Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3508/21.0T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: AMPLIAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RP202407103508/21.0T8MAI.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A ampliação da decisão de facto revela-se necessária quando se omitiu a apreciação de factos essenciais (art.º 662º/2 c) CPC), o que não ocorre quando se dá uma resposta restritiva aos factos controvertidos.
II - Atribuída ao tribunal de recurso a função de reapreciar a decisão é através dos fundamentos constantes da decisão quanto à matéria de facto que o tribunal de recurso vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do tribunal de 1ª instância e formar a sua própria convicção, perante a prova produzida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Mútuo-RMF-3508/21.0T8MAI.P1

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SUMÁRIO[1] (art.º 663º/7 CPC):

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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório

Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum, em que figuram como:

- AUTOR: AA, residente na Rua ..., ..., ..., Maia; e

- RÉ: BB, residente na Rua ..., ... ..., Vila do Conde,

veio o autor peticionar a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 10.720,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Alegou para o efeito e em síntese que CC efetuou diversos empréstimos à Ré na quantia total do valor peticionado. Os empréstimos em dinheiro ocorreram entre 30 de maio de 2016 e 10 de agosto de 2018, mediante depósito em conta bancária da ré e que ascendem ao montante global de € 8.920,00. Os restantes empréstimos, no montante de € 1.800,00, destinavam-se a suportar as despesas com instrução de projeto de reconstrução de moradia.

Mais alegou que a Ré se comprometeu a pagar ao aludido CC o valor em causa até ao fim do ano de 2019, não o tendo feito; e que CC cedeu ao Autor o aludido crédito a 25/03/2020, tendo a Ré sido notificada de tal cessão; mais invocou a nulidade do contrato de mútuo por vício de forma, pretendendo que com fundamento em enriquecimento sem causa lhe seja restituído o capital e juros.


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Citada a Ré apresentou contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Por exceção suscitou a incompetência territorial do Tribunal, porque a ré tem o seu domicílio em Vila do Conde, sendo competente o Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízos Cíveis de Vila do Conde.  

Mais invocou a simulação do contrato de cessão, referindo que CC não emprestou qualquer quantia à Ré e por isso não cedeu qualquer crédito.

Descreveu que entre o aludido CC e a Ré existiu uma relação de namoro, sem nunca viverem em comum, tendo a Ré realizado diversas compras para a habitação daquele e adquirido roupa para o filho menor daquele de seu nome DD, bem como, adiantou o pagamento de viagens. Referiu, ainda, que procedeu ao empréstimo da quantia de € 5.000,00 e por vezes ao empréstimo cartão de crédito para efetuar pagamento de despesas. Os valores indicados pelo autor e depositados na conta da ré, correspondem ao reembolso de tais quantias que a ré adiantou e emprestou.

No que concerne às alegadas despesas com a sociedade A..., Lda. alegou que nunca solicitou a esta empresa quaisquer serviços. Naquela data, tinha a casa à venda. O dito CC propôs à R. a conversão da moradia unifamiliar desta numa moradia multifamiliar com 3 frações autónomas, assumindo o pagamento de todas as despesas e, como contrapartida, ficaria com a propriedade de uma das frações. Na sequência desta proposta solicitou que CC lhe apresentasse prova da viabilidade da obra e garantia da liquidez para a execução da mesma, tendo ficado acordado que a ré não assumiria qualquer despesa com a obtenção de quaisquer estudos ou projetos, mas que forneceria os documentos necessários para o efeito e permitiria a visita de técnico ao local. Não solicitou a prestação dos serviços alegados no petitório à sociedade A..., Lda., nem foi a mando ou no interesse desta que o dito CC solicitou os referidos serviços.

Por fim requereu que o Autor fosse condenado como litigante de má-fé.


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O Tribunal da Maia declarou-se incompetente para conhecer a presente ação, tendo os autos sido remetidos para este Tribunal.

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O Autor foi convidado a pronunciar-se sobre a exceção de simulação, bem como sobre o seu pedido de condenação como litigante de má-fé, o que fez, impugnando a matéria invocada na contestação, referindo que sempre procedeu ao pagamento das quantias que lhe foram adiantadas para e com despesas e o valor de € 5.000,00, corresponde ao montante da quota da ré, na sociedade que constituiu com o irmão de CC.

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Foi realizada tentativa de conciliação, não tendo as partes logrado chegar a acordo.

Proferiu-se despacho saneador, tendo sido dispensada a fixação dos termos do litígio e dos temas da prova.


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Realizou-se a audiência final, que decorreu sob observância de todo o formalismo legal, conforme resulta da respetiva ata.

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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:

“Pelo exposto, o Tribunal decide:

a) Julgar a presente ação totalmente improcedente e, em consequência, absolver a Ré, BB, do pedido formulado pelo Autor, AA; e

b) Absolver o Autor, AA, do pedido formulado pela Ré de condenação como litigante de má-fé.

Custas pelo Autor (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil)”.


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O Autor veio interpor recurso da sentença.

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Nas alegações que apresentou o apelante formulou as seguintes conclusões:

I. A douta sentença do Tribunal a quo enferma erro na apreciação da prova e errada interpretação do direito aos factos.

II. Cotejada a prova testemunhal e documental, conjugada com as regras da experiência comum, impõe-se que sejam alterados os factos dados como provados e não provados.

III. Deverá ser dado como provado o facto alegado no art.º 4.º do articulado da Petição Inicial: A Ré solicitou ao cedente do crédito do A. diversos empréstimos, em datas e em quantias diversas.

IV. Deverão ser dados como provados os factos 2., 3., 4. e 5. Dos factos dados como não provados na sentença:

2. Que as transferências efetuadas para a conta bancária da Ré correspondessem à efetivação de tais empréstimos. (em vez de transferências deverá ler-se depósitos de acordo com o alegado nos art.º 7.º e 8.º da petição inicial);

3. Que os pagamentos realizados à empresa do Eng. EE tenham sido efetuados a pedido e no interesse da Ré;

4. Que a Ré se tenha obrigado a devolver a CC esse mesmo valor até ao fim do ano de 2019;

5. Que a Ré, após tal data, tenha sido instada por CC para proceder ao pagamento do valor em causa.

V. No que concerne ao art.º 4.º da Petição Inicial não é feita qualquer menção ao mesmo na sentença, contudo deverá ter-se por devidamente provado.

VI. A versão da Ré / Recorrida, e que foi acolhida na motivação da matéria de facto da sentença, é que os depósitos dados como provados no ponto 2 consubstanciaram a restituição de pagamentos adiantados por si de compras de supermercado para a habitação de CC, roupa para o filho de CC e para pagamento de viagens de férias da Ré / Recorrida com CC.

VII. Sucede que, tal matéria não foi dada como provada na sentença, nem poderia, pois não foi feita qualquer prova nesse sentido.

VIII. A prova realizada em abono da tese da Ré / Recorrida é incompatível com os montantes depositados e com as regras da experiência comum.

IX. No total, CC depositou entre maio de 2016 e agosto de 2018 a quantia de 8.920,00€ (oito mil novecentos e vinte euros) na conta bancária da Ré/Recorrida (facto provado n.º 2).

X. À prova trazida pela Ré aos autos, para fundamentar as alegadas despesas por si suportadas, não pode ser atribuído o valor que lhe foi dado, por serem manifestamente diferentes do sentido que lhe é atribuído pela Ré e, por outro lado, por se revelarem contrárias às regras da experiência comum.

XI. Ainda, diversas testemunhas apresentaram um enquadramento diferente dos factos daquele que a Ré / Recorrida lhe pretendeu atribuir.

XII. Os montantes depositados por CC foram em montantes certos, mas bastantes díspares entre si, e com uma regularidade incerta, ora fazia dois depósitos num mês, ora transferia todos os meses, ora passavam-se dois a três meses entre os depósitos.

XIII. Não existe qualquer indício que se tratasse da restituição de despesas, pois caso contrário, pelo menos no que diz respeito a despesas de supermercado, seriam valores de montantes aproximados e com uma regularidade certa, porquanto, na tese da Ré / Recorrida era ela quem assegurava totalmente o abastecimento das compras de supermercado da casa de CC, onde também residia o filho deste.

XIV. A Ré / Recorrida não juntou faturas ou outros comprovativos que suportassem essas alegadas despesas e a sua irmã, testemunha FF, que disse ter acompanhado de vez em quando a Ré às compras de supermercado, limitou-se a dizer que “era normal [ela] fazer as compras uma vez que ficavam lá a dormir e a comer” de vez em quando, ou seja, apenas pontualmente quando a Ré / Recorrida pernoitava em casa de CC, mas não para abastecer a casa de CC com os bens necessários, apenas quando e porque também lá iria ficar.

XV. Os extratos bancários não demonstram qualquer relação entre as despesas de supermercado e os depósitos, pois aqueles evidenciam duas a três compras de supermercado por mês, não ultrapassando os 100€ mensais e, nas palavras da Ré / Recorrida, quando ia ao supermercado comprava para a sua própria casa e a de CC, pelo que, caso a versão da Ré fosse verdadeira, o que não se aceita, corresponderia a uma média de 50,00€ / mês entre maio de 2016 e agosto de 2018, no montante total de 1.350,00€, o que é irrisório para um total de depósitos de 8.920,00€.

XVI. No que concerne a despesas de roupa, a Ré nada de concreto soube adiantar e novamente não existe uma única fatura ou comprovativo de pagamento.

XVII. Quanto à prova testemunhal, a testemunha GG apenas soube dizer o que a Ré / Recorrida lhe contaria e, por isso, não merece qualquer credibilidade; já a irmã da Ré / Recorrida, FF, referiu ter acompanhado a irmã em compras de roupa na loja B... e que as mesmas eram para o filho da Ré e para o filho de CC; o cunhado da Ré/Recorrida, HH, referiu apenas a aquisição de roupa pela Ré / Recorrida para o filho de CC por ocasião do aniversário deste, que se tratariam de prendas; ora, além de ser uma conhecida cadeia de produtos de baixíssimo valor, analisados os extratos bancários, não se encontra nenhuma outra despesas com roupa a não ser um total de 30,50€ na B... (em 15/04/2016, na quantia de  23,50€ e em 30/05/2016, na quantia de 7,00€), o que novamente é uma quantia absurda e desproporcional em confronto com o total dos depósitos.

XVIII. Ainda que não fizesse prova de se tratarem de compras a solicitação de CC ou no interesse deste, dos extratos bancários também não se visualiza qualquer outra despesa relacionada com roupa.

XIX. No que concerne às viagens, a Ré / Recorrida juntou faturas de uma agência de viagens, das quais, uma delas (doc.6), de mais alto valor no montante de 750,00€, como se pode ver do extrato de Abril de 2016 e do comprovativo de depósito bancário do dia 11/04/2016, o CC imediatamente entregou a totalidade do valor dessa fatura, mas este depósito, ao contrário dos outros depósitos, não é reclamado nos presentes autos como tendo sido um empréstimo de CC à Ré.

XX. Fundamentou o Mmo. Juiz a quo que da análise dos extratos não se vislumbra que a Ré / Recorrida necessitasse de empréstimos por dificuldades financeiras, contudo, salvo o merecido respeito, não se pode fazer esta leitura da análise dos extratos bancários.

XXI. Por um lado, dos extratos bancários nada demonstra que as despesas se destinassem a benefício de CC ou sequer a benefício conjunto de CC e da Ré / Recorrida; antes pelo contrário, apenas se verificam depósitos bancários realizados por CC na conta da Ré / Recorrida sem qualquer correspondência ou sequer proporcionalidade com as despesas realizadas.

XXII. Por outro lado, em diversos momentos os depósitos foram efetivamente essenciais para evitar que o saldo bancário da Ré ficasse ainda mais depauperado do que efetivamente ficou. Vejamos:

a. Depósito de 500€ em 30/05/2016 e sete dias depois apresenta um saldo negativo de 37,07€ em 07/06/2016;

b. Depósito de 500€ em 07/09/2016 e treze dias depois apresenta um saldo de apenas 6.73€ em 20/09/2016;

c. Depósito de 500€ em 04/10/2016, quando a Ré apresenta com um saldo negativo de 364,42€ e ficou novamente com saldo negativo em 13/10/2016.

Isto posto:

XXIII. Pese embora não se aceite que a Ré tenha suportado quaisquer despesas relacionados ou solicitadas por CC, o somatório das alegadas despesas suportadas pela Ré / Recorrida que pretensamente foram depois pagas por CC através dos depósitos realizados entre maio de 2016 e agosto de 2018, ascendem ao montante de 2.016,50€ (30,50€ de roupa; 1.350,00€ de supermercado e 636,00€ de viagens – docs. 5 a 7 da contestação, excluindo o doc. 6 que como se disse foi efetivamente pago), o que demonstra uma desproporção absurda entre o que foi depositado por CC e aquilo que a Ré / Recorrida alega ter suportado e, por conseguinte, não permite, de acordo com as regras da experiência comum, que se possa considerar que os depósitos realizados por CC se tratassem de acerto de contas com a Ré.

XXIV. Por conseguinte, não se tratando de liberalidades (que nem sequer é alegado pela Ré, mas que por cautela aqui se refere ser de excluir), nem se tratando de acerto de contas, e tendo em conta que o dinheiro foi efetivamente depositado por interesse da Ré/ Recorrida e usado exclusivamente em seu benefício, dúvidas não restam que se trataram de verdadeiros empréstimos de CC à Ré / Recorrida.

XXV. O que importa que se dê por provado o art.º 4.º do articulado da Petição Inicial: a Ré solicitou ao cedente do crédito do A. diversos empréstimos, em datas e em quantias diversas e seja alterado o facto 2. dos factos não provados para provado, 2. Que as transferências efetuadas para a conta bancária da Ré correspondessem à efetivação de tais empréstimos. (em vez de transferências deverá ler-se depósitos de acordo com o alegado nos art.º 7.º e 8.º da petição inicial).

XXVI. Considerou o Mmo. Juiz a quo como não provado “que os pagamentos realizados à empresa do Eng. EE tenham sido efetuados a pedido e no interesse da Ré”, contudo não está em consonância com a prova produzida.

XXVII. No seu depoimento, a própria Ré admitiu que todos os custos relacionados com o projeto e as obras passariam pelo CC e, em contrapartida, este ficaria com uma das habitações que resultassem da divisão do imóvel.

XXVIII. O imóvel objeto desse projeto era de propriedade exclusiva da Ré / Recorrida e nenhum projeto ou obra poderia ser feito sem instruções ou autorização da Ré /Recorrida.

XXIX. Não é de todo credível, nem está de acordo com as regras da experiência comum que CC, apesar do relacionamento amoroso com a Ré / Recorrida, aceitaria encomendar e suportar o estudo e a elaboração de um projeto para o imóvel se a Ré / Recorrida não tivesse interesse e não demonstrasse vontade nesse sentido.

XXX. O acordo entre a Ré / Recorrida e CC não foi avante, porque a relação rompeu-se, mas desde o primeiro momento a Ré / Recorrida comprometeu-se a entregar uma habitação para pagamento de todas as despesas que o CC suportasse, como a própria no seu depoimento frisou.

XXXI. A circunstância do projeto não ter sido concretizado e de CC não ter recebido, a final, a habitação para pagamento de todas as despesas suportadas, não exime a Ré / Recorrida da sua responsabilidade por suportar os custos que CC suportou.

XXXII. Nem merece qualquer credibilidade a versão da Ré de que não tinha qualquer interesse no projeto e na sua execução, desde logo porque o Eng. EE, a quem foi encomendado o projeto, testemunhou a participação ativa que a Ré teve em diversas reuniões e, por outro lado, a irmã e o cunhado da Ré confirmaram que esta lhes chegou a propor ficarem com uma das habitações.

XXXIII. Mas não menos importante, é o facto de que todos os trabalhos desenvolvidos, como rematou o Eng. EE, apenas beneficiaram a Ré / Recorrida que é a proprietária e que, querendo, esta poderia ter dado seguimento ao projeto, pois ela é que era a proprietária.

XXXIV. Relativamente aos pontos 4 e 5 não provados: 4. Que a Ré se tenha obrigado a devolver a CC esse mesmo valor até ao fim do ano de 2019 e 5. Que a Ré, após tal data, tenha sido instada por CC para proceder ao pagamento do valor em causa, a apreciação da prova impõe que sejam dados como provados.

Com efeito:

XXXV. Por um lado, é o que se impõe como consequência lógica da alteração da matéria de facto passando a considerar-se que as quantias depositadas consubstanciaram empréstimos.

XXXVI. Por outro lado, no seu depoimento, CC esclareceu que a Ré foi prometendo pagar em 2018 e em 2019, mas nada pagou.

XXXVII. A Ré/Recorrida negou que o CC alguma vez lhe tivesse pedido a restituição dos montantes, mas a testemunha HH, cunhado da Ré / Recorrida, infirmou o alegado por esta e esclareceu que com o rompimento da relação, a Ré / Recorrida pediu-lhe que estivesse com ela numa situação em que estiveram juntos e o CC apresentou-lhe um papel de dívidas para acertar contas.

XXXVIII. Com a alteração da matéria de facto que se impõe, deverá retirar-se as devidas consequências e efeitos legais.

Assim:

XXXIX. Pelos seus montantes, os empréstimos teriam de ter assumido a forma escrita (art.º 1143.º do Código Civil) e, não o tendo sido, são nulos: art.º 289.º do Código Civil.

XL. Em consequência da nulidade, a Ré / Recorrida deverá ser condenada a restituir as quantias que recebeu ao Autor (por força da cessão de crédito de CC ao Autor, ponto 7 dos factos dados como provados) e que no total perfazem o montante de 10.720,00€ (depósitos no montante de 8.920,00€ e custos do projeto no montante de 1.800,00€ - factos 2 e 6 dados como provados).

Termina por pedir que se julguem por provados os factos constantes:

a. do art.º 4.º do articulado da Petição Inicial: A Ré solicitou ao cedente do crédito do A. diversos empréstimos, em datas e em quantias diversas;

b. Facto 2. não provado: Que os depósitos efetuados para a conta bancária da Ré correspondessem à efetivação de tais empréstimos (em vez de transferências deverá ler-se depósitos de acordo com o alegado nos art.º 7.º e 8.º da petição inicial);

c. Facto 3. não provado: Que os pagamentos realizados à empresa do Eng. EE tenham sido efetuados a pedido e no interesse da Ré.;

d. Facto 4. não provado: Que a Ré se tenha obrigado a devolver a CC esse mesmo valor até ao fim do ano de 2019.;

e. Facto 5. não provado: Que a Ré, após tal data, tenha sido instada por CC para proceder ao pagamento do valor em causa.

B. Por errada interpretação e aplicação das normas previstas nos art.º 289.º, n.º 1, 1142.º e 1143.º todos do Código Civil, a revogação da sentença e substituição por outra que julgue o presente recurso e a ação totalmente procedente, condenando a Ré / Recorrida nos termos do pedido.


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A ré veio apresentar resposta ao recurso, formulando as seguintes conclusões:

1. Na decisão recorrida o Mº Juiz a quo fez correta interpretação dos factos e adequada aplicação do direito;

2. Competia ao Autor/Apelante o ónus da prova não só da entrega do dinheiro, como também da respetiva obrigação de restituição (art.º342.º, n.º 1, do CC), cabendo-lhe demonstrar a que título se procedeu à entrega do dinheiro, que a Apelada estava obrigada restituir o dinheiro e dos termos acordados.

3. Não tendo o Autor/Apelante cumprido o ónus da prova, a ação teria inelutavelmente de improceder, como bem se decidiu.

4. Além disso, da prova documental e testemunhal produzida nos autos (e indicada na sentença sub judice) não resulta que o cedente do alegado crédito ao Apelante (a testemunha CC, tio do Apelante e ex-namorado da Apelada) tenha feito qualquer empréstimo à Apelada fosse a que título fosse,

5. Nem resulta que o projeto de construção das três frações (ou andares-moradia) tenha sido uma ideia, um pedido ou partido da iniciativa da Apelada.

6. Não há, pois, nos autos factos ou prova, designadamente os depoimentos prestados em audiência conjugados com a prova documental, que imponham decisão diversa da tomada pelo Mº Juiz a quo.

7. Pelo que o recurso interposto pelo Autor/Apelante deve ser rejeitado.

Termina por pedir que se julgue improcedente o recurso, mantendo-se a sentença.


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O recurso foi admitido como recurso de apelação.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso –  art. 639º do CPC.

As questões a decidir:

- reapreciação da decisão de facto;

- mérito da causa.


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2. Os factos

Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:

1. CC procedeu a diversos depósitos em numerário na conta bancária da Ré detida no Banco 1... com o n.º .......

2. Foram depositadas por CC na conta bancária da Ré as seguintes quantias:

Data Valor

> 30.05.2016 500,00;

> 07.09.2016 500,00;

> 04.10.2016 500,00;

> 23.12.2016 500,00;

> 03.03.2017 160,00;

> 13.03.2017 360,00;

> 11.04.2017 700,00;

> 17.07.2017 500,00;

> 18.08.2017 500,00;

> 20.09.2017 250,00;

> 13.10.2017 350,00;

> 10.11.2017 500,00;

> 27.12.2017 200,00;

> 17.01.2018 600,00;

> 16.02.2018 300,00;

> 23.02.2018 400,00;

> 16.03.2018 900,00;

> 13.04.2018 200,00;

> 09.05.2018 200,00;

> 13.06.2018 200,00;

> 12.07.2018 200,00;

> 19.07.2018 200,00;

> 10.08.2018 200,00;

3. A Ré recebeu efetivamente tais quantias, em virtude dos depósitos de numerário efetuados naquela sua conta bancária.

4. Por intermédio de CC, foram efetuados estudos e projeto para fazer obras de restauro, alteração e ampliação num edifício sito em ..., Vila do Conde, pertencente à Ré.

5. Quem realizou tal serviço foi a empresa de projetos denominada A..., Lda., com sede na Praça ... na Póvoa de Varzim Freguesia, cujo gerente é o Eng.º EE.

6. CC entregou a essa empresa do Eng.º EE as quantias, nas datas seguintes:

Data Quantia

> 01.12.2017 € 600,00;

> 01.02.2018 € 800,00;

> 01.09.2018 € 400,00;

7. Por contrato de cessão de crédito celebrado em 25 de março de 2020, foi cedido ao Autor um pretenso crédito detido por CC sobre a Ré, no valor de € 10.720,00, relativa aos valores acima descritos, tendo tal cessão sido comunicada à Ré.

8. A Ré foi instada pelo Autor para fazer o pagamento do valor em causa, nada tendo pago.


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III.2 – Factos não provados:

Com relevo para a decisão, foram dados como não provados os seguintes factos:

1. Que a Ré tenha solicitado a CC diversos empréstimos, em datas e em quantias diversas, para poder pagar despesas relativas a estudos e projeto para fazer obras de restauro, alteração e ampliação num edifício sito em ..., Vila do Conde, pertencente à Ré, tendo este satisfeito tais solicitações.

2. Que as transferências efetuadas para a conta bancária da Ré correspondessem à efetivação de tais empréstimos.

3. Que os pagamentos realizados à empresa do Eng.º EE tenham sido efetuados a pedido e no interesse da Ré.

4. Que a Ré se tenha obrigado a devolver a CC esse mesmo valor até ao fim do ano de 2019.

5. Que a Ré, após tal data, tenha sido instada por CC para proceder ao pagamento do valor em causa.

6. Que o Autor tenha agido concertadamente com CC, sabendo da inexistência do crédito sobre a Ré e, não obstante, ficcionando um contrato de cessão de um crédito inexistente com o intuito de prejudicar esta última.


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3. O direito

- Reapreciação da decisão de facto -

Nas conclusões de recurso, sob os pontos I a XXXVII, veio o apelante requerer a reapreciação da decisão de facto, com fundamento em omissão de pronúncia sobre factos essenciais e erro na apreciação da prova.

Nos pontos I a XXV das conclusões de recurso considera-se que na sentença o juiz do tribunal “a quo” não se pronunciou sobre a matéria do art.º 4º da petição inicial, pretendendo a ampliação da matéria de facto, no sentido de se julgar provada tal matéria.

Nos termos do art.º 666º/2 c) CPC mostrando-se indispensável ampliar a matéria de facto, deve o tribunal da Relação alterar a decisão da matéria de facto, se a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Não sendo possível fazer uso de tal faculdade, deve o tribunal anular a decisão.

A ampliação da matéria de facto mostra-se indispensável, quando se tenham omitido dos temas da prova factos alegados pelas partes que se revelam essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo juiz do tribunal “a quo”[2].

Os factos essenciais são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na ação ou na exceção.

Os factos complementares são aqueles que são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte.

Ambos integram a categoria de factos principais porque são necessários à procedência da ação ou exceção, por contraposição aos factos instrumentais, probatórios ou acessórios que são aqueles que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos[3].

Em conformidade com o critério legal, a ampliação da matéria de facto tem de ser indispensável, o que significa que cumpre atender às várias soluções plausíveis de direito, o enquadramento jurídico em face do objeto do recurso e ainda, com a possível intervenção e interpretação do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art.º 682º/3 CPC.

No caso concreto, no art.º 4º da petição, o autor alegou:

-A Ré solicitou ao cedente do crédito do A. diversos empréstimos, em datas e em quantias diversas.

O facto em causa reveste a natureza de facto essencial, pois constitui um dos fundamentos que sustentam a pretensão do autor, os alegados mútuos que ocorreram nos anos de 2016, 2017 e 2018.

Na sentença, nos pontos 1 a 3 dos factos provados, o juiz do tribunal “a quo” pronunciou-se sobre tal matéria de facto, com uma resposta restritiva, sendo aliás esse o sentido da fundamentação da decisão, como se passa a transcrever:

“Concretizando a matéria de facto dada como provada, os factos provados n.ºs 1 a 3 não foram negados pela Ré, resultando ainda as transferências dos diversos ´depósitos e extratos bancários juntos aos autos, nomeadamente os depósitos juntos como documentos n.ºs 5 a 27 da petição inicial e a 02/02/2023 e os extratos juntos como documentos n.ºs 8, 12 e 14 da contestação, bem como os apresentados em 09/08/2022 e 16/12/2022.

[…]

Atendendo à matéria de facto não provada, os factos não provados n.ºs 1 e 2 correspondem a um dos principais pontos em discussão nos presentes autos.

O Tribunal já apontou de forma genérica a credibilidade das declarações prestadas pelas partes e pelas testemunhas, tendo concluído pela aceitação dos factos relatados pela Ré e suas testemunhas.

Todavia, impõe-se concretizar de forma mais cabal a ausência de prova dos factos mais em causa.

Embora a Ré não tenha negado a existência de transferências bancárias por parte de CC para a sua conta, negou que as mesmas correspondessem a empréstimos que este lhe realizava.

Ao invés, a Ré salientou que, à data, tinha uma relação de namoro com CC, sendo que lhe realizava diversas compras de supermercado para a habitação e pagava viagens de férias para ambos, correspondendo as transferências à devolução dos montantes que eram despendidos e adiantados pela Ré.

Embora CC tenha negado que a Ré tivesse pago quaisquer viagens, a análise da documentação junta aos autos infirma as declarações por si prestadas.

A título de exemplo, é possível verificar que o documento n.º 7 da contestação corresponde a uma fatura de viagem ao estrangeiro, no valor de € 522,00, datada de 22/11/2016.

Ora, do extrato bancário da conta da Ré junto a 09/08/2022 resulta, precisamente, um débito no valor de € 522,00, no aludido dia 22/11/2016, com o descritivo “...-C... – LDA”.

O mesmo resulta do extrato bancário da Ré junto a 16/12/2022, verificando-se o pagamento do valor relativo ao documento n.º 6 da contestação (€ 750,00), emitido a favor da D..., em duas transferências de € 411,00 em 08/04/2016 e de € 339,00, a 11/04/2016, ambas com a referência “C...”.

Resulta, por conseguinte, que a Ré comprovadamente pagou, pelo menos duas vezes, despesas de viagens faturadas à sociedade do Autor, o que confere credibilidade à versão dos factos por si apresentada.

No mais, a irmã da Ré, FF confirmou que a Ré adquiria produtos de supermercado para a habitação de CC, salientando que era habitual realizarem compras juntas.

Neste particular, GG igualmente referiu recordar-se de a Ré comprar roupa para o filho de CC.

Por fim, ainda que quer CC, quer II, tenham salientado que a Ré passava dificuldades económicas – o que motivava os sucessivos empréstimos por parte de CC – não só a análise dos extratos bancários da Ré não permite atingir tal conclusão, como igualmente as declarações prestadas pelas testemunhas não são congruentes com a demais matéria de facto apurada.

Na verdade, não faz sentido que CC emprestasse tantas quantias monetárias à Ré quando, pelas suas próprias palavras, devia dinheiro ao Autor e pretendia genuinamente pagar tal dívida.

A aposição da expressão “Empréstimo” nos vários talões de depósito na conta da Ré, verificável dos documentos n.ºs 5 a 27 da petição inicial, igualmente nada demonstra, desde logo porque foi colocado pelo próprio CC, e também porque tal expressão é ambígua, podendo significar que emprestou o valor em causa à Ré ou, ao invés, que o depósito serviu para pagamento de valores que esta lhe emprestou, conforme a própria alega.

Perante os pontos acima enunciados, ficou o Tribunal com sérias dúvidas acerca da causa dos depósitos em apreço, motivo pelo qual deu como não provados os respetivos factos”.

Resulta do exposto que não ocorre qualquer omissão de pronúncia sobre os factos essenciais que sustentavam o pedido de reembolso das quantias peticionadas com fundamento na celebração de vários empréstimos no período compreendido entre maio de 2016 e agosto de 2018 e por esse motivo não se justifica a pretendida ampliação da decisão de facto, porque os factos foram apreciados na sentença e a decisão mostra-se fundamentada.

Acresce que não tendo sido requerida a reapreciação dos pontos 1 a 3 dos factos provados e ponto 1 dos factos não provados, nos quais se respondeu à matéria do art.º 4º da petição, não se justifica proceder à sua reapreciação.

Improcede nesta parte a impugnação da decisão de facto.


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Passando à reapreciação da decisão de facto, com fundamento erro na apreciação da prova, cumpre proceder à verificação dos pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto.

O art.º 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:

“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3. […]”

Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso - e motivar o seu recurso – fundamentação - com indicação dos meios de prova que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.

Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

Considera-se que a indicação do início e termo dos depoimentos gravados não viola o comando legal que impõe que o recorrente indique com exatidão as passagens da gravação onde constam os meios de prova aí registados (Ac. STJ 08.11.2016, Proc. 2002/12.5TBBCL.G1.S1, www.dgsi.pt).

No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e o apelante veio impugnar a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto impugnados, prova a reapreciar – depoimento de parte da ré, prova testemunhal e documental - e decisão que sugere.

Quanto à prova a reapreciar, para além da indicação que consta das conclusões de recurso, na motivação do recurso o apelante transcreve excertos dos  respetivos depoimentos para sustentar a alteração da decisão e tece considerações sobre os depoimentos prestados, motivo pelo qual se considera que fundamenta a impugnação nos depoimentos consignados na gravação, pelo que, se mostra preenchido o pressuposto de ordem formal quanto à indicação da prova gravada.

 Nos termos do art.º 640º/1/2 do CPC consideram-se reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto, em relação aos pontos 2, 3, 4, 5 dos factos não provados.


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Nos termos do art.º 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:

“[…]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão, de acordo especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[4].

Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[5]

Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art.º 396º CC e art.º 607º/5, 1ª parte CPC.

Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “[…] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[6]

Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados (art.º 607º/4 CPC).

Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.

É através dos fundamentos constantes da decisão quanto à matéria de facto que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[7] e formar a sua própria convicção, perante a prova produzida.

Como observa ABRANTES GERALDES: “[s]em embargo da ponderação das circunstâncias que rodearam o julgamento na 1ª instância, em comparação com as que se verificam na Relação, esta deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, portanto, deve introduzir na decisão da matéria de facto impugnada as modificações que se justificarem, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal”[8].

Ponderando estes aspetos, face aos argumentos apresentados pelo apelante, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto, não se justifica alterar a decisão de facto, pelos motivos que se passam a expor.

O apelante impugna a decisão dos seguintes factos não provados:

2. Que as transferências efetuadas para a conta bancária da Ré correspondessem à efetivação de tais empréstimos.

3. Que os pagamentos realizados à empresa do Eng.º EE tenham sido efetuados a pedido e no interesse da Ré.

4. Que a Ré se tenha obrigado a devolver a CC esse mesmo valor até ao fim do ano de 2019.

5. Que a Ré, após tal data, tenha sido instada por CC para proceder ao pagamento do valor em causa.

Na fundamentação da decisão ponderou-se:

“Para fundamentar a sua convicção, o Tribunal teve em conta as declarações de parte do Autor, o depoimento e declarações de parte da Ré, bem como os depoimentos das testemunhas EE (pessoa que realizou o projeto do imóvel da Ré), CC (cedente do crédito em causa), II (funcionária de CC), GG (amiga da Ré), HH (cunhado da Ré) e FF (irmã da Ré).

Levou igualmente em consideração o teor dos documentos juntos com a petição inicial, designadamente o contrato de dação em cumprimento junto como documento n.º 1, a carta a comunicar a cessão junta como documentos n.ºs 2 a 4, os depósitos bancários juntos como documentos n.ºs 5 a 27 e a declaração de valores recebidos junta como documento n.º28.

Mais foram valorados os documentos juntos com a contestação, designadamente a carta de resposta à comunicação de cessão de créditos junta como documento n.º 1, os assentos de nascimento do Autor, de CC e de JJ juntos como documentos n.ºs 2, 3 e 15, as certidões de registo comercial das sociedades D... e E... juntas como documentos n.ºs 4 e 16, as faturas de pagamentos de hotéis juntas como documentos n.ºs 5 a 7 e 13, os extratos bancários juntos como documentos n.ºs 8, 12 e 14, o itinerário de viagem e comprovativo de aluguer de viatura juntos como documentos n.ºs 9 e 11, o recibo de pagamento junto como documento n.º 10.

Foram ainda tidos em conta os documentos juntos com o requerimento de 03/06/2022, a saber, a previsão de pagamentos junta como documento n.º 1, o orçamento de obra junto como documento n.º 2 e os contratos de mediação imobiliária juntos como documentos n.ºs 3 e 4.

Mais considerou os extratos bancários juntos em 09/08/2022 e 16/12/2022, a certidão da sentença de declaração de insolvência da sociedade F... junta em 20/12/2022, as informações da Segurança Social apresentadas a 19/01/2023, o extrato de remuneração do Autor junto a 02/02/2023, os recibos de depósitos de quantias monetárias por parte de CC na conta da Ré, juntos em 02/02/2023.

No que concerne aos depoimentos prestados, há que salientar que foram trazidas aos autos duas versões totalmente díspares entre si.

De facto, enquanto as testemunhas do Autor CC e II asseveraram que houve lugar à realização de empréstimos de CC à Ré, a Ré, bem como todas as suas testemunhas, declararam desconhecer, e mesmo negar, a ocorrência dos mesmos.

Por seu turno, o Autor declarou desconhecer a existência de tais empréstimos, mas salientando que a cessão de créditos serviu como modo de pagamento de antigas dívidas detidas por CC em relação a si.

Ora, considerando as versões apresentadas, deu o Tribunal credibilidade aos factos narrados pela Ré e pelas suas testemunhas e, em menor medida, pelo Autor.

No que concerne ao Autor, embora o mesmo tivesse desfecho direto na ação, a verdade é que o mesmo apresentou um depoimento que, no essencial, se revelou credível.

Relatou que o seu tio, CC, lhe devia dinheiro de uns trabalhos que havia realizado e que exigiu como condição para voltar a trabalhar para ele o pagamento de tais dívidas. CC ter-lhe-á então cedido o pretenso crédito sobre a Ré como modo de pagamento dos valores em atraso.

Embora entre o depoimento do Autor e o de CC e II tenha havido inúmeras discrepâncias quanto ao concreto trabalho realizado que fundamentou a dívida de CC perante o Autor, o Tribunal considerou como verosímil os factos singelos descritos pelo Autor, considerando que os mesmos foram prestados de forma espontânea e credível.

O mesmo não sucedeu quanto aos depoimentos de CC e II.

No que concerne ao primeiro de ambas as testemunhas, o mesmo acabou por afirmar que tem interesse direto na ação, pois caso a mesma seja julgada improcedente, o Autor poderá exigir o pagamento do valor que lhe deve.

No mais, uma parte considerável das declarações da aludida testemunha foi infirmada pela documentação junta aos autos, designadamente no que tange ao pagamento, pela sociedade D..., de todas as férias realizadas entre aquele e a Ré no âmbito da relação de namoro que tiveram.

O mesmo sucedeu no que concerne à fundamentação da dívida que detinha perante o Autor, não tendo a sua versão sobre a origem de tal divida coincidido nem com a do próprio Autor, nem com a da testemunha II.

Esta segunda testemunha, por sua vez, não mereceu a mínima credibilidade por parte do Tribunal, desde logo pela postura que apresentou.

A testemunha em causa, que ainda presta atividade profissional para CC, apresentou uma excelente memória quanto a datas e, no essencial, uma parte razoável da vida pessoal de CC durante os anos de 2015 e 2018, sem que exista qualquer aparente facto que justifique que a testemunha tenha conhecimentos tão frescos e pormenorizados a tal respeito.

No mais, o depoimento por si prestado soou excessivamente assertivo, apresentando a testemunha capacidade para responder a perguntas que ainda nem sequer lhe haviam sido feitas, com o nítido desígnio de apresentar um específico ponto de vista.

Em síntese, a testemunha soou ao Tribunal como tendo sido previamente preparada para prestar um depoimento em determinado sentido, de modo a levar a que a ação fosse procedente.

Perante o exposto, não conferiu o Tribunal credibilidade ao seu depoimento.

Ao invés, as testemunhas apresentadas pela Ré foram, no essencial, espontâneas e genuínas, merecendo particular relevo o depoimento da testemunha FF que, apesar de ser irmã da Ré, prestou umas declarações que o Tribunal valorou como particularmente genuínas e isentas e, por via disso, credíveis.

[…]

Atendendo à matéria de facto não provada, os factos não provados n.ºs 1 e 2 correspondem a um dos principais pontos em discussão nos presentes autos.

O Tribunal já apontou de forma genérica a credibilidade das declarações prestadas pelas partes e pelas testemunhas, tendo concluído pela aceitação dos factos relatados pela Ré e suas testemunhas.

Todavia, impõe-se concretizar de forma mais cabal a ausência de prova dos factos mais em causa.

Embora a Ré não tenha negado a existência de transferências bancárias por parte de CC para a sua conta, negou que as mesmas correspondessem a empréstimos que este lhe realizava.

Ao invés, a Ré salientou que, à data, tinha uma relação de namoro com CC, sendo que lhe realizava diversas compras de supermercado para a habitação e pagava viagens de férias para ambos, correspondendo as transferências à devolução dos montantes que eram despendidos e adiantados pela Ré.

Embora CC tenha negado que a Ré tivesse pago quaisquer viagens, a análise da documentação junta aos autos infirma as declarações por si prestadas.

A título de exemplo, é possível verificar que o documento n.º 7 da contestação corresponde a uma fatura de viagem ao estrangeiro, no valor de € 522,00, datada de 22/11/2016.

Ora, do extrato bancário da conta da Ré junto a 09/08/2022 resulta, precisamente, um débito no valor de € 522,00, no aludido dia 22/11/2016, com o descritivo “...-C... – LDA”.

O mesmo resulta do extrato bancário da Ré junto a 16/12/2022, verificando-se o pagamento do valor relativo ao documento n.º 6 da contestação (€ 750,00), emitido a favor da D..., em duas transferências de € 411,00 em 08/04/2016 e de € 339,00, a 11/04/2016, ambas com a referência “C...”.

Resulta, por conseguinte, que a Ré comprovadamente pagou, pelo menos duas vezes, despesas de viagens faturadas à sociedade do Autor, o que confere credibilidade à versão dos factos por si apresentada.

No mais, a irmã da Ré, FF confirmou que a Ré adquiria produtos de supermercado para a habitação de CC, salientando que era habitual realizarem compras juntas.

Neste particular, GG igualmente referiu recordar-se de a Ré comprar roupa para o filho de CC.

Por fim, ainda que quer CC, quer II, tenham salientado que a Ré passava dificuldades económicas – o que motivava os sucessivos empréstimos por parte de CC – não só a análise dos extratos bancários da Ré não permite atingir tal conclusão, como igualmente as declarações prestadas pelas testemunhas não são congruentes com a demais matéria de facto apurada.

Na verdade, não faz sentido que CC emprestasse tantas quantias monetárias à Ré quando, pelas suas próprias palavras, devia dinheiro ao Autor e pretendia genuinamente pagar tal dívida. A aposição da expressão “Empréstimo” nos vários talões de depósito na conta da Ré, verificável dos documentos n.ºs 5 a 27 da petição inicial, igualmente nada demonstra, desde logo porque foi colocado pelo próprio CC, e também porque tal expressão é ambígua, podendo significar que emprestou o valor em causa à Ré ou, ao invés, que o depósito serviu para pagamento de valores que esta lhe emprestou, conforme a própria alega.

Perante os pontos acima enunciados, ficou o Tribunal com sérias dúvidas acerca da causa dos depósitos em apreço, motivo pelo qual deu como não provados os respetivos factos.

No que respeita ao facto não provado n.º 3, igualmente o Tribunal ficou com dúvidas acerca do seu teor.

Neste ponto, CC salientou que foi a Ré que lhe solicitou a realização do estudo e projeto, pois tinha a intenção de dividir o imóvel em causa em frações autónomas, de modo a rentabilizar o mesmo.

O seu depoimento não mereceu credibilidade nos termos acima enunciados.

A Ré, por sua vez, referiu que foi CC que lhe propôs aquela possibilidade, tendo-o feito no contexto da relação de namoro, motivo pelo qual aceitou a execução de tal projeto. Ainda que a testemunha EE tenha salientado que a Ré esteve presente em, pelo menos, uma reunião destinada à elaboração do projeto, e que HH tenha referido que a Ré e CC tenham discutido e demonstrado entusiasmo em tal projeto durante uma conversa entre todos, tais pontos não permitiram concluir que os pagamentos tenham sido efetuados a pedido e no interesse da Ré.

Na verdade, resultou do depoimento em causa que CC é empreiteiro tendo por isso, naturalmente, melhor conhecimento das operações de licenciamento e da possibilidade da divisão de um imóvel em frações autónomas.

Assim, é perfeitamente verosímil a versão apresentada pela Ré no sentido que foi aquele a aliciá-la no sentido de dividir e rentabilizar o imóvel. Do mesmo modo, a Ré salientou que ambos haviam acordado que a contrapartida pela elaboração de tal projeto era uma das frações ser entregue a CC, que assim teria lucro em virtude do dispêndio previamente realizado. No mais, embora EE tenha, de facto, sustentado que houve uma reunião entre todos, a aludida testemunha referiu que quem tomava a iniciativa pelo avanço do projeto era CC, tendo sido o mesmo que procedeu ao pagamento das devidas contrapartidas monetárias.

Deste modo, ainda que o Tribunal tenha concluído que a Ré tenha manifestado algum interesse no projeto, igualmente considerou que tal interesse ficou a dever-se à iniciativa apresentada por CC e à possibilidade de margem de lucro que esse lhe relatou, no contexto da própria relação de namoro entre ambos, e não a uma qualquer ideia, pedido ou iniciativa da própria Ré.

A ausência de prova dos factos n.ºs 4 e 5 resulta, no essencial, de mera consequência dos factos não provados n.ºs 1 e 2”.

O apelante pretende que se julguem provados os factos impugnados e para sustentar a alteração da decisão faz apelo ao depoimento de parte da ré e depoimento prestado pelas testemunhas FF, GG, HH, CC e EE.

Para melhor compreender os argumentos do apelante, cumpre ter presente uma síntese dos depoimentos prestados.

- BB, ré, solteira, enfermeira. Prestou depoimento de parte e declarações de parte.

A depoente referiu que manteve uma relação de namoro com CC e CC nunca lhe emprestou qualquer quantia em dinheiro.

A pedido do CC procedeu ao pagamento de viagens, despesas de supermercado, roupa para os filhos, pequenos empréstimos, mas sempre com a intenção de restituição, por parte do CC. Nunca pensou que isto ia acontecer e por isso não tem faturas de todas as despesas. Nunca teve necessidade de pedir empréstimos, porque trabalha e ganha um salário. Tem plafond na conta e tem uma conta poupança que está em seu nome e do filho e de onde retirou algum dinheiro para emprestar a CC. Emprestou 5000,00. E saiu outros 5000,00 para outra firma. Disse que neste período adquiriu automóvel com dinheiro próprio. No decurso da relação constituiu uma sociedade com o irmão do cedente/CC.

Referiu, ainda, que CC estava casado quando iniciaram uma relação amorosa em final de 2015 e permaneceram juntos até agosto de 2018, mas sem viverem em comum.

A pedido de CC procedia ao pagamento das despesas para não entrar na conta porque ainda era casado.

Referiu que as transferências para a conta se destinavam ao pagamento destes valores que adiantou e disse, ainda, que admite como possível que o montante depositado tenha ascendido a € 8920,00, mas sem ter a certeza. Admite que foram feitos depósitos.

Referiu que CC sempre manifestou a intenção de proceder ao pagamento das viagens que realizaram e por isso pediu para passar a fatura em nome da firma.

Em relação às despesas com a casa, referiu que a casa estava à venda e CC propôs, porque era da área da construção civil, transformar a casa em 3 habitações e disse: “Ele teria totalmente o custo da obra e ficaria com uma habitação”. A depoente considerou que “tudo dependia da viabilidade do projeto”.

Referiu, ainda, que se comprometeu a fornecer os documentos que fossem necessários para demonstrar se o projeto era viável, mas teria que demonstrar que tinha liquidez para o fazer. Deu alguns documentos e foi a uma reunião com o engenheiro ou arquiteto, durante a qual se apresentou o possível projeto com possibilidade de alterações.   CC chegou a dar uma folha com os custos que iria ter, mas que não coincidem com os reclamados no processo.

Mais referiu que na reunião com o engenheiro se falou no valor total de obra e apresentou a primeira hipótese de projeto.

Esclareceu que CC ficou sem a casa com o divórcio por ordem do tribunal, em leilão. Sabia o ordenado declarado que tinha e percebeu que ele não tinha capacidade económica para executar esta obra. Mesmo que tivesse viabilidade construtiva, porque teria de ser submetido à Câmara, CC não tinha capacidade económica para tal.  CC pediu dinheiro emprestado, perdeu a casa em leilão.

A respeito da sociedade que constituiu com o irmão de CC, disse que se destinou a abrir uma loja de produtos congelados.

CC tinha uma sociedade com a mulher, a sociedade D.... Constituiu outra sociedade depois de se separar da mulher.

Sobre as despesas com o projeto disse não saber quanto o cedente pagou pelas despesas com o projeto. Seriam custos dele. Não iria entregar um bem para algo incerto. “Ficaria sem a minha própria casa e com alguém que não teria capacidade económica”.

Referiu que nunca CC lhe pediu a devolução de qualquer quantia. Eu é que pedi ao CC a devolução das quantias que lhe emprestei.

Mais disse que conheceu o CC no decurso de uma obra que realizou na sua casa. Começou a convidar para almoçar e foi assim que se iniciou a relação. Fazia compras de supermercado e ele comprometia-se a devolver.

Em relação às viagens que realizaram, referiu que a partir de 2016 se deslocaram a ..., ..., ..., ..., ... e outras em Portugal, mas que não se recorda. Algumas das viagens foram realizadas com a companhia dos filhos. CC sempre assumiu todas as despesas com tais viagens.

As viagens realizadas com envolvimento da agência era a própria que tratava e pagava e depois era o CC que restituía o dinheiro. Pagava com o cartão, mesmo as viagens dos filhos que os acompanhavam.

Disse ainda, que entrou com a quantia de € 5000,00 para a sociedade; mais tarde passou a sua parte para o Dr. KK, mas nunca lhe devolveram esse valor. Este não era para devolver, porque era da sociedade.

Noutra ocasião emprestou € 5000,00 a CC, alegando este que estava a ser ameaçado pelo fornecedor, na altura do Natal e emprestou-lhe e até hoje não devolveu.

Referiu, ainda, que quando terminou a relação, CC fazia telefonemas, mandava mensagens e por isso, não queria qualquer contacto com o CC. Preferiu dar por perdido do que ter qualquer relacionamento “com este senhor”.

Disse, ainda, que CC pedia para fazer as compras. Deixava as compras na casa de CC. Passava alguns fins de semana em casa do CC. Mostrava-lhe as contas e ele depositava o dinheiro. Se não dava as faturas mostrava as contas. A depoente disse que emprestava o seu cartão de crédito para CC pagar a fornecedores. Disse não ter ideia da regularidade das compras e pagamentos. Tudo dependia dos eventos.

A respeito da loja de produtos congelados disse que foi sócia, juntamente com o irmão de CC, porque CC não podia constituir sociedade, estando em liquidação a anterior sociedade. O CC era o gerente e a mulher iria trabalhar nessa loja, mas acabou por não permanecer.

Em esclarecimentos a depoente referiu que conheceu CC em 2014, quando executou obras na sua casa. Preferiu dar o dinheiro por perdido do que manter a relação, porque não partilha dos mesmos interesses e princípios. Estão desavindos e não mantêm qualquer contato. Pediu o cartão para pagar fornecimentos, mas não sabe o quê em concreto.

Referiu que quanto ao valor de € 5000,00, levantou o cheque ao balcão e entregou o dinheiro ao CC. A quantia de € 5 000,00 foi utilizada para constituir a sua quota e com esse valor compraram frigoríficos, material informático (sociedade).

A respeito das obras de remodelação referiu que nunca foi contactada por qualquer pessoa a solicitar o pagamento das despesas.


-

- EE, engenheiro.

Referiu que conhece o Autor, mas não tem grande ligação. Conhece melhor o tio, CC, e também conhece a ré.

Referiu que foi contatado para efetuar um projeto para remodelar uma casa em .... Casa devoluta e tentar rentabilizar o mais possível, fazer habitações. Quem apareceu foi o “sr. CC”. Mandou fazer o levantamento topográfico.  Foi ao local e foi nessa altura que conheceu a ré. Fizeram várias reuniões, para procurar uma solução.

Não pode precisar quantos contactos, mas por hábito faz sempre uma reunião de gabinete. Foi duas vezes ao local, explicar o que estava a ser desenhado e depois analisou a possibilidade de destaque de parcela.  A ré esteve presente nestas duas reuniões no local e uma no gabinete.

Referiu, ainda, que “para mim era um projeto comum”. Na altura explicava as coisas e a ré aceitou. O projeto foi desenvolvido com o propósito de apresentar na Câmara. Em relação aos documentos facultados, disse que chegou a ver uma certidão de registo. O prédio não pertencia ao CC. “Pareceu-me ser uma parceria”. Com o decorrer do tempo é que se apercebeu que não era um casal, mas depois apercebeu-se que seriam namorados.

Mais referiu que o projeto parou, não se recorda em que fase, em dada altura para apresentar na Câmara. Começou a achar estranho porque não pediam informações até que recebeu um telefonema do CC a pedir para suspender o projeto.

Efetuou o levantamento topográfico, projeto e reuniões. Fez uma abordagem na Câmara. Fez um estudo prévio consolidado para apresentar na Câmara e foi nessa altura que pediu para suspender.

Disse que CC pagou € 1 800,00 por conta (600,00/ 800,00). O processo interno iniciou-se no final de 2016 e foi-se desenvolvendo em 2017. O trabalho aproveita ao dono do prédio.

Esclareceu que o orçamento foi apresentado ao “sr. CC”. Não sabe se foi transmitido à ré. A casa não estava devoluta. Carecia de obras. Casa muito grande. A ideia era dividir em frações. Uma das frações era para D. BB e o sr. CC ia investir. A ideia era rentabilizar gastando o menos possível. Transformar o prédio em frações. Foi a ideia transmitida pelo “sr. CC”.

Referiu, de novo, que executou o levantamento topográfico, desenhou a proposta de transformação. Transformou o prédio em frações, quartos, caixa de escada. Realizou 3 ou 4 reuniões com a ré. Só não esteve na 1ª reunião. Deu uma estimativa.

Elaborou e entregou ao sr. CC tem quase a certeza que a ré não estava. A primeira vez que a viu foi no levantamento topográfico e em mais duas ocasiões. A casa era da ré. Foi o CC quem assumiu o pagamento.

Disse, ainda, não saber se a ré continua a ser a dona da casa. Emitiu uma declaração em 2018 a pedido do sr. CC. Nunca enviou o documento à ré e nunca enviou a fatura à ré. Só quando o projeto dá entrada na Câmara e se for aprovado é que fazem um apuro e emite a fatura.

Por fim, referiu que chegaram a colocar a possibilidade de venda, ouviu uma conversa de circunstância de venda e tinha estado lá um restaurante.


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CC, divorciado, gerente, tio do autor e manteve uma relação de namoro com a ré.

A testemunha referiu que cedeu um crédito ao autor. O autor foi empregado entre 2015 e 2017 e como as coisas não corriam bem, foi-se embora. Entretanto exigiu o pagamento e como a testemunha tinha um crédito a receber da D. BB, o autor aceitou receber o crédito para pagamento. Mais referiu que devia ao autor € 17 000,00, ficando combinado que o autor recebia o crédito da ré e perdoava o resto.

Sobre o crédito que tinha sobre a ré, disse que a ré tinha uma casa e ficou combinado que a testemunha tratava de tudo e por efeito da obra a realizar ficaria com um andar para si e os dois restantes ficariam para a ré e ainda, o terreno na parte detrás, o qual seria objeto de destaque. O processo começou a andar.

Referiu que a ré disse que não tinha dinheiro para suportar as despesas com estudo prévio e a testemunha disse que adiantava. A ré ia ao Banco pedir um empréstimo para a obra e a testemunha adiantava e depois a ré pagaria. Começou a adiantar em 2017. A ré pediu dinheiro para pagar IMI do dito terreno isto entre 2018 e 2019.

Disse que o relacionamento terminou em 21 de agosto de 2018, no dia de aniversário do filho. Depois de terminar continuou a pagar ao engenheiro e arquiteto, porque foi a testemunha que os contactou. Pagou ao arquiteto, engenheiro e topógrafo. Tratava tudo com o eng. EE e foi à testemunha que foi solicitado o pagamento. A ré esteve presente numa reunião e quando o topógrafo se deslocou ao prédio.

Disse, ainda, que a casa estava muito degradada e a ré pretendia fazer obras e a testemunha sugeriu a remodelação do prédio com construção de três apartamentos, porque a realização das obras ficaria muito caro.

Esclareceu que nunca houve documentos. A ré “abriu a porta duas vezes e estava interessada”. Dava as ideias dela. Mudou os quartos e a sala. No acordo que fizeram a testemunha fazia as obras e recebia a parte das obras com o apartamento. A ré ficava com dois andares e o terreno. A testemunha adiantava as despesas e com a licença de construção pedia o empréstimo. As despesas com o projeto foram suportadas pela testemunha.

Mais referiu que concedeu empréstimos à ré e depositava o dinheiro na conta. Depositava €1000,00 ou €2000,00 ou €4000,00. Foi depositar e nunca a ré acompanhou a depositar o dinheiro. Tinha o nº da conta no Banco 1....

Disse que tinha os documentos que o autor juntou com a petição; entregou ao advogado do autor.

Confirmou que foi escrito pelo seu punho a palavra “empréstimo” que consta dos talões de depósito juntos com a petição. Pagou um seguro do carro no montante de 160,00 ou 170,00. A ideia era a ré pagar quando fizesse o empréstimo.

Mais disse que foi a ré que deu a ideia de construir três andares e eu é que sugeri que se destacasse uma parcela. A ré marcou uma reunião com o Presidente da Junta para abrir um portão, antes de fazer o destaque.

Mais referiu que a ré pedia empréstimos. Ganhava €1200,00, por mês. Ela pedia e eu ajudava depositava o dinheiro. A condição era quando tivesse o empréstimo restituía. A ré nunca fez compras para sua casa. Chegou a fazer compras no talho e a entregar no campo de futebol ao filho da ré. Comprava sacos de batatas. “Nunca comprou um grau de arroz”.

Sempre foi de férias e pagou todas as despesas e viagens. Tinha que ir aos ... porque tinha lá obras. Era a empregada da sociedade que fazia as marcações e a sociedade pagava – empresa D.... Depois saiu da empresa e não sabe como está agora. Os voos era sempre pela empresa.

A respeito do empréstimo de €5000,00, referiu que a ré deu esta quantia para entrar na sociedade de congelados. A ré depois vendeu a quota dela. A empresa era do irmão, o sócio gerente era a testemunha. Entrou com o dinheiro para a sociedade. A testemunha deu €25.000,00.

Confrontado com o extrato de conta da ré, onde consta o pagamento de uma fatura da agência de viagens, confirmou que foi a ré que pagou, mas foi reembolsada.

Disse, ainda, que o autor reclamou o pagamento de um crédito que lhe era devido pela sociedade F..., por ser funcionário dessa empresa.

Referiu que o relacionamento amoroso se manteve durante dois-três anos. Não tem ideia quando começou. Conheceu a ré quando foi reparar um telhado nas traseiras da casa. Acabaram os dois o relacionamento. Ela disse que queria acabar e eu também acabei.

Esclareceu que era a empresa quem devia ao sobrinho/autor e a testemunha assumiu que lhe pagaria “não sei quando, mas um dia vais receber”.

O contrato de cessão foi redigido pelo mandatário do autor. Cede um crédito para pagar uma divida que não era sua. No contrato consta 5.000,00. A F... era a devedora e disse, ainda: “eu cedi o crédito e o resto esquecia. O autor trouxe o contrato e assinei”. O autor é motorista de pesados. Divida de salários, horas extras.

Mais referiu que nunca pensou “em meter a ação contra a ré”. O sobrinho começou a apertar e por isso, cedeu o crédito. Neste momento ele está a trabalhar outra vez para a testemunha, para a nova empresa.

A respeito das despesas com o projeto de reconstrução esclareceu que o levantamento topográfico e o projeto foram realizados em nome da ré. Confirma que a calendarização foi feita no seu nome.

Confrontado com o doc. nº 4 junto com a petição, disse que o EE é que lhe entregou este documento. Acha que também foi entregue à ré. Foi pedir o documento ao Eng. EE. Foi o próprio que disse que não assumia dali para a frente. Fez o pagamento e disse ao engenheiro a partir de agora não é nada comigo.

Disse que fez os depósitos. Fez os empréstimos conforme me pedia (os valores depositados não coincidem com os indicados pela testemunha 1000, 2000, 3000).

Doc. 14 – confirma que a assinatura é do próprio. Assina o original. O duplicado não contém assinatura. Foi a testemunha que escreveu empréstimo e seguro. Logo que saiu do Banco escreveu, mas não escreveu em todos a causa do depósito (doc. nº 5).

 Confrontado com o doc. nº 10 da contestação, disse que a fatura está no nome da ré. Seguro de viagem. Certificado de seguro no nome do CC. Não sabe da existência do seguro.

Por fim, disse que conheceu a ré em outubro de 2014, quando executou obras no telhado da casa, a pedido da ré, trabalhos que foram pagos pela ré, casa onde depois se fez o projeto. 

A testemunha foi confrontada com o extrato bancário de maio de 2016, da conta da ré, do qual decorre que a ré movimentou mais de 10 000,00 naquele mês e questionado sobre a causa do alegado empréstimo de 500,00, disse que não sabia explicar. Disse também que não sabia explicar a causa dos depósitos de € 200(4) – junho e agosto de 2016 - , quando o extrato apresenta saldo superiores a €2000,00, €3000,00 e €4000,00.


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- II, casada, administrativa.

A testemunha disse conhecer o autor porque trabalha com o autor na mesma sociedade, desde maio de 2021. Conhece a ré desde 2014 e porque manteve uma relação amorosa com o patrão; nessa altura trabalhava na D....

Trabalhou na D... desde abril de 2014 até outubro de 2017 e ainda, na sociedade de congelados, com a ré, que abriu em abril de 2017.

O autor trabalhou entre 2009 e 2014 na F... e ficaram em divida salários. Tem conhecimento porque foi o autor que lhe disse. O valor em divida seriam €5000,00, mas não pode precisar.

Mais referiu que o “sr. CC” precisava do trabalho do AA e para isso, tinha de pagar a divida e acordaram ceder o crédito que tinha sobre a ré.

Referiu que a ré pedia dinheiro ao CC, porque teve problemas, para pagar o empréstimo do carro, do apartamento e o seguro. O ex-marido não ajudava e estava a atravessar dificuldades. O “sr. CC” tirava o dinheiro do caixa e mandava depositar na conta da ré – isto começou em 2016. O CC fazia os depósitos e colocava numa pasta. Entregava o dinheiro ao senhor CC. Pedia dinheiro emprestado, com a intenção de restituir.

Na altura surgiu a oportunidade de fazer uma divisão do prédio em frações; foi feito o contacto com o eng. EE, mas depois saiu e já não sabe como evoluiu. O “sr. CC” é que fez os pagamentos. Sabe porque foi o eng. EE que lhe disse. Não estava na empresa.

A irmã do “sr. CC”, senhora BB, vai a casa faz a limpeza trata das roupas e cuida das compras para a despensa na casa do “sr. CC”. Sempre foi a irmã do “sr. CC” que fez estas tarefas e ainda faz. A ré era amiga do DD, filho do “sr. CC”.

Em relação às despesas com viagens, disse que a ré adiantou o pagamento de € 750,00, mas depois foi restituído por saída do caixa da D.... A ré só pagou 250,00, mas foi restituído à ré. As faturas foram liquidadas pela D....

Disse ter conhecimento destes factos, porque assistiu às conversas no escritório, mesmo quando estavam ao telefone. A ré pedia sempre 100 euros.

Disse, ainda, que a ré tinha o projeto – um prédio que pretendia transformar num prédio com 4 frações. Era a ré que queria fazer essa obra e o CC é que faria a obra. Uma fração para ela e depois outra fração para o CC. O eng. EE disse que era o CC que lhe estava a pagar. O CC tirava dinheiro do caixa para pagar a viagem. Não foi pago diretamente pela conta da empresa. Tratava-se de viagens de lazer. Não tinham obras no ... (enquanto trabalhou na D...). Obras só tinham em Lisboa. Entregou o dinheiro do caixa ao “sr. CC” e depois o “sr. CC” fazia o depósito do dinheiro que era para restituir.

Referiu, por fim, que não fez marcação de nenhuma viagem. “Não tratei de viagem nenhuma”.


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GG, divorciada, costureira.

A testemunha disse conhecer a Ré, por serem amigas há alguns anos e referiu não conhecer o Autor. Amiga da ré desde 2010.

CC conhece porque foi namorado da BB (ré). O CC contactou-a a dar conhecimento que tinham terminado.

A ré fazia compras para a casa dos dois, compras para os miúdos. A ré nunca teve dificuldades financeiras. Nunca desabafou que tivesse dificuldades financeiras. Ela não queria construir nada e depois que não tinha viabilidade e não foi possível. Passavam o fim de semana juntas e conversavam, ao domingo à tarde. Sabe o que conversavam. Nunca assistiu a nada. Nunca acompanhou a ré. Sabe o que a ré lhe contava e depois via em casa. Quando deixava de servir ficava para o seu filho. Chegou a ver roupa nova, com etiquetas que comprou para os miúdos.

A ré tinha uma vida desafogada. Era enfermeira. Tinha o frigorífico cheio. Às vezes saíam para jantar fora. Comprava roupa para o filho dela e para o filho do CC. Fizeram algumas viagens, mas não sabe quem pagava. Não sabia que o CC tinha uma irmã que cuidava da casa.


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- HH, casado, gestor de peças no ramo automóvel.

A testemunha disse conhecer a Ré, por ser sua cunhada. Referiu não conhecer o Autor. Conheceu o CC, porque fez serviço para a ré. Apareceu como empreiteiro. A ré dava apoio à mulher do CC e foi assim que se conheceram.

Disse, ainda, que a ré tentou vender o prédio e mais tarde veio o CC com um projeto para construir um prédio. Mas não sabe nada em concreto. Mostraram uma ideia na parte de restauração. Pretendiam dividir em 3 moradias, mas não passou daí. Quem lhe falou foi a ré e o CC. Não sabe quem pagou as despesas.

Empréstimos do CC à ré – disse não ter conhecimento dessa parte.

A respeito das despesas com viagens disse nada saber.

Referiu que “depois abriram uma sociedade de uma loja de frios, mas ele (CC) não era sócio, não podia ter nada em nome dele, ficou sem bens. Tenho uma colega que é advogada e lhe disse que ele omitiu bens para a mulher não ficar com bens”.

Mais disse que a ré fez viagens, mas não sabe quem pagou. Não sabe onde foram feitas e quem as pagou.

Efetuou jantares em casa do CC, na .... Nessa altura eram namorados. Viu que comprou presentes para o filho do CC, por causa das festas de aniversário. Não sabe nada sobre compra de mercearia.

Esclareceu que conheceu CC como empreiteiro. A ré já era amiga. “Houve um convívio qualquer em ..., no qual a família do CC esteve presente, mulher e filhos”.

Disse que mais tarde soube que era empreiteiro.

Disse, ainda, que mais tarde o CC e a cunhada tinham um projeto para construir um andar moradia e perguntaram se a testemunha queria comprar um apartamento. Não sabe se já eram namorados. Não sabe quando começou a relação entre eles.

Em festa de aniversário viu que comprava roupa para o filho do CC. Viu a ré a levar na parte de congelados a comprar coisas para levar para casa do CC. No fim de semana. Era recorrente ao fim de semana, porque estava lá na loja. Levava congelados para a casa do CC. Passava fim de semana na casa do CC.

Disse que o CC apresentou um papel de dividas, quando ela saiu da sociedade.

Sobre os meios de sustento da ré, disse que a ré tinha uma casa. Adquiriu outra que era da mãe, para pagar as dividas da mãe. A outra casa estava arrendada. Adquiriu outra, quando deixou .... Nunca lhe pediu dinheiro emprestado. Nem tem conhecimento que tenha pedido a familiares. Conseguiu sempre crédito. CC com o divórcio ficou sem nada e não podia ficar com bens em seu nome.


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- FF, casada, professora.

Disse ser irmã da ré e referiu não conhecer o Autor. Conhece o CC.

Disse ter conhecido CC como namorado da irmã. Mantiveram uma relação de anos; não foi passageira. A irmã disse que terminou o relacionamento. Não tem conhecimento que a irmã tenha pedido dinheiro. Tinha uma situação financeira estável. Tinha um empréstimo e conseguiu um segundo empréstimo no Banco. Nunca se lamentou. Adquiriu um automóvel. Faziam compras em conjunto e nunca pediu para pagar. Nunca ficou a dever em qualquer loja. A ré nunca comentou que emprestou dinheiro ao CC. Iam às compras de supermercado e roupa para o filho do CC (B...).

A ré de vez em quando dormia na casa do CC. Era normal fazer as compras no supermercado, porque ficavam lá a dormir.

Sobre as viagens que realizaram, disse que foram aos ... e ..., mas não sabe quem pagou.

Quanto às obras na casa de ..., disse que lhe foi proposto a compra de um apartamento, se o processo fosse avante.  A conversa decorreu na presença da irmã e a explicação foi apresentada pelo CC. Recusou qualquer compra. Se adquirisse um dos andares, a irmã ficaria com outro e o terceiro seria para arrendar. Nunca viu o projeto e não sabe nada sobre despesas. Foi o CC que lhe adiantou a proposta, mas a irmã estava presente.

Mais referiu que a ré manteve a relação durante dois-três anos. Em 2017 e 2018 estavam juntos na festa de aniversário do filho mais novo e aniversário do marido. Não aprovava o relacionamento da irmã, devido ao “timing em que iniciou a relação que vinha de um período muito conturbado”.

Não sabe quanto ganha a irmã. Pensa que aufere € 1200,00 líquidos. Tinha dois empréstimos. O ex-companheiro saiu da casa. O empréstimo foi renegociado. O apartamento onde vivia foi arrendado, mas não sabe em que ano.

A compra de roupa para as crianças era feita consoante as necessidades.


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- AA, solteiro, motorista.

O declarante, autor na ação, disse ser sobrinho de CC. Referiu não conhecer a Ré.

Disse que a cedência do crédito foi feita porque chegou a trabalhar para CC aos fins de semana. Regressou e pediu para trabalhar. Disse que sim, mas tinha que pagar o que estava para trás.

Referiu que o valor da divida ascendia a “10 mil e pouco”. O tio devia € 10.000,00. Não sabe se a ré foi avisada da cessão. O meu advogado enviou uma carta para ela. Não sabe se o crédito existe.

Disse que prestou serviços para o tio entre 2009 e 2013, quando estava a construir a casa dele. Ia lá para o ajudar a ele, a construir a casa. Nunca houve recibos, nem faturas. Pagava ao dia e outras vezes não pagava. Não fez uma lista de deve e haver. Recebia €50,00 por dia. Trabalhava ao sábado e às vezes ao domingo e à noite e por isso, mais ou menos seria €10 000,00. Esteve 11 anos a trabalhar fora. Regressou e o tio fez a proposta disse que sim, mas tínhamos que acertar o passado.

Esclareceu que o contrato de cessão foi elaborado pelo Dr. KK, no escritório do advogado assinaram o documento.

Exerce a profissão de motorista de pesados e manobrador de máquinas. Prestou os serviços a título particular. CC pagava €50,00/dia.

Mais referiu que nunca trabalhou para a sociedade F.... “O tio já teve tantas que já nem sei”. Trabalha na atual sociedade desde janeiro de 2021.

Confrontado com o facto de no contrato constar a data de março de 2020, disse que foi a data em que o tio falou com ele, mas só começou a trabalhar em janeiro de 2021.


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Apreciando a prova.

Da análise dos depoimentos em confronto com os documentos que instruíram a petição e quanto aos alegados empréstimos de quantias monetárias, as testemunhas ou não revelaram saber, ou apresentaram depoimentos contraditórios entre si, que não foram confirmados por qualquer outra prova, o que obsta à prova de tais factos.

Em declarações de parte, o autor nada revelou saber.

As testemunhas FF e HH, familiares da ré, deram nota que a ré mantinha uma vida financeira desafogada, beneficiando de crédito bancário para suportar os seus encargos.

Os extratos das contas bancárias juntos aos autos apenas podem ser atendidos como meio de prova bastante na medida em que a ré aceitou que foram realizados os depósitos na sua conta bancária. Por outro lado, os extratos tanto dão nota de movimentos com saldo negativo, como movimentos com saldo positivo e muito elevado, o que impede um juízo seguro sobre a necessidade da ré obter empréstimos de dinheiro.

É certo que a testemunha CC referiu que a pedido da ré e com o propósito de devolução emprestou por diversas ocasiões €1000,00, €2000,00 e €3000,00. Contudo, a testemunha confrontada com a listagem dos valores indicados na petição não conseguiu apresentar uma explicação para a desconformidade entre o afirmado e o alegado pelo autor, com base em elementos fornecidos pela própria testemunha (como referiu).

Por outro lado, a testemunha II referiu que a ré pedia dinheiro a CC na ordem das centenas de euros que a testemunha retirava do caixa e entregava a CC para depositar em dinheiro na conta da ré.

A contradição é patente quanto ao montante que alegadamente teria sido objeto de empréstimo, o que desvaloriza os depoimentos e não lhes confere a devida credibilidade.

Porém, ambos acabaram por admitir que a ré adiantava o pagamento de viagens de lazer e que era reembolsada. Mas aqui também se anota nova contradição no depoimento das testemunhas, pois a testemunha CC referiu que era funcionária da empresa quem procedia à marcação das viagens e pagas pela empresa, algumas em trabalho (...) e a funcionária II referiu o contrário, negando ter procedido à marcação de viagens de lazer.

A dúvida sobre os alegados empréstimos adensa-se quando não se consegue apurar o montante do crédito do autor (€17.000,00 (testemunha CC), €5.000,00 (testemunha II), €10.000,00 (autor)) e responsável pelo pagamento, se a sociedade F... ou a testemunha CC.

Conjugando todos estes elementos de prova subsiste a dúvida sobre a efetiva celebração dos contratos de empréstimo e que os depósitos efetuados na conta da ré correspondessem à efetivação de tais empréstimos, motivo pelo qual não se justifica a alteração da decisão do ponto 2, que deve manter-se como não provado.

No que respeita às despesas efetuadas para promover o projeto de reabilitação urbanística da casa sita em ..., apenas merece relevo o depoimento prestado pela testemunha EE, porque foi a única testemunha que acompanhou o processo e revelou ter conhecimento dos procedimentos adotados.

Com efeito, a ré e a testemunha CC apresentaram versões diferentes dos factos (como se salienta na sentença), mas há um ponto a respeito do qual existe acordo entre ambos e que respeita ao modo de pagamento do preço pela execução da obra a realizar. Ambos referiram que a testemunha CC executaria a obra, suportando os custos mediante a entrega de um apartamento para si. Foi partindo desta base e no concreto contexto em que se relacionaram, como namorados (o que foi salientado na fundamentação da sentença), que a testemunha CC procurou o engenheiro EE que era seu conhecido e com quem já tinha trabalhado noutras obras e solicitou a elaboração do projeto, com conhecimento da ré.

Resulta do depoimento da testemunha EE que apresentou a lista de despesas a solicitação da testemunha CC e o projeto não chegou a ser apresentado na Câmara, porque se encontrava numa fase inicial de estudo. Por outro lado, resulta do depoimento da testemunha que todos os contactos foram sempre mantidos com a testemunha CC e foi, ainda CC, quem comunicou a desistência do projeto. Contudo, a testemunha não deixou de salientar que suspeitava da falta de interesse, porque deixaram de o contactar, nem lhe solicitaram informações sobre a evolução do projeto, contrariamente ao que é habitual nestas situações.

Este depoimento confirma a posição da ré a respeito da necessidade de ponderar da viabilidade do projeto e da capacidade financeira da testemunha CC para promover a sua execução e que não era do seu interesse a promoção de tal projeto.

A testemunha não revelou ter conhecimento do acordo que existia entre a ré e a testemunha CC, nem de qualquer convenção estabelecida sobre pagamento das despesas com o projeto e supostos empréstimos.

A testemunha FF e a testemunha HH apesar de terem conhecimento do projeto, porque a testemunha CC propôs a venda de uma fração, não revelaram saber como seria financiada tal obra ou investimento.

Neste contexto a prova produzida não permite concluir que tenham sido concedidos empréstimos pela testemunha CC à ré para a ré suportar as despesas com o projeto e que a ré tenha incumbido a testemunha CC de realizar tais pagamentos. O que a prova evidencia é um particular interesse por parte de CC na promoção deste projeto.

Conclui-se que a prova indicada pelo apelante não justifica a alteração da decisão. Mantém-se os pontos 2 e 3 dos factos julgados não provados.

Em relação ao ponto 4, apenas a testemunha CC referiu tal facto, ainda que sobre tal matéria o seu depoimento se tenha revelado contraditório, o que desvaloriza o mesmo. Começou por referir que não fala com a ré e que cessou o relacionamento que mantinha com a ré em agosto de 2018 e não mais contactou a ré, para depois referir que em setembro de 2018 pagou as despesas ao engenheiro EE e exigiu da ré o pagamento de tais valores.

Nenhuma testemunha confirmou tal depoimento.

O apelante considera que a testemunha HH revelou ter conhecimento destes factos.

Efetivamente, a testemunha referiu que a ré lhe pediu para a acompanhar, porque a testemunha CC lhe apresentou um papel com dividas da empresa de congelados. Trata-se de outro assunto que não está relacionado com as despesas com o projeto de reabilitação da casa.

Mas ainda que se admita que a testemunha CC tenha exigido o pagamento, o certo é que não foi produzida prova no sentido de demonstrar que a ré assumiu devolver tal valor até ao final do ano de 2019.

Desta forma, a prova indicada e produzida não sustenta a alteração pretendida, mantendo-se a decisão do ponto 4, como facto não provado.

Por fim, quanto à matéria do ponto 5, constata-se que não foi produzida prova, pois a testemunha CC não admitiu que depois de 2019 tenha solicitado à ré o pagamento das quantias em causa nestes autos.

Apenas resulta demonstrado que a ré recebeu uma carta emitida pelo advogado do autor a comunicar a cessão, conforme resulta do documento junto com a petição (documento nº2, junto com a petição, inserido a página 1085 do processo eletrónico, sistema Citius).

Considera-se que a prova indicada pelo apelante não justifica a alteração pretendida, mantendo-se a decisão do ponto 5, como facto não provado.

Improcedem as conclusões de recurso sob os pontos I a XXXVII.


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- Mérito da causa -

Nas conclusões de recurso sob os pontos XXXVIII a XL insurge-se o apelante contra a decisão de direito no pressuposto da alteração da decisão de facto.

Mantendo-se inalterada a decisão de facto, não cumpre reapreciar do mérito da causa.

Improcedem as conclusões de recurso sob os pontos XXXVIII a XL.


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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pelo apelante.

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III. Decisão:

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença.


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Custas a cargo do apelante.

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Porto, 10 de julho de 2024
(processei, revi e inseri no processo eletrónico – art.º 131º, 132º/2 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Fátima Andrade
Miguel Baldaia de Morais
_________________
[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, pág. 240.
[3] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Lisboa, Lex, 1997, pág.77.
MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos sobre o Novo Processo Civil, ob. cit., pág. 78.
JOSÉ LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA E RUI PINTO Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, pág. 467-468.
[4] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil, 7ª edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2022, pág. 333-335.
[5] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada, pág. 272.
[6] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 569.
[7] Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005 - www.dgsi.pt.
[8] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil, 7ª edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2022, pág. 333-334.