até 20 dias antes da data da audiência final, tendo, porém o dever, quando queira observar o ónus da prova de o fazer no ato de alegação do facto probando.
[9] Só em caso de recurso de apelação volta a ser admitida a apresentação de documentos, e, ainda assim, somente quando a apresentação não tenha sida possível até esse momento (art. 425º) ou quando se trate de documento superveniente (art. 662º, nº1).
[10] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª Edição, pág. 520 e seg.
[11] Ibidem, pág. 521 e Acs. aí citados da RL de 6/12/2017, proc. 3410/12 e de 8/2/2018, proc. 207/14, in dgsi.
[12] Cfr. jurisprudência de todas as Relações, designadamente, acessíveis in dgsi.pt os seguintes:
- Ac.s da RP de 17/1/2022, proc. 1172/20.3T8VLG-A.P1, onde se sumaria “I - Pretendendo a parte juntar documentos após o limite temporal estabelecido no n.º2, do art.º 423.º do CC, ou seja, socorrendo-se do disposto no n.º3, é-lhe exigível que justifique e deixe demonstrado porque razão faz a apresentação nesses termos, nomeadamente: i) se não lhe foi possível apresenta-los pelo menos até 20 dias antes da data de realização da audiência final, qual a razão dessa impossibilidade; ii) se a junção se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior, qual o facto que consubstancia essa ocorrência e o fundamento dessa necessidade. II - Nada tendo sido alegado para fundamentar a junção de documentos já depois de iniciada a audiência final, não podia o Tribunal a quo admitir a sua junção, pese embora considerasse serem eventualmente pertinentes para a decisão, por tal não ter cobertura no regime definido no art.º 423.º do CPC. Nessas circunstâncias, apenas se impunha indeferir o requerimento, rejeitando a admissão dos documentos que o autor pretendia juntar”.
e de 2/7/2020, proc. 285/14.5TVPRT.P1, onde se se refere: “I- A junção de documentos no decurso da audiência pressupõe, além do mais, a existência de uma ocorrência posterior fundada. II- Não integra esse fundamento a necessidade de confrontar uma testemunha com esses documentos, pois os factos carecidos de prova são fixados em momento anterior. III- Todavia regulamentação do art. 424º, do CPC não impede a aplicação de normas especiais ou princípios gerais. IV - Por causa disso, os documentos devem ser juntos ao abrigo do principio do inquisitório se o interesse destes para a decisão da causa for superior às desvantagens provocadas na sua tramitação, e afectação do direito de defesa da parte contrária. V- A utilização desse poder dever não afecta a independência do tribunal, pois, este desconhece e é alheio aos efeitos concretos da decisão; exerce um poder dever e visa carrear para os autos todos os elementos para uma decisão conforme com a realidade”,
- Acs da RL de 12/10/2021, proc. 5984/18.0T8FNC-B.L1-7, onde se decidiu “A tempestividade de um documento apresentado com a audiência final a decorrer implica a alegação e a prova de que a apresentação anterior não foi possível ou de que a apresentação se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior” e “Não se verifica uma ocorrência posterior para efeitos de apresentação de documentos com fundamento na parte final do nº 3 do artigo 423º do Cód. Proc. Civil, quando uma testemunha alude a um facto, ainda que em sentido contrário ao pretendido pelo apresentante dos documentos, se se tratar de um facto essencial anteriormente alegado nos autos”
e de 25/9/2018, proc. 744/11.1TBFUN-D.L1-1 “I. O art.º 423º do CPC regula tão só e apenas o direito que assiste às partes de fazerem juntar ao processo documentos, independentemente da sua pertinência, da sua relevância e da apreciação do seu valor probatório; II. Ele não invalida que a junção dos mesmos documentos possa ser ordenada pelo juiz ao abrigo dos poderes inquisitoriais previsto no art.º 411º do CPC; III. É, aliás, essa possibilidade que afasta eventuais objecções de inconstitucionalidade, por violação da garantia do processo equitativo (fair trial), da norma do nº 3 do art.º 423º do CPC; IV. As circunstâncias que tornam admissível a apresentação de documentos depois dos 20 dias que antecedem a audiência final têm de ser alegadas e provadas pela parte que pretende a junção do documento; V. A impossibilidade da prévia apresentação haverá de ser apreciada segundo critérios objectivos e de acordo com padrões de normal diligência; VI. A necessidade de apresentação deve surgir de uma circunstância posterior, ou seja, de uma circunstância que ocorra depois do vigésimo dia anterior à audiência final; VII. O grau dessa necessidade não tem de ser significativo, bastando que a apresentação do documento se revele útil como meio de prova; VIII. A ocorrência posterior deve ser relacionada com a dinâmica do desenvolvimento do próprio processo, designadamente tendo em vista a dialéctica que se desenvolve durante o processo de produção de prova no julgamento da causa, e consistirá, na generalidade dos casos, na revelação de factos instrumentais, complementares ou concretizadores;
- Ac. da RE de 25/6/2020, proc. 3013/11.3TBLLE-H.E1, onde se considerou “A admissão dos documentos apresentados no decurso da audiência final segue o regime inserto no artigo 423.º/3 do CPC, pelo que depende da invocação e demonstração de factos donde resulte afirmado que, num quadro de normal diligência, foi impossível ao apresentante ter tido conhecimento anterior da existência daqueles documentos, que revelam terem sido produzidos antes dos momentos indicados nos n.ºs 1 e 2 da mencionada disposição legal”.
[13] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág 520 e Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Idem, pág. 241
[14] José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª Edição, Gestlegal, pág. 290 e seg.
[15] Ibidem, pág. 291.
[16] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág. 521, onde citada vem obra do segundo Autor e o Ac. RL de 25/9/2018, 744/11.
[17] V. ainda Ac. RP de 7/1/2019, proc. 3741/17.0T8MTS-A.P1, in dgsi.pt, onde se considera “Na interpretação da lei processual, o julgador deve ter sempre em conta a unidade e a coerência do sistema jurídico (artigo 9.º/1 do CC), sopesando os princípios em presença, não esquecendo o princípio da verdade material, estruturante de todo o processo civil, revelando-se juridicamente insustentável, no contexto processual referido, a simples rejeição de toda a prova documental da recorrida, sobre a qual recai o respetivo ónus”.