Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2413/16.7T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
INTERPELAÇÃO
ESCRITURA
DECLARAÇÃO NEGOCIAL RECEPTÍCIA
CARTA REGISTADA
Nº do Documento: RP201911262413/16.7T8AVR.P1
Data do Acordão: 11/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Uma declaração negocial é eficaz e torna-se perfeita logo que chegue ao conhecimento do respetivo destinatário ou que seja por ele cognoscível, isto é, logo que o mesmo possa inteirar-se do respetivo conteúdo.
II - A devolução de uma carta registada com aviso de receção enviada a um promitente comprador, com o agendamento da data para a celebração do contrato definitivo, não retira eficácia à mensagem contida nessa carta se a mesma foi enviada para o endereço desse destinatário e deixado aviso para o levantamento de tal carta nos serviços postais competentes, levantamento esse que só não ocorreu por factos que só a tal destinatário são imputáveis.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2413/16.7T8AVR.P1
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Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
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I - Relatório
1- B…, Ldª, instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra o Município C…, alegando, em breve resumo, que, no dia 30/09/2005, celebrou com esta autarquia local um contrato promessa de compra e venda, relativo a um lote de terreno que identifica, pelo preço de 104.850,00€.
O R., porém, não só incumpriu o prazo de pré-aviso acordado entre as partes, como procedeu à resolução do referido contrato, sem fundamento. O que a levou a perder interesse no negócio e lhe causou diversos danos, que enumera.
Por tais razões, sinteticamente expostas, pede que:
a) Se declarar definitivamente incumprido o dito contrato promessa de compra e venda, por e com culpa exclusiva do R., então promitente vendedor e, por tal, resolvido por culpa exclusiva do mesmo;
b) Se condene o R., por via de tal incumprimento, a pagar-lhe, a título de restituição do sinal em dobro, a quantia de 62.910,00€, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal e contados desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento.
c) Subsidiariamente, se julgue sempre, a final, resolvido por culpa exclusiva do R., o contrato-promessa objeto dos autos celebrado entre A. e o R., por violação dos artigos 801º e 808º do Código Civil e, em consequência, se condene o mesmo a aceitar a resolução do contrato promessa celebrado com ela (A.), em virtude do incumprimento definitivo a que deu causa e, consequentemente, a sua condenação a restituir-lhe o valor por ela entregue a título de início de pagamento, a saber, 31.455,00€, acrescido do montante suportado com as despesas pela mesma efetuadas e descritas, no valor de 7.677,12€, tudo no valor global de 39.132,12€, acrescido dos respetivos juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal desde a data da citação e até integral pagamento.
2- Contestou o R refutando estes pedidos, porquanto, em suma, não foi ele que incumpriu o contrato em causa, mas a A., pelas razões que descreve.
Daí que peça a improcedência desta ação.
3- Realizada a audiência prévia, nela respondeu a A. à contestação, tendo, na mesma diligência, sido, para além do mais, verificada a validade e regularidade da instância, definido o objeto do litigio e enunciados os temas da prova.
4- Depois, realizou-se a audiência final, após a qual foi proferida sentença que julgou a presente ação totalmente improcedente e absolveu o R. de todos os pedidos.
5- Inconformada com esta sentença, dela recorre a A, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões:
“1. A douta sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue a ação procedente por provada, condenando o R. Município, aqui apelado, no peticionado pela A. Apelante.
2. Devendo ser ampliada a matéria de facto dada como assente e provada nos autos, no sentido de considerar-se provado que:
a) o R. Município, ao contrário do procedimento usual e habitual realizado para o agendamento das escrituras de compra e venda objeto do Loteamento a que se refere o contrato objeto dos autos, não deu conhecimento à A., por contacto prévio pessoal, presencial ou telefónico, ou via correio eletrónico ou outro qualquer meio, da data agendada para a escritura de compra e venda de 19 de agosto de 2014; ou previamente concertou agendas com a A. para marcação e agendamento da escritura de compra e venda prometida, assegurando o pleno e eficaz conhecimento da recorrente.
b) que durante todo o ano de 2014, pelo menos desde março/abril de 2014, o sócio gerente da A, H…, encontrou-se acometido de doença crónica e esteve de baixa médica desde outubro de 2014 até meados de 2015, com limitações de movimentação durante todo o ano de 2014; o que o impediu de estar regularmente nas instalações da A.
c) que era o sócio gerente H…, o único que geria, em exclusivo, os assuntos administrativos da A. e foi sempre quem, em representação da A., B…, Limitada, reuniu, tratou e negociou o contrato objeto dos autos e foi com este quem, sempre, tratou o Município e os seus serviços administrativos a mesma matéria; tudo com exclusão do outro sócio da A.
d) que a sociedade A,. para além dos dois sócios não tem outros trabalhadores;
e) que a A. nunca aceitou a resolução efetuada e que, após a receção da comunicação de 6 de outubro de 2014 de fls. 204 a 206 dos autos, A. e R. reuniram com vista à viabilização do negócio, mantendo a possibilidade da sua realização.
3. Todos as factos acima descritos e melhor fundamentados em sede de motivação de recurso, deverão nos termos expostos e requeridos pela Apelante, em sede supra de fundamentação do recurso e que aqui se dá por integralmente reproduzido, ser levados à matéria de facto provada e, conjuntamente com a demais prova realizada, terão de conduzir a decisão oposta à constante da sentença proferida nos presentes autos, deferindo ao peticionado pela Apelante e julgando a ação procedente, por provada, com todas as legais e demais consequências.
4. A Apelante entende que a resolução do contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes nos autos, pelo R. Município, é ilícita e desprovida de fundamento. Com efeito,
5. O R. Município violou o prazo previsto na cláusula 10ª do contrato promessa objeto dos autos para a marcação da escritura definitiva, violando o prazo de antecedência mínima de 15 dias para a sua marcação.
Acresce que,
6. A “interpelação admonitória” do R., como tal considerada pelo tribunal “a quo”, não se pode ter por plena, válida e eficaz em relação à A. Com efeito,
7. Desde logo, o Município R., incumpriu definitivamente e com culpa exclusiva sua, o contrato promessa objeto destes autos, pois que, violou, para além do mais, a cláusula décima do mesmo, não tendo agendado a escritura definitiva, para agosto de 2014, com a antecedência mínima prevista no contrato promessa objeto dos autos, a saber 15 dias.
8. Prazo que entende o Tribunal “a quo” não ser de cumprir pois que o “novo prazo” fixado pelo R. Município a 6 de agosto de 2014, é o de interpelação admonitória – cfr. sentença recorrida, pág. 23, § 1.
9. Entende, a aqui recorrente, que, mesmo que assim se entendesse, o que se não aceita, conforme infra alegado, que tal comunicação consubstancie interpelação admonitória, este prazo de admonição não poderia substituir-se ou ser inferior ao fixado e contratualmente acordado entre as partes, devendo, aliás, ser complementar ao mesmo, tanto mais que a A., aqui apelante, justificou a sua falta à escritura anteriormente agendada, com aceitação do R. apelado – cfr. artigo 24º da matéria de facto provada.
Acresce que,
10. A mesma – comunicação do R. de 6 de agosto de 2014 – não contém, de forma expressa, a comunicação do R à A., da sanção da resolução do contrato por ausência da A. na escritura. E,
11. A A. da marcação da mesma escritura não teve conhecimento por o R. não ter levado ao seu conhecimento a sua marcação e a mesma não ter chegado à posse da A., nos termos previstos no artigo 224º, n.º 1 do Código Civil.
12. O R., antes da data agendada para a 2ª escritura, foi avisado pela A. que a mesma estava encerrada para férias e que não recebia comunicações postais e voltaria ao contacto sobre o assunto após 15 de setembro de 2014.
13. Apesar disso, o R. manteve o agendamento da escritura, bem sabendo, que a A., não recebera a comunicação para o seu agendamento, fazendo tábua rasa da pedido e informação da A. de que estaria de férias em agosto de 2014 e voltaria ao contacto após 15 de setembro de 2014; o que foi aceite sem oposição do R. Município.
14. A A. encontrava-se, durante o mês de agosto de 2014, encerrada para férias.
15. A A., que só tem 2 trabalhadores, não tinha condições de, no gozo do descanso de ambos, receber comunicações postais na sede da empresa.
16. O R. Município não deu nota à A. por outro qualquer meio, designadamente, correio eletrónico, da marcação da escritura definitiva e nem sequer tentou, o aviso que lhe era devido, por qualquer outro meio.
17. O R., sem qualquer fundamento válido que o justificasse e permitisse, pois que não ocorrera qualquer interpelação admonitória ou a haver, o que se não aceita, não foi conhecida da Apelante, em setembro de 2014, em cumprimento de despacho de 17 de setembro do seu presidente, procedeu à declaração unilateral de não realização do negócio, manifestando a vontade de não realizar o negócio prometido e, por tal, incumprindo definitivamente e com culpa exclusiva sua o contrato promessa outorgado entre as partes e objeto destes.
18. Pois que, foi a decisão unilateral de resolução do apelado que levou impossibilidade da celebração da escritura prometida e acordada entre as partes, mesmo após 19 de agosto de 2014, uma vez que em setembro de 2014, declarou resolvido o negócio, sem fundamento para o efeito.
19. De tal incumprimento ilícito pelo Município R., resulta, quanto ao mesmo, a aplicação da sanção prevista no nº 2 do artigo 442º do Código Civil.
Acresce que,
20. Em parte alguma da referida comunicação datada de 6 de agosto de 2014, o R. apelado, de forma inequívoca, advertiu a autora apelante que consideraria definitivamente incumprida a obrigação da primeira – cfr. documento de fols. 189 dos autos.
21. Nem que consideraria resolvido o contrato!
22. Porém, o R. Município não se absteve de considerar resolvido o contrato celebrado entre as partes, procedendo à comunicação unilateral, sem que tivesse ocorrido incumprimento definitivo pela A. em setembro de 2014 Com efeito,
23. Só em setembro de 2014, o R., por despacho do seu presidente, resolve o contrato e não já, tal resolução acontece, com a sua comunicação de 6 de agosto de 2014.
24. O direito potestativo da resolução só é conseguido no caso de impossibilidade culposa do devedor; o que não é o caso dos autos.
25. De igual modo, sem conceder, sempre dirá a A., que o prazo de antecipação de 13 dias da comunicação para a realização da escritura em relação à marcação da escritura não consubstancia, também, um prazo razoável para qualquer admonição.
26. Nem a sua marcação para o mês de agosto, um período de boa fé para o efeito.
27. Não constando da referida comunicação, expressa e inequivocamente, como consequência da não realização da escritura, a resolução contratual, não terá a mesma comunicação a virtualidade nem se deverá considerar a mesma como interpelação admonitória, plena, válida e eficaz.
28. Nem assim a considerou a A. que, após outubro de 2014, tentou a realização do negócio, não se conformando com a resolução efetuada.
29. E, bem assim, o R.
30. Assim, a A. não impossibilitou, por qualquer meio, a realização da escritura definitiva.
31. Foi o R. Município que tornou definitivamente impossível, com a resolução infundada do negócio, o seu cumprimento.
32. O R. Município não tinha fundamento para, com base na ausência da A. à escritura de 19/08/2014, resolver o contrato prometido, pois que não fez qualquer interpelação admonitória à A.
33. A falta de conhecimento da A. do agendamento da escritura, não proveio de culpa da mesma.
34. O que afasta a eficácia da interpelação do R.
35. O R. violou o disposto nos artigos 224º; 442º; 801º; 808º, todos do Código Civil.
36. Devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a ação procedente por provada condenando o R., recorrido, na devolução do sinal em dobro à A., aqui apelante; ou, no caso de assim se não entender, o que se não aceita e alega apenas por cautela, atenta sempre a violação do disposto nos artigos 801º e 808º do Código Civil, condene o Município R. ao pedido subsidiariamente por aquela nos autos;
37. Assim se fazendo inteira JUSTIÇA!”.
6- Em resposta, o R. pugna pela confirmação do julgado.
7- Recebido o recurso e preparada a deliberação, importa tomá-la.
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II- Mérito do recurso
A- Definição do seu objeto
Inexistindo questões de conhecimento oficioso, o objeto deste recurso, delimitado, como é regra, pelas conclusões das alegações do recorrente [artigos 608º, nº 2, “in fine”, 635º, nº 4, e 639º, nº1, do Código de Processo Civil (CPC], cinge-se a saber:
a) Em primeiro lugar, se deve haver lugar à modificação da matéria de facto, pretendida pela A.;
b) E, depois, decidir se a rutura contratual operada pelo R. foi inválida e ineficaz e, na afirmativa, quais as respetivas consequências jurídicas e patrimoniais.
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B- Fundamentação
a) Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
1º A autora é uma sociedade comercial por quotas, com sede no concelho de C…, e dedica-se à indústria e comercialização de peças de plástico obtidas por injeção, desenho, programação, produção de moldes e fabricação de artigos plásticos. O capital social corresponde a 9.975,96€ e está dividido em duas quotas sociais no valor de 4.987,98€, cada uma, pertencente a H… e K…. A gerência está afeta aos dois sócios.
2º Atividade a que se dedica com fins lucrativos e com objetivo de expansão.
3º Para e no exercício da sua atividade comercial e, também, com o objetivo de melhorar as suas instalações e permitir-se uma maior expansão comercial, a sociedade autora celebrou com o Município réu, a 30 de Setembro de 2005, um contrato-promessa de compra e venda que as partes denominaram de “Contrato-Promessa de Compra e Venda para alienação do lote de terreno designado pelo número um no Parque …”, constante do documento de fls. 146 a 151, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
4.º Do documento mencionado no artigo anterior consta, de entre outras menções, as seguintes:
“(…) CLÁUSULA PRIMEIRA: O Município C… tem em curso a empreitada de Construção de Infra-Estruturas (Obras de Urbanização do Parque Industrial – Plano de Pormenor do Perímetro I da Área de Desenvolvimento Programado do Espaço Industrial – I e II Fases, designado por Eco-Parque Empresarial C…, abrangendo cerca de 103,35ha.
CLÁUSULA SEGUNDA: Ao abrigo do Plano de Pormenor do Perímetro I da ADP-EL, aprovado pela Assembleia Municipal de 30 de Setembro de 1996 e publicado (…), o Município C… está a promover o loteamento no referido Eco-Parque Empresarial em que estará englobado o Lote 1 (um), do Loteamento I, da 1ª sub-fase, a constituir após aprovação do respectivo processo.
CLÁUSULA TERCEIRA: O mencionado Lote 1 (um) tem a seguinte identificação: Lote de terreno destinado à construção de uma unidade industrial, com a área de três mil metros quadrados (…);
CLÁUSULA QUARTA: O primeiro outorgante promete vender aos segundos outorgantes e estes prometem comprar àquele o lote de terreno a constituir identificado na cláusula anterior, pelo preço de (…) €104.850,00;
CLÁUSULA QUINTA: O pagamento desta venda será efectuado da forma seguinte:
No momento da celebração deste contrato-promessa será paga a quantia de (…) €31.455,00 (…) a título de sinal e princípio de pagamento.
O restante, no valor de (…) €73.395,00, será pago pelos promitentes-compradores, no acto da escritura de compra e venda, a qual será outorgada logo que o primeiro outorgante efectue o registo do terreno objecto do presente contrato-promessa na respectiva Conservatória do Registo Predial;
CLÁUSULA SEXTA: Os segundos outorgantes podem, desde já, e se assim o entenderem, dar início ao processo de licenciamento para ocupação do lote de terreno em causa, com o objectivo de ir recolhendo os pareceres exteriores à Câmara Municipal que sejam necessários para a sua instrução.
CLÁUSULA SÉTIMA: Ficam os segundos outorgantes advertidos de que esta construção fica sujeita às disposições regulamentares constantes do Plano de Desenvolvimento Programado – Espaço Industrial e ao Regulamento de venda de lotes de terreno do Eco-Parque C… e respectivos anexos, publicado na II Série do Diário da República (…) de 28 de Dezembro de 2004 (…)
CLÁUSULA DÉCIMA: O contrato prometido será celebrado logo que todos os documentos necessários para a sua instrução estejam reunidos, bastando para o efeito, o primeiro outorgante avisar os segundos do local, dia e hora para a sua realização, com uma antecedência mínima de 15 dias. (…)”
5º O Loteamento levado a cabo pelo Município R. ao abrigo do Plano de Pormenor do Perímetro I da ADP-EI (Área de Desenvolvimento Programático – Espaço Industrial), aprovado, à data da celebração do contrato-promessa, pela Assembleia Municipal, no Eco-Parque Empresarial C…, propriedade do Município R, e na posse do mesmo, melhor identificado o R. na alínea b) do artigo 4º do Regulamento Municipal de Venda de Lotes de Terreno do Eco-Parque empresarial C…, anexo e parte integrante da promessa de compra e venda, constante de fls. 152 a 157, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
6º Por conta do preço, e a título de sinal e princípio de pagamento, a sociedade autora entregou e pagou ao Município réu a quantia de 31.455,00€, no momento da celebração do referido contrato, quantia, cuja quitação o réu conferiu;
7º A autora contactou o gabinete de arquitetura, denominado D…, Ldª, a quem contratou o projeto de edificação de um pavilhão industrial para a referida área de 3.000 m2, projeto para o qual e no qual a sociedade A. gastou 3.000,00€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, no valor total de 3.630.00€, valor que pagou em duas vezes, através de dois pagamentos faseados, o primeiro, no valor de 2.000.00€ em 20/01/2011 e, o segundo, no valor de 1.630,00€, em 12/04/2011;
8º Contratou a A., a empresa E…, Limitada, com vista à instrução, preparação e obtenção dos licenciamentos, industrial e ambiental, para o pavilhão a edificar no lote prometido comprar e, bem assim, o licenciamento para a atividade de gestão de resíduos a desenvolver no local pela A. e, ainda, para instruir o processo bancário de locação financeira imobiliária obtido para a aquisição prometida e ainda para a futura edificação, no que despendeu a A., o valor de 2.847,12€;
9º Com vista à elaboração e licenciamento do projeto elétrico do pavilhão a edificar, gastou a A., o total de 1.200,00€;
10º A A. requereu, e à mesma foi concedido, em 29 de Junho de 2011, pelo Ministério da Economia, da Inovação e do Desenvolvimento, através da Direção Regional da Economia do Centro, parecer favorável e título de Exploração Industrial Condicionado para a instalação e exploração a desenvolver no lote por si a adquirir ao réu e, do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, o necessário parecer prévio favorável à gestão de resíduos no local;
11º A A. obteve junto da F…, parecer favorável relativamente a uma proposta de locação financeira imobiliária com vista a garantir financiamento bancário para a aquisição do lote de terreno prometido comprar e para a construção do pavilhão industrial no mesmo, com as condições enunciados do documento de fls. 92, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, nomeadamente, à prévia apresentação do projeto aprovado e licença de construção.
12º A autora e a sociedade “G…” solicitaram uma permuta de lotes, entre o Lote n.º 1 do Loteamento I, com o Lote n.º 1 do Loteamento II, o que foi objeto de Reunião camarária de 21-02-2007 – Deliberação n.º 70/2007 – aprovação que foi comunicada à autora;
13.º Com data de 05 de Janeiro de 2010 a autora enviou ao réu, o email constante de fls. 97 do qual consta o seguinte: “(…) Para concluirmos todo o processo no banco, que se encontra na fase final.
Por termos vários documentos diferentes, onde um diz Lote 1 Loteamento II, e a última planta que fomos buscar à Câmara Municipal indica Lote 1 Loteamento III, embora as coordenadas sejam as mesmas, solicitamos saber qual é o verdadeiro Loteamento”.
14.º Com data de 06 de Janeiro de 2010 o réu, enviou à autora o email constante de fls. 95, do qual consta o seguinte: “(…) Para efeitos de esclarecimento da localização efetiva do Lote contratualizado entre a C… e a Empresa B… (…) solicitado pela empresa, é a seguinte: Lote 1, do Loteamento III, do Polo A do Eco Parque Empresarial C…. (…)”;
15º- Por reunião camarária de 14 de Janeiro de 2010, o réu, no que concerne ao assunto mencionado no artigo anterior, deliberou o seguinte: “(…)ECO-PARQUE EMPRESARIAL C… (deliberação n.º 10/2010): Presente a informação interna n.º 1/2010, de 8 de Janeiro, do Sector de Património, dando conta que o lote de terreno pretendido pela empresa “B… (…(“ é o designado pelo lote n.º 1, localizado no Loteamento III, do Polo A, do Eco-Parque Empresarial C…. A Câmara tomou conhecimento e deliberou por unanimidade comunicar à empresa interessada a presente informação. (…)”;
16.º O Lote mencionado no artigo anterior corresponde ao imóvel descrito na CR Predial C…, freguesia de …, com o n.º 7425. Pela Ap 15 de 2000-08-07 foi registada a aquisição do imóvel em favor do réu;
17.º Com data de 03 de Setembro de 2009 o réu enviou à autora o ofício constante de fls. 178, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e do qual consta, para além do mais, o seguinte:
ASSUNTO: Lote de Terreno n.º 1 do Loteamento III Polo A.
Considerando o mencionado na cláusula décima do Contrato-Promessa de Compra e Venda, celebrado com a V/ Empresa no dia 30/09/2005, vimos pela presente informar V. Exas. que o Município C… reúne as condições necessárias para a efectivação da Escritura de Compra e Venda do Lote de Terreno n.º 1, do Loteamento III, do Polo A, do Eco-Parque (…), pelo que solicitamos que V. Exas. se pronunciem relativamente à data provável para a sua realização. (…)”;
18.º Com data de 24 de Setembro de 2009 a autora enviou ao réu a carta constante de fls. 179, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, constando, entre outras declarações, as seguintes:
ASSUNTO: Reposta V/ Carta – Marcação Escritura.
Na sequência do V/ pedido Informamos de que dentro em breve informaremos V/ Exa. qual a data para a referida escritura.
Esclarecendo V/ Exas., informamos que o valor em falta para o terreno será solicitado ao banco, contudo, por forma a disponibilizar tal, necessita de ter uma avaliação do valor aprox. do investimento, como já dispúnhamos de todos os projectos e orçamentos a algum tempo (2007) e como neste momento a legislação sofreu alterações, estamos a alterar todos os projectos, por forma a solicitarmos novos orçamentos para serem entregues no banco, por forma a termos uma avaliação aprox. do investimento.
Após tal, informaremos V/ Exas. da data da escritura, cremos no máximo de um mês termos todas as situações resolvidas e entraremos em contacto com V/ Exas. para a marcação da escritura. (…)”.
19.º Por email enviado pelo réu, através do gabinete de apoio ao presidente, no dia 31 de Janeiro de 2014, solicitou o primeiro a marcação de uma reunião com a autora para o dia 07 de Fevereiro de 2014, tendo a autora requerido a alteração para o dia 17 de Fevereiro de 2014, o que foi agendado. Por impossibilidade da autora a reunião não se realizou.
20.º Foi reagendada a reunião para o dia 05 de Março de 2014 e, posteriormente, novamente agendado para o dia 01 de Abril.
21.º Por despacho proferido pelo Presidente da Câmara C… de 27-06-2014 e constante de fls. 185, foi determinada a notificação da autora para celebração da escritura pública;
22º Por carta com data de 03 de Julho de 2014, registada, com aviso de receção e recebida pela autora a 04-07-2014, o réu comunicou à autora a data para a realização da escritura pública, nos seguintes termos:
“(…) ASSUNTO: (…) Escritura de Compra e Venda – agendamento.
Por despacho n.º 109/2014, de 27-06 do Sr. Presidente da Câmara C… (…) e de acordo com a cláusula décima do Contrato Promessa de Compra e Venda, celebrado entre esta Edilidade e a V/ Empresa, vimos informar V. Exas. quanto à data da assinatura da Escritura de Compra e Venda do Lote 1, do Loteamento III, do Polo A, do Eco-Parque Empresarial C…, com a área de 3.000 m2: o dia 30/07/2014, pelas 14horas e 30minutos, no Edifício dos Paços do Concelho C…..
Mais informamos que e para os devidos efeitos, V. Exas. deverão contactar o Cartório Notarial C… (…)
Na data da celebração da escritura de compra e venda e, segundo a cláusula quinta, a V/ empresa é devedora de 73.395€ (…) ao Município C…, respeitante ao pagamento dos 70% do valor global (…)”;
23.º No dia indicado no artigo anterior, a autora não compareceu no Cartório Notarial;
24.º Por despacho do Presidente da Câmara Municipal C… de 31-07-2014, constante de fls. 188, foi determinado, para além do mais, o seguinte:
“(…) Assunto: Celebração das escrituras de compra e venda de terrenos do Eco-Parque (…).
Lote 1, do Loteamento III, com a área de 3.000m2, adquirente: B… (…) Atendendo ao facto de nenhum dos adquirentes acima referidos ter procedido às diligências necessárias, levando assim à não realização destes actos, determino:
- Que sejam novamente notificadas as empresas B… (…) agendando a celebração das escrituras de compra e venda destes terrenos para o dia 19/08/2014, pelas 15h00;(…)”.
25.º Com data de 06 de Agosto de 2014 o réu enviou à autora a carta registada com aviso de receção, constante de fls. 189, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, a comunicar o novo agendamento da escritura de compra e venda, para o dia 19-08-2014;
26.º Da carta referida no artigo anterior consta ainda a obrigação da autora de proceder ao pagamento do remanescente do preço e ainda o seguinte:
Mais se informa que a não celebração da escritura de Compra e Venda do lote de terreno supra referido implica a perda do sinal entregue no acto da celebração do Contrato-Promessa de Compra e Venda (montante = 31.455,00€).
27.º A carta mencionada nos dois artigos anteriores foi remetida para o endereço da autora, tendo sido deixado um aviso. A carta não foi levantada nos correios.
28º Com data de 07 de Agosto de 2014, a autora enviou ao réu o email constante de fls. 190, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e do qual consta o seguinte: “Vimos por este meio acusar a recepção de uma carta registada, por estarmos de férias, não é possível responder à mesma.
Contudo, após regressar de férias, até ao dia 15 de Setembro de 2014, entraremos em contacto com o Sr. Presidente da Câmara Municipal C….
Até porque cremos os procedimentos da actual Câmara não estão de acordo com o que tínhamos em ideia da anterior direcção, por tal não deve fazer muito sentido a pressão actual, mesmo alegação de que estamos a ser beneficiados em relação a outros, a não ser por questões que todos já conhecem, de outrem estar interessado no terreno em questão.
Por tal deverá vir a ser tomada uma futura construção, mas não no concelho C….
Boas férias e em Setembro entraremos em contacto convosco. (…)
29.º A autora não compareceu no Cartório Notarial no dia 19-08-2014.
30.º Com data de 22 de Setembro de 2014 o réu enviou à autora uma carta registada com aviso de recepção, para a morada da autora, tendo sido deixado aviso. A carta não foi levantada nos Correios;
31.º Da carta mencionada no artigo anterior consta:
ASSUNTO: Escritura pública de compra e venda – não comparência e perda de sinal.
Por despacho de 17-09-2014 do Sr. Presidente (…) vimos pela presente informar V. Exas. que a não comparência à assinatura da Escritura de Compra e Venda do Lote 1, Loteamento III, do Polo A, no dia 19-08-2014 (…) originou a perda do valor entregue no acto da celebração do Contrato-promessa de Compra e Venda a título de Sinal, no montante de 31.455,00€ (…)”;
32.º Por email de 06-10-2014 o réu, através do seu Sector do Património, enviou para aA.[1] o ofício de 22-09, mencionado no artigo anterior;
33.º Por email com a mesma data, a autora respondeu nos termos constantes de fls. 208, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, referindo que “estive doente, por tal motivo não foi possível receber tal documento. Queira marcar uma reunião por forma a solucionar tal, para a não perda do sinal.”
34.º Na mesma data a autora enviou para o réu o email constante de fls. 209 e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
35.º Na mesma data a autora envio o email constante de fls. 210, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
36.º Com data de 07 de Outubro de 2014, a autora enviou para o réu a carta constante de fls. 211, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e do qual consta, para além do mais, o seguinte:
“(…) Assunto: resposta ao vosso email de 6 de Outubro de 2014.
(…)
Como estava-se numa época de maior actividade económica (final de Julho de 2014), não entramos em contacto com a Câmara Municipal C…. Perto do período de férias, em 07-08-2014, (…) a B… enviou um email à Câmara (…) a comunicar que após regresso de férias, em 15 de Setembro de 2014, seria solicitada uma reunião. Nessa data não foi pedida a tal reunião, pelo facto de estar doente e de baixa.
Mais se informa que a Câmara (…) marcou certas escrituras à revelia e sem conhecimento da B… com umas simples comunicações por carta, quem nem sempre foi recepcionada. O motivo (…) prende-se com eu mesmo (…) estar doente e de baixa médica.
(…)
Em relação ao dito terreno, a B… não está interessada em algum terreno que pertença a esta Câmara, com esta direcção, no entanto, em relação ao dinheiro pago (…) não abdica do mesmo (…)”
37.º Com início não concretamente apurado, situado no ano de 2014, H…, sócio gerente da autora, esteve doente, que implicou a incapacidade temporária para o trabalho, sendo que, em 19 de Dezembro de 2014 foi considerado pelos Serviços da Segurança Social, como subsistindo uma situação de incapacidade temporária para o trabalho;
38º A sociedade A. encontrou-se encerrada, por motivo e para gozo de férias, durante todo o mês de agosto de 2014.
39º O R. Município não interpelou a A. para a entrega de quaisquer documentos relativos à outorga da escritura ou aos seus representantes legais, com vista a instruir ou agendar a escritura;
40º A autora atravessou em 2014 e 2015 por dificuldades económicas e financeiras.
41.º O Município de C… em 2004 criou o denominado Eco-Parque Empresarial C…, que consiste numa vasta área de terreno de vários hectares que era pinhal e foi loteada e infra estruturada com arruamentos, água, esgotos, energia elétrica e se destina à fixação de empresas com vista à criação de emprego local.
42.º De acordo com o Regulamento Municipal de Venda de Lotes de Terreno do Eco- Parque Empresarial C…, publicado no Diário da Republica, Apêndice II série n.º 302, de 28 de Dezembro de 2004, “O Eco-Parque integra-se numa aposta da política municipal de desenvolvimento e promoção da estrutura produtiva local de valorização e dinamização do tecido produtivo local”.
43.º Os interessados em comprar lotes em tal Eco-Parque têm de apresentar uma candidatura acompanhada de projecto devidamente estruturado e de forma a permitir avaliar o processo em todas as suas componentes técnica, económica, ambiental e social – artigo 6.º do Regulamento.
44.º Sendo que do processo de candidatura deveriam ainda constar os elementos indicados no artigo 7.º do Regulamento, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido.
45.º Na apreciação da candidatura eram ainda ponderados outros factores, tais como ter sede no concelho de C… há mais de dois anos, e todos os demais elencados no artigo 9.º do Regulamento.
46.º Mais consta do Regulamento, artigo 10 n.º 5, que: “No prazo de 180 dias, a contar da data da assinatura do contrato-promessa de compra e venda deverá o adquirente apresentar o projecto de arquitectura, devidamente instruído, na Câmara Municipal C…”.
47.º Face ao facto de os lotes serem vendidos não numa perspetiva comercial visando o lucro, mas sim de promoção de emprego e da atividade económica do concelho, a decisão do réu em contratar, em prometer vender, assentava na análise da candidatura e na vantagem que traria para o concelho C… conseguir captar o investimento do candidato, e os adquirentes dos lotes ficam ainda sujeitos a algumas condicionantes no que diz respeito à sua venda futura, ficando esta condicionada durante dez anos à autorização da Câmara Municipal C… – tudo como consta do artigo 14.º do Regulamento.
48.º Com a outorga do contrato promessa era entregue ao promitente comprador um exemplar do Regulamento que era anexado ao contrato e rubricado pelos intervenientes, o que neste caso ocorreu.
49.º Após o envio pela autora da comunicação de 24-09-2009, referida em 18º a autora não contactou o réu para marcar a escritura pública de compra e venda;
50.º A autora não apresentou os projetos exigidos pelo artigo 1º nº 5 do Regulamento.
*
b) Na mesma sentença não se julgaram provados os factos seguintes:
Petição Inicial: 30º, 31º, 32º, 36º, 37º, 38º, 42º a 44º: provado apenas o que consta do facto 37º da factualidade provada.
Não provado todo o demais alegado.
55º: Provado apenas o que consta do email de 07 de Agosto de 2014, referido no artigo 28.º dos factos provados;
58º; 61º e 72º Contestação:
- A autora não compareceu à reunião marcada em 01 Abril de 2014.
*
c) Análise dos fundamentos do recurso:
1- Começa a Apelante por questionar o destino probatório que na sentença recorrida foi dado aos factos alegados nos artigos 38.º, 40.º, 41.º e 55.º, da petição inicial.
Concretamente, pretende que, na sequência dessa alegação, se julgue provado que “o R. Município, ao contrário do procedimento usual e habitual realizado para o agendamento das escrituras de compra e venda objeto do Loteamento a que se refere o contrato objeto dos autos, não deu conhecimento à A., por contacto prévio pessoal, presencial ou telefónico, ou via correio eletrónico ou outro qualquer meio, da data agendada para a escritura de compra e venda de 19 de agosto de 2014; ou previamente concertou agendas com a A. para marcação e agendamento da escritura de compra e venda prometida, assegurando o pleno e eficaz conhecimento da recorrente”[2].
Nos referidos artigos (38.º, 40.º, 41.º e 55.º da petição inicial), a A., alega que, depois do adiamento da escritura pública agendada para o dia 30/07/2014, ficou “acordado entre ambas as partes outorgantes do contrato promessa objeto destes autos que, atentos os motivos de saúde invocados de um dos legais representantes da A., posteriormente seria a escritura agendada, e sempre para momento posterior a 15 de setembro de 2014, pelos referidos motivos de saúde invocados pelo legal representante da A., e aceites pelo R. Município sem qualquer objeção e também, ainda, pelo gozo do período de férias da A. no mês de agosto que se seguiria”.
Esse acordo foi por si confirmado através do e-mail enviado no dia 07/08/2014, “recebido pelo Município R., e pelo seu departamento para tal com conhecimento dos factos, que, ao mesmo, não respondeu ou objetou qualquer razão – Cfr. documento 26 que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido com a presente”.
Assim, “[a] sociedade A. ficou a aguardar o decurso de tal tempo para novo contacto do R.”, sendo que a A., como é habitual, se encontrou encerrada, para férias, em agosto de 2014, facto de que o R. tinha conhecimento pelo já citado e-mail.
Ora, como vemos, a redação que a A. propõe não corresponde ao que por si fora alegado nos já citados artigos da petição inicial. Neles, a A. sustenta, no fundo, que, na sequência do pedido por si formulado, houve um adiamento consensual da data da escritura pública marcada para o dia 30/07/2014, mas não refere qual era o procedimento habitual para o agendamento de escrituras, nem sequer a falta de comunicação atempada da nova data marcada para o mesmo efeito.
Deste modo, nunca a instância recorrida podia ter julgado os factos em causa (alegados nos artigos 38.º, 40.º, 41.º e 55.º da petição inicial), dando-lhe a redação que a A. ora pretende. O que é bastante para o indeferimento desta pretensão, por, neste domínio, não haver o erro de julgamento que a A. quer ver corrigido.
Por outro lado, pretende também a Apelante que se julgue provado o seguinte:
- “que durante todo o ano de 2014, pelo menos desde março/abril de 2014, o sócio gerente da A, H…, encontrou-se acometido de doença crónica e esteve de baixa médica desde outubro de 2014 até meados de 2015, com limitações de movimentação durante todo o ano de 2014; o que o impediu de estar regularmente nas instalações da A”;
- “que era o sócio gerente H…, o único que geria, em exclusivo, os assuntos administrativos da A. e foi sempre quem, em representação da A., B…, Limitada, reuniu, tratou e negociou o contrato objeto dos autos e foi com este quem, sempre, tratou o Município e os seus serviços administrativos a mesma matéria; tudo com exclusão do outro sócio da A.”;
- “que a sociedade A,. para além dos dois sócios não tem outros trabalhadores”.
Isto porque, a seu ver, estariam incorretamente julgados os factos alegados nos artigos 42.º, 43.º e 44.º da petição inicial.
É o seguinte o teor desses artigos:
“42º - Em julho de 2014, o legal representante da A., H…, seu gerente e principal gestor e único intermediário do negócio em causa com o Município R., foi acometido de doença que lhe impediu de caminhar, com gangrena de pé.
43º- Por tal motivo acabou por estar de baixa médica desde setembro de 2014 até finais do primeiro trimestre do ano de 2015. E,
44º- Por tal, impossibilitado de se movimentar, exercer a sua atividade profissional e, em consequência, de comparecer à empresa. (…)”.
Na sentença recorrida foi julgado provado, a este propósito, que “[c]om início não concretamente apurado, situado no ano de 2014, H…, sócio gerente da autora, esteve doente, que implicou a incapacidade temporária para o trabalho, sendo que, em 19 de Dezembro de 2014 foi considerado pelos Serviços da Segurança Social, como subsistindo uma situação de incapacidade temporária para o trabalho” – Ponto 37.º.
A Apelante considera que esta menção é insuficiente; que se deve igualmente julgar demonstrada, de modo mais abrangente, a situação de doença do seu referido sócio gerente, bem como a representatividade do mesmo.
Ora, não basta essa vontade, por parte da Apelante. É necessário igualmente que a referida abrangência tenha sido não só oportunamente alegada, mas também demonstrada.
Sucede que, quanto ao primeiro aspeto, a alegação da A. não consente algumas das inovações que a mesma agora pretende introduzir.
Assim, dos factos já descritos por referência à petição inicial não consta, por exemplo, “que a sociedade A,. para além dos dois sócios não tem outros trabalhadores”. Tal como não consta a situação de doença crónica desse gerente, reportada a todo o ano de 2014. O que consta, como vimos, é que só a partir de julho de 2014, é que o mesmo gerente adoeceu, ficando de baixa médica desde setembro do mesmo ano até ao final do primeiro trimestre de 2015, e não até meados deste ano, como pretende agora a A.
Nessa medida, e porque nos encontramos em pleno domínio do princípio do dispositivo, não pode este Tribunal julgar factos essenciais à caracterização do invocado impedimento da A. em receber a convocatória do R. para a escritura agendada para o dia 19/08/2014, que não tenham sido pela mesma oportunamente alegados (artigo 5.º, n.º 1, do CPC). Isto, porque pretendem demonstrar o incumprimento contratual do R., no qual a A. baseia a sua pretensão.
Por outro lado, no plano probatório também se encontra longe de estar comprovada a situação de doença do aludido gerente da A. em moldes diversos daqueles que já julgou assente a instância recorrida. O documento de fls. 265 só nos atesta que, em 19/12/2014, subsistia a incapacidade para o trabalho do mesmo gerente e, portanto, não havendo outro documento idóneo a demonstrar a referida situação de doença, nem ser a testemunha, I…, perita em tal domínio, não se pode julgar demonstrado semelhante estado.
Acresce que também a alegada representatividade exclusiva do mesmo gerente, ou seja, a sua intermediação na realização deste negócio, está em causa. A testemunha, J… (funcionária do R.), disse só ter mantido contactos com o gerente, H…, mas a esposa do mesmo, ou seja, a testemunha, I…, embora tivesse, num primeiro momento, apontado no mesmo sentido, acabou por, a instâncias do mandatário da parte contrária, admitir que o cunhado também pudesse ter participado nas negociações deste contrato. O que deixa na dúvida a referida intermediação exclusiva do seu marido.
Deste modo, e em suma, não se acolherá a ampliação da matéria de facto, ora em análise.
Resta a questão de saber se “a A. nunca aceitou a resolução efetuada e (…), após a receção da comunicação de 6 de outubro de 2014 de fols. 204 a 206 dos autos, A. e R. reuniram com vista à viabilização do negócio, mantendo a possibilidade da sua realização”.
Esta afirmação, que a A. pretende ver demonstrada, resulta do que a mesma diz ter referido nos artigos 113.º, 114.º e 115.º da petição inicial.
Mas, não é assim.
Nesses artigos refere-se o seguinte:
“113º- Com a atuação do Município R. supra descrita na presente petição, o R. torna impossível a realização da escritura prometida deixando a mesma de poder ser realizada por vontade unilateral do R.. E,
114º Com a conduta supra descrita do Município R., a A. perdeu toda a confiança depositada no mesmo e, aliás, atenta a falta de comunicação pelo R., quer do registo predial a seu favor quer do licenciamento do loteamento objeto do contrato promessa quer, ainda, pelo decurso do tempo decorrido desde a outorga do mesmo com as sucessivas alterações e mudanças de designação do lote e, ao não marcar a escritura durante todo este tempo, estando o R. desde a assinatura do contrato promessa sem dar nota à A. dos motivos para tal, para, por fim e ao fim de 9 anos, alegadamente, marcar a escritura prometida, o que se não admite e apenas alega para efeitos de exposição, para altura que bem sabia a A. estar encerrada por coincidir com o período crítico de encerramento das unidades fabris na região e por ter sido avisado pela A. de tal facto, bem sabia o R. que, à data de setembro de 2014 e da comunicação de outubro de 2014, não possuía, nem reunia, os pressupostos necessários para resolver o contrato e fazer sua a quantia entregue pela sociedade A. e mesmo assim o fazendo, deixando, por tudo isso, de ter a A. qualquer interesse no negócio.
115º Tendo o Município R. agido de modo a provocar na A. a perda do interesse em realizar qualquer negócio com o mesmo”.
Como vemos, não há nestes artigos qualquer alusão ao facto da A. nunca ter aceitado a resolução do contrato operada pelo R., nem à circunstância de alegadamente, após a comunicação de 06/10/2014, ambas as partes terem reunido para tentar a viabilização do negócio.
Nessa medida, não se poderão julgar tais factos como provados, por falta de oportuna alegação e ainda por, mais uma vez, não se detetar na sentença recorrida o erro de julgamento que a A. lhe imputa, a propósito das afirmações contidas nos artigos 113.º, 114.º e 115.º da petição inicial.
Em resumo, improcede toda a requerida ampliação da matéria de facto.
2- Vejamos, agora, se a rutura contratual operada pelo R. foi inválida e ineficaz, como defende a Apelante, e, na afirmativa, quais as respetivas consequências jurídicas e patrimoniais.
Para assim concluir, no sentido da referida invalidade e ineficácia, a Apelante considera que não foi avisada da celebração da escritura pública respeitante ao contrato definitivo com a antecedência mínima contratualmente estabelecida; que não lhe foi comunicado que o contrato promessa entre ambas celebrado seria resolvido, caso faltasse a essa escritura, no dia 19/08/2014; e, que não chegou a ter conhecimento desse agendamento, por se ter mantido encerrada no mês de agosto de 2014.
Também alude, nas conclusões do recurso à situação de doença do seu sócio gerente, H…, mas apenas para pedir a ampliação da matéria de facto e não já para invalidar a resolução do contrato por parte do R., pelo que desse fundamento não cuidaremos, nesta sede.
Está, portanto, em causa a questão de saber se essa resolução foi inválida e ineficaz, pelas outras razões já apontadas.
Pois bem, começa por ser importante ter presente que o contrato promessa que aqui está em causa foi celebrado no dia 30/09/2005. E nele se convencionou, efetivamente, que o contrato prometido seria celebrado logo que todos os documentos necessários para a sua instrução estivessem reunidos, bastando para o efeito, o R. avisar a A. “do local, dia e hora para a sua realização, com uma antecedência mínima de 15 dias” – cláusula 10ª.
E o R. assim fez. Comunicou à A., num primeiro momento (03/09/2009), que já estavam reunidas as condições para a celebração do dito contrato, mas porque a A. não se mostrou disponível para o efeito, na altura, voltou a informá-la, mais tarde, por carta expedida no dia 03/07/2014, que essa celebração teria lugar no dia 30/07/2014. Ou seja, respeitando aqui integralmente o referido prazo de 15 dias de antecedência.
Sucede que a A. não só faltou à escritura agendada para essa data (30/07/2014), como não apresentou qualquer justificação para a sua falta.
Por isso mesmo, o R. optou por agendar um outro dia para o mesmo efeito (19/08/2014), mas, desta vez, com uma cominação específica; ou seja, a de que a não celebração da escritura nessa data implicaria para a A. a perda do valor do sinal pela mesma entregue ao R.
E expediu, para o endereço da A., uma carta registada com aviso de receção, datada de 06/08/2014, dando-lhe conta de tais informações.
Esta carta, porém, não foi levantada nos correios, mas, facto curioso, a A., no dia seguinte, ou seja, no dia 07/08/2014, dirigiu ao R. um e-mail, acusando a receção de uma carta registada, a que disse não ser possível responder, por se encontrar de férias. E, acrescentou: “após regressar de férias, até ao dia 15 de Setembro de 2014, entraremos em contacto com o Sr. Presidente da Câmara Municipal C….
Até porque cremos os procedimentos da actual Câmara não estão de acordo com o que tínhamos em ideia da anterior direcção, por tal não deve fazer muito sentido a pressão actual, mesmo alegação de que estamos a ser beneficiados em relação a outros, a não ser por questões que todos já conhecem, de outrem estar interessado no terreno em questão.
Por tal deverá vir a ser tomada uma futura construção, mas não no concelho C…”.
E, no dia 19/08/2014, voltou a não comparecer à celebração da escritura.
O R., então, no dia 17/09/2014, decidiu fazer seu o valor do já referido sinal e desse facto deu conhecimento à A.; primeiro, por carta registada datada de 22/09/2014, que a A. voltou a não levantar nos correios, e, depois, por mensagem de correio eletrónico remetida no dia 06/10/2014.
E é nesta sequência que surge o presente conflito. Cingido, neste recurso, como vimos, à validade e eficácia da rutura contratual assim desencadeada pelo R..
Ora, quanto ao primeiro dos fundamentos de discórdia da A., cremos que a mesma não tem razão.
Efetivamente, foi convencionado entre as partes que R. avisaria a A. da data da celebração do contrato prometido com uma antecedência mínima de 15 dias em relação à escritura destinada a essa celebração. E esse prazo foi respeitado, quanto à escritura pública agendada para o dia 30/07/2014. Isto, se não quisermos dar qualquer relevância jurídica à audição prévia da A. sobre a data dessa mesma escritura, transmitida pelo oficio datado de 03/09/2009, escritura essa que só não se realizou então por impedimento da A., que, por sinal, se comprometeu a entrar em contacto posteriormente com o R. para a marcação de uma nova data, mas sem que haja noticia de o ter feito.
Atendendo, no entanto, àquela primeira marcação do dia 30/07/2014, é inegável que o R. respeitou o prazo convencionado.
Mas, não o respeitou para a segunda marcação; ou seja, para aquela que foi agendada para o dia 19/08/2014. Só concedeu um prazo de 13 dias.
Poderá esta circunstância afetar a validade substancial da correspondente convocatória?
Cremos que não.
Efetivamente, o prazo em causa tem um objetivo específico. Permitir que as partes, e particularmente a A., pudesse preparar a sua vida, documentação necessária e os fundos financeiros para a realização da escritura.
Ora, tendo em conta que já tinha havido uma primeira marcação com o integral respeito do prazo convencionado, é suposto que quer essa documentação, quer os ditos fundos já estivessem disponíveis. Por outro lado, a A. não se queixa de qualquer sobreposição de agendas. Diz apenas que o prazo em questão não foi respeitado. Mas essa invocação, neste contexto, é manifestamente abusiva. Ou seja, constitui um claro abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil), que deve ser neutralizado.
Repare-se que, como dissemos, a A. já tinha faltado a uma primeira marcação sem qualquer justificação. E que agora, na segunda, lhe foi dado um intervalo de 13 dias.
Neste contexto, e sabendo nós que foi a A. quem deu azo a esta segunda marcação, é bem de ver que a sua arguição, neste domínio, é ilegítima. Daí que não se acolha.
Passemos agora à análise do segundo dos fundamentos.
Trata-se de saber se, também na última das convocatórias, não foi comunicado à A. que o contrato promessa entre ambas celebrado seria resolvido, caso a mesma faltasse à celebração do contrato prometido.
Ora, ainda que não por essas palavras, foi-lhe transmitida uma mensagem semelhante. Isto, porque lhe foi comunicado que que “a não celebração da escritura de Compra e Venda do lote de terreno supra referido implica a perda do sinal entregue no acto da celebração do Contrato-Promessa de Compra e Venda (montante = 31.455,00€)”.
Ou seja, o R. consideraria esse contrato promessa definitivamente incumprido e apoderar-se-ia do dito valor, fazendo-o seu. O que resulta, obviamente, da resolução de tal contrato.
Por fim, alega a A. não teve conhecimento da convocatória para a escritura pública agendada para o dia 19/08/2014.
E, efetivamente, resulta dos autos que a carta que o R. lhe dirigiu, para o efeito, não foi pela mesma levantada dos correios.
Sucede que a lei não exige para a perfeição da declaração negocial a prova do efetivo conhecimento da mesma.
Também é “considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida” (artigo 224.º, n.º 2, do Código Civil).
Neste caso, basta “que a declaração chegue ao poder do destinatário, em condições de ser por ele conhecida, para se tornar eficaz, revelando-se indiferente que tome ou não efetivo conhecimento do respetivo conteúdo. Consagra-se, portanto, um desvio a favor da teoria da receção, que se mostra totalmente razoável: trata-se de considerar a declaração eficaz a partir do momento em que, segundo as regras da experiência comum e os usos do tráfego, fique apenas a depender de ato do destinatário entrar no seu conhecimento. (…).
Assim, por ex., se é entregue uma carta em sobrescrito fechado, na caixa de correio da morada correspondente à residência habitual do destinatário, espera-se que o mesmo a vá recolher, que a abra e que leia a comunicação dela constante.
Em coerência com este pensamento, se for o destinatário a impedir, culposamente, que a declaração chegue à sua esfera de poder, tudo se passa como se ela tivesse sido oportunamente recebida”[3].
Ora, na situação em apreço, cremos que é esta também a ilação a retirar; ou seja, é de concluir que a convocatória para a escritura pública marcada para o dia 19/08/2014, foi colocada na disponibilidade da A. e a mesma só não tomou dela imediato conhecimento por factos que a ela só são imputáveis.
Senão vejamos:
Há muito tempo, desde 30/09/2005, que a A. era conhecedora de que tinha uma escritura pública de compra e venda para celebrar com o R.. Aliás, como já dissemos, essa escritura só não foi realizada mais cedo porque a A., em 24/09/2009, disse não estar preparada para tal. E, só mais tarde, no ano de 2014, tanto quanto se sabe neste processo, são reatadas as diligências para a realizar. Até que, depois de várias reuniões adiadas, inclusive a pedido da A., o R. se decidiu convocá-la, por carta datada de 03/07/2014, para celebrar a escritura do contrato prometido, no dia 30 do mesmo mês e ano.
Todavia, a A. não compareceu a esta escritura, nem justificou a respetiva falta.
Perante esta falta, o R. decidiu convoca-la novamente para o dia 19/08/2014, mediante carta registada com aviso de receção. Só que essa carta, datada de 06/08/2014, embora tivesse sido remetida para o endereço da A., não foi pela mesma levantada nos serviços postais competentes, apesar do aviso aí deixado para o efeito.
No dia seguinte, como já vimos, a A. dá conta, por mensagem eletrónica, de que tinha recebido uma carta registada do R., mas diz que não lhe é possível responder, por se encontrar de férias.
Ora, esta desculpa não a pode desonerar do dever de comparência à já citada escritura. A A., como vimos, sabia que tinha sido convocada anteriormente para o mesmo efeito e não compareceu injustificadamente. Por isso, o que se lhe impunha, em termos de boa fé contratual, era inteirar-se das consequências da sua falta e da nova data para eventual repetição da diligência. Nunca, como fez, acusar a receção de uma carta que, por não se ter dado ao trabalho de abrir ou mandar abrir, disse só poder responder posteriormente. É, repetimos, um ato que, na sequência em que é praticado, viola a boa-fé contratual. Por isso, não pode ser legitimado. Até porque, seja a abertura da carta em questão, seja a outorga da escritura do contrato prometido, são atos que podem ser praticados por terceiros.
Daí que subscreva também o entendimento adotado na sentença recorrida, a este respeito.
Em suma, não há qualquer motivo para acolher os fundamentos deste recurso e, por isso mesmo, a dita sentença só pode ser confirmada.
*
III- DECISÃO
Pelas razões expostas, acorda-se em negar provimento ao presente recurso e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida.
*
- Porque decaiu na sua pretensão recursiva, as custas deste recurso serão suportadas pela A.. - artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC.
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Porto, 26 de Novembro de 2019
João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreiro
Lina Baptista
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[1] Na sentença recorrida consta “ré”, mas tal deve-se, certamente, a lapso de escrita, que aqui se corrige.
[2] Cfr. al. a) do ponto 2, das conclusões do recurso, que, neste domínio, limitam o nosso poder cognitivo.
[3] Fernanda A. Ferreira Pinto, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, UCP, pág. 506, bem como a jurisprudência aí indicada.
No mesmo sentido, por exemplo, AC. RP, de 22/10/2013, Processo n.º 378/11.0TBARC-H.P1, consultável em www.dgsi.pt