Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PAULO DIAS DA SILVA | ||
Descritores: | CASO JULGADO AUTORIDADE DO CASO JULGADO EXCEÇÃO DO CASO JULGADO IDENTIDADE DE SUJEITOS IDENTIDADE DE CAUSA DE PEDIR IDENTIDADE DO PEDIDO | ||
Nº do Documento: | RP20240620154/22.5T8VFR.P2 | ||
Data do Acordão: | 06/20/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - A expressão “caso julgado” é uma forma sincopada de dizer “caso que foi julgado”, ou seja, caso que foi objecto de um pronunciamento judicativo. II - O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa. A primeira manifesta-se através de autoridade do caso julgado, visando impor os efeitos de uma primeira decisão, já transitada (fazendo valer a sua força e autoridade), enquanto que a segunda de manifesta-se através de excepção de caso julgado, visando impedir que uma causa já julgada, e transitada, seja novamente apreciada por outro tribunal, por forma a evitar a contradição ou a repetição de decisões, assumindo-se, assim, ambos como efeitos diversos da mesma realidade jurídica. III - Enquanto na excepção de caso julgado se exige a identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir em ambas as acções em confronto, já na autoridade do caso julgado a coexistência dessa tríade de identidades não constitui pressuposto necessário da sua actuação. IV - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. V - A identidade de sujeitos não exige que eles sejam exactamente os mesmos em ambas as acções. Destarte, desde que os sujeitos da segunda acção estejam compreendidos no elenco dos sujeitos da primeira acção há identidade de sujeitos processuais, ainda que sejam em menor número. VI - A identidade de pedidos pressupõe que em ambas as ações se pretende obter o reconhecimento do mesmo direito subjectivo, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizada, não sendo de exigir, porém, uma rigorosa identidade formal entre os pedidos. Os pedidos não têm que coincidir ponto por ponto, mas apenas que visar essencialmente o mesmo efeito. VII - Sendo a causa de pedir um facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual emerge a pretensão deduzida, haverá que procurá-la na questão fundamental levantada nas duas acções. VIII - No caso vertente, verifica-se a tríplice identidade prevista no artigo 581.º do Código de Processo Civil e, consequentemente, mostram-se preenchidos os pressupostos da excepção de caso julgado. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Recurso de Apelação - 3ª Secção ECLI:PT:TRP:2024:154/22.5T8VFR.P2 Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório AA, de nacionalidade brasileira, NIF ...00..., casada com BB, residente na Rua ..., ... ..., ..., Brasil e CC, de nacionalidade brasileira, NIF ...63..., casada com DD, no regime de direito brasileiro de comunhão parcial de bens, residente na Rua ..., ... - ..., ..., Brasil, instauraram acção declarativa, sob a forma de processo comum contra EE, NIF ...16..., casada no regime da separação com FF, NIF ...09..., residente na Avenida ..., ..., ... Vila Nova de Gaia e GG, solteira, maior, NIF ...29..., residente na Rua ..., ..., ... Vila Nova de Gaia, onde concluíram pedindo seja judicialmente reconhecido e declarado que os prédios a seguir identificados não são propriedade de EE e/ou de GG, a favor das quais se encontra inscrito o respectivo direito de propriedade, integrando, na verdade, o acervo hereditário de HH, falecido em ../../2015, no estado de divorciado de II: a) Prédio urbano situado em Lugar ... descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia ..., sob o nº ...94, e actualmente inscrito na matriz predial da União das Freguesias ... e ... sob o art.º ...29º; b) Prédio rústico sito no Lugar ..., Rua ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia ..., sob o nº ...45, e actualmente inscrito na matriz predial da União das Freguesias ... e ... sob o art.º ...43º; c) Prédio rústico denominado ... ou ..., sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, ...28-...2 freguesia ..., sob o nº ...53, e actualmente inscrito na matriz predial da União das Freguesias ... e ... sob o art.º ...34º; d) Prédio urbano denominado Quinta ... ou ..., sito no Lugar ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia ..., sob o nº ...26, e actualmente inscrito na matriz predial da União das Freguesias ... e ... sob o art.º ...66º; e) Prédio rústico sito no Lugar ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia ..., sob o nº ...30, e actualmente inscrito na matriz predial da União das Freguesias ... e ... sob o art.º ...43º; f) Prédio urbano sito na Zona Industrial .../..., Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, freguesia ... e concelho de Santa Maria da Feira, sob o nº ...41, e actualmente inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o art.º ...54º; g) Prédio urbano sito no Largo ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia ..., sob o nº ...37, e actualmente inscrito na matriz predial da União das Freguesias ... e ... sob o art.º ...79º; h) Prédio rústico denominado ... sito no Lugar ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia ..., sob o nº ...89, e actualmente inscrito na matriz predial da União das Freguesias ... e ... sob os artºs ...15..., ...23..., ...25... e ...27º; e i) Prédio rústico sito no Lugar ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia ..., sob o nº ...01, e actualmente inscrito na matriz predial da União das Freguesias ... e ... sob o art.º ...29º; j) Prédio rústico sito no Lugar ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia ..., sob o nº ...1, e actualmente inscrito na matriz predial da União das Freguesias ... e ... sob o art.º ...31º; l) Prédio rústico sito no Lugar ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia ..., sob o nº ...11, e actualmente inscrito na matriz predial da União das Freguesias ... e ... sob o art.º ...28º; m) Prédio rústico sito no Lugar ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia ..., sob o nº ...10, e actualmente inscrito na matriz predial da União das Freguesias ... e ... sob o art.º ...30; e n) Fração B correspondente ao 1º esquerdo com entrada pelo nº ...69 do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida ..., e Rua ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na 2ª Conservatória do ...28-...2 Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº ...00, e actualmente inscrito na matriz predial da União das Freguesias ... e ... sob o art.º ...89º. * Citadas, as Rés contestaram, invocando, designadamente, as excepções de caso julgado e de ilegitimidade activa.* Notificadas, as Autoras responderam, pugnando pela improcedência da excepção da ilegitimidade, bem como requereram a suspensão da instância.* Em 15 de Novembro de 2023, o Senhor Juiz a quo proferiu despacho saneador sentença tendo julgado procedente a excepção de caso julgado e, em consequência, absolvido as Rés da instância. * Não se conformando com a decisão proferida, as recorrentes AA e CC vieram interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações concluem da seguinte forma:I.Não se verificam os requisitos do caso julgado previstos no artigo 581º do CPC no que toca à ação 610/17.7T8AVR relativamente à presente; II. Não há identidade de sujeitos; III. E são diversos os pedidos; IV. Sendo assim, a sentença recorrida violou, por erro de interpretação e de aplicação, o disposto no citado artigo 581º do CPC a interpretar nos termos ora formulados e com as legais consequências que são a revogação da mesma. * 2. Factos Consideram-se assentes os seguintes factos relevantes para apreciação da excepção de caso julgado: 1.Correu termos no Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira - Juiz 2, sob o n.º 610/17.7T8AVR, a acção declarativa sob a forma de processo comum instaurada por AA e CC, na qualidade de Autoras, contra os seguintes Réus: EE, GG, A..., S.A., JJ, B..., Lda., KK e cônjuge LL, MM, NN, C..., Lda., OO, PP, QQ, RR, e cônjuge SS, TT, e cônjuge UU, VV e cônjuge WW. 2. Na acção referida em 1., as AA. formulam os seguintes pedidos: a) O de que na escritura de 5 de fevereiro de 2013, outorgada de fls. 144 a 145 vº do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº ...9-E do Cartório Notarial de XX, em ..., tendo por objecto o prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia ..., sob o nº ...94, se deva considerar como sendo HH o verdadeiro comprador e não EE e GG; b) O de que na escritura de 1 de março de 2013, outorgada de fls. 47º a 48 vº do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº ...0-E do Cartório Notarial de XX, em ..., tendo por objecto os prédios descritos na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia ..., sob o nºs ...45 e ...53, se deva considerar como sendo HH o verdadeiro comprador e não EE e GG; c) O de que na escritura de 6 de setembro de 2013, outorgada de fls. 112 a 114 vº do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº ...5-E do Cartório Notarial de XX, em ..., tendo por objecto o prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia ..., sob o nºs ...26 e ...30, se deva considerar como sendo HH o verdadeiro comprador e não EE e GG; d) O de que na escritura de 25 de outubro de 2013, outorgada de fls. 53 a 55 do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº ...7-E do Cartório Notarial de XX, em ..., tendo por objecto o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Espinho, freguesia e concelho ..., sob o nº ...03, se deva considerar como sendo HH o verdadeiro comprador e não EE e GG; e) O de que na escritura de 26 de março de 2014, outorgada de fls. 11 a 13 do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº ...2-E do Cartório Notarial de XX, em ..., tendo por objecto o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, freguesia ... e concelho de Santa Maria da Feira, sob o nº ...41, se deva considerar como sendo HH o verdadeiro comprador e não EE e GG; f) O de que na escritura de 9 de maio de 2014, outorgada de fls. 130 a 135 do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº ...3-E do Cartório Notarial de XX, em ..., tendo por objecto o prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia ..., sob o nº ...37, e os prédios descritos na mesma Conservatória, freguesia ..., sob o nºs ...89 e ...01, se deva considerar como sendo HH o verdadeiro comprador e não EE e GG; g) O de que na mesma escritura de 9 de maio de 2014, tendo por objecto os prédios descritos na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia ..., sob os nºs ...1, ...11 e ...10, se deva considerar como sendo HH o verdadeiro comprador e não EE e GG; h) O de que na escritura de 28 de maio de 2014, outorgada de fls. 71 a 72 vº do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº ...4-E do Cartório Notarial de XX, em ..., tendo por objecto o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Espinho, freguesia ..., sob o nº ...12, se deva considerar como sendo HH o verdadeiro comprador e não EE e GG; i) O de que na escritura de 30 de abril de 2013, outorgada de fls. 39 a 40 vº do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº ...76-A do Cartório Notarial de YY, em Vila Nova de Gaia, tendo por objecto a fracção B do prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº ...00 - fração B, se deva considerar como sendo HH o verdadeiro comprador e não EE; j) O de que, em consequência da procedência do pedido formulado nas alíneas d) e h) supra, sejam declaradas nulas, porque de venda de coisa alheia, as vendas feitas através da escritura de 26 de janeiro de 2016, outorgada de fls. 130 a 132 do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº ...8-E do Cartório Notarial de XX, em ..., por EE e GG a TT; k) O de que sejam ordenadas todas as alterações no registo predial emergentes da procedência dos pedidos supra formulados, nomeadamente o cancelamento e/ou alteração de todas as inscrições e averbamentos incompatíveis com tal procedência, devendo dali ficar a constar que o proprietário de todos os prédios identificados nas alíneas a) a i) supra, é HH , NIF ...77. 3. Por sentença datada de 09/07/2020, foi julgada procedente a excepção de ilegitimidade activa das AA. e determinada a absolvição dos RR. da instância. 4. Por acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, datado de 08/03/2021, transitado em julgado em 12/01/2022, foi julgado improcedente o recurso de apelação que as, ali e aqui AA., haviam interposto e, em conformidade, confirmada a decisão proferida pela 1.ª instância, aludida em 2., aí se sumariando que: “Se, no contexto da própria demanda, o autor invoca uma qualidade que não legitima a pretensão deduzida, então não tem legitimidade ativa”. 5. A presente acção foi instaurada em 14/01/2022. 6. Em ambas as acções foi invocada a mesma causa de pedir, ou seja, que as AA. seriam pretensas “filhas de HH” (filhas naturais), pai das 1.ª e 2.ª RR., falecido a ../../2015; 7. Em 12/04/2017, as mesmas AA. instauraram no Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia - Juiz 3, a ação de impugnação e reconhecimento de paternidade n.º 3309/17.0T8VNG, pela qual peticionavam que fosse anulado o reconhecimento de paternidade feito por ZZ, em 15/06/1988, relativamente à A. AA, alterando-se em conformidade o respectivo registo de nascimento; na sequência da procedência do pedido anterior, a A. AA fosse reconhecida como filha de HH; fosse anulado o reconhecimento de paternidade feito por AAA, relativamente à A. CC, alterando-se em conformidade o respectivo registo de nascimento; na sequência da procedência do pedido anterior, a A. CC fosse reconhecida como filha de HH; 8. Por sentença datada de 28/04/2018, foi julgada procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal e, em consequência, absolvidas as RR. da instância, com custas pelas AA.; 9. Por acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, datado de 18/12/2018, proferido nos autos de Recurso de Apelação n.º 3309/17.0T8VNG.P1, da 3.ª Secção, foi o recurso de apelação interposto pelas ali e aqui AA. julgado improcedente e confirmada a decisão recorrida; 10. Através de decisão singular proferida em 28/02/2019, no Recurso de Revista n.º 3309/17.0T8VNG-A.P1.S2, da 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, foi negada a revista interposta pelas ali e aqui AA. e mantida a decisão plasmada no acórdão recorrido de 18/12/2018, com custas pelas recorrentes; 11. Em 19/02/2019, as aqui AA. instauraram contra as aqui RR. acção declarativa comum, que corre termos no Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia - Juiz 2, sob o n.º 1610/19.7T8VNG, onde peticionam: a) Seja judicialmente reconhecido e declarado que a A. AA nasceu das relações sexuais mantidas entre HH e BBB; Anulado que esteja o reconhecimento da paternidade que relativamente a si foi feito por ZZ, a A. AA seja reconhecida como filha de HH; c) Seja judicialmente reconhecido e declarado que a A. CC nasceu das relações sexuais mantidas entre HH e CCC; e d) Anulado que esteja o reconhecimento da paternidade que relativamente a si foi feito por AAA, a A. CC seja reconhecida como filha de HH; 12. Em 18/01/2023, nos presentes autos, foi proferido despacho a determinar a suspensão da presente instância até decisão que seja proferida sentença transitada em julgado na acção declarativa n.º 1610/19.7T8VFR; 13. Por acórdão da Relação do Porto de 12/07/2023, tal decisão foi revogada e determinado o prosseguimento dos presentes autos. * Foram apresentadas contra-alegações. * Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.* 3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar: Das conclusões formuladas pelas recorrentes as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que a questão a resolver no âmbito do presente recurso prende-se com saber da verificação da excepção de caso julgado. * 4. Conhecendo do mérito do recurso: - Da verificação da excepção de caso julgado Arguiram as recorrentes, ao invés do defendido pelo Tribunal a quo, a ausência de verificação dos requisitos do caso julgado entre a presente acção e a acção que correu termos no Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira - Juiz 2, sob o n.º 610/17.7T8AVR. Vejamos, então. Nos termos dos artigos 576.º, n.º 1 e 2 e 577.º, alínea i) do Código de Processo Civil, o caso julgado constituiu uma excepção dilatória que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância. A excepção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, depois da primeira ter já sido decidida por sentença sem possibilidade de recurso ordinário, e visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (artigo 497.º do Código de Processo Civil). Para que se verifique a excepção de caso julgado é necessário (cf. artigo 581.º do Código de Processo Civil): - identidade de sujeitos (quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica); - identidade de pedido (quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico); - identidade de causa de pedir (quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico) Por sua vez, caso a acção tenha vários pedidos ou causas de pedir, a excepção pode verificar-se apenas quanto a algum ou alguns dos pedidos ou causas de pedir que tenham já sido objecto de apreciação judicial (cf. Prof. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, págs. 320 e ss.). Ora, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.11.2013, proferido no processo n.º 106/11.0TBCPV.P1.S1, in wwwdgsi.pt, e constitui enquadramento teórico consensual “o caso julgado tem, (…), como pressuposto a repetição de uma causa decidida por sentença que já não admite recurso ordinário e exerce duas funções: (i) uma função positiva e (ii) uma função negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade, e exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal. Visando tal excepção, assim, evitar que o tribunal contrarie na decisão posterior o que decidiu na primeira ou a repita; a autoridade do caso julgado é o comando da acção ou proibição de repetição. O que vale por dizer que a sentença faz caso julgado quando a decisão nela contida se torna imodificável (efeito processual do caso julgado) em razão do que o tribunal não pode voltar a pronunciar-se sobre o decidido (excepção do caso julgado) e fica vinculado ao respectivo conteúdo (autoridade do caso julgado) (...). Sendo certo que a autoridade de caso julgado e a excepção de caso julgado não são duas figuras distintas, mas antes duas faces da mesma figura - consistindo o facto jurídico "caso julgado" em existir uma sentença (um despacho) com trânsito sobre determinada matéria (...). E, caso se encontrem preenchidos os pressupostos do caso julgado, pode distinguir-se entre o caso julgado formal, externo ou de simples preclusão e o caso julgado material ou interno. Consistindo o primeiro (art. 672.º) em estar excluída a possibilidade de recurso ordinário, nada obstando, porém, em que a matéria da decisão seja diversamente apreciada noutro processo, pelo mesmo ou por outro Tribunal. Correspondendo o mesmo às decisões que versam apenas sobre a relação processual, não provendo sobre os bens litigados. Consistindo o segundo (art. 671.º), geralmente designado como caso julgado "res judicata", em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os Tribunais (e até a quaisquer outras autoridades), quando lhes seja submetida a mesma relação. Todos têm de a acatar, de modo absoluto, julgando em conformidade, sem nova discussão. Competindo o mesmo às decisões que versam sobre o fundo da causa, sobre os bens discutidos no processo, definindo a relação ou situação jurídica deduzida e discutida em Juízo (...). Quando constitui uma decisão de mérito (decisão sobre a relação material controvertida) a sentença produz, também fora do processo, efeito de caso julgado material: a conformação das situações jurídicas substantivas por ela reconhecidas como constituídas impõe-se nos planos substantivo e processual, distinguindo-se, neste, como atrás aflorado, o efeito negativo da inadmissibilidade de uma segunda acção (proibição de repetição: excepção de caso julgado) e o efeito positivo da constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado) (...). Enquanto excepção, o caso julgado pressupõe a repetição de uma causa idêntica, repetindo-se a mesma quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (arts. 497.º, n.º 1, e 498.º, n.º 1): (i) há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; (ii) há entidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e (iii) identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico - arts. 497.º, n.º 1, e 498.º, do CPC.”. Ou seja, a excepção do caso julgado tem como fundamento teleológico impedir que os tribunais se vejam obrigados a decidir novamente a mesma questão. Esse objectivo tem como preocupações subjacentes assegurar a paz jurídica dos cidadãos, que passam a poder confiar que o trânsito em julgado da decisão sobre um determinado conflito o resolve em definitivo e não terão a necessidade de demandarem ou se defenderem de novo a propósito do mesmo conflito jurídico, evitar a prolação de decisões divergentes e o risco que isso representa para a imagem da justiça e para a clareza dos comandos jurisdicionais a que se deve obediência, e, finalmente, obstar ao desperdício de meios que a repetição de procedimentos jurisdicionais para decidir a mesma questão implicaria desnecessariamente. Tratando-se de um bloqueio ao direito de acesso aos tribunais e de um impedimento à suscitação de solução para uma controvérsia jurídica que as partes podem manter latente e cujos pontos de vista podem divergir ou evoluir, esta excepção tem naturalmente contornos rigorosos que se reconduzem ao requisito da chamada tripla identidade: para que estejamos perante a mesma questão jurídica é necessário que haja identidade de partes, de causas de pedir e de pedidos. Este requisito encontra-se obviamente moldado para a situação comum que é a de a excepção se colocar entre uma acção declarativa já decidida e uma acção declarativa que se pretende instaurar, ou seja, os elementos que devem ser idênticos são elementos característicos das acções declarativas, nas quais se formula a pretensão de uma concreta tutela jurisdicional correspondente à forma como se pretende fazer valer um determinado direito (declarando a sua existência, condenando o réu na prestação que corresponde ao direito ou introduzindo na ordem jurídica a mudança que o direito implica), ancorando esse direito num fundamento específico traduzido em factos jurídicos concretos que delimitam o objecto da decisão do tribunal. Reportando-nos ao recurso em análise, constata-se que defendem as apelantes não se verificarem os requisitos do caso julgado previstos no artigo 581.º do Código de Processo Civil. Para tanto, avançam que, no que toca à acção judicial com o n.º 610/17.7T8AVR relativamente à presente acção, não existe identidade de sujeitos, nem identidade de pedidos. Consideram, desde logo, as apelantes que as partes processuais não são as mesmas em ambas as acções, uma vez que na acção n.º 610/17.7T8AVR, intervieram, enquanto sujeitos passivos dezanove réus e, na presente acção apenas são demandadas as apeladas. Afigura-se-nos, no entanto, que a identidade dos sujeitos processuais não significa identidade ou posicionamento numéricos. Com efeito, a diversidade numérica dos sujeitos processuais não obsta à identidade jurídica dos litigantes. Assim, o facto de as apeladas terem assumido, conjuntamente com outros demandados, a posição de rés na acção n.º 610/17.7T8AVR, não compromete a respectiva identidade jurídica dos litigantes. O que importa é que aquela acção tenha decorrido entre todos os interessados directos, quer se situem do lado activo, quer do lado passivo. Ou seja, a identidade de sujeitos não exige que eles sejam exactamente os mesmos em ambas as acções. Destarte, desde que os sujeitos da segunda acção estejam compreendidos no elenco dos sujeitos da primeira acção há identidade de sujeitos processuais, ainda que sejam em menor número. Por outro lado, também não colhe a argumentação das Apelantes de que o pedido formulado em ambas as acções não é substancialmente o mesmo. Na realidade, em ambas as acções pretende-se o reconhecimento da titularidade do direito de propriedade, sendo que em ambas as acções apenas se encontra alegada a forma de aquisição derivada do direito, mais exactamente a aquisição por escritura pública, justamente as escrituras públicas em que o alegado pai das autoras interveio em representação das outras filhas e rés, declarando adquirir em nome desta. Ou seja, não se encontra alegada qualquer outra forma de aquisição, designadamente originária, nem sequer a posse, sendo, ainda, certo que os bens encontram-se inscritos no registo em nome das rés e, por isso, a única presunção alegada é em benefício destas. De resto, o que se pretende em ambas as acções, embora com enunciados literais diferenciados, é que se reconheça que o HH adquiriu a propriedade desses bens imóveis através das aludidas compras e vendas, sendo que numa acção diz-se que é ele o «verdadeiro comprador» e na outra acção afirma-se que os bens «passaram a pertencer-lhe, integrando agora a respectiva herança». Assim, conforme acertadamente se conclui na sentença recorrida, na acção n.º 610/17.7T8AVR, bem como na presente acção foi formulado materialmente o mesmo pedido, ou seja, de que relativamente a determinados prédios urbanos e rústicos fosse decidido e declarado que não são propriedade das rés, mas do acervo hereditário do pai dessas rés. Na verdade, ao peticionar-se que se considere o falecido pai das apeladas o verdadeiro comprador dos prédios dos autos nada mais se pede que a verificação de que os ditos prédios lhe pertencem. De resto, os pedidos não têm que coincidir ponto por ponto, mas apenas que visar essencialmente o mesmo efeito. Em conclusão, os pedidos formulados em ambas as demandas são idênticos, por as apelantes pretenderem o mesmo efeito jurídico. Afigura-se-nos, assim, que se verifica a tríplice identidade prevista no artigo 581.º do Código de Processo Civil e, consequentemente, mostram-se preenchidos os pressupostos da excepção de caso julgado. Além disso, não obstante estar em causa uma absolvição da instância na 1.ª acção e não uma decisão de mérito, há caso julgado, uma vez que a ilegitimidade das autoras para a propositura da presente acção já foi conhecida e apreciada em anterior acção, na qual todas as partes desta acção também eram partes, sendo a causa de pedir e a pretensão subjacente ao pedido a mesma. Assim, mantendo-se aqui o vício - a ilegitimidade (processual) - que fundou a anterior decisão de absolvição da instância, afigura-se-nos correcto o entendimento de que “a repetição da causa (propositura de ação entre as mesmas partes, com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir) depois da verificação, na primeira, da falta dum pressuposto processual, falta que se repete também, constitui a exceção de caso julgado.” - Cfr. José lebre de Freitas, «Um polvo chamado autoridade do caso julgado», ROA, vol. III-IV, jul./dez., 2019, pág. 708 (acessível in https://portal.oa.pt/media/130340/jose-lebre-de-freitas_roa-iii_iv-2019-13.pdf). A presente lide insere-se, pois, no âmbito dos limites objectivos do caso julgado produzido pela sentença proferida na acção nº 610/2017.7T8AVR, do Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira - J2, por força do caso julgado stricto sensu, o que obsta ao conhecimento dos pedidos deduzidos pelas autoras e importa a absolvição das rés da instância, ao abrigo do disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 586.º, n.º 2, 577.º, alínea i), 578.º, 580.º, 581.º, todos do Código de Processo Civil, impondo-se a improcedência da referida questão suscitada pelos recorrentes. Impõe-se, por isso, o não provimento da apelação. * Sumariando em jeito de síntese conclusiva: ……………………………………………. ……………………………………………. ……………………………………………. * 5. Decisão Nos termos supra expostos, acorda-se neste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso de apelação, confirmando-se a decisão recorrida. * As custas são a cargo das apelantes.* Notifique.Porto, 20 de Junho de 2024 Relator: Paulo Dias da Silva 1.º Adjunto: Ana Luísa Loureiro 2.º Adjunto: Aristides Rodrigues Almeida (a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem). |