Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12796/20.9T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO TAVEIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: RP2024071012796/20.9T8PRT.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Haverá que fazer uma apreciação do julgamento da matéria de facto da primeira instância de tal modo que as provas produzidas em primeira instância imponham de modo decisivo e forçado uma outra decisão da matéria de facto.
II - Para se considerarem provados factos não basta que as partes ou as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º[1]12796/20.9T8PRT.P1

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Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro

Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira J3

RELAÇÃO N.º 157

Relator: Alberto Taveira

Adjuntos: Maria da Luz Seabra

               Artur Dionísio Oliveira


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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

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I - RELATÓRIO.

AS PARTES


A.: A..., Lda.

R.: B... BV.


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A [2] Autora instaurou procedimento de injunção europeia, entretanto, transmutado em acção declarativa comum, peticionando a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 354.745,82, acrescida dos correspondentes juros de mora desde a data da emissão das facturas.

Alega, para o efeito e em síntese, que forneceu sapatos à Ré e que esta não lhe pagou o preço na íntegra, pois o valor da mercadoria era inicialmente facturado com um preço mais baixo que o acordado, para depois serem emitidas facturas que completavam o preço acordado.

A Ré veio contestar, pugnando pela improcedência da acção, porquanto, em suma, em nenhum momento foi acordado pagar um eventual diferencial de preço, ou seja, não foi acordado um pagamento extra para compensar a Autora nessas produções.

Em reconvenção, peticiona a condenação da Autora:

a) a devolver-lhe os moldes descritos no art.º 90.º da contestação, de imediato, em bom estado de conservação e de funcionamento;

b) a pagar-lhe as benfeitorias feitas e pagar pela Ré nas instalações da Autora, no valor de € 43.904,72, acrescido dos juros, à taxa legal, a contar da contestação/reconvenção até efectivo e integral pagamento;

c) a pagar-lhe a quantia de € 250,00, a título de sanção compulsória, por cada dia de atraso na entrega dos moldes.

E, na eventualidade de vir a ser condenada por algum montante, deverá ser operada a compensação dos créditos entre as partes.

Alega, em suma, que no âmbito do contrato de fornecimento celebrado entre as partes, a Ré disponibilizou à Autora vários moldes de calçado e equipamentos, no valor global de € 46.282,16, sendo tais moldes da titularidade da Ré, não podendo ser usados para qualquer outro cliente da Autora.

Além disso, a Ré pagou vários equipamentos à Autora, equipamentos esses que foram integrados nas instalações desta, entre eles, equipamentos de compressor e extracção de ar, de ventilação e respectivas instalações, e instalações eléctricas, pagos à Autora ou directamente aos instaladores, no valor global de € 43.904,72. Tais benfeitorias aportadas nas instalações da Autora teriam de ser compensadas por esta à Ré na eventualidade das negociações de compra da empresa não se concretizasse, como foi o caso.

E, o contrato de fornecimento entre as partes cessou em Junho de 2020, pelo que a Autora tem de devolver os moldes à Ré e proceder ao pagamento das benfeitorias feitas nas instalações da Autora.

A Autora veio responder, reconhecendo, por um lado, que os valores relativos aos folios 6, 7, 8, 10, 24, 32, 33, 34, 35, 47, 51 e 54, no montante global de € 12.141,51, são devidos à Ré/Reconvinte. Todos os outros moldes estão na posse de outros fornecedores que trabalham para a Ré/Reconvinte. Por outro lado, são também devidos os valores referentes às facturas ..., ..., ..., ... e ..., no valor global de € 11.012,63, por constituírem trabalhos realizados nas instalações e facturados e pagos pela Ré.

Impugna tudo o demais alegado pela Ré/Reconvinte. Acresce que, segundo o contrato, a mesma não tem qualquer direito ao reembolso de qualquer valor a título de benfeitorias.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, aferindo genericamente pela positiva os pressupostos processuais. Foram, igualmente, proferidos despachos a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova, não tendo sido apresentada qualquer reclamação.


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DA DECISÃO RECORRIDA


Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida SENTENÇA julgando parcialmente procedente o pedido e a reconvenção, nos seguintes termos:

A) Julgam-se parcialmente procedentes a acção e a reconvenção e, em consequência:

A.1. Condena-se a Ré a pagar à Autora a quantia de € 10.287,21 (dez mil, duzentos e oitenta e sete euros e vinte e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros comerciais, desde 2 de Novembro de 2016, até efectivo e integral pagamento;

A.2. Condena-se a Ré a pagar à Autora a quantia de € 107.000,00 (cento e sete mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros comerciais, desde 2 de Janeiro de 2017, até efectivo e integral pagamento;

A.3. Condena-se a Ré a pagar à Autora a quantia de € 165.000,00 (cento e sessenta e cinco mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros comerciais, desde 31 de Janeiro de 2018, até efectivo e integral pagamento;

B) Absolvem-se a Ré e a Reconvinda do demais peticionado.”.


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Daquela sentença veio a R. recorrer, tendo a Relação proferido o seguinte acórdão - parte decisória:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em rejeitar o recurso  interposto pela recorrente.

- Custas pela R. (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).

O fundamento de tal decisão diz respeito à existência de que “o corpo das alegações da recorrente não tem correspondência com o corpo das conclusões. Na realidade, constam das conclusões argumentação e considerandos que de todo não constam da alegação de recurso.

Os argumentos e considerações de ataque à decisão da matéria de facto estão na sua totalidade no corpo das conclusões.


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Inconformado com tal aresto a R. dele veio interpor recurso, sendo que a final é proferido Ac. pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:

Assim e pelos fundamentos expostos, procede a revista, devendo os autos baixar à Relação para apreciação da impugnação da matéria de facto e termos subsequentes.”

Sumariando a decisão:

Não é causa de rejeição do recurso, a repetição pela recorrente, nas conclusões, da motivação da impugnação da factualidade dada como provada e não provada constante do corpo das alegações, sendo certo que a falta de síntese das mesmas pode ser objecto do convite previsto no nº 3 do artº 640º do CPC.”.

Baixaram os autos, para decisão, nos termos ordenados.


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DAS ALEGAÇÕES

A R., interpõe RECURSO da decisão proferida pela primeira instância, acabando por pedir o seguinte:

Termos em que, e nos demais de direito aplicáveis, deverá dar provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida em conformidade com o exposto; absolvendo a Ré e condenando a Autora a pagar à Ré a quantia global de 56.046,23€, a que acrescem juros de mora, à taxa legal de juros comerciais, desde a data do pedido reconvencional até efetivo e integral pagamento. “.


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A ora recorrente apresenta as seguintes CONCLUSÕES:

1. A sentença recorrida, ao pronunciar-se pela condenação da Ré, apreciou mal as questões de facto e de direito que se lhe depararam, questões essas, uma vez corretamente apreciadas e decididas, seguramente conduzirão a uma outra decisão, bem diferente daquela que foi proferida, reconhecendo expressa razão à ora Apelante.

Da Alteração da Matéria de Facto

2. Porque ocorreu gravação de todos os depoimentos prestados e existem documentos juntos aos autos, nos quais constam factos que não foram atendidos, nem relevados pelo Meritíssimo Juiz a quo na decisão da matéria de facto, entendemos, com todo o respeito, haver manifesto erro de julgamento, impugnando-se, assim, a decisão proferida sobre matéria de facto – art. 638º, 640º, 662º todos do C.P.C.-, considerando a Apelante incorretamente julgados:

- os factos dados como provados na sentença proferida em J), K), L), M), e N), que deveriam ter sido dado como não provados;

- os factos considerados como não provados na sentença a saber:

“- Não foi acordado um pagamento extra para compensar eventuais perdas da empresa Autora nessas produções.

- As partes definiam os preços por coleção, revisto anualmente; nesses preços acordados, ainda houve conflitualidade entre as partes porquanto a Autora aumentava os preços inicialmente acordados sem pré-aviso, nem acordo da Ré.

- Não competia à Ré a gestão da fábrica da Autora, não competia à Ré gerir os custos de produção, custos da fábrica, nem a sua produtividade, não tinha a Ré qualquer controlo e poder de fiscalização sobre a vida e gestão da Autora.”

Quanto aos factos considerados como provados na sentença em J), K), L), M), e N), e o facto dado como não provado em “Não foi acordado um pagamento extra para compensar eventuais perdas da empresa Autora nessas produções.”

3. Relativamente a estes factos, o Tribunal a quo não deu relevância aos depoimentos prestados por AA e BB; depoimentos estes que foram coincidentes com as declarações de parte do legal representante da Ré.

4. Depoimentos esses cuja credibilidade, imparcialidade e honestidade não foram postas em causa, até porque o Tribunal a quo considerou tais depoimentos para a matéria facto julgada provada em O) a R).

5. Nesse sentido, indica-se as passagens concretas:

5.1- Testemunha AA, da audiência de julgamento do dia 27 de Junho de 2022

- passagem concreta em 0h15m à 0h50m; e

- passagem concreta em 01h21 à 01h24.

5.2 - Testemunha BB, da audiência de julgamento do dia 13 de Julho de 2022.

- passagem concreta em 0h05m a 00h12m; e

- passagem concreta em 00h17 a 00h18.

5.3 - Declarações de parte de CC, da audiência de julgamento do dia 13 de Julho de 2022.

- passagem concreta em 00:03:00 a 00:12:00;

- passagem concreta em 00:15:00 a 00:19:00;

- passagem concreta em 00:23:00 a 00:27:00; e

- passagem concreta em 00:37:00 a 00:46:00.

6. As testemunhas (AA e BB) lograram explicar a estrutura da empresa da Ré, explicando de forma clara e evidente que todas as decisões teriam de ser tomadas pelo seu gerente CC, à excepção das decisões correntes. O AA tem poderes limitados em tomar decisão fora do contexto normal até ao limite de Euros 5.000,00. E, a Autora sabia perfeitamente desta estrutura e que o CC era o gerente e quem tomava as decisões até porque as empresas já trabalhavam em conjunto há muitos anos e ainda antes da entrada do AA na Ré. O AA ainda afirmou claramente que não fez qualquer acordo com a Autora para o pagamento de alegados prejuízos da empresa no final de cada ano por alegadamente ser vendido calçado abaixo de preço de produção e que não houve a dita reunião sobre este tema. Afirmou, também, que não se recorda, nem poderia ter enviado o aludido email dos autos. O AA não acordou tal acordo e, por consequência, o CC não autorizou, nem validou; sendo que, a tomada de decisão de um eventual acordo desta natureza é da competência única e exclusiva do CC.

7. Por sua vez, nas declarações de parte prestadas pelo CC – Gerente da Ré, o mesmo logrou explicar a estrutura da empresa, centralizada na sua pessoa, sendo ele a tomar as decisões da empresa, a não ser as decisões correntes. A Autora sabia perfeitamente que era ele o gerente da empresa e que era ele que tomava as decisões. O AA tinha poderes limitados de tomar decisão extraordinária até ao limite de 5.000,00€. A Ré não fez qualquer acordo com a Autora de alegada emissão de fatura extra para compensar o custo de produção. Não fazia sentido qualquer sentido porque estavam em negociar a compra das quotas da Autora e que tinha sido negociado o valor de 5 x o EBITA, ou seja, se a faturação fosse maior teriam de pagar mais. Não teve conhecimento destas faturas até à presente ação. Não teve qualquer conhecimento de uma alegada reunião do AA e CC em que teria sido acordado o pagamento de uma fatura extra para compensar custo e se teria havido o AA ter de pedir validação junto do CC para fazer tal acordo.

8. Ou seja, depreende-se com tais declarações que a Ré é uma estrutura centralizada no seu gerente sendo ele a tomar as decisões da empresa e que a Autora bem sabia disso uma vez que já trabalhavam, em conjunto, há muitos anos.

9. Mais, não houve qualquer acordo de pagamento extra para compensar os custos de produção.

10. Para além disso, existe prova documental corroborante:

i. Documento nº 1 da contestação, referente à intenção de compra da empresa da Autora pela Ré, onde se extrai que quem vincula a Ré é o CC,assinando neste sentido, tendo o AA assinado por causa da clausula de confidencialidade e como conselheiro.

ii. documento nº2 e 3 da contestação, um contrato de subarrendamento assinado pela C... (empresa detida pela Autora), no qual se extrai que quem vincula a Ré é o CC e o mesmo foi assinado pelo CC.

iii. Documentos nº 61 e 62 da contestação (devidamente traduzidos nos autos), referentes às interpelações de pagamento da Autora à Ré de valores vencidos, dos anos de 2018 e 2019, em que se verifica não existir da conta corrente da Autora as faturas peticionadas nos presentes autos, nem esta exigir o pagamento das faturas peticionadas

Mais,

11. Não existe no processo, pela via testemunhal ou documental, qualquer prova sobre o montante vertido nas faturas peticionadas de 66.333,44€, 107.000,00€ e 165.000,00€.

12. Tais faturas foram expressamente impugnadas pela Ré, competindo à Autora a prova da razão das mesmas em todo seu alcance, a saber:

12.1 a prova que houve o alegado acordo de emissão de fatura entre 6% e 7% do valor das vendas anuais para compensar a diferença em falta para que o resultado líquido da empresa fosse positivo.

12.2 a prova que o valor peticionado (66.333,44€, 107.000,00€ e 165.000,00€) corresponde entre 6% e 7% do valor das vendas anuais de 2016 e 2017 para compensar a diferença em falta para que o resultado líquido da empresa fosse positivo.

13 Ora, quanto à conclusão 12.2, não existe qualquer prova testemunhal porque nada foi perguntado sobre isto, nem documental porque nada foi junto.

14 No final da instrução dos autos, Autora não fez prova de que teve efetivamente perdas, não fez prova de que o custo de produção do calçado era superior aos preços acordadas, não fez prova de prejuízos da empresa ligados ao custo de produção, tão pouco se a empresa teve efetivamente prejuízos no final do ano.

15 No final da instrução, a Autora não faz qualquer prova documental, se os valores exigidos nas aludidas faturas correspondiam ou não a 6% e 7% do volume de vendas do ano.

16 E, tal prova deveria ter sido feita documentalmente, o que não sucedeu.

17 Sucede que, o Tribunal a quo, decidiu ao contrário da prova produzida.

18 Como tal, e salvo o devido respeito, parece-nos claro que foram incorretamente julgados os pontos de factos suprarreferidos, contrariando a prova produzida em audiência de julgamento, bem como a repartição do ónus de probatório em causa.

19 Pelo que, não deveriam ter sido dado como provados os factos J), K), L), M), e N), ao vez, deveria sido dado como provado “Não foi acordado um pagamento extra para compensar eventuais perdas da empresa Autora nessas produções.”

Quanto aos factos não dados como provados e relevantes para boa decisão, até porque são indissociáveis à matéria controvertida, a saber:

“- As partes definiam os preços por coleção, revisto anualmente; nesses preços acordados, ainda houve conflitualidade entre as partes porquanto a Autora aumentava os preços inicialmente acordados sem pré-aviso, nem acordo da Ré.

- Não competia à Ré a gestão da fábrica da Autora; não competia à Ré gerir os custos de produção, custos da fábrica, nem a sua produtividade; não tinha a Ré qualquer controlo e poder de fiscalização sobre a vida e gestão da Autora.”

20 A relevância desses factos é indiscutível para o correcto enquadramento dos factos e como suporte para a apreciação dos factos supra.

21 Nesse sentido, indica-se as passagens concretas:

21.1 Testemunha AA, da audiência de julgamento do dia 27 de Junho de 2022

- passagem concreta em 00:59:00 a 01h20; e

- passagem concreta em 01h24 a 01h27.

21. 2 - Testemunha BB, da audiência de julgamento do dia 13 de Julho de 2022.

- passagem concreta em 0h14m a 00h20m.

21.3 - Declarações de parte CC, da audiência de julgamento do dia 13 de Julho de 2022.

- passagem concreta em 00h10m a 00h15m; e

- passagem concreta em 00h19m a 00h23m.

21.4 Declarações de parte do DD da audiência de julgamento do dia 22 de Setembro de 2022.

- passagem concreta em 00h19 a 0h25.

- Página 40 de 43-

22 As testemunhas (AA e BB) lograram explicar que os preços eram definidos pelas partes, antes de cada coleção, e que havia muitas discussões sobre os preços com a Autora porque, a meio da coleção, esta alterava os preços e mesmo no envio das faturas havia preços diferentes do acordado. Mais explicaram que, a Ré não tinha qualquer controlo sobre a Autora, não tinha acesso às contas da Autora, não lhe competia gerir a estrutura de custos da Autora, nem a sua produtividade. Como também, não tinha qualquer controlo de fiscalização sobre os custos de produção e custos da empresa Autora.

23 Nas declarações de parte prestadas pelo CC – Gerente da Ré-, o mesmo logrou explicar o mesmo, ou seja, que era, de forma recorrente, negociados os preços, em cada coleção e novos produtos, os preços eram actualizados anualmente e que, ainda, a Autora, por vezes, impunha preços mais elevados no momento de nova encomenda; como também, discutiam, muitas vezes, os preços quando a Autora enviava faturas com preços mais elevados do que os definidos, aceitando, algumas vezes, tais alterações porque estavam dependente da encomenda. A Ré não tinha qualquer poder, controlo sobre a Autora, não tinha acesso às contas da Autora; não lhe competia gerir a estrutura de custos da Autora, nem a sua produtividade. Como também, não tinha qualquer controlo de fiscalização sobre os custos de produção e custos da empresa Autora.

24 Por sua vez, nas declarações de parte prestadas pelo DD – Gerente da Autora – que esteve presente na audição das testemunhas, prestando depoimento atrapalhado, pouco convicto, acabou por revelar que o preço do fornecimento do calçado era acordado, revisto de forma regular e alterado de acordo com cada encomenda feita no momento, tendo em atenção o custo de materiais (ou seja custo de produção).

25 E, como prova documental, foram juntos aos autos:

- documentos nº 5 a 16 da contestação, extraindo-se dos mesmos as listagens de preços que eram definidos anualmente, bem como comunicações entre as partes em que era discutido os preços e faturas enviados pela Autora sobre o fornecimento de calçado cujos valores eram superiores ao acordado.

Assim,

26 Conjugando tais depoimentos, tais declarações, e tais documentos, verifica-se que o aludido acordo referido pela Autora não fazia qualquer sentido.

27 O aludido acordo defendido pela Autora seria passar um cheque em branco a esta, acabando a Ré pagar por um preço de fornecimento de calçado não fixo, e com uma variável que não poderia controlar.

28 Venderia tal calçado aos seus clientes, não sabendo, depois, se vendeu abaixo de custo por causa desta variável defendida pela Autora no final do ano.

29 Não competia à Ré gerir os custos de produção da Autora, não competia à Ré o controlo das despesas, não tinha poderes de fiscalização e de controlo sobre a Autora; nem esta reportou tais informações à Ré.

30 Não tendo tais poderes, como poderia a Ré saber que havia uma diferença em falta para que o resultado líquido da empresa Autora fosse positivo.

31 Tal resultado líquido da Autora para ser possível ou não tem variáveis imponderáveis, despesas não relacionadas directamente com actividade imputadas a empresa, salários mais elevados do que normal, carros de serviços com custos mais elevados do que o normal, etc.

32 Seguindo este raciocino da Autora, independentemente da produtividade desta e dos custos justificados ou não, esta nunca poderia ter prejuízo, e caberia a Ré pagar esta diferença até um limite.

33 Outra incoerência, é o facto das partes negociaram preços anualmente, serem os mesmos revistos encomenda a encomenda, serem revistos pela Autora até com a emissão das faturas sem dizer nada a Ré, gerando discussões.

34 Ora, seguindo o raciocino da Autora, se a Ré tivesse de pagar a diferença em falta para que o resultado líquido da empresa Autora fosse positivo, a fixação de preço seria irrelevante já que no final do ano haveria lugar sempre ao acerto final.

35 Só que, isto não sucedeu deste forma.

36 Outra incongruência, é o facto da empresa Ré estar a negociar com o gerente da Autora a compra das suas participações sociais na empresa Autora, tendo sido definido como prévio preço de aquisição 5X o EBITA.

37 Ora, não faz sentido, da iniciativa da Ré, fazer o sobredito acordo defendido pela Autora, de emissão de fatura 6% e 7% do volume de vendas, se depois estas faturas iriam ser repercutidas no EBITA e levaria, depois, a um preço mais elevado de aquisição das participações socais.

38 Como também, outra incongruência, é a divergência de valores interpelados pela Autora à Ré, nas suas comunicações de 2018 e 2019, em que a Autora, ao fazer menção de valores em atrasos para pagar, não refere as faturas agora peticionadas.

Resulto do exposto que,

39 A livre apreciação e convicção do Juiz tem que incidir sobre as PROVAS de factos.

40 E, na verdade, os elementos probatórios em audiência e no processo não permitam formar convicção plena de certeza nos factos alegados pela Apelada.

41 A sentença recorrida fez, portanto, errada análise crítica da prova produzida, resultando a sua convicção num fundamento viciado desde o início, pelo que, deverão ser alteradas as respostas dadas aos quesitos postos em causa nos termos indicados.

Do Direito

42 Em face à alteração de matéria de facto que se impõe para repor a justiça, verifica-se que não existiu qualquer acordo entre as partes para alcançar novo preço final dos fornecimentos.

43 Não houve qualquer acordo de emissão de faturas que compensasse a diferença em falta para que o resultado líquido da empresa fosse positivo, num valor acordado para o lucro final de cada ano, e que seria entre 6% e 7% do valor das vendas.

44 Não tendo havido qualquer prova do alegado acordo invocado pela Autora, nem tão pouco quanto ao seu montante, deverá a Ré ser absolvida integralmente do peticionado pela Autora.

Por consequência,

45 Face a matéria de facto provada e assente, o pedido reconvencional formulado pela Ré à Autora deverá ser procedente, como o foi.

E,

46 Face à inexistência de crédito da Autora sobre a Ré, já não sendo necessário fazer qualquer operação de compensação, deverá, então, a Autora ser condenada a pagar à Ré a quantia global de 56.046,23€, a que acrescem juros de mora, à taxa legal de juros comerciais, desde a data do pedido reconvencional até efetivo e integral pagamento.

47 A Douta Sentença em crise violou, pois, por errada aplicação e interpretação, dos art. 341º, 342º, 346º, todos do C.C.

48 Pelo que, merece ser revogada e substituída por outra que condene a Apelada nos pedidos de reconvencionais.”.


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A A. apresentou contra-alegações, tendo pugnado pela rejeição do recurso por não cumprimento dos requisitos (i- indicação dos precisos meios de prova relativamente a cada facto impugnado; ii - não indica relativamente a cada facto qual a resposta que pretende ver declarada por este Tribunal).

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II-FUNDAMENTAÇÃO.


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil

Como se constata do supra exposto, as questões a decidir, são as seguintes:

a) Recurso da matéria de facto

1)  – Impugnação da matéria de facto dos factos dados como provados nas alíneas J), K), L), M) e N), que deveriam ser dados como não provados.

E em consequência, ser dado como provado o seguinte facto:

Não foi acordado um pagamento extra para compensar eventuais perdas da empresa Autora nessas produções (artigos 64º e 65º da contestação);

2) – Deveria ser dado como provados os seguintes factos:

- As partes definiam os preços por coleção, revisto anualmente (artigo 60º da contestação); nesses preços acordados, ainda houve conflitualidade entre as partes porquanto a Autora aumentava os preços inicialmente acordados sem pré-aviso, nem acordo da Ré (artigos 61º a 63º da contestação).

- Não competia à Ré a gestão da fábrica da Autora, não competia à Ré gerir os custos de produção, custos da fábrica, nem a sua produtividade (artigos 66º e 67º da contestação). Não tinha a Ré qualquer controlo e poder de fiscalização sobre a vida e gestão da Autora (artigo 71º da contestação).

b) De direito

Com a alteração da decisão sobre os factos não provados, terá que ser modificada a decisão de direito, com a absolvição da R., pois que não ficou demonstrado qualquer acordo entre as partes para a definição do preço dos fornecimentos – compensação da “diferença em falta para que o resultado líquido da empresa fosse positivo, num valor acordado para o lucro final de cada ano, e que seria entre 6% e 7% do valor das vendas”.

Em consequência, deverá a reconvenção ser julgada procedente, e a A. condenada a pagar à R. a quantia de 56.046,23 €, acrescida de juros de mora.


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OS FACTOS


A sentença ora em crise deu como provada e não provada a seguinte factualidade.

Factos provados e não provados.

A.1. Matéria provada

Da instrução e discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos:

A) A Autora é uma sociedade industrial que tem por objecto a fabricação, comercialização, importação e exportação de calçado em série, personalizado, semi-ortopédico, ortopédico e componentes para calçado;

B) No âmbito, exclusivo, do seu objecto, a autora estabeleceu com a Ré uma parceria comercial em 2016 que durou nos anos subsequentes;

C) A Ré uma empresa de direito holandês, com mais de 60 anos de actividade, sendo uma empresa internacional no sector de calçado de moda e especializada no calçado ortopédico;

D) No decurso da sua actividade, a Ré celebrou vários contratos de fornecimento para a produção de calçado, desenhado e desenvolvido por esta, junto de várias fábricas de calçado espalhadas pelo mundo, designadamente a Autora;

E) A Autora está em dívida para com a Ré no valor global de € 12.141,51 (folios 6, 7, 8, 10, 24, 32, 33, 34, 35, 47, 51 e 54);

F) A Autora reconhece dever à Ré os trabalhos realizados nas instalações a que reportam as facturas ..., ..., ..., ... e ..., facturados e pagos pela Ré, no valor global de € 11.012,63;

G) O contrato assinado entre Autora e Ré, junto com a contestação como Doc. 1, cujo teor aqui se dá por reproduzido, designadamente que, em Outubro de 2015, a Ré apresentou à Autora uma carta de intenção para a compra da sua posição no capital social da empresa A..., tendo ocorrido diversas negociações, sendo que a supra referida aquisição não se concretizou;

H) O contrato de subarrendamento junto com a contestação como Doc. 2, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

I) O contrato de fornecimento entre as partes cessou em Junho de 2020;

J) No âmbito da relação comercial com a Ré, foi por esta solicitado que se aplicasse, de forma dissimulada, uma tabela de preços abaixo dos preços acordados, por questões contabilísticas na Holanda (sede da Ré);

K) Não tendo a Autora acedido a tal solicitação, com fundamento na sua ilegalidade e no facto de não cobrir a estrutura de custos da mesma, que se dedicava a trabalhar para a Ré;

L) Então, a Ré propôs que a Autora aceitou emitisse no final do ano, referente a desenvolvimentos, amostras, acompanhamento, etc., facturas que compensassem a diferença em falta para que o resultado liquido da empresa fosse positivo, num valor acordado para o lucro final de cada ano, e que seria entre 6% e 7% do valor das vendas;

M) O acordo ficou selado e validado entre as partes e por quem tinha poderes para o acto e assim a Autora procedeu;

N) Em conformidade com esse acordo, por forma a alcançar o preço global definido, a Autora emitiu e enviou à Ré, que não as devolveu, as seguintes facturas:

– Factura n.º ..., de 31/10/2016, com vencimento em 01/11/2016, com a descrição “custo adicional de produção não facturado”, no valor de € 66.333,44;

- Factura n.º ..., de 31/12/2016, com vencimento em 01/01/2017, com a descrição “custo adicional de serviços de produção conforme acordado em relação ao ano de 2016”, no valor de € 107.000,00;

- Factura n.º ..., de 31/12/2017, com vencimento em 30/01/2018, com a descrição “custos adicionais de produção conforme acordado em relação ao ano de 2017”, no valor de € 165.000,00;

O) Para além do que consta da alínea F), a Ré pagou vários equipamentos à Autora, equipamentos esses que foram integrados nas instalações da Autora, entre eles, equipamentos de compressor e extracção de ar, de ventilação e respectivas instalações, e instalações eléctricas, pagos à Autora ou directamente aos instaladores;

P) A Ré pagou, assim, os equipamentos e instalações descritos no art.º 96.º da contestação e aqui dado por integralmente reproduzido, no valor global de € 43.904,72 (incluindo o referido em F));

Q) Alguns equipamentos e serviços foram facturados, por conveniência da Autora, em seu nome, mas pagos pela Ré, como sucedeu com as 4 (quatro) primeiras facturas emitidas pelas D...;

R) O valor global referido em P) teria de ser restituído à Ré na eventualidade das negociações de compra da empresa não se concretizarem.

Matéria não provada:

Com relevo para a decisão, nenhuns outros factos ficaram demonstrados, nomeadamente não ficou provado que:

a) Para além do que está assente (al. E)), a Autora disponibilizou à Autora, que tem em seu poder, os demais moldes referidos nos art.ºs 88.º a 91.º da contestação, com os valores aí referidos.“, realçado nosso.


**

*
DE DIREITO.

A)


Recurso da matéria de facto

*

São as conclusões do requerimento de recurso quem fixa o objecto do recurso.

Dispõe o artigo 640.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, com a epígrafe, “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, o seguinte:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. (…)“.

A Doutrina tem vindo a expor, de modo repetido e claro, quais os requisitos que o recurso de apelação, na sua vertente de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, terá de preencher para que possa ocorrer uma nova decisão de matéria de facto.

Nesta sede, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5.ª Ed., em anotação à norma supratranscrita importa reter o seguinte.

a) Em primeiro lugar, deve o recorrente obrigatoriamente indicar “os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões”;

b) Em segundo lugar, tem o recorrente que indicar “os concretos meios probatórios” constantes dos autos que impõe sobre aqueles factos (alínea a)) decisão distinta da recorrida;

c) Em terceiro lugar, em caso de prova gravada, terá de fazer expressa menção das passagens da gravação relevantes;

d) Por fim, recai o ónus sobre o recorrente de indicar a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida sobre as questões de factos impugnadas (alínea a)).

Com a imposição destes requisitos o legislador faz recair sobre o recorrente o ónus de alegação, de modo reforçado, para que a instância de recurso não se torne aleatória e imprevista, ie, que os recursos possam ter natureza genérica e inconsequente (neste sentido o autor citado, in ob. cit., pág. 166).


*

Ponderando e apreciando a instância de recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, a recorrente, quanto aos pontos de facto indicados, preenche os apontados requisitos.

AO recorrente indica claramente o sentido que pugna por ver alterado por este Tribunal da Relação do Porto.

De igual modo, indica qual ou quais os meios de prova que sustentam a alteração peticionada dos factos – prova documental, testemunhal e por declarações de parte.

Pelo exposto a recorrente, preenche os apontados requisitos, pelo que se impõe o seu conhecimento.


**

1) Impugnação da matéria de facto dos factos dados como provados nas alíneas J), K), L), M) e N), que deveriam ser dados como não provados.

E em consequência, ser dado como provado o seguinte facto:

Não foi acordado um pagamento extra para compensar eventuais perdas da empresa Autora nessas produções (artigos 64º e 65º da contestação).

Sustenta a recorrente com os meios de prova testemunhal, AA e BB, nas declarações de parte da R., CC, e na prova documentas, docs. n.º 1, 2, 3, 61 e 62 junto com a contestação. Estes meios de prova demonstram que na R. quem decida todas as questões era o seu gerente. E alega a não existência de qualquer acordo de pagamento extra para compensar custos de produção.

Que as facturas juntas pela A., no valor de 66.333,44 €, porque impugnadas pela R e porque não têm qualquer sustentação nos diversos meios de prova, deve ser dado como não provado tal valor.

2) Deveriam ser dados como provados os seguintes factos:

- As partes definiam os preços por coleção, revisto anualmente (artigo 60º da contestação); nesses preços acordados, ainda houve conflitualidade entre as partes porquanto a Autora aumentava os preços inicialmente acordados sem pré-aviso, nem acordo da Ré (artigos 61º a 63º da contestação).

- Não competia à Ré a gestão da fábrica da Autora, não competia à Ré gerir os custos de produção, custos da fábrica, nem a sua produtividade (artigos 66º e 67º da contestação). Não tinha a Ré qualquer controlo e poder de fiscalização sobre a vida e gestão da Autora (artigo 71º da contestação).

Argumenta a apelante que tal decorre dos meios de prova testemunhal, AA e BB, nas declarações de parte da R., CC,e da A., DD. Destes meios de prova está demonstrado que o preço das colecções era discutido e acertado entre as partes, mesmo a meio da colecção. A R. nenhum controlo tinha sobre a A., designadamente, sobre os custos de produção. Mais alega que da prova documental, docs 5 a 16 da contestação, resulta que os preços eram acertados anualmente e que em caso de alteração eram tidas negociações e conversações.

A primeira instância fundamentou do seguinte modo a factualidade aqui em discussão.

A decisão de facto teve por base a globalidade da prova produzida, conjugada com as regras da experiência, designadamente o teor dos documentos juntos aos autos: - juntos com p.i.: email (doc. 1) e respectiva tradução; facturas (doc. 2 a 4); comunicação (doc. 5); - juntos com a contestação: carta de intenção (doc. 1); contrato de sublocação (docs. 2 e 3); comunicação (doc. 4); tabelas de preços (doc. 5 a 12); comunicação de 20/01/2017 (doc. 13); comunicações de 08/11/2017 e de 22/11/2017 (doc. 14); comunicações de 13 e 15/03/2019 (doc. 15); comunicações, facturas (doc. 16 e 47); facturas (docs. 48 a 58); comunicação de cessação do contrato de fornecimento (doc. 59); comunicação de 30/09/2020 (doc. 60); comunicação de 20/11/2019 (doc. 61); comunicação de 13/11/2018 (doc. 62); comunicação de 12/06/2017 (doc. 63); comunicação e facturas (doc. 63); - juntos com a réplica: relação (doc. 1); extracto (doc. 2); relação de facturas (doc. 3).

E, conjugados todos os documentos juntos, o Tribunal ainda em consideração as declarações de parte e os depoimentos prestados pelas testemunhas.

Assim:

(…)

- Quanto às als. J) a N): O depoimento prestado pela testemunha EE, contabilista certificada da Autora, a qual tendo participado na reunião no ano de 2016 existente entre AA, director financeiro da Ré, e DD, dono da Autora, de forma objectiva, segura e detalhada, explicou as propostas aí feitas e o acordo a que Autora e Ré chegaram, tendo na sequência desse acordo emitido e enviado à Ré as facturas em questão e juntas aos autos, a qual nunca as devolveu, nem pagou ao respectivo pagamento, tal como se tinha comprometido, o que foi confirmado pelo legal representante da Autora, DD, em sede de declarações.

E, no email datado de 4 de Novembro de 2016 (doc. 1 junto pela Autora, traduzido em 02/06/2021), enviado por AA à Ré, o mesmo pede que a factura ..., no montante global de € 66.3334, seja repartida em 3 facturas, mais aí referindo que: “o valor da fatura deve ser o valor das perdas à data conforme indicado pela auditoria (66333,44) a descrição deve ser custos de produção adicionais não facturados 01/01/2016 –3/08/2016”. Tal email corrobora, pois, a versão da Autora e o depoimento prestado por aquela testemunha. É certo que a testemunha AA, director financeiro da Ré, negou a existência de tal reunião. Todavia, tal depoimento, nesta parte, não mereceu credibilidade. Para além daquele depoimento da testemunha EE, quando questionado acerca do email junto aos autos e acima aludido, referiu “não me recordo” de o ter enviado, apesar de reconhecer ser o seu endereço electrónico e quando relativamente a outros emails a memória já estivesse mais fresca, recordando-se dos mesmos, como, por exemplo, o email de 20/01/2017 (doc. 13).

E, relativamente aos poderes de representação de AA, muito embora este, para além de negar a existência da aludida reunião, negar ter poderes para vincular a Ré, o mesmo afirmando a testemunha BB, gerente de produto da Ré e ex-esposa de CC, o Tribunal ficou convencido do contrário. AA, actualmente director financeiro da Ré e anteriormente dono de uma empresa com sede no Reino Unido que foi incorporada na Ré (internacional), com sede na Holanda, referiu ser o responsável pelas contas, emissões de recibos, assinatura de cheques, fluidez de dinheiro e negociações com bancos, sendo o CC, dono da Ré, quem toma as grandes decisões, acabando por afirmar que, na altura (2016), o CC estava ocupado com outros projectos e a Ré estava com dificuldades financeiras, atrasando pagamentos, incluindo perante a Autora. O aludido CC declarou que o AA geria a parte financeira do negócio com a Autora e tinha poderes para adquirir sapatos. E, quando confrontado com o email de 4 de Novembro de 2016 referiu que tomou conhecimento do mesmo e que “como é um montante grande, daí repartido em três vezes”.

A testemunha FF, engenheira química responsável de produção da Autora desde 2011, referiu que os assuntos eram tratados com o AA, sendo poucas vezes tratados com o CC.

Muito embora o contrato de sublocação junto com a contestação como doc. 2 tenha sido subscrito pelo CC, na carta junta como doc. 4 com a contestação, datada de 26/11/2018, é o próprio AA quem, em representação da Ré, comunica à Autora a cessação do contrato de subarrendamento e da carta de intenção.

Assim, estando, na altura, o CC ocupado com outros projectos e estando a Ré com dificuldades financeiras, como referiu o AA, seria natural ser este – como foi – a representar a Ré, sociedade com sede na Holanda, naquela reunião, pois que, para além de director financeiro, tinha vastos poderes, como gerir a parte financeira dos negócios e proceder à cessação de acordos, além de experiência no sector, uma vez que tinha sido anteriormente dono de uma empresa que foi incorporada na Ré. Acresce que, o AA enviou o email de 04/11/2016 com o já aludido teor e a Autora enviou a carta de interpelação junta como doc. 5 pela Autora, relativamente à qual a Ré nada respondeu, como reconheceu aquela testemunha, confirmando tais comportamentos que o acordo foi celebrado por quem tinha os poderes para o efeito, tal como resulta do depoimento da testemunha EE, bem como das declarações de parte prestadas pelo legal representante da Autora, DD, o qual referiu até ter confirmado na Holanda que o AA tinha plenos poderes.

Por fim, dir-se-á que muito embora a Ré junte documentação de onde resulta que os preços inicialmente acordados eram discutidos e aumentados pela Autora, tal não prejudica aquele acordo, uma vez que o mesmo respeita à forma de facturação e pagamento do preço que efectivamente as partes vieram a acordar, independentemente de tal preço ser o inicialmente acordado (antes do início da produção) ou posteriormente (após o início da produção).

Assim e no fundo, ponderados todos os elementos juntos, o Tribunal quedou-se pela versão da Autora, consentânea com os documentos juntos e corroborada pelo depoimento objectivo, coerente e convincente da testemunha EE;

(…)

No que concerne à matéria não provada, tal ficou a dever-se à sua insuficiente demonstração, ponderada toda a prova produzida.

É de realçar que, a testemunha EE referiu que os moldes em questão não estão na Autora, encontrando-se com os fornecedores. A testemunha FF, engenheira química responsável de produção da Autora desde 2011, confirmou que a Autora não possui, nem nunca possuiu, os aludidos moldes, os quais estão nas fábricas. O CC, em sede de declarações, acabou por reconhecer a compra de moldes pela Ré que os empregava directamente nas fábricas que confeccionavam, não passando tais moldes pela Autora. Assim e ponderada toda a prova produzida, incluindo a documental, o Tribunal deu como não provado que a Autora, para além do que consta da matéria assente, tenha em seu poder os demais moldes disponibilizados pela Ré, dando como não demonstrada esta matéria.”

Deverá ocorrer alteração da decisão da matéria de facto da primeira instância, quando a prova produzida impuser uma diversa decisão. Haverá que proceder a um novo juízo critico da prova de modo a se poder concluir por aquele feito na primeira instância não se poder manter. Ou de outro modo, haverá que fazer uma apreciação do julgamento da matéria de facto da primeira instância de tal modo que as provas produzidas em primeira instância imponham de modo decisivo e forçado uma outra decisão da matéria de facto. Haverá de encontrar este Tribunal de recurso uma tal incongruência lógica, quer seja por ofensa a princípios e leis cientificas, quer contra princípios gerais da experiencia comum, quer da apreciação e valoração das provas produzidas, de modo a concluir por modo diverso.

Não basta, pois, que as provas permitam, dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa (artigo 640.º do Código de Processo Civil), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.

Terá o Tribunal de recurso de concluir pela existência de erro na apreciação, quanto a concretos e precisos pontos de factos, por os meios de prova indicados pelo recorrente imporem uma conclusão factual distinta.

Importa ter presente que a prova produzida deve ser conjugada, harmonizada e ponderada no seu conjunto enquanto base da convicção formulada pelo Tribunal, não sendo legítimo valorizar meios probatórios isolados em relação a outros, sopesando os critérios de valoração, numa perspectiva racional, de harmonia com as regras de normalidade e verosimilhança, mas sempre com referência às pessoas em concreto e à especificidade dos factos em apreciação.

Com vista a este Tribunal ficar habilitado a conhecer dos factos em discussão, e deste modo formar a sua convicção autónoma, própria e fundamentada, teve de analisar todos os meios de prova produzidos em 1.ª instância. Deste modo, este Tribunal ponderou a prova documental junta aos autos e citada na sentença em crise e que aqui se dá por reproduzido. De seguida, procedeu-se à audição integral e completa das gravações da sessão de audiência de julgamento, depoimentos das testemunhas.

Quanto à ponderação dos meios probatórios produzido em audiência final, mormente a prova por confissão ou a prova testemunhal, a actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as partes ou as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão.

Por fim, a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a imediação das provas, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios, que tenham merecido a confiança do tribunal.

Desta feita, é de afirmar claramente o seguinte. Tal como o Tribunal recorrido lançamos mão de toda a prova produzida. Este Tribunal lançando mão dos precisos meios de prova invocados pelo recorrente, e todos os outros, designadamente, aqueles mencionados na decisão da matéria de facto da primeira instância, não pode deixar de concluir pela mesma maneira ou do mesmo modo da decisão recorrida.

A prova testemunhal, mormente a testemunha EE, foi determinante para a decisão da matéria de facto, tanto nesta instância quer na primeira instância. Na realidade, o modo como a testemunha apresentou o seu depoimento, a clareza do discurso, a sua espontaneidade, lógica, e principalmente, a parte corroborante com os demais meios de prova, mereceu, como se deixou afirmado, a credibilidade da versão por si trazida a estes autos.

O confronto deste depoimento com o depoimento da testemunha AA, é manifesto, no sentido de atribuir uma maior credibilidade àquela do que a este. Precisamente tendo em nota o modo como o mesmo foi produzido, com aparência de parcialidade. A falta de consistência com elementos documentais, alguns da sua autoria – sendo significativo a explicação que esta testemunha trouxe aos autos quanto ao “email”/correio electrónico de 04.11.2016. De igual modo, quando esta testemunha afirma que não tinha poderes para vincular a R. nas negociações, não é congruente com a realidade de ser sempre com esta testemunha que ocorria o relacionamento com a A.. Tal como assinalado pelo M.mo Juiz da primeira instância, a versão trazida por si, não mereceu credibilidade. A título meramente indicativo e quase simbólico, temos que é esta testemunha que outorga a procuração destes autos.

De igual modo, a testemunha BB, sobre a questão em discussão não logra o seu depoimento ter tal credibilidade que ponha em causa o valor probatório atribuído à testemunha EE. Quanto à questão de quem verdadeiramente vinculava a R., se a testemunha AA ou o seu ex-marido CC, não adiantou esta testemunha um relato tal que se possa afirmar tal realidade. Que era o CC que decidia o preço final. De modo inusitado, relata o modo de relacionamento entre A. e R. de modo circunstanciado, quando na realidade tais contactos não passavam por si, nem foram pela mesma presenciados, e que a final os desconhece. Confirma que era o AA quem vinha a Portugal para negociar com a A.

Do confronto e da valoração das declarações de parte, A. e R., é manifesto para este Tribunal do maior valor probatório das declarações de parte da A., pois que as mesmas foram escorreitas, claras e lógicas, pois foram feitas de modo espontâneo. Em reforço, temos a consistência das suas declarações e corroboração com os demais meios de prova. Já as declarações de parte da R., mostram-se forçadas e pouco esclarecedoras, sendo que por vezes apresentam inconsistências.

Em síntese, a prova por declarações, a prova testemunhal e a prova documental, invocada pela recorrente, e bem como aquela que serviu de sustentação da decisão da primeira instância, não alcançamos que se possa concluir no sentido indicado pela recorrente.

Como decorre das conclusões de recurso, baseia-se a recorrente em excertos dos depoimentos das testemunhas AA e BB e nas declarações de parte da R., CC. Ora, é patente, para todos, que outros meios de prova foram produzidos em audiência de julgamento. Outras testemunhas prestaram depoimento sobre a factualidade aqui em discussão. Foi ouvido em declarações de parte DD, A.. E, por fim, foram apresentados e juntos muitos mais documentos aos autos, sendo que alguns deles, não foram admitidos, por decisão judicial, que transitou. É do conjunto da produção da prova na sua totalidade, que chega este Tribunal de recurso à mesma conclusão da primeira instância, em que é atribuída credibilidade a testemunhas distintas daquelas invocadas pela R., apelante. Pelas razões apontadas, não há nada que apontar, antes pelo contrário, à decisão ora recorrida.

Com efeito, limita-se a recorrente a manifestar o seu desacordo quanto à decisão da matéria de facto, afirmando que a sua convicção, fundada em alguns meios de prova, que não da sua totalidade, deve prevalecer sobre aquela que foi afirmada pelo M.m Juiz do Tribunal a quo.

De salientar que a decisão da primeira instância, acompanha e segue o mesmo caminho lógico daquele que é afirmado pela presente decisão. Não decorre da decisão da primeira instância qualquer segmento que se possa dizer que é desconforme ou desarmonioso com as regras de experiência e do direito probatório.

Tudo ponderado, mantem-se a decisão quanto à matéria de facto, improcedendo a pretensão de recurso da apelante.


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B)


De direito

Como se verifica da análise das conclusões formuladas pela apelante, o objecto deste recurso consistia essencialmente na alteração da decisão proferida sobre a matéria controvertida. Dessa alteração, antes de qualquer outro fundamento, dependia a pretendida alteração da solução decretada na sentença em crise, pois sem isso a tese da ré/apelante continuaria desprovida de substrato factual apto à sua afirmação.

Com efeito, a decisão da primeira instância subsume a relação havida entre A. e R. como de empreitada – artigo 1207.º do Código Civil.

Que o preço da obra era calculado nos termos acordados, sendo que A. emitiu factura em conformidade, e enviada à R.. Como se pode ler na decisão em crise: “Em conformidade com esse acordo, por forma a alcançar o preço global definido, a Autora emitiu e enviou à Ré, que não as devolveu, as seguintes facturas: – Factura n.º ..., de 31/10/2016, com vencimento em 01/11/2016, com a descrição “custo adicional de produção não facturado”, no valor de € 66.333,44; - Factura n.º ..., de 31/12/2016, com vencimento em 01/01/2017, com a descrição “custo adicional de serviços de produção conforme acordado em relação ao ano de 2016”, no valor de € 107.000,00; - Factura n.º ..., de 31/12/2017, com vencimento em 30/01/2018, com a descrição “custos adicionais de produção conforme acordado em relação ao ano de 2017”, no valor de € 165.000,00 (al. N) da matéria provada).

Assim sendo, por forma a cumprir integralmente a sua obrigação de pagar o preço, a Ré deverá ser condenada a pagar à Autora a quantia de € 338.333,44 (e não € 354.745,82, como peticiona a Autora), correspondente ao montante global das três facturas.

Que a R. não procedeu ao sue pagamento.

Por fim, quanto ao pedido reconvencional nada se pode apontar.

Ficou demonstrado que, a Autora reconhece dever à Ré o montante global de € 12.141,51, relativamente aos moldes por aquela disponibilizados (al. E) da matéria provada). Já não ficou provado que a Autora tem outros moldes da Ré, no valor indicado por esta.

Mais foi dado como assente que, a Ré pagou os equipamentos e instalações descritos no art.º 96.º da contestação, no valor global de € 43.904,72 (incluindo o referido em F)) (al. P) da matéria provada). Alguns equipamentos e serviços foram facturados, por conveniência da Autora, em seu nome, mas pagos pela Ré, como sucedeu com as 4 (quatro) primeiras facturas emitidas pelas D... (al. Q) da matéria provada). E, o valor global de € 43.904,72, referido em P), teria de ser restituído à Ré na eventualidade das negociações de compra da empresa não se concretizarem (al. R) da matéria provada), o que veio a suceder (al. G) da matéria provada).

Em consequência, a Ré tem créditos sobre a Autora no montante global de € 56.046,23.

Esses créditos da Ré são válidos e eficazes, não provêm de uma obrigação natural, não estão dependentes de prazo ou de condição, não são detidos por nenhuma excepção, podem ser judicialmente actuados e podem extinguir-se por vontade da própria (art.º 847.º, n.º 1, al. a), do CC; veja-se, a este propósito, Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil português”, II, Tomo IV, almedina, 2010, págs. 450 a 453).

E, o crédito da Autora e o contra-crédito da Ré, de natureza pecuniária, são, por definição, homogéneos (art.º 847.º, n.º 1, al. b), do CC).

Em consequência, nada obstando à pretendida compensação (art.ºs 847.º a 856.º do CC), verificando-se os respectivos requisitos desta causa extintiva da obrigação, deve operar-se a compensação do crédito da Autora (no valor de € 338.333,44), sobre a Ré com o crédito desta (no montante de € 56.046,23) sobre aquela, imputando-se tal compensação na primeira factura vencida (no montante de € 66.333,44) – cfr. art.ºs 855.º, n.º 2, e 784.º, n.º 1, e 785.º do CC.

Por conseguinte, perante a confirmação da decisão proferida sobre a matéria de facto, nada mais cumpre apreciar. Resta, então, concluir pela integral falência das conclusões recursivas da apelante e, nesta medida, pela improcedência do seu recurso.


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III DECISÃO


Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em rejeitar o recurso interposto pela recorrente.

Custas pela R., apelante (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).


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Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil.

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Porto, 10 de Julho de 2024
Alberto Taveira
Maria da Luz Seabra
Artur Dionísio Oliveira
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[1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.
[2] Seguimos de perto o relatório elaborado pelo Exmo. Senhor Juiz.