Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
638/23.8Y6PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL SILVA
Descritores: PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO
INTERNAMENTO EM CENTRO EDUCATIVO
Nº do Documento: RP20240418638/23.8Y6PRT.P1
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇAO
Área Temática: .
Sumário: I - De acordo com a LTE, que acolhe o modelo educativo de responsabilidade, deve o Tribunal nortear-se pelo interesse do menor, mas sem descurar que a sanção a aplicar deve ser proporcional à gravidade do delito cometido, como forma de incutir ao menor a consciência do ato que praticou. Depois, curando da vertente educativa-protetiva, deve atender-se a todas as circunstâncias em que os factos foram praticados, bem como às circunstâncias da vida do menor.
II - Será em função de todo esse contexto que o Tribunal escolherá a medida tutelar, privilegiando as medidas não institucionais sempre que se crie no seu espírito um juízo de prognose favorável de que elas serão suficientes, não só para a pacificação social, mas, principalmente, para a educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade (art.º 2º LTE).
III - No caso de um menor que já completou 16 anos, agrediu a professora na própria sala de aula com um “golpe de mata leão”, que já foi sujeito a 2 medidas não institucionais pela prática de ameaça agravada e ofensas à integridade física simples; vivendo com a avó, a qual não tem qualquer ascendente sobe ele, nem capacidade para lhe impor regras, permitindo que o menor organize a sua vida como bem entende, assumindo um comportamento de absentismo na escola e comportamentos disruptivos, a medida de internamento em centro educativo afigura-se como a única medida em que ainda se pode depositar esperanças para que se logre educar o menor para uma inserção social mais responsável.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 638/23.8Y6PRT.P1




ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO



I – Resenha do processado
1. Sob impulso do Ministério Público (Mº Pº) foi instaurado processo tutelar educativo ao menor AA, nascido a ... de 2008, filho de BB e de CC, pela prática de factos consubstanciadores de um crime de ofensa à integridade física qualificado, previsto e punido pelo art.º 143º, 145º nº 1 e 2 com referência ao art.º 132º nº 1 e 2 al l), todos do Código Penal (CP).
Realizada audiência de discussão e julgamento, com intervenção de tribunal coletivo, foi proferida sentença, que decidiu aplicar ao menor AA a medida tutelar de internamento em centro educativo na modalidade de regime aberto, pelo prazo de oito meses.

2. Para assim decidir, considerou-se provada a seguinte factualidade:
1 - AA nasceu a … de 2008 e foi registado como filho de BB e de CC.
2 - No dia 17-04-2023, pelas 11H05, na sala de aula ...04, na escola básica e secundária..., na aula de “artes plásticas”, lecionada pela professora DD, o jovem AA levantou-se com outros colegas, circulando pela sala com desenhos que haviam efetuado nessa aula.
3 – O jovem AA e os colegas circulavam na sala sem autorização da professora, perturbando propositadamente a aula, com os desenhos por cima da cabeça, em tom de gozo e de desafio à professora, como se estivessem a encenar um desfile.
4 - Na sequência desse comportamento a professora DD ordenou aos alunos que se sentassem.
Ao invés de se sentar, o jovem AA aproximou-se pelas costas da professora, colocou-lhe o braço esquerdo por cima do ombro da professora e pela zona frontal superior do corpo desta, junto ao pescoço, apertando o braço e o corpo da professora contra si, num movimento vulgarmente conhecido por “gravata” ou “golpe de mata leão”.
5 - Ao ver-se manietada e sufocada, a professora DD desferiu um pontapé no jovem AA, com o que este se afastou.
6 - Ato contínuo, a professora, liberta da ação do jovem AA, tentou acionar um botão de chamada dos funcionários, para pedir auxílio, no que foi repetidamente impedida pelo jovem AA, que a empurrava ou puxava, conforme necessário a afastá-la da zona do botão.
7 - Não obstante a ação do jovem AA, a professora conseguiu acionar o referido botão, tendo então comparecido uma das auxiliares escolares, vindo o aluno AA a sair da sala de aula.
8 - O jovem AA agiu com intenção de atingir a ofendida DD, na sua integridade física, bem sabendo que atuava contra vontade do destinatário da sua conduta e que a pessoa a quem dirigiu a sua ação era a sua professora de escola, no exercício dessas mesmas funções.
9 - O jovem AA atuou de forma livre, deliberada e consciente, de acordo com a perceção e discernimento próprios da sua idade, não obstante saber que tal conduta era proibida e punida por lei.
10 - Relativamente ao AA correram já termos:
- PTE 237/22.1Y6PRT, por decisão de 02-08-2022, com aplicação de medida de reparação ao ofendido, na modalidade de apresentação formal de desculpas, por factos do dia 20-01-2022, suscetíveis de integrar o ilícito de ameaça agravada, medida cumprida.
- PTE ...-A, J2 (que fora inicialmente o ITE n.º ...), por decisão de 24-01-2023, com aplicação de medida de realização de tarefas a favor da comunidade, por factos do dia 14-11-2022, suscetíveis de integrar o ilícito de ofensas à integridade física simples, medida que foi já declarada cessada embora o jovem não a tenha cumprido integralmente
11 - O jovem AA vive com a avó paterna EE no seguimento de decisão tomada no PPP n.º ..., J2, deste juízo de família e menores do Porto, integrando ainda o agregado a sua irmã mais nova, de 10 anos de idade
O progenitor do jovem AA está recluso no estabelecimento prisional ....
A progenitora do jovem AA está reclusa no estabelecimento prisional ....
12 - O agregado familiar reside em habitação social, apartamento de tipologia 2, arrendada, com adequadas condições de habitabilidade, inserida em zona urbana, associada a problemáticas sociais / contextos de risco
13 - O percurso de vida de AA é marcado pela exposição a situações/contextos de desproteção e risco, entre outros, o alcoolismo da figura paterna e o percurso criminal dos pais.
Paralelamente, a dinâmica familiar nunca se mostrou suficientemente responsiva às necessidades desenvolvimentais do jovem, revelando o pai, figura educativa de referência, significativas lacunas em gerir/controlar as problemáticas comportamentais do filho, sobressaindo a supervisão e disciplina inadequadas.
14 - O percurso escolar de AA regista quatro retenções associadas à sua falta de assiduidade e comportamentos disruptivos em contexto escolar. No ano letivo 2023/2024 encontra-se integrado num PIEF, no Agrupamento de Escolas ..., com o intuito de vir a concluir o 2º ciclo.
15 - No corrente ano letivo o AA continua a apresentar um elevado número de faltas injustificadas.
16 - AA privilegia uma organização informal/ociosa do seu quotidiano, que gere com elevada autonomia e nem sempre da forma mais adequada, não investindo em qualquer atividade estruturada ou com caráter construtivo.
17 - O jovem não revela sentido crítico face aos factos em causa nestes autos, cuja prática objetiva admite percecionando a situação como “uma brincadeira”.
18 - Até ao final da audiência de julgamento o AA nunca revelou arrependimento nem pediu desculpa à ofendida, apesar de ter tido várias hipóteses para tal, tendo junto aos autos posteriormente carta com pedido de desculpas.
19 - A avó não tem qualquer ascendente sobe o jovem nem capacidade para lhe impor regras.
20 - As características/fragilidades de natureza pessoal/individual de AA (e.g. agressividade física/verbal, acessos de cólera, baixa tolerância à frustração), a imaturidade/ desregulação emocional, bem como, os défices a nível das competências pessoais e sociais, predispõem a adoção de soluções/decisões menos ajustadas, que associadas à sua permeabilidade relativamente a grupos de pares constituídos por jovens conotados com condutas desviantes/ antissociais e consumo de substâncias aditivas, entre outros, concorrem para o agravamento e frequência de respostas/comportamentos desviantes face aos requisitos do quotidiano.

3. Inconformado com o decidido, veio apelar o menor, através do seu defensor oficioso, formulando as seguintes conclusões:
A. - Na douta Decisão objeto do presente recurso, foram considerados como provados os factos constantes dos números 1. a 20.
B. - O Tribunal a quo deu como facto provado que:
“Ao invés de se sentar, o jovem AA aproximou-se pelas costas da professora, colocou-lhe o braço esquerdo por cima do ombro da professora e pela zona frontal superior do corpo desta, junto ao pescoço, apertando o braço e o corpo da professora contra si, num movimento vulgarmente conhecido como “gravata” ou “golpe de mata leão”.”
C. - Este facto não pode ser dado como provado uma vez que quanto ao que terá acontecido na sala de aula no dia e hora em apreço, apenas foram ouvidas duas pessoas que assistiram ou tiveram intervenção, no caso, o Menor e a Professora.
D. - Como o Menor sempre disse, e resultou quer do depoimento do Menor, quer do Depoimento da Professora, ele meteu o braço sobre a professora com o desenho na mão, colocando-lhe o desenho à frente.
E. - Não foi realizada qualquer prova realizada em sede de audiência em julgamento que tenha resultado ter-se tratado de uma agressão.
F. - A testemunha FF não tendo assistido aos factos, refere que a professora disse que “não admito que um aluno me ponha as mãos em cima”,
G. - a assistente GG, não tendo assistido aos factos diz que a professora disse que o AA “deitou as mãos ao pescoço”.
H. - existe alguma discrepância sendo que a professora tanto diz que ele lhe deitou as mãos ao pescoço como que lhe fez um mata-leão.
I.  ninguém assistiu aos factos e testemunhou sobre os mesmos, existindo apenas a versão do AA e as versões da professora.
J. - Pelo que, entende-se que o Ministério Público, a quem compete efectuar a prova, deveria ter arrolado os alunos que assistiram para fazer a sua prova.
K. - O Tribunal a quo deu como provados estes factos com base em elementos subjetivos do depoimento da ofendida, que não pode prevalecer sobre o do Menor.
L. - Assim, não pode tal facto ser dado como provada a agressão nos termos descritos, o que se requer.
M. - A Ilustre Juiz a quo dá ainda como provado que o AA nunca revelou arrependimento nem pediu desculpas à ofendida (…), tendo junto aos autos posteriormente carta com pedido de desculpas.
N. - o Menor disse várias vezes que tinha pedido desculpas à professora, e como estava arrependido, escreveu até uma carta a pedir desculpas.
O. - Mostrando este facto arrependimento e que o menor pediu desculpas.
P. - Pelo que não se pode aceitar como facto provado que este não estava arrependido ou que nunca tenha pedido desculpas.
Q. - Devendo ser alterados os factos provados, nos termos solicitados, não deve ser aplicada qualquer medida tutelar.
Sem prejuízo, e caso assim não se entenda:
Da escolha da medida tutelar a aplicar.
R. Na escolha da medida tutelar aplicável o Tribunal deve dar preferência, à medida que represente menor intervenção na autonomia de decisão e de condução de vida do menor.
S. - Neste contexto, deverá ser dada preferência à aplicação de medidas não institucionais.
T. - Tendo isto por base, assim como o facto de, desde a data dos factos, ou seja, 17 de abril de 2024, até à presente data, o menor não ter praticado qualquer facto com relevo criminal, entende-se que a medida tutelar de internamento é manifestamente exagerada.
U. - a lei tutelar educativa visa educar o jovem para o direito, ou seja, visa que este entenda que não pode praticar certos e determinados atos.
V. - A decisão a quo, determina a medida a aplicar, não com base nos factos praticados, mas sim na envolvência do menor.
W. - o facto de o menor ter imaturidade, desregulação emocional, défices a nível de competências pessoais e sociais, como resulta do Relatório elaborado pela DGRS, não pode ser o factor determinante, quando deveria ser o facto atenuante.
X. - os factos vertidos no relatório social junto aos autos só indicam as suas condições, sendo que a medida a aplicar prende-se com os factos praticados.
Y. - entre os factos e a presente data já passou cerca de 1 ano, sem que o menor tenha qualquer tipo de incidente, pelo que, ao nível desses factos, julga-se que o menor entende perfeitamente que não pode praticar factos semelhantes.
Z. - Não sendo necessária a referida educação para o direito pelos factos praticados.
TERMOS EM QUE, devem as presentes Alegações merecer provimento, revogando-se a Decisão proferida e substituindo-se por outra em que seja aplicada uma medida tutelar não privativa da sua autonomia, nomeadamente i) A imposição de regras de conduta; (ii) A imposição de obrigações; (iii) A frequência de programas formativos; ou (iv) O acompanhamento educativo, pois só assim se fará, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA.


4. O Mº Pº contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

5. Apreciando o mérito do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).
No caso, são as seguintes as questões a decidir:
· Reapreciação da matéria de facto
· Se é de alterar ou manter a medida tutelar aplicável.


5.1. Reapreciação da matéria de facto

Como resulta das conclusões, o Recorrente questiona os factos provados nº 4 e nº 18.
“Fechando um olho” à inobservância das formalidades impostas pelo art.º 640º do CPC (atento o facto de estarmos perante jurisdição de menores), percebe-se que o cerne da discordância do Recorrente se reporta à convicção firmada pelo coletivo de juízes, considerando que os elementos de prova não eram bastantes para a prova dos factos.
Ou seja, o Recorrente ataca o conjunto da prova produzida e apreciada em julgamento, sem lhe imputar outros vícios que não sejam o de nos dar a sua própria apreciação e valoração das provas, referindo-nos o que ele próprio considera que deveria ter “ficado provado” e que, naturalmente, diverge da decisão do Tribunal.
Refere ter existido contradição nos depoimentos da professora ofendida e do menor agressor.
Enfatizando, pode ainda adiantar-se que o simples facto de se registar diferenças no depoimento das testemunhas, não significa só por si contraditoriedade.
Desde logo, porque cada pessoa pode assistir a momentos diversos da ocorrência dos factos. Mas, mesmo quando assistem ao mesmo momento, o normal é que não haja total coincidência no posterior relato; de acordo com a sua personalidade e da emoção de que estiver imbuída no momento, cada pessoa vivencia e perceciona o que está a ver de forma diferente, relevando mais uns aspetos do que outros, registando pormenores que a outras passaram despercebidos.
Ocorre contradição entre factos provados quando, de acordo com as regras da lógica e/ou da experiência, resulte uma situação de mútua exclusão, por não ser possível que as ocorrências da vida em causa aconteçam, simultaneamente, nas mesmas circunstâncias de modo, tempo e lugar.
O sistema da livre apreciação da prova comporta uma dupla vertente.
«Significa, por um lado, a ausência de critérios legais que predeterminem o valor a atribuir à prova ou hierarquizem o valor probatório dos diversos meios de prova.
Por outro lado, livre convicção ou apreciação não poderá nunca confundir-se com apreciação arbitrária da prova produzida nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova.». [[1]] [[2]]
Sob pena de se estar a considerar a “livre convicção do Recorrente”, em detrimento da “livre convicção do julgador”, é inaceitável que se fundamente o ataque à matéria de facto fornecendo apenas a versão dos factos que se considera mais correcta. [[3]]
Ao contrário, o que nesta sede compete ao Recorrente, é a alegação/demonstração de que as provas produzidas não consentem a análise feita pelo juiz, de que a análise crítica por ele feita contraria a lógica, a razão e as regras da experiência comum.
Desde logo porque, tratando-se em ambos os casos de “livre convicção”, com o que ela tem de pessoal, incumbiria sempre a mesma pergunta: qual delas seria a mais consentânea com a realidade material? A do juiz ou a do Recorrente?

Para mostrar o desenho não é preciso “abraçar” e, muito menos, não se mostra um desenho posicionando-se por trás da pessoa. A versão do menor não oferece credibilidade. A versão fornecida pelo menor contraria a lógica, a razão e as regras da experiência comum.
Quanto ao possível arrependimento, a explicação também não convence. Desde logo porque a carta a que se alude só foi junta aos autos após o final da audiência de julgamento. Ora, nesta audiência, o menor não adotou a postura de uma pessoa arrependida, antes se tentou sempre furtar à responsabilidade, desvalorizando as suas ações, como se se tivesse tratado de uma “brincadeira”, ou de um “abraço”.
Improcede a pretendida alteração da matéria de facto.

5.2. Da medida tutelar
Pugna o Recorrente que se altere a medida aplicada por qualquer outra, designadamente a imposição de regras de conduta, de obrigações ou a frequência de programas formativos.
O fim último das medidas tutelares é a “educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade”: art.º 2º da Lei Tutelar Educativa (LTE).
A medida de internamento em centro educativo é já considerada uma medida institucional, o que revela a seriedade da sua aplicação: art.º 4º nº 2 da LTE.
Como critério geral na escolha da medida a aplicar, determina o art.º 6º nº 1 da LTE que o Tribunal dê “preferência, de entre as que se mostrem adequadas e suficientes, à medida que represente menor intervenção na autonomia de decisão e de condução de vida do menor e que seja suscetível de obter a sua maior adesão e a adesão de seus pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto”.
Todos sabemos que o processo de crescimento não é linear e que nesse processo de maturação os jovens assumem muitas vezes condutas desviantes, que tendem a desaparecer com a transição para a idade adulta. Porém, pode assim não acontecer, sendo essencial estar atento aos sinais.
E, nessa medida, além da sua função de proteção dos jovens, o Estado deve também «assegurar as exigências comunitárias da segurança e da paz social. Encontrando-se a personalidade do jovem ainda em formação, o Estado tem o direito e o dever de intervir correctivamente neste processo sempre que ele, ao ofender valores essenciais da comunidade e as regras mínimas que regem a vida social, revele uma personalidade hostil ao dever-ser jurídico básico.» [[4]]
A nossa LTE acolhe o modelo educativo de responsabilidade em que se tem em conta a permanente tensão das duas vertentes em qualquer processo de crescimento: o caráter educativo, sem esquecer a assunção de responsabilidade.
Devendo o Tribunal nortear-se pelo interesse do menor, também não se pode descurar que a sanção a aplicar deve ser proporcional à gravidade do delito cometido, forma também de fazer incutir ao menor a consciência do ato que praticou.
Depois, curando da vertente educativa-protetiva, deve atender-se a todas as circunstâncias em que os factos foram praticados, bem como às circunstâncias da vida do menor.
Será em função de todo esse contexto que o Tribunal escolherá a medida tutelar, privilegiando as medidas não institucionais sempre que se crie no seu espírito um juízo de prognose favorável de que elas serão suficientes, não só para a pacificação social, mas, principalmente, para a educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade (art.º 2º LTE).
Um tal juízo de prognose terá, naturalmente de ser estribado em factos.
A nosso ver, é de considerar ponderada e criteriosa a decisão da sentença recorrida.
Os factos revelam a gravidade dos factos praticados, sendo que um “golpe de mata leão” pode levar à morte. O menor não só revelou profundo desrespeito pela integridade física da professora, como por todo o sistema escolar ao atuar “em tom de gozo e de desafio à professora, como se estivessem a encenar um desfile”.
Que outras medidas não surtiram o efeito desejado, demonstram-no os 2 processos anteriores: em 2022, ameaça agravada, em que lhe foi aplicada a medida de reparação ao ofendido, com apresentação formal de desculpas; em 2023, ofensas à integridade física simples, com aplicação de medida de realização de tarefas a favor da comunidade, que não cumpriu integralmente.
Daqui resulta que o menor vem assumindo um crescendo na sua conduta desviante, significativo que as medidas aplicadas não foram suficientes para o sensibilizar a mudar de comportamento.
Não esquecer que o menor está em franca adolescência (16 anos), fase de intensas mudanças físicas, intelectuais e emocionais, propiciadoras de envolvimento em comportamentos de risco, comportamentos exploratórios e de experimentação, que necessitam de ser controlados, em ordem a um assumir progressivo de responsabilidades.
Acresce que as condições da sua vida demonstram que em casa não existe suporte bastante para esse controle e cultura de responsabilidade.
Os factos provados dão nota que o menor vive com a avó, a qual não tem qualquer ascendente sobe ele, nem capacidade para lhe impor regras. Daí que o menor organize a sua vida como bem entende, como se adulto fosse, assumindo um comportamento de absentismo na escola e comportamentos disruptivos.
Face a esta ausência de apoio familiar para uma cultura de responsabilidade, a medida de internamento afigura-se como a única em que ainda se pode depositar esperanças para que se logre educar o menor para uma inserção social responsável.
Como refere Souto Moura, “mostra-se tão irrealista considerar o menor irresponsável pelos seus actos, como ignorar o facto de a sua personalidade estar em formação”. [[5]]
Concluindo, é de manter a medida de internamento.


6. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC)
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III. DECISÃO
7. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.

Sem custas, por delas estarem isentos os menores ou respetivos representantes legais, nos recursos de decisões relativas à aplicação de medidas tutelares: art.º 4º nº 1 al. i) do RCP.





Porto, 18 de abril de 2024

Relatora: Isabel Silva
1º Adjunto: Isoleta Almeida Costa
2º Adjunto: Francisca Mota Vieira, que vota vencida, com a seguinte: ["Declaração de voto: Salvaguardando o elevadíssimo respeito devido pela decisão que fez vencimento, não acompanho a decisão,  porquanto, afigura-se-me, em resultado das normas que importa convocar ( art.º 124º nº 5 da LOSJ e art.º 29º da Lei Tutelar Educativa-Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro, atualizada),  que a competência material para conhecer dos recursos de decisões proferidas no âmbito dos processos tutelares educativos, como é o caso em apreço, cabe à secção criminal do Tribunal da Relação do Porto, carecendo  a secção cível do tribunal deste Tribunal da  Relação de competência material para apreciar o recurso."]

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[[1]] Marques Ferreira, “Meios de Prova”, “Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal”, Centro de Estudos Judiciários, Almedina, 1989, pág. 228.
[[2]] Cavaleiro de Ferreira ensinava que a livre convicção «(...) é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade». Cf. “Curso de Processo Penal", vol. II, pág. 30.
[[3]] Pode ler-se no acórdão do STJ, de 15.12.2005 (processo 05P2951), disponível em www.dgsi.pt/, sítio a atender nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem: «4 - Se o recorrente impugna somente a credibilidade da testemunha deve indicar os elementos objectivos que imponham um diverso juízo sobre a credibilidade dos depoimentos, pois ela, quando estribadas elementos subjectivos e não objectivos é um sector especialmente dependente da imediação do Tribunal, dado que só o contacto directo com os depoentes situados na audiência de julgamento, perante os outros intervenientes é que permite formar uma convicção que não pode ser reproduzidas na documentação da prova e logo reexaminada em recurso.».
[[4]] Paulo Guerra, “A Lei Tutelar Educativa, para onde vais?”, revista Julgar, 2010, nº 1, disponível em https://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/10/099-108-LTE-para-onde-vais.pdf
[[5]] José Adriano Souto de Moura, “A tutela educativa: Factores de legitimação e objectivos” in Direito Tutelar de Menores – o sistema em mudança, FDUC-Coimbra, Coimbra Editora, 2002, pág. 111.