Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PEDRO VAZ PATO | ||
Descritores: | DECLARAÇÃO DE EXCECIONAL COMPLEXIDADE DO PROCESSO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP20240605131/22.6PBAVR-AQ.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/05/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL/CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 1. ª SECÇÃO CRIMINAL | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I – A declaração de excecional complexidade do processo, nos termos do artigo 215.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, não decorre de vicissitudes ocorridas ao longo da sua tramitação, designadamente na fase de julgamento (sejam elas as que decorrem da produção de prova ou do exercício de direitos de defesa), mas de características que lhe são inerentes e conhecidas desde, pelo menos, a fase da acusação (como o número de arguidos, de ofendidos e de testemunhas arroladas, a extensão da descrição factual constante da acusação ou a extensão e variedade da prova documental também indicada na acusação). II - Essa declaração pode ser proferida pelo tribunal de primeira instância em qualquer altura do processo; pode ser mais razoável proferir tal declaração logo que essas características sejam conhecidas, mas a Lei não o exige; para proferir tal declaração já na fase do julgamento ou mesmo depois de esta encerrada, não é necessário que ocorra alguma vicissitude superveniente que só nessa altura confira excecional complexidade ao processo. (da responsabilidade do relator) | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. nº 131/22.6PBAVR-AQ.P1
Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
I – O arguido AA veio interpor recurso do douto despacho do Juiz 3 do Juízo Central Criminal de Aveiro que declarou a excecional complexidade do presente processo.
São as seguintes as conclusões da motivação do recurso: «1 – O presente recurso limita-se ao despacho proferido em 16/01/2024, no contexto do qual foi declarada a excecional complexidade dos presentes autos. (na motivação, transcreveu-se o teor do antedito despacho). 2 – Com benefício, sinalizam-se ainda as seguintes particularidades: o arguido AA encontra-se preso preventivamente desde 12/07/2022; o processo é constituído por vários volumes e apensos e nele figuram 16 arguidos e cerca de 60 ofendidos, sendo, porém, certo que algumas das residências em que os arguidos alegadamente se introduziram concernem a mais do que ofendido; a acusação tem 105 páginas de descrição factual e nela foram arroladas 85 testemunhas e indicada múltipla prova documental, com prevalência para os relatórios de vigilância e para as localizações celulares; o Acórdão dos presentes autos foi proferido em 05/01/2024, assinado em 06/01/2024 e depositado no dia 08/01/2024; e o despacho que se impugna foi exarado em data posterior ao supradito Acórdão, concretamente no dia 16/01/2024. 3 – O arguido dissente totalmente do despacho prolatado, pela M.ma Juíza, em 16/01/2024. 4 – A declaração da especial complexidade destina-se a possibilitar a realização de diligências que não podem ser concretizadas no prazo estabelecido legalmente, caso não seja fixada tal declaração, e consolida um compromisso do legislador, a fim de obter uma justa simetria entre a necessidade de combate ao crime e perseguição dos criminosos, no contexto de determinados ilícitos mais graves, classificados por lei, e os direitos e garantias do cidadão arguido sujeito a prisão preventiva. 5 – Não existe nenhuma noção expressa para a excecional complexidade, para além dos critérios exemplificativos fornecidos no n.º 3 do artigo 215.º (a propósito da especial complexidade, na motivação, citou-se alguma jurisprudência). 6 – Os presentes autos conformam alguma densidade: nele figuram 16 arguidos; cerca de 60 ofendidos, sendo, porém, certo que uma parte avultada das residências em que os arguidos alegadamente se introduziram concernem a mais do que um ofendido; a acusação tem 105 páginas de descrição factual; na acusação foram arroladas 85 testemunhas e foi indicada múltipla prova documental, com prevalência para os relatórios de vigilância e para as localizações celulares; e as localizações celulares, atendendo à particularidade de os coarguidos terem agido sempre, pretensamente, de forma encapuzada, constituem, no universo dos presentes autos, uma prova magna e terminante. 7 – Todavia, interessa obtemperar que a prova atinente aos presentes autos se acha naturalmente completa, em vista do proferimento do Acórdão, e que, por tal razão, de um lado, não se requisitam agora conhecimentos minimamente superlativos e, de outro lado, os ditos conhecimentos se correlacionam unicamente com questões de interpretação e aplicação da lei – ora, tais quesitos, por mais intensos e complexos que se possam conformar, o que, nem é o caso da situação dos autos, não devem integrar a noção de excecional complexidade. 8 – De outra sorte, deve atender-se ao momento processual em que germinou a iniciativa do Tribunal em declarar a excecional complexidade – tratou-se de um arco temporal subsequente à produção de prova, ao encerramento da discussão (cf. o artigo 365.º, n.º 1) e ao encerramento da audiência, que sobreveio com a leitura do Acórdão. 9 – À vista disso, numa contextura em que o tribunal a quo, depois da pronunciação do Acórdão e no seguimento de um entendimento oficioso, declara a excecional complexidade, pode concluir-se que a reportada declaração atendeu exclusivamente ao prazo da prisão preventiva – significa isso que o Tribunal pretendeu apenas, de forma espúria, alongar o mencionado prazo. 10 – É certo que, em rigor, a lei não interdita semelhante declaração mesmo após a fase de julgamento – basta atentar no inciso durante a 1.ª instância, constante do artigo 215.º, n.º 4. 11 – Contudo, a oportunidade da declaração da excecional complexidade, nesse iter da tramitação processual, terá de ser determinada por um circunstancialismo supinamente anómalo e extraordinário, porquanto não corresponde ao momento apropositado ou normalizado para o efeito – ora, esse condicionalismo não se verifica no caso em foco. 12 – Um processo volumoso, cuja acusação tem 105 páginas de descrição factual, não corporifica inexoravelmente um processo que ocasione dificuldades extraordinárias – e, na situação em apreço, tal não sucede definitivamente. 13 – No que concerne ao número de arguidos e ao número de ofendidos, averbe-se o seguinte: i) - o número de arguidos (16), que já é conhecido desde a fase de inquérito, embora seja algo importante, não se pode qualificar de elevado ou significativo, pelo menos ao ponto de justificar, per se, uma declaração de excecional complexidade; ii) - os arguidos que se mostram sujeitos à medida de coação preventiva não prestaram declarações relativamente aos factos que lhes são irrogados; iii) - pelo tocante aos ofendidos, anote-se que o atinente depoimento, na esfera do julgamento, não foi minimamente dificultado ou subvertido por banda dos arguidos, nas correspondentes instâncias. 14 – O número de sessões de julgamento (15), posto que seja relevante, não se concretiza em um número inusual em processos com um mínimo de densidão. 15 – No que afeta à especificidade de, no decurso de algumas das sessões de julgamento, terem sido suscitados incidentes, com inevitável reflexo na marcha do julgamento, compete enfatizar que a regra, na audiência de discussão, é precisamente a de as defesas suscitarem questões e de apresentarem objeções, no exercício dos direitos que a lei lhes confere, de sorte que daí não deflui naturalmente nada de invulgar para a dinâmica ou o prosseguimento dos autos, com a potencialidade de estribar uma declaração de excecional complexidade. 16 – Na tessitura dos presentes autos, foi aportada múltipla prova documental, sucedendo que as localizações celulares configuram aqui uma prova absolutamente pivotal, nevrálgica e nuclear. 17 – Não se acolhe, de nenhuma forma, a asserção, feita no despacho revidendo, de que a concreta configuração do processo sofreu alterações substancialmente importantes. Na verdade, de uma parte, o Tribunal não identifica rigorosamente as alterações ou modificações substanciais que o processo sofreu – e não as desvela justamente porque elas não se verificaram. 18 – De outra parte, na pressuposição de se pretender alocar ou amparar as alterações do processo na arguição de incidentes, na interposição de recursos e na produção de prova pericial (que, na situação em pauta, se justapôs unicamente às localizações celulares), cumpre embargar que isso são vicissitudes que se inscrevem no direito de defesa, na descoberta da verdade material e na decisão conscienciosa da causa e que, ipso facto, podem obrevir em qualquer normal julgamento: não se lhes pode, pois, endossar aptidão alguma para firmar ou coonestar uma excecional complexidade. 19 – Na última sessão de julgamento, relativa ao dia 05/01/2024, aconteceu o seguinte: o arguido recorrente arguiu uma irregularidade, que foi indeferida pelo Tribunal; na sequência desse indeferimento, interpôs recurso do despacho proferido; e, após, diante da não atribuição de efeito suspensivo a esse recurso, em concatenação com outros obstáculos ao adequado exercício da sua defesa, que se exponenciaram na sessão de 20/12/2023, deduziu um incidente de recusa do Tribunal, que foi por este indeferido. 20 – Porém, esse dinamismo processual (que, urge destacá-lo, não determinou nenhuma retardação importante no desenvolvimento processual), não surgiu de modo gratuito; tratou-se, antes, da reação que o arguido entendeu ajustada, para a sua defesa, em face do posicionamento sucessivamente denegatório por parte do Tribunal. 21 – Ademais, o Tribunal, com uma interpretação, do artigo 45.º, n.º 1, alínea a), que, no enfoque do arguido, se mostra incorreta, acabou por convolar o incidente de recusa, regulado processualmente em formato célere, numa situação bem mais morosa e retardada, pois que o despacho de indeferimento que incidiu sobre essa recusa foi, entretanto, objeto de recurso. 22 – Não é igualmente ocioso sobrelevar que o Tribunal procedeu à leitura do Acórdão na sessão do 05/01/2024. E fê-lo nessa data, sobretudo porque o prazo da prisão preventiva, anteriormente à declaração de excecional complexidade, estava na iminência do correspondente término – foi esse nitidamente, nessa ocasião, o respetivo telos. 23 – Pode, então, desfechar-se que o verdadeiro móbil da atuação do Tribunal, ao declarar a excecional complexidade no estádio processual em que o fez (após a proferição do Acórdão e na total desinência da tramitação da 1.ª instância), não se fundou em nenhuma dificuldade acrescida (ver o artigo 215.º, n.º 3, in fine), que, aliás, jamais foi cogitada anteriormente – respaldou-se, antes, exclusivamente, em outorgar ou projetar para a fase seguinte, imbricada com os recursos, por antever aí pretensas dificuldades, conexas, maiormente, com a dimensão jurídica (que, contudo, se trata de matéria que deve ser apartada do conceito de excecional complexidade), um prazo superlativamente ampliado no pertinente à medida de coação da prisão preventiva. 24 – Caucionou-se ainda, salvo o devido respeito, numa espécie de vindita ou represália, pela circunstância de o arguido, nas duas últimas sessões de julgamento, ter suscitado incidentes e se ter insurgido contra decisões exaradas pelo Tribunal. 25 – A declaração de excecional complexidade vulnerou frontalmente a lei e os direitos do arguido (cf. os artigos 20.º, n.º 4, 28.º, n.º 4, e 32.º, n.os 1 e 2, todos da CRP) e operou uma subversão do processo penal, tanto quanto é certo que a excecional complexidade do processo tem por consequência, mas nunca por fundamento, a elevação dos prazos máximos da prisão preventiva. 26 – Estava defeso ao Tribunal, por não se verificar o exigido condicionalismo, declarar a excecional complexidade do processo, ao abrigo do preceituado no artigo 215.º, n.º 4. 27 – O Tribunal a quo, ao decretar a excecional complexidade do processo, violou o estabelecido nos artigos 20.º, n.º 4, 28.º, n.º 4, e 32.º, n.os 1 e 2, todos da Constituição da República, e o adjetivado no artigo 215.º, n.os 3 e 4.»
O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.
O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, reiterando a posição assumida nessa resposta.
O arguido e recorrente respondeu a esse parecer, reiterando o teor da motivação do recurso
Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.
II – A questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, a de saber se deverá, ou não, ser declarada a excecional complexidade do presente processo.
III- É o seguinte o teor do douto despacho recorrido:
«Notificados para se pronunciarem sobre a declaração de especial complexidade dos presentes autos, notificação que teve lugar na sessão de julgamento ocorrida no pretérito dia 5 de Janeiro, veio a Digna Magistrada do Ministério Público pronunciar-se no sentido de que nada tem a opor à mesma. O arguido AA, pelas razões que se encontram plasmadas no requerimento que deu entrada no dia 9 de Janeiro e que aqui se dão por reproduzidas, veio opor-se a tal declaração. Mais nenhum dos intervenientes processuais se pronunciou. Compre apreciar e decidir. Conforme resulta da leitura do n.º 3 do artigo 215º do CPP, a lei não estabelece um conceito preciso de excepcional complexidade, podendo esta derivar de diversos factores. O n.º 3 indica, exemplificativamente como factores, o número de arguidos, de ofendidos ou o carácter altamente organizado dos crimes. Conforme refere Maia Costa, no Código de Processo Penal Comentado (pág. 837), «O que importa é a ocorrência de um ou mais factores que determinem, pela vastidão, dificuldade ou demora das diligências a efectuar, uma complexidade anormal do processo, determinando um arrastamento excepcional dos termos processuais. É, pois, a apreciação em concreto das dificuldades e obstáculos opostos à investigação, e não a natureza do tipo de crime investigado, que deve determinar a qualificação do procedimento como de excepcional complexidade.» Atente-se ainda, no Acórdão da Relação de Lisboa, de 9 de Maio de 2019, in ww.dgsi. Considerando os presentes autos, há que salientar que no mesmo existem 16 arguidos, seis deles sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva, pela prática de vários crimes, salientando-se, entre outros, de roubo, quer na sua forma simples quer na sua forma agravada, de furto, na forma simples e na forma qualificada, com cerca de 60 ofendidos tendo tido lugar quinze sessões de julgamento, sendo que durante algumas delas vários incidentes foram levantados com as consequentes dificuldades do procedimento e da marcha processual e celeridade dos trâmites processuais. É certo que o número de arguidos, crimes que lhe são imputados e número de intervenientes processuais já é conhecido do tribunal desde o recebimento do despacho de pronúncia. Contudo, pensamos que a concreta configuração do processo sofreu alterações substancialmente importantes, dado o dinamismo próprio do processo penal, em cujas sucessivas fases (inquérito, instrução, julgamento) se produzem frequentemente alterações significativas, em especial quanto à dimensão, número de intervenientes e intensidade de actividade processual, podendo aumentar de forma exponencial a dificuldade do processo. E tal sucedeu durante as várias sessões de julgamento que tiveram lugar, com a arguição de vários incidentes, interposição de recursos e necessidade de produção de prova suplementar, nomeadamente pericial. Tais dificuldades mais se evidenciaram na última sessão de julgamento, antes da leitura do acórdão e onde vários incidentes foram suscitados com a consequente influencia na célere tramitação processual tendo em conta que os mesmos terão que ser apreciados nas instâncias competentes com observância dos legais formalismos e com o inevitável período de tempo necessário para o efeito. Em face do acima exposto, nomeadamente, a dimensão do objecto do processo, os incidentes e contingências processuais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais, declaro os presentes autos como de excepcional complexidade – artigo 215º, nº3 do Código de Processo Penal. Notifique.»
IV – Cumpre decidir. O arguido e recorrente insurge-se contra a declaração de excecional complexidade, nos termos do artigo 215.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, do processo em apreço. Alega que essa declaração, proferida depois de produzida toda a prova e encerrada a audiência com a leitura do acórdão, representa apenas uma forma espúria de alargamento do prazo da prisão preventiva e, dessa forma, uma subversão do processo penal (pois esse alargamento deve ser uma consequência, mas não o fundamento dessa declaração) e a violação dos direitos conferidos ao arguido pelos artigos 20.º, n.º 4, 28.º, n.º 4, e 32.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição. Alega que as questões que podem suscitar-se nas fases subsequentes do processo serão apenas de interpretação jurídica. Alega que o número de arguidos (dezasseis), que é conhecido desde a fase do inquérito não é elevado a ponto de justificar essa declaração, sendo que os que estão sujeitos a prisão preventiva não prestaram declarações sobre os factos que lhe são imputados. Alega que o número de ofendidos (cerca de sessenta), também não o justifica, considerando também que o depoimento deles em julgamento não foi minimamente dificultado pela defesa dos arguidos. Alega que também não o justifica o facto de a acusação conter uma descrição factual de cento e cinco páginas, facto que não implica necessariamente uma dificuldade extraordinária. Alega que também não o justifica o número de sessões da audiência de julgamento (quinze), o qual, sendo relevante, não é inusual em processos com um mínimo de densidade. Alega que os incidentes (incluindo o incidente de recusa) suscitados durante essa audiência correspondem ao exercício normal dos direitos de defesa dos arguidos. Alega que não se verificaram, na fase do julgamento, alterações ou modificações substanciais do processo. Alega que essa declaração traduz uma «espécie de vindita ou represália, pela circunstância de o arguido, nas duas últimas sessões de julgamento, ter suscitado incidentes e se ter insurgido contra decisões exaradas pelo Tribunal». Vejamos. Estatui o artigo 215.º, n.º 3, do Código de Processo Penal que os prazos de prisão preventiva mencionados no n.º 1 desse artigo são elevados, nos termos aí indicados, quando o processo se revestir de excecional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime. Essa excecional complexidade pode ser declarada durante a primeira instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente (n.º 4 desse artigo 215.º). No presente processo dezasseis são os arguidos; cerca de sessenta os ofendidos; a acusação contém cento e cinco páginas de descrição factual; foram arroladas oitenta e cinco testemunhas e foi indicada múltipla prova documental, com prevalência para os relatórios de vigilância e para as localizações celulares. Estas características do processo justificam, por si só, e de forma notória a declaração de excecional complexidade do processo. São características que necessariamente implicam uma excecional demora da tramitação processual, demora que fundamenta tal declaração. Não se nos afigura que a excecional complexidade do processo possa decorrer de vicissitudes ocorridas ao longo da sua tramitação, designadamente na fase de julgamento (sejam eles as que decorrem da produção de prova ou do exercício de direitos de defesa) e não de características que lhe são inerentes e conhecidas desde, pelo menos, a fase da acusação. Afigura-se-nos que é isso que decorre da norma supra citada (que não enumera taxativamente os fatores que justificam a declaração dessa excecional complexidade, mas enumera alguns a título exemplificativo, sendo todos eles relativos a esse tipo de características, e não à forma como concretamente se vai desenrolando o processo). E afigura-se-nos que foi isso que sucedeu neste caso. As características que tornam este processo de excecional complexidade existem e são conhecidas desde a fase da acusação (ou até desde momentos anteriores do inquérito) e não surgiram apenas ao longo da fase de julgamento, por causa da produção da prova, ou devido a incidentes nessa fase suscitados pela defesa dos arguidos. Na verdade, não são as razões ligadas ao modo como decorreu a audiência de julgamento invocadas no douto despacho recorrido que podem justificar a declaração de excecional complexidade deste processo, são as referidas características que lhe são inerentes (o número de arguidos, de ofendidos e de testemunhas arroladas, a extensão da descrição factual constante da acusação, que define o objeto do processo, a extensão e variedade da prova documental também indicada na acusação). Dir-se-á, então, que a declaração de excecional complexidade do processo deveria ter sido proferida logo que essas características eram conhecidas e não apenas depois de encerrada a audiência de julgamento. No entanto, não é isso que exige o acima citado n.º 4 do artigo 215.º do Código de Processo Penal[1]. Essa declaração pode ser proferida pelo tribunal de primeira instância em qualquer altura do processo. Pode ser mais razoável proferir tal declaração logo que essas características sejam conhecidas, mas a Lei não o exige (e há que respeitar tal opção legislativa). Para proferir tal declaração já na fase do julgamento ou mesmo depois de esta encerrada, não é necessário que ocorra alguma vicissitude superveniente que só nessa altura confira excecional complexidade ao processo (o que, na verdade, não ocorreu no caso em apreço). Alega o arguido e recorrente que a declaração de excecional complexidade em apreço representa uma forma espúria de alargamento do prazo da prisão preventiva e uma subversão da finalidade dessa declaração. Essa finalidade será a de permitir a realização de diligências necessariamente mais demoradas, não a de alargar esse prazo (esse alargamento é uma consequência, não o fundamento dessa declaração). A declaração de excecional complexidade do processo não visa, propriamente, permitir a realização de diligências necessariamente mais demoradas: essas diligências poderiam ser realizadas mesmo sem tal declaração. Mas essa maior demora justifica o alargamento de alguns prazos processuais e nestes se contam os prazos máximos da prisão preventiva, nos termos do citado artigo 215.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. A declaração de excecional complexidade permite, assim, o alargamento desses prazos e que seja esse o motivo dessa declaração não representa qualquer subversão da sua finalidade, nem qualquer violação dos direitos constitucionais invocados pelo arguido e recorrente. Essa subversão e essa violação só ocorreriam se não se verificassem os pressupostos da declaração de excecional complexidade, e, como vimos, verificam-se tais pressupostos neste caso. Desde que tais pressupostos se verifiquem, em nada ficam os direitos do arguido prejudicados pelo facto de essa declaração ser proferida, em primeira instância, durante a fase de julgamento, ou depois dessa fase, e não logo que esses pressupostos se verificam e sejam conhecidos. Impõe-se, por último dizer que a alegação do arguido de que a declaração de excecional complexidade do presente processo corresponde a uma «espécie de vindita ou represália, pela circunstância de o arguido, nas duas últimas sessões de julgamento, ter suscitado incidentes e se ter insurgido contra decisões exaradas pelo Tribunal» representa uma acusação grave sem qualquer fundamento e a vários títulos reprovável.
O arguido e recorrente deverá ser condenado em taxa de justiça (artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, n.º 1, j), do Regulamento das Custas Processuais.
V - Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, mantendo o douto despacho recorrido.
Condenam o arguido e recorrente em três (3) U.C.s de taxa de justiça, sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, n.º 1, j), do Regulamento das Custas Processuais
Notifique.
Porto, 5 de junho de 2024 (processado em computador e revisto pelo signatário) Pedro Vaz Pato Raquel Lima Maria do Rosário Martins _________________ [1] No sentido da não inconstitucionalidade deste artigo, pronunciou-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 683/2014 |