Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
151/19.8T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: EMPREITEIRO
IMPUTAÇÃO AO SUBEMPREITEIRO
PRESUNÇÃO DE CULPA
MEDIDA DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP20210211151/19.8T8AVR.P1
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O acréscimo do prazo de 10 dias para a interposição do recurso, previsto no art.º 638º, nº 7, do Código de Processo Civil, depende unicamente da apresentação de alegações em que a impugnação da decisão da matéria de facto seja sustentada, no todo ou em parte, em prova gravada, não ficando dependente da apreciação do modo como foi exercido o ónus de alegação.
II - O empreiteiro, mesmo nos casos em que deu a obra de subempreitada, continua obrigado à sua vigilância, porque continua a impender sobre ele o dever de supervisão técnica da sua feitura, mantendo os poderes de controlo e direção. O dever de vigilância não transita para o subempreiteiro, sem prejuízo de sobre este impender idêntico dever.
III - O art.º 493º, nº 1, do Código Civil, prevê uma presunção de culpa, no caso, do empreiteiro geral, fundamentada naqueles deveres, que subsiste enquanto ele não comprovar que não houve nenhuma culpa da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido mesmo que não houvesse culpa sua, ou ainda que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos.
IV - Sendo a obra perigosa pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios empregados, aquela presunção de culpa só pode ser ilidida se o empreiteiro demonstrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos, não sendo suficiente a alegação e a prova de que os danos se teriam verificado por uma outra causa, mesmo que ele tivesse adotado todas aquelas providências.
V - A falta de formação e de preparação de um trabalhador, em matéria de segurança, para a execução de trabalhos numa vala profunda, não pode deixar de relevar como nexo de causalidade adequada para o acidente que o fez vítima mortal por soterramento e asfixia, pois que não se mostra inidónea para a sua ocorrência, atentas as suas condições, sem a intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis.
VI - O menor grau de culpa do empreiteiro geral, relativamente à culpa do subempreiteiro empregador da vítima, justifica a limitação do valor da indemnização a pagar pelo primeiro, devendo, no entanto, manter-se, nessa medida reduzida, a responsabilidade solidária.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº151/19.8T8AVR.P1 (apelação)
Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível – J 3

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Francisca Mota Vieira[1]

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
A) B…, Cartão de Cidadão nº…………, Contribuinte Fiscal nº ………, residente na Rua …, n.º .., ….-… …,Águeda; e
B) C…, Cartão de Cidadão nº …………, Contribuinte Fiscal n.º ………, residente na Rua …, nº .. …, ….-… …, Águeda, instauraram ação declarativa comum contra:
1. D…, UNIPESSOAL, LDA, pessoa coletiva nº ………, com sede na Rua …, …, entrada ., letra ., rés-do-chão direito, freguesia …, ….-… Albergaria-a-Velha;
2. E…, Cartão de Cidadão nº …………, residente na Rua …, n.º ., ….-…, …, …, Águeda;
3. F…, S.A., pessoa coletiva nº ………, com sede na Rua …, nº .., Apartado .., …, ….-… …, Oliveira do Bairro;
4. G…, residente na Rua …, nº .., …, ….-… …, Oliveira do Bairro; e
5. H…, LDA., pessoa coletiva nº ………, com sede no …, …, …., ….-… …, alegando essencialmente que são filhos e únicos herdeiros de I…, falecido num acidente de trabalho, por soterramento e asfixia mecânica numa vala em que trabalhava como pedreiro, ocorrido no dia 11.3.2014, em Águeda.
Naquelas circunstâncias, a vítima encontrava-se ao serviço, sobre as ordens e direção da 1ª R., representada pelo 2º R., tendo sido estes já condenados pela prática de um crime de infração de regras de construção, agravado pelo resultado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 277º, n.ºs 1, al. a) e 2, e 285ºdo Código Penal, por referência aos artigos 66º a 72º do Decreto n.º 41821/58, de 11 de agosto, a 1ª R. ainda com referência aos art.ºs11º, nºs 2, al. a), e 4,e 90º-B, n.ºs 1, 2 e 5, do Código Penal.
O dono da obra era a J…, S.A., que a adjudicara à 3ª R., representada pelo 4º R. que, por sua vez, celebrou um contrato de subempreitada com a 1ª R.
A dona da obra contratara a 5ª R. para a fiscalização e coordenação de segurança da empreitada.
Os 1ª e 2º RR. Não promoveram a colocação de qualquer proteção coletiva no local de execução dos trabalhos, designadamente a entivação, por forma a prevenir o risco de soterramento dos trabalhadores que executavam os trabalhos na vala.
A 1ª R. também não ministrou à vítima, como devia, formação em segurança no trabalho.
Os 3º, 4º e 5º RR. permitiram o início dos trabalhos e a sua continuação sem que tivessem assegurado, como é sua obrigação legal, a aplicação do plano de segurança e saúde e sem terem verificado o seu cumprimento ao longo da execução dos trabalhos, não atendendo à organização do estaleiro, às condicionantes nele existentes e aos trabalhos que envolviam riscos especiais, em concreto, o risco de soterramento.
A 3ª R. havia-se responsabilizado por todas as obrigações legais na execução de todos os trabalhos, nomeadamente cumprir e fazer cumprir as regras de segurança pelos seus subcontratados e sucessiva cadeia de subcontratação.
A 5ª R. deveria ter fiscalizado e coordenado a segurança da empreitada, e não o fez como devia.
Em consequência do soterramento, o I… sofreu uma morte violenta e quase imediata, mas apercebeu-se do desmoronamento progressivo das terras e passou por uma situação terrível de medo, apercebendo-se de que iria morrer ali, pelo que os AA. entendem que deve ser fixada a indemnização de € 20.000,00, a repartir em duas partes iguais pelos AA. (€ 10.000,00 para cada um).
O falecido tinha 50 anos de idade e, pelas suas caraterísticas pessoais e esperança de vida, os AA. defendem que o dano morte deve ser reparado com a quantia de € 70.000,00, a dividir em partes iguais por cada um deles (€ 35.000,00 para cada um).
Em consequência da morte de seu pai, os AA. sofreram:
- Danos não patrimoniais que também descreveram, a reparar pela fixação de uma indemnização de € 20.000,00 para cada um deles.
- Perda de um rendimento equivalente a € 50,00 por mês, cada um, relativo ao fornecimento produtos hortícolas e outros alimentos com que o seu pai contribuía em favor de ambos, e que estimam em € 9.000,00 para cada A. a título de dano futuro.
- Os AA. pagaram a quantia de € 1.790,00 à K…, Lda., que tratou do funeral, tendo sido reembolsados pela Segurança Social “em quantia não inferior a €1000,00”, gastaram € 170,00 em flores, pagaram a quantia de € 80,00 à Junta de Freguesia, conforme guia de entrada de cadáver no cemitério, e ainda uma dívida que o falecido pai tinha junto da Segurança Social, no valor de €787,05.
Os AA. fizeram culminar a petição inicial com o seguinte pedido:
«I) - Deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e os Réus solidariamente condenados:
A) A pagar a cada um dos Autores:
- A título de indemnização por danos morais da vítima, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros);
- A título de indemnização pelo dano da privação do direito à vida, a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros);
- A título de indemnização por danos morais próprios dos Autores, a quantia de € 20.000,00;
- A título de indemnização pelo dano patrimonial sofrido, a quantia de € 9.000,00.
B) A pagar aos Autores a quantia global de €1.827,05, correspondente às despesas com o funeral (€790,00 + €170,00 + €80,00) e corresponde a uma dívida na Segurança Social paga pelos Autores e que dizia respeito ao de cujus (€787,05).
C) A pagar os juros, à taxa legal, desde a citação;
II) – Tudo com custas e procuradoria condigna a cargo dos Réus.»
Citados, os RR., à exceção a 1ª R., deduziram contestação.

O 2º R. defendeu-se por exceção e por impugnação.
Argumentou que a responsabilidade pelo sinistro deve ser imputada à 1ª R., para quem a vítima exercia as funções de pedreiro nas circunstâncias do sinistro. Ainda que assim não seja, foi violado o princípio da adesão ao processo crime, por não ter sido ali deduzido o pedido de indemnização, devendo, por isso, ser absolvido da instância.
Por impugnação, opôs-se a grande parte da matéria de facto alegada na petição inicial, designadamente a que está relacionada com as circunstâncias do acidente e com os factos alegados justificativos dos montantes indemnizatórios pretendidos, sendo também estes excessivos.
Concluiu pela sua absolvição do pedido.

Os 3ª e 4º RR. Também contestaram a ação, por exceção (invocando a prescrição do direito dos AA. a ser indemnizados) e por impugnação parcial dos factos.
Alegaram, sobretudo, que a 3ª R. procedeu à elaboração de fichas de procedimentos de segurança, concretamente para a operação de abertura de valas, fazendo a identificação dos riscos e correspondentes medidas de prevenção a implementar em obra com vista à prevenção do risco de soterramento, elaborando, pois, o Plano de Segurança e Saúde da Obra e seu Desenvolvimento, que veio a ser aprovado e foi recebido pelos 1ª e 2ª RR. Foram estes que não garantiram a segurança do seu trabalhador na execução dos trabalhos, permitindo, por falta de entivação, o desmoronamento da vala determinante do óbito.
A 3ª R., apesar de não ter tal obrigação contratual, forneceu aos subempreiteiros, nomeadamente à 1ª R., todo o material e painéis de entivação que lhe foram solicitados. O seu diretor técnico fiscalizou a totalidade da obra periodicamente, e, nomeadamente, todas as semanas no que respeita à frente de obra em causa, nunca tendo detetado que a 1ª R. não efetuasse a entivação necessária.
Sempre foi assegurado e imposto ao subempreiteiro a aplicação do Plano de Segurança e Saúde e seu Desenvolvimento, sendo promovido, fiscalizado e verificado, em tudo quanto era exigível, o cumprimento dos mesmos, bem como no que se refere à organização do estaleiro, às condicionantes existentes no mesmo e aos trabalhos que envolviam riscos especiais, nomeadamente, e em concreto, o risco de soterramento.
No que ao 4º R. diz respeito, os AA. não imputam qualquer facto concreto decorrente da sua atuação ou omissão, para além de invocarem a sua qualidade de legal representante da R. F…, S.A.
Alegam que não praticaram qualquer facto ilícito e que, dos seus atos, não resulta qualquer nexo causal relevante, não podendo ser-lhes assacada responsabilidade civil.
Concluem pela sua absolvição do pedido.

A 5ª R. impugnou parcialmente os factos, considerando que não foi alegado qualquer facto concreto que permita imputar-lhe responsabilidade civil. Cumpriu as funções contratadas, ou seja, verificou e registou as falhas detetadas que estavam ao seu alcance, para sua correção, não lhe sendo exigível que estivesse na obra a tempo inteiro. Não lhe foi dado conhecimento do início dos trabalhos da frente de obra do acidente para que os pudesse verificar e registar a falha determinante.
Defendeu assim a sua absolvição.

Os AA. exerceram o contraditório relativamente às exceções suscitadas nas contestações, concluindo como na petição inicial.

O tribunal dispensou a audiência prévia e proferiu despacho saneador pelo qual julgou improcedentes a exceção relacionada com o princípio da adesão do pedido indemnizatório no processo penal e a exceção perentória da prescrição.
Foi definido o objeto do processo e foram individualizados os temas de prova; o tribunal pronunciou-se ainda sobre a admissibilidade dos meios de prova e designou data a para realização da audiência final.
Após a realização de vários atos de instrução, teve lugar aquela audiência, após a qual foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«A – Julgo a acção parcialmente procedente por provada e, em função disso, condeno os Réus D…, Unipessoal, Lda, E…, F…, Lda e H…, Lda a pagarem, solidariamente:
- A cada um dos Autores, a quantia de 5.000 €, por danos morais da vítima, 35.000 € pelo dano de privação do direito à vida da vítima, 10.000 € por danos morais próprios dos autores;
- A pagar aos Autores a quantia de 1.040,00 €, correspondente às despesas de funeral.
Quantias acrescidas dos juros legais contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
B – Improcede o pedido no que se refere ao Réu G….
Custas na proporção do decaimento.»
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Inconformados com a decisão sentenciada, recorreram a 3ª R. F…, S.A., e a 5ª R. H…, LDA., alegando autonomamente com as seguintes:
CONCLUSÕES da 3ª R.:
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Pretende assim a recorrente a revogação da sentença.

CONCLUSÕES DA 5ª R.:
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Os AA. produziram contra-alegações que sintetizaram assim:
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Defenderam deste modo a confirmação do julgado.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II.
As questões a decidir --- exceção feita para o que for do conhecimento oficioso --- estão delimitadas pelas conclusões das apelações das 3ª e 5ª RR. (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil).

Impõe-se assim a apreciar e decidir:
A- Na apelação da 3ª R.:
1. Erro de julgamento em matéria de facto;
2. Falta de pressupostos da responsabilidade civil (extracontratual) da 3ª R.;
3. Redução do valor da indemnização.

B- Na apelação da 5ª R.:
1. Erro de julgamento em matéria de facto;
2. Falta de pressupostos da responsabilidade civil (extracontratual) da 5ª R.
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A título de questão prévia, suscitada pelos AA. recorridos nas contra-alegações:
1. Rejeição do recurso por extemporaneidade.
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III.
Os factos dados como provados na ação:
1 - A J…, S.A., na qualidade de dona de obra, adjudicou ao Réu F…, S.A., cujo legal representante é o Réu G…, a obra “Lote . – Infra-estruturas Municipais de Saneamento Básico de Águeda – Fase .. – Redes de Drenagem de Águas Residuais do PAR – …, PAR-… e PAR-…”.
2 - Em 24 de Fevereiro de 2014, o Réu F…, S.A., na qualidade de entidade executante, com vista à execução daquela obra, celebrou um contrato de subempreitada com a Ré D…, Unipessoal, Lda., cujo gerente é o Réu E….
3 - A J…, S.A. contratou a Ré H…, Lda para efectuar os trabalhos de fiscalização e coordenação de segurança da empreitada.
4 - O pai dos AA, vítima I…, exercia as funções de pedreiro por conta, ordem e direcção da Ré D…, Unipessoal, Lda., desde o dia 3de Fevereiro de 2014, ainda que sem seguro de trabalho.
5 - No dia 11 de Março de 2014, na frente da obra sita na Rua …, em …, Águeda, estavam em curso, por conta da Ré D…, Unipessoal, Lda., trabalhos de abertura de uma vala para colocação de tubagem de saneamento, com cerca de 3,40 metros de profundidade e 12 metros de comprimento.
6 - Apenas metade do interior daquela vala (cerca de 6 metros) se encontrava escorada/entivada, a fim de proceder ao sustentamento dos solos naquela parte, com o objectivo de evitar que ocorressem desmoronamentos de terra enquanto os trabalhadores se encontrassem no seu interior,
7 - Permanecendo os restantes 6 metros sem qualquer protecção colectiva – sem entivação da vala, por forma a prevenir o risco de soterramento.
8 - No dia 11 de Março de 2014, sensivelmente pelas 17h35, encontravam-se na obra a vítima I…, E…, além de outros trabalhadores.
9 - Junto à vala, mas fora da mesma, encontravam-se E…, na qualidade de gerente da Ré D…, Unipessoal, Lda, dando as instruções/ordens aos trabalhadores no local.
10 – I… encontrava-se na zona mais profunda da vala, na parte não entivada, com a função de puxar areia para fazer o lastro e depois pousar o tubo.
11 - A dado momento, as terras e pedras de um dos lados do talude desprenderam-se (não tendo qualquer suporte que as fixasse).
12 - O I…, por se encontrar na zona mais profunda da vala não podia aceder à rampa de saída da vala já que a mesma estava impedida com areia,
13 - O que levou a que tentasse fugir pelo lado contrário àquela rampa, mas sem sucesso, não conseguindo evitar que as terras caíssem sobre si, culminando no seu soterramento.
14 - Nessa sequência, o pai dos AA., I…, acabou por falecer no local por asfixia mecânica por sufocação, por oclusão dos orifícios respiratórios por meio pulverulento.
15 - O I…, à data do acidente tinha 50 anos, pois que nasceu a 27.07.1963.
16 - O I… não teve morte imediata, apercebendo-se do desmoronamento de terras e que as terras iam enchendo a vala onde este se encontrava, sentindo um medo terrível e tomando consciência que não iria conseguir sair dali e que a sua vida terminava ali.
17 - Era um homem forte, robusto, saudável, trabalhador, com uma grande autoestima, respeitado, com um feitio sociável, expansivo, alegre, gozando da estima e carinho de quantos o rodeavam, que com ele adoravam conviver.
18 - Era um homem digno, frontal, honesto, com um grande gosto pela vida, generoso e franco.
19 - Perdeu a oportunidade de vir a conhecer futuramente os netos.
20 - O falecido I… relacionava-se de forma cordial com os seus filhos, existindo entre eles laços de amor, amizade e ternura.
21 - A morte de I… provocou-lhes dor e angústia, sendo que ainda não se recompuseram da perda que sofreram para além do sofrimento que sentem só de pensar na forma aterradora como perdeu a vida.
22 - À data do acidente, para além de trabalhador na empresa acima mencionada, o falecido I… dedicava-se à actividade agrícola, cultivando, produzindo e colhendo produtos agrícolas, milho, batata, feijão, cereais, frutas, legumes diversos, podando a vinha, sulfatando-a, preparando o vinho, criando galinhas.
23 - Os Autores procederam ao pagamento à K…, Lda que tratou do funeral a quantia de € 1.790,00, sendo reembolsados pela Segurança Social em quantia não inferior a €1000,00 (mil euros).
24 - A título de flores para o funeral despenderam os Autores a quantia de €170,00.
25 - À Junta de Freguesia … os Autores pagaram a quantia de€80,00.
26 - Os Autores pagaram uma dívida que o falecido pai tinha junto da Segurança Social no valor de €787,05.
27 - Por documento datado de 04.07.2013, a Ré F…., adjudicatário da empreitada “Lote . – Infraestruturas Municipais de Saneamento Básico de Águeda – Saneamento de águas residuais – Fase … PAR-…, PAR … e PAR …”, representadas pelo Réu F… declarou:
- Que na execução de todos os trabalhos cumprirá e fará cumprir pelos seus subcontratados e sucessiva cadeia de subcontratação todas as obrigações previstas no Decreto-Lei nº 273/2003 de 29 de Outubro e demais legislação aplicável no âmbito da construção e da segurança, higiene e saúde no trabalho;
- Que nomeia um director técnico e um representante do empreiteiro (o Réu F…) para aquela empreitada, sendo que este último ficou responsável pelo cumprimento da legislação aplicável em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho a que se refere a cláusula 6.1.9 do caderno de encargos os quais se comprometeram a desempenhar as funções com dedicação, proficiência e assiduidade.
- Que nomeia L… (que aceitou a nomeação) como responsável pelo cumprimento da legislação aplicável em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho;
28 – Por documento datado de 09.07.2013, a Ré H…, Ldª, representada pelo seu gerente declarou-se responsável pela coordenação de segurança em obra, da empreitada “Lote . – Infraestruturas Municipais de Saneamento Básico de Águeda – Saneamento de águas residuais – Fase … PAR-…, PAR… e PAR…”, a realizar no concelho de Águeda; Mais declarou que o exercício das actividades de coordenação de segurança em obra seria assegurada por M….
29 - Nos termos da cláusula 7º n.º 12 e 13 do contrato referido em 2 a Ré D… comprometeu-se a:
“12- Cumprir e fazer cumprir, no local da obra e estaleiro, todas as regras necessárias a acautelar a segurança e saúde de todos os intervenientes na subempreitada e a disponibilizar àqueles todo o equipamento individual e colectivo de prevenção de riscos, definido no Plano de Segurança e Saúde.
13 – Assegurar o cumprimento do Plano de Segurança e Saúde e todas as medidas suplementares que se venham a impor no decurso dos trabalhos”.
30 – Por documento datado de 13.01.2014, o Réu E…, na qualidade de representante legal de D…, Ldª, declarou ter recebido e tomado conhecimento do estabelecido no Desenvolvimento do Plano de Segurança e Saúde da empreitada ….-.. “Lote . – Infraestruturas Municipais de Saneamento Básico de Águeda – Saneamento de águas residuais – Fase … PAR-…, PAR… e PAR…”, tendo-se comprometido a divulgá-lo e fazê-lo cumprir por todos os intervenientes nos trabalhos que serão efectuados pela D…, Ldª.
31– Por documento datado de 13.01.2014, a Ré D…, Ldª, adjudicatária e entidade executante da empreitada ….-.. “Lote . – Infraestruturas Municipais de Saneamento Básico de Águeda – Saneamento de águas residuais – Fase … PAR-…, PAR… e PAR…” representada pelo réu E…, declarou ter recebido o Plano de Segurança e Saúde (PSS) para a mencionada empreitada, comprometendo-se a cumprir o preconizado nesse PSS com proficiência, tendo em conta a legislação em vigor e a propor as alterações que se revelarem necessárias, face aos processos construtivos e métodos de trabalho utilizados no estaleiro-
32 - No processo crime comum colectivo número 221/14.9GBAGD, ficou provado que:
“(…) 5) - No dia 11 de Março de 2014, na frente de obra sita na Rua …, em …, Águeda, estavam em curso, por conta da empresa arguida “D…, Unipessoal, Ld.””, trabalhos de abertura de uma vala, para colocação de tubagem de saneamento, com cerca de 3,40 metros de profundidade e 12 (doze) metros de comprimento.
6) Por ordem do arguido E…, a referida vala foi apenas parcialmente entivada, tendo o seu interior sido revestido com placas metálicas numa extensão de 6 (seis) metros, deforma a proceder ao sustentamento dos solos naquela parte, com o objectivo de evitar que ocorressem desmoronamentos de terra enquanto os trabalhadores se encontrassem no seu interior, permanecendo os remanescentes 6 (seis) metros sem qualquer suporte.
7) Pelas 17:00 horas, encontravam-se na referida vala o ofendido I… e N…, ambos trabalhadores da arguida “D…, Unipessoal, Ld.º”, sendo que este último estava junto à rampa de acesso à vala a espalhar aterra, na parte entivada, enquanto o I… estava na zona mais profunda da vala, de forma a puxar a areia para fazer o lastro e depois pousar o tubo.
8) Por seu lado, O…, também trabalhador da arguida “D…, Unipessoal, Ld.””, aguardava instruções do arguido E… para proceder à compactação do terreno com a máquina que manobrava, denominada “saltitão”, encontrando-se ambos fora da vala, na via pública.
9) Em dado momento, deu-se um desmoronamento de terras, do que o arguido E… logo se apercebeu, tendo gritado “foge”, por forma a alertar os trabalhadores, sendo que o N… conseguiu fugir através da rampa de acesso à vala, o que não aconteceu com o ofendido I…, que não logrou tal desígnio, acabando por ficar soterrado na parte não entivada da vala, a pouca distância das placas de entivação.
10) Nessa sequência, o ofendido I… faleceu no local devido a asfixia mecânica por sufocação, por oclusão dos orifícios respiratórios por meio pulverulento.
11) O arguido E… sabia que estava obrigado a garantir que os trabalhos de escavação seriam conduzidos de forma a garantir as indispensáveis condições de segurança dos trabalhadores e do público e a evitar desmoronamentos.
12) Mais sabia que, para tanto, as valas teriam que ser totalmente entivadas, com recurso a elementos verticais ou horizontais de pranchões, em madeira ou metálicos, que suportassem o impulso do terreno, por forma a obviar ao risco de soterramento dos trabalhadores que ali se encontrassem.
13) O arguido E… estava ainda ciente que a entivação do solo nas frentes de escavação deveria ser do tipo mais adequado à natureza e constituição do solo, profundidade da escavação, grau de humidade e sobrecargas acidentais, estáticas e dinâmicas, a suportar pelas superfícies dos terrenos adjacentes, devendo ser reforçada quando fossem de recear desmoronamentos, derrubamentos ou escorregamentos, como no caso de taludes diferentes dos naturais, de modo a torná-la capaz de evitar esses perigos.
14) Não obstante, o arguido E… ordenou que a referida vala fosse apenas parcialmente entivada, deixando cerca de 6 (seis) metros de comprimento sem qualquer suporte do solo, razão pela qual, quando ocorreu o desmoronamento de terras, o ofendido I…, que se encontrava a trabalhar no interior da vala, ficou soterrado, o que foi causa directa e necessária da sua morte.
15) O arguido E… sabia que, enquanto gerente da empresa incumbida da obra em causa, estava obrigado à observância daquelas regras legais, que conhecia, e que a sua violação era susceptível de provocar o soterramento dos seus trabalhadores e assim provocar perigo para a vida e integridade física dos mesmos, o que efectivamente aconteceu no que se refere ao ofendido I…, que veio a falecer na sequência do desmoronamento de terras de que foi vítima.
16) O arguido E… agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
17) O arguido E… actuou da forma supra descrita enquanto legal representante da empresa arguida “D…, Unipessoal, Ld.”, no interesse e por conta desta entidade, onde ocupava uma posição de liderança enquanto seu gerente. (…)”.
33 - Pela prática dos factos supra elencados foi:
- A arguida D…, Unipessoal, Lda condenada pela prática de um crime de infracção de regras de construção, agravado pelo resultado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 277º n.º 1 a) e 2, 285º 11º n.º 2 a) e 90º B, n.º 1, 2 e 5 do Código Penal , por referência aos arts. 66º a 72º do Decreto 41821/58 de 11 de Agosto, na pena de 250 dias de multa à taxa diária de 120 €, num total de 30.000 € substituída pela prestação de uma caução de boa conduta, no montante de 15.000, 00 €, pelo prazo de 3 anos, a prestar em 15 dias.
- O arguido E… condenado pela prática de um crime de infracção de regras de construção, agravado pelo resultado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 277º n.º 1 a) e 2, 285º do Código Penal, por referência aos arts. 66º a 72º do Decreto 41821/58 de 11 de Agosto, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos.
34 - A Ré D…, Unipessoal, Lda, e o seu sócio-gerente, o aqui Réu E…, não promoveram a entivação da vala onde o falecido I… se encontrava a trabalhar, em toda a sua extensão, com recurso a elementos verticais ou horizontais de pranchões, em madeira ou metálicos, que suportassem o impulso do terreno, por forma a obviar ao risco de soterramento dos trabalhadores que ali se encontrassem.
35 - Não tendo alertado os trabalhadores (nomeadamente a vítima) para o perigo em que incorriam, dirigindo-lhe indicações para que os mesmos se colocassem numa situação de plena segurança,
36 - A ré F…, S.A. elaborou e deu conhecimento aos co-réus D… e E… do Plano de Segurança e Saúde da Obra e seu Desenvolvimento, no qual expressamente constava, nas respectivas fichas de procedimento de segurança, a obrigação de as valas com a profundidade em causa serem entivadas na sua totalidade, fazendo a identificação dos riscos e correspondentes medidas de prevenção a implementar em obra, com vista à prevenção do risco de soterramento.
37 - A empreiteira Ré F…, S.A., bem como a Ré H…, Lda, permitiram o início dos trabalhos e a sua continuação sem que tivessem assegurado, a aplicação do plano de segurança e saúde.
38 – E não verificaram o cumprimento do plano e segurança e saúde, pela Ré D…, Unipessoal, Lda e pelo seu sócio-gerente, o Réu E….
39 - Bem como, no que se refere à organização do estaleiro, as condicionantes existentes no mesmo e os trabalhos que envolviam riscos especiais (em concreto o risco de soterramento).
40 - Não foram feitos registos das actividades do coordenador de segurança (Ré H…, Lda) relativamente à frente de trabalho onde se deu o acidente.
41 - A obra em causa nos autos tinha uma dimensão considerável e tratava-se de uma obra em que se laborava em diversas frentes em simultâneo, na altura em que ocorreu o sinistro em causa nos autos.
42 - A Ré H… sempre que detectou falhas de segurança, nas várias frentes registou esse facto, e obrigou à sua correcção.
43 - Tendo efectivamente detectado uma falha de segurança relativa à falta de entivação de uma outra vala em outra frente da obra, falha essa que foi corrigida.
44 - As valas eram abertas dia a dia.
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A matéria de facto dada como não provada na ação:
A) As terras começassem por prender as pernas e subissem pelo corpo da vítima
B) A vítima tomasse consciência que não voltaria a ver os seus filhos.
C) O I… tivesse morte imediata.
D) O I… estivesse de relações cortadas com os filhos, aqui AA, não existindo qualquer proximidade entre o malogrado I… e os aqui AA, o que acontecia desde o divórcio com mãe dos AA.
E) Entre o falecido I… agora Autores existisse uma extrema proximidade e um elevado espírito de entreajuda.
F) O I… fosse o amparo dos AA e que a sua morte os deixasse privados da força e confiança que este lhes incutia, do apoio que este representava para os mesmos.
G) Mensalmente, o pai dos AA lhes oferecesse produtos que cultivava, o que lhes permitisse poupar cerca de € 50,00 (no mínimo) cada um.
H) A Ré F…, SA promovesse, fiscalizasse, assegurasse e verificasse o cumprimento do plano referido em 36, tudo fazendo para serem tomadas as medidas destinadas a evitar os riscos em tais tipos de trabalho, no que se refere à organização do estaleiro, às condicionantes existentes no mesmo e aos trabalhos que envolviam riscos especiais, nomeadamente, e em concreto, o risco de soterramento.
I) Os trabalhos de fiscalização e coordenação de segurança para que a Ré H… foi contratada pela dona da obra a J…, não fosse a tempo inteiro, ou seja, estivesse limitado a determinadas horas.
J) A Ré H… efectuasse, com regularidade, o acompanhamento da obra em causa nos autos e fizesse os respectivos registos, mormente do período compreendido entre 09 de Outubro de 2013 e 05 de Março de 2014 através da à data sua funcionária – Eng.ª M….
K) Sendo que, relativamente à frente onde ocorreu o sinistro, a funcionária da Ré H… – Eng.ª M… – efectuasse pelo menos duas visitas, em 24 de Fevereiro e 05 de Março de 2014.
L) Na primeira visita efectuada, detectasse uma falha de segurança, mais concretamente a existência de materiais soltos nas laterais da vala.
M) As obras na frente onde ocorreu o sinistro foram iniciadas sem que lhe fosse dado devido e efectivo conhecimento.
N) A responsável da ré F…, S.A. pelo cumprimento da legislação em matéria de segurança e saúde no trabalho, L…, se deslocasse à frente de obra em causa, em 2014, nos dias 9, 21, 29 e 31 de Janeiro, 4, 11 e 18 de Fevereiro,18 e 19 de Março e 21 de Maio.
O) O Director Técnico da ré F..., S.A. na obra e empreitada em causa, P…, fiscalizasse a totalidade da obra periodicamente, e, nomeadamente, todas as semanas no que respeita à frente de obra em causa, nunca tendo detectado que a ré D… não efectuasse a entivação necessária.
P) Nenhum dos Réus ministrasse formação adequada aos trabalhadores da D… que se encontravam a laborar na frente de obra onde ocorreu o acidente dos Autos, e concretamente, nenhuma formação foi dada pelos Réus ao trabalhador sinistrado, pai dos Autores.
R) O falecido trabalhador apenas no dia do acidente iniciasse o exercício das suas funções na obra em causa, sendo o seu primeiro dia de trabalho.
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IV.
A questão prévia
Alegam os AA. recorridos que a 5ª R. H…, Lda. interpôs a apelação, indevidamente, dentro do acréscimo legal de 10 dias de prazo a que se refere o art.º 638º, nº 7, do Código de Processo Civil. Argumentam que esta recorrente não impugnou “a matéria de facto dada como provada com recurso real e objetivo à prova gravada (no sentido que a Lei determina)”; “para que o recorrente/apelante possa usufruir desse acréscimo de 10 dias, a impugnação da matéria de facto efectuada deve reflectir efectivamente essa reapreciação”; “o aproveitamento que a R. (…) fez da prova gravada, naquele único ponto e de forma extremamente superficial, nenhum outro objectivo tem senão beneficiar desse alargamento de prazo – o que inaceitável.” (conclusões 2ª, 3ª e 4ª das contra-alegações).
Analisando o recurso da 5ª R., verifica-se, além do mais, que impugnou a decisão proferida em matéria de facto, com referência a determinados pontos da mesma (pontos 37, 38 e 39 dos factos provados e alíneas J), K), L) e M) da matéria dada como não provada. Quanto àqueles pontos, entende que são insustentáveis face à prova produzida (ou melhor, a falta dela), devendo, por isso, ser dados como não provados; relativamente às alíneas J), K) e L), considera que, em vez de não provada, a respetiva matéria de facto deve considerada provada com base essencial em prova documental e nos termos que propôs como constitutivos de pontos novos dos factos provados (nºs 45, 46 e 47).
Já quanto à alínea M) dada como não provada, entende a recorrente que deve transitar para os factos provados, com o seguinte teor: “as obras na frente onde ocorreu o sinistro foram iniciadas sem que lhe fosse dado conhecimento”.
Nas conclusões, a recorrente justifica a alteração proposta com o depoimento gravado da testemunha M…, produzido na sessão de audiência de 10.2.2020, onde “afirmou (registo CD 19) claramente que não sabia da abertura da vala onde ocorreu o acidente, que não lhe havia sido dado conhecimento do início desse trabalho”, dizendo também que não existe qualquer prova em contrário (conclusões 13º, 14º, 15º e 16º do seu recurso).
No corpo das alegações, a apelante registou: “A referida testemunha quando inquirido (registo de cd 17:12 a 19:55) afirmou claramente não sabia da abertura da dita vala onde ocorreu o acidente, que não lhe havia sido dado conhecimento do inicio desse trabalho, ou seja, da abertura dessa vala. O facto de afirmar que não era necessário ou que existia obrigação de a contactarem sempre que fosse aberta uma vala, é outra questão que não invalida o facto em concreto que aquela vala foi aberta sem que lhe fosse dado conhecimento”.
Ainda que apenas relativamente a um facto, o recurso da 5ª R. traduz a necessidade que reapreciação de prova gravada, com vista à eventual modificação do mesmo, dado como não provado sob a alínea M) da sentença.
Não tem cabimento a afirmação dos AA. de que não há da parte da 5ª R. “recurso real e objetivo a prova gravada” ou de que faz um aproveitamento da prova gravada de “forma extremamente superficial”. Não é por se se referir uma afirmação do facto apenas por uma testemunha que esse facto é mais ou menos verdadeiro, importando considerar aquele depoimento no reexame da prova e na sua livre apreciação.
Estão, pois, reunidos os pressupostos da impugnação da decisão proferida relativamente à al. M), designadamente o requisito da indicação da passagem de gravação do depoimento tida por relevante pela recorrente (al. a) do nº e do art.º 640º do Código de Processo Civil).
O acréscimo do prazo de 10 dias depende unicamente da apresentação de alegações em que a impugnação da decisão da matéria de facto seja sustentada, no todo ou em parte, em prova gravada, não ficando dependente da apreciação do modo como foi exercido o ónus de alegação.
Note-se o que refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.4.2016[4], no seu sumário:
(…)
3. A extensão do prazo de 10 dias previsto no art. 638º, nº 7, do CPC, para apresentação do recurso de apelação quando tenha por objecto a reapreciação de prova gravada depende unicamente da apresentação de alegações em que a impugnação da decisão da matéria de facto seja sustentada, no todo ou em parte, em prova gravada, não ficando dependente da apreciação do modo como foi exercido o ónus de alegação.
4. Tendo o recorrente demonstrado a vontade de impugnar a decisão da matéria de facto com base na reapreciação de prova gravada, a verificação da tempestividade do recurso de apelação não é prejudicada ainda que houvesse motivos para rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto com fundamento na insatisfação de algum dos ónus previstos no art. 640º, nº 1, do CPC”.
De resto, ainda que assim não fosse de entender, não se trata de um facto que possa ser tido como manifestamente inócuo para efeito da decisão de mérito, a ponto de se poder admitir que a sua impugnação mais não visou do que obter o alargamento do prazo de recurso face ao esgotamento do prazo normal de 30 dias (o que sempre seria extremamente difícil de atingir).
Tanto basta para que a recorrente beneficie do acréscimo de prazo de recurso referido no nº 7 do art.º 638º, que utilizou de forma tempestiva.
Improcede a questão prévia, sendo tempestiva a interposição da apelação da 5ª R.
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Apelações
1. Erro de julgamento em matéria de facto

A apelação da 3ª R. F…, S.A.
Nos termos do art.º 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; (al. a));
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (al. b)) e
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al. c)).
A recorrente deu satisfação às especificações das al.s a), b) e c) do referido nº 1.
Os concretos pontos de facto que impugnou: 10, 12, 13, 37, 38, 39, 44 e al. P.
Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação realizada, que impunham decisão diversa, estão também identificados nas alegações e nas conclusões, com indicação dos nomes das testemunhas que a recorrente considera relevantes.
A A. também faz uma identificação precisa das respostas que entende que deveriam ter sidos dadas e devem ter agora lugar no âmbito da impugnação da matéria de facto objeto dos quesitos postos em causa e acima especificados.
O mesmo acontece com a exigência prevista no nº 2, al. a), do art.º 640º, segundo o qual “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Assim:
10 – I… encontrava-se na zona mais profunda da vala, na parte não entivada, com a função de puxar areia para fazer o lastro e depois pousar o tubo.
Quer: I… encontrava-se na zona mais profunda da vala, com a função de puxar areia para fazer o lastro e depois pousar o tubo, sendo que o local onde deviam ser executados tais trabalhos se encontrava entivado na sua totalidade;

12 - O I…, por se encontrar na zona mais profunda da vala não podia aceder à rampa de saída da vala já que a mesma estava impedida com areia,
Quer: O I… encontrava-se na zona mais profunda da vala;

13 - O que levou a que tentasse fugir pelo lado contrário àquela rampa, mas sem sucesso, não conseguindo evitar que as terras caíssem sobre si, culminando no seu soterramento.
Quer: E tentou fugir pelo lado contrário à rampa de saída da vala, mas sem sucesso, não conseguindo evitar que as terras caíssem sobre si, culminando no seu soterramento.

37 - A empreiteira Ré F…, S.A., bem como a Ré H…, Lda, permitiram o início dos trabalhos e a sua continuação sem que tivessem assegurado, a aplicação do plano de segurança e saúde.
Quer: Não provado relativamente à 3ª R.

38 – E não verificaram o cumprimento do plano e segurança e saúde, pela Ré D…, Unipessoal, Lda. e pelo seu sócio-gerente, o Réu E….
Quer: Não provado relativamente à 3ª R.

39 - Bem como, no que se refere à organização do estaleiro, as condicionantes existentes no mesmo e os trabalhos que envolviam riscos especiais (em concreto o risco de soterramento).
Quer: Não provado relativamente à 3ª R.

44 - As valas eram abertas dia a dia.
Quer: As valas eram, como foi o caso da vala em causa, abertas no próprio dia e apenas com a presença no próprio dia e momento seria possível verificar se a entivação necessária estava a ser executada.

P) Nenhum dos Réus ministrasse formação adequada aos trabalhadores da D… que se encontravam a laborar na frente de obra onde ocorreu o acidente dos Autos, e concretamente, nenhuma formação foi dada pelos Réus ao trabalhador sinistrado, pai dos Autores.
Quer que passe a ser considerado provado: A F…, S.A. ministrou formação adequada, nomeadamente sobre os riscos e medidas de segurança a tomar nos trabalhos com abertura e escavação de valas e colocação de tubagens, ao trabalhador sinistrado, pai dos autores, bem como aos demais trabalhadores da D… que se encontravam a laborar na frente de obra onde ocorreu o acidente dos Autos.

Para efeito da modificação da decisão de facto, indica discriminadamente, quanto a cada ponto, os depoimentos das testemunhas O…, Q…, S…, M… e P….
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A apelação da 5ª R. H…, Lda.
Cumpridos que estão também os pressupostos da impugnação, previsto no art.º 640º do Código de Processo Civil, a apelante delimita assim o seu recurso nesta matéria:
Pontos 37, 38 e 39
Quer: Não provados.

J) A Ré H… efectuasse, com regularidade, o acompanhamento da obra em causa nos autos e fizesse os respectivos registos, mormente do período compreendido entre 09 de Outubro de 2013 e 05 de Março de 2014 através da à data sua funcionária – Eng.ª M….
Quer: 45- A Ré H… efetuou, com regularidade, o acompanhamento da obre em causa nos autos e fez os respetivos registo, mormente do período compreendido entre 09 de Outubro de 2013 de 5 de março de 2015, através da sua funcionária – eng.ª M…;

K) Sendo que, relativamente à frente onde ocorreu o sinistro, a funcionária da Ré H… – Eng.ª M… – efetuasse pelo menos duas visitas, em 24 de Fevereiro e 05 de Março de 2014.
Quer provado: Sendo que, relativamente à frente de obra onde ocorreu o sinistro, a funcionária da Ré H… – Eng.ª M… – efetuou pelo menos duas visitas, em 24 de Fevereiro e 05 de Março de 2014;

L) Na primeira visita efectuada, detectasse uma falha de segurança, mais concretamente a existência de materiais soltos nas laterais da vala.
Quer provado: Numa visita efetuada, detetou uma falha de segurança, mais concretamente a existência de materiais soltos nas laterais da vala. Tendo também detetado em outra frente da obra uma falha de falta de entivação.

M) As obras na frente onde ocorreu o sinistro foram iniciadas sem que lhe fosse dado devido e efectivo conhecimento.
Quer provado: As obras na frente onde ocorreu o sinistro foram iniciadas sem que lhe fosse dado conhecimento.

Pretende esta recorrente valer-se de vários documentos que identifica e estão juntos aos autos, e do depoimento da testemunha M….

Entende-se atualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no art.º 662º, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (art.º 655º do anterior Código de Processo Civil e art.º 607º, nº 5, do novo Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efetivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.
Como refere A. Abrantes Geraldes[5], “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”… “afastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para casos de erro manifesto” ou de que “não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação”, acrescentando que este tribunal “deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem”.
Importa, pois, reexaminar as provas indicadas pelas recorrentes e outras provas, maxime as indicadas pelos recorridos nas contra-alegações e as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Ex.mo Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efetivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento; antes corrigindo, por substituição, se necessário, a decisão em matéria de facto.
Ensina Vaz Serra[6] que “as provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma absoluta certeza acerca dos factos a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida”. É a afirmação da corrente probabilística, seguida pela maior parte da doutrina que, opondo-se à corrente dogmática, considera não exigível mais do que um elevado grau de probabilidade para que se considere provado o facto. Mas terá que haver sempre um grau de convicção indispensável e suficiente que justifique a decisão, que não pode ser, de modo algum, arbitrária, funcionando aquela justificação (fundamentação) como base de compreensão do processo lógico e coerente da sua formação.
Por razões de ordem prática, faremos uma análise conjunta dos fundamentos dos dois recursos em matéria de facto, decidindo-os também de uma forma integrada.
Vejamos então!
A motivação da decisão recorrida, com alusão a outras provas que não apenas as que as recorrentes agora invocam, assim como o facto de as impugnações se basearem na invocação de ausência de meios de prova de alguns dos factos dados como provados, determinaram o reexame de todas as provas produzidas no processo relativamente aos factos do acidente e às relações estabelecidas entre as partes, sejam elas as já constituídas em documento[7], sejam os depoimentos testemunhais relacionados com aquelas matérias, cujas gravações foram integralmente ouvidas (art.º 640º, nº 2, al. b), in limine, do Código de Processo Civil).
De entre os documentos analisados (vários documentos estão repetidos), destacamos especialmente o auto de notícia da GNR de pág.s 5473 (e 1589), com fotogramas e declarações tomadas a testemunhas, o despacho de arquivamento parcial do inquérito-crime de pág. 5504, o acórdão de pág.s 5511, o contrato de subempreitada celebrado entre a 1ª e a 3ª RR., as declarações de responsabilidade emitidas pelos vários operadores (pág.s1634 a 1644, 1649 e2936), as fichas de procedimentos de segurança (pág.s 1645 e seg.s e 1670 e seg.s, sendo esta posterior à data do acidente), o relatório do sinistro, de pág. 2675 e a cópia alargada do processo de inquérito por acidente de trabalho, de onde constam vários depoimentos, designadamente das testemunhas N…, Q… e O…, trabalhadores ao serviço da 1ª R. nas circunstâncias de tempo e lugar do acidente (pág. 1568 e seg.s), as referidas fichas de procedimento de segurança e documentos relativos aos registos de formação (pág. 1655 e seg.s).
Da prova testemunhal produzida na audiência final merecem destaque as prestações das testemunhas O… e Q… relativamente formação em matéria de segurança para a execução da obra e às circunstâncias em que o acidente ocorreu, por então se encontrarem a trabalhar na mesma frente de obra onde laborava a vítima, todos eles ao serviço da 1ª R. D…, Lda.
T… é o cabo da GNR que compareceu no local após o acidente e elaborou e subscreveu o respetivo auto de notícia. O seu depoimento foi essencialmente confirmativo do auto.
U… é o bombeiro que efetuou o socorro da vítima, observando então que no local da vala em que a vítima se encontrava não havia qualquer tipo de escoramento, existindo entivação (parcial) mais atrás.
V… é inspetora do trabalho, compareceu no local do sinistro no dia seguinte, o corpo da vítima já tinha sido removido, mas observou ainda vários aspetos relacionado com a segurança da obra, designadamente coma sua entivação. Procedeu ao inquérito da ACT e elaborou o respetivo relatório, juntos aos autos (pág.s 1568 e seg.s e 5606 e seg.s).
S… é engenheiro e já trabalhava por conta da 3ª R. à data dos factos. Depôs sobretudo em matéria de contratação e segurança, designadamente sobre a formação, o Plano de Saúde e Segurança da obra, seu desenvolvimento e respetivas fichas de procedimentos de segurança, da responsabilidade da sua entidade patronal e da ação das engenheiras M… e L….
O engenheiro P… é funcionário da 3ª R. e foi o diretor técnico da empreitada. Depôs sobre a execução da obra, com mais de 10 frentes e vários subempreiteiros e aspetos relacionados com a formação dos trabalhadores, a segurança e as obrigações dos intervenientes.
A Eng.ª M…, em 2014 era funcionária da 5ª R. H…, Lda. com funções de fiscalização e coordenação de segurança na obra em causa. Depôs sobretudo relativamente às suas obrigações funcionais, ao seu desempenho em obra, às caraterísticas desta, às visitas que fazia, aos vários aspetos da formação devida aos trabalhadores em função da perigosidade dos trabalhos e à forma como a obra se desenvolvia.
É da análise crítica e conjugada de todas as provas, na ponderação dos conhecimentos de cada testemunha, das suas relações funcionais com as partes, do seu maior ou menor comprometimento com o resultado da ação, da sua sintonia com os documentos mais relevantes e fiáveis e da ponderação de tais elementos com as regras da experiência comum que resulta a nossa convicção e a eventual modificação da decisão proferida quantos aos factos dados como provados e não provados.
Apreciamos os factos por agrupamentos na medida em que tal análise depende essencial dos mesmos meios de prova.
Começamos pelos pontos 10, 12 e 13 dos factos dados como provados: as circunstâncias do acidente, mais concretamente o local onde se encontrava o trabalhador da 1ª R. I… e a sua reação no momento da derrocada de terras que o vitimou por asfixia mecânica.
Das averiguações levadas a cabo pela ACT[8], através da inspetora V…, cujo relatório consta de pág.s 5604 e seg.s e 1547 e seg.s, das declarações ali prestadas pelas testemunhas inquiridas naquele inquérito, em conjugação com os depoimentos prestados nesta audiência por duas delas, o O… e o seu irmão, Q…, podemos assentar, sem hesitação, que a obra da J… decorreu em mais de dez frentes, ao longo de mais de 30 km, executadas diretamente pela 3ª R., pela 1ª R. e por outros subempreiteiros daquela, distribuídos por várias localizações. Na frente de obra onde ocorreu o acidente, laborava apenas a 3ª R.com os seus trabalhadores e a vala era aberta por uma máquina giratória e entivada progressivamente. As placas metálicas de entivação eram sucessivamente deslocadas da parte de trás da vala, depois dos tubos ali aplicados e cobertos, para a parte da frente, a fim de que os trabalhadores prosseguissem a instalação das tubagens em segurança. Na frente de obra em causa, havia entivação em cerca de 6 metros, sendo semelhante o comprimento da parte da vala ainda não entivada.
Também consideramos provado, sem dúvida razoável, que o desabamento das terras se deu na parte não entivada, aí soterrando o I…, a cerca de dois metros para frente da parte entivada. Aqueles meios de prova, sobretudo o relatório de inquérito, as declarações de N… prestadas no inquérito (trabalhador no local e no tempo do acidente)e o depoimento da Dr.ª V…, evidenciam também que a vítima estava a trabalhar na vala, na sua parte mais profunda, com mais de 3 metros de altura, puxando areia para fazer o lastro sobre o qual se pousaria a conduta de água. O I…, naquela zona, não podia aceder à rampa de saída da vala por a mesma se encontrar obstruída com areia e dada a posição do rodo que manuseava. Foi essa obstrução que o levou a tentar sair pelo lado oposto a essa rampa, acabando por ser colhido pela derrocada. Neste sentido, o relatório de averiguações, a pág.s 5614 a 5618, por referência a declarações de N… (trabalhador no local, no momento do acidente). Também as testemunhas O… e Q… estavam a acabar de ver o I… dentro da vala, a trabalhar próximo da zona onde o acidente se deu. U…, o bombeiro que logo se deslocou ao local para socorrer a vítima, testemunhou no sentido claro de que o local onde o corpo se encontrava não tinha qualquer tipo de escoramento. Também as regras da experiência comum indicam que, numa situação como a deste acidente, a vítima, perante o perigo, tente fugir pela via que lhe parecer mais segura. Não fosse encontrar-se na zona mais profunda da vala e a obstrução causada pela areia do lado da rampa, a vítima não teria optado por fugir pela parte oporta, não entivada.
Ainda, quanto ao ponto 10, não há dúvida de que o falecido não devia estar (como estava) a trabalhar na parte não entivada da vala, onde se deu o desmoronamento. A expressão que a 3ª R. pretende que seja aditada é conclusiva e não concretiza o motivo pelo qual ali se encontrava, designadamente e foi por sua iniciativa, contrariando qualquer ordem na sua entidade patronal ou se foi em obediência a uma ordem direta, expressa ou implícita. Sabe-se, no entanto, que o representante da sociedade sua empregadora (1ª R.) se encontrava no local na ocasião do acidente, em condições de acompanhar e até a colaborar na execução dos trabalhos.
Tudo ponderado, os pontos 10, 12 e 13 não merecem qualquer alteração.

Quanto aos pontos 37, 38, 39 e 44, alusivos aos trabalhos da 1ª R. subempreiteira e a sua verificação de segurança por parte das 3ª e 5ªRR.:
O ponto 37 resulta do artigo 69º da petição inicial e foi extraído do relatório da ACT, elaborado pela Dr.ª V… (cf. pág.s 5619).
O Plano de Segurança e Saúde é da responsabilidade e foi apresentado pela dona da obra, a J…, que também contratou a 5ª R. para a fiscalização e coordenação de segurança de toda a obra, consistindo esta ação na verificação do cumprimento dos contratos e das normas de higiene e segurança no trabalho. Esse plano é dinâmico, deve ser e foi desenvolvido pelo empreiteiro geral e integrado por fichas de procedimentos de segurança.
A obra teve um período de execução muito longo, com várias frentes e diferentes subempreiteiros contratados pela 3ª R. A execução das frentes de obra e as subempreitadas prolongavam-se no tempo.
Do conjunto da prova produzida em audiência resulta que o dia do acidente não foi o primeiro dia de execução de trabalhos na frente de obra identificada no ponto 1 dos factos provados. A própria Dr.ª V… referiu que lhe foram fornecidos registos de uma visita àquela frente de trabalho alguns dias antes do acidente. A testemunha Q… referiu que iam lá engenheiros que julgava serem da J…, também a Eng.ª L… que já conhecia de obra anterior e que todos os dias abriam uma parte nova da vala. O Eng.º P…, funcionário da 3ª R. e diretor técnico da obra, depôs no sentido de que visitava a frente obra desde o seu início, uma vez por semana e que a mesma se havia iniciado três semanas antes da data do acidente. A Eng.ª M… declarou que já tinha visitado a frente de obra pelo menos uma vez por semana, ainda que não no local exato em que se deu o acidente, o que aponta também claramente para o facto de a obra ter então um desenvolvimento incompatível com o início dos trabalhos no dia do acidente. Mais referiu que, antes do acidente, alertou o2ºR. E… várias vezes para o cumprimento das regras de segurança na execução das valas, e que isso não aconteceu apenas duas vezes.
O ponto 37 não é claro quanto ao início dos trabalhos. Quererá referir-se ao início da execução da subempreitada? Ou ao início dos trabalhos no dia do acidente?
Não é possível afirmar que nas visitas que os representantes do empreiteiro geral e da 5ª R. realizaram à obra, o subempreiteiro não estava cumprir o plano de saúde e segurança e que a obra se iniciou sem condições de garantia do cumprimento do PSS. O quê que faltava? Nesta medida, o ponto 37 é também algo conclusivo.
O ponto 37 deve ter resposta negativa, assim, em relação à 3ª e à 5ª RR. em tudo quanto está para além da ausência na frente de obra de qualquer representante ou funcionário da 3ª e da 5ª R.R. no dia em que se deu o acidente.
Assim, o ponto 37 passa a ter o seguinte teor:
37. No dia do acidente, não compareceu qualquer representante ou funcionário da 3ª ou da 5ª RR. na frente de obra identificada no ponto 1 dos factos provados.

Os pontos 38 e 39 provêm dos artigos 70 e 71 da petição inicial. A posição do tribunal está essencialmente sustentada numa conclusão do relatório tirada na inspeção realizada pela Dr.ª V…:
«Não foram apresentadas evidências, por parte da coordenação de segurança de ter promovido e verificado o cumprimento do plano de segurança e saúde, bem como das outras obrigações da entidade executante e do subempreiteiro, nomeadamente, no que se refere à organização do estaleiro, às condicionantes existentes no estaleiro e aos trabalhos que envolvem riscos especiais (no caso concreto, risco de soterramento) – alínea e) do n.º 2 do artigo 19º do D.L. 273/2003, de 29 de outubro;
Assim, não foram apresentados registos das actividades do coordenador de segurança, conforme decorre da obrigação legal prevista na alínea h) do n,º 2 do artigo 19º do D.L. 273/2003, de 29 de outubro, relativamente àquela frente de trabalho, sendo que não terá, alegadamente, verificado as condições de segurança implementadas pelo subempreiteiro, permitindo, assim, a execução de trabalhos de risco elevado sem aplicação das medidas de protecção colectiva adequadas para prevenir o risco de soterramento e que conduziram à ocorrência do acidente de trabalho mortal;».
Com ou sem registos, a frente de obra foi visitada várias vezes pela Eng.ª M…, ao serviço da 5ª R., e pela Eng.ª L…, ao serviço da 3ª R., faltando elementos de facto concretos que permitam afirmar os factos dados como provados sob os pontos 38 e 39, não permitindo igualmente afirmar o seu contrário, com exceção do facto correlacionado com a nova resposta dada ao ponto 37.
Desconhecemos a forma como a obra estava a funcionar quando cada uma daquelas visitas se realizou, designadamente como estavam a ser abertas as valas, qual a sua profundidade e como estavam a ser utilizadas as placas metálicas de entivação; é, no entanto, seguro afirmar, designadamente com base na generalidade dos depoimentos, sem qualquer negação, que a 1ª R. aplicava essas placas na vala que ia abrindo.
Com efeito, quanto à matéria dos pontos 38 e 39, apenas é suficientemente seguro dar como provado a seguinte matéria de facto:
38. No dia 11 de março de 2014, nenhum representante ou funcionário da 3ª e da 5ª RR. verificou o cumprimento do plano de segurança e saúde e a organização do estaleiro por parte da 1ª R. D…, Unipessoal, Lda. e pelo seu sócio-gerente, 2º R. E….
O ponto 39 é eliminado.
A resposta ao ponto 44 está correta, mas a explicação pretendida pela 3ª R. também está demonstrada, não apenas com base nas prestações probatórias testemunhais, mas até pelas regras da experiência, justificando-se a sua consignação.
As valas eram abertas e entivadas dia-a-dia. Em cada dia, tentava-se abrir vala em comprimento que permitisse a conclusão dos trabalhos nesse mesmo dia, com a respetiva colocação das tubagens e cobertura total. A parte da vala onde se deu o acidente estava a ser aberta e progressivamente coberta nesse mesmo dia, como se extrai dos depoimentos dos trabalhadores O… e Q…, sem que a testemunha V… possa afirmar o contrário, como a própria reconheceu. O Eng.º P… referiu que a vala nunca podia ficar aberta de um dia para o outro.
Se as valas eram abertas, entivadas e cobertas dia-a-dia, só a presença de funcionários das 3ª e 5ª RR. naquelas frente de obra permitia a constatação das falhas de entivação.
Note-se que o método de entivação, mais concretamente a forma como as placas metálicas eram utilizadas, partiu da 1ª R. subempreiteira. Nada existe em sentido contrário; foi dela a execução do trabalho e a permissão de trânsito de trabalhadores em parte aberta e ainda não entivada de uma vala profunda e perigosa, pelo menos, no momento do acidente, estando então presente o 2º R.
Manifesta e obviamente, só as pessoas presentes no local e no dia do acidente poderiam verificar, conhecer e descrever a forma como a entivação estava a ser executada, para depois se poder concluir se havia entivação e se a sua execução era correta. Sabemos que naquele dia 11 de março não compareceu na frente de obra da 1ª R. qualquer funcionário ou representante da 3ª ou da 5ª RR., designadamente as Eng.ªs L… ou M….

O ponto 44 passa a ter o seguinte teor:
44. As valas eram abertas e entivadas dia-a-dia, à medida que iam sendo executadas, assim acontecendo com a vala onde se deu o acidente, então parcialmente entivada, situação só constatável pelas pessoas presentes em obra.

Agora o ponto P da matéria dada como não provada, relativo à formação dos trabalhadores.
Não há dúvida que a formação dos trabalhadores da 1ª R., incluindo a vítima I… e as testemunhas O… e seu irmão, Q…, era devida e foi assumida pela 3ª R. que alegou tê-la efetuado. Tratava-se de uma formação específica para a obra a realizar, dado o perigo específico elevado de desabamento de terras e a necessidade de prevenir o dano por via de entivação das valas.
Foi junto aos autos (pág. 1655) um documento da 3ª R., datado de 13 de março de 2014, com a informação de que foi dada formação aos potenciais intervenientes do subempreiteiro, com a duração aproximada de uma hora, onde se explicou a forma como a obra deveria ser executada e se forneceu aos formandos um folheto comas normas básicas de segurança do estaleiro, com recomendações específicas e indicação de procedimentos a adotar em caso de acidente.
Foi também junto ao processo um documento de Registo de Formação/Informação (pág.s 1656) de onde constam vários nomes e assinaturas, entre as quais, as das testemunhas P…, Q… e O…, e ainda do 2º R. E…, de N… e da vítima I….
Desse mesmo documento, consta uma declaração do suposto formador a confirmar ter dado essa formação e ter fornecido os elementos anexos no dia 18.2.2014, no estaleiro central da obra. Essa declaração terá sido emitida no dia 13.3.2014 conforme ali aposto (data posterior ao acidente).
Da ficha de aptidão de pág.s 1660, consta que a vítima terá sido admitida ao serviço da 1ª R. no dia 3.1.2014. Esse documento está assinado pelo próprio. Porém, não consta da ficha de seguro então em vigor como trabalhador seguro da 1ª R. (pág.s 1663 e seg.s).
No processo de Inquérito da ACT, os trabalhadores da 1ª R. N…, O… e Q… referiram, no essencial, que nunca lhes foi dada formação, apenas lhes foi dado um papel de registo de formação, por ser sobre o mesmo que tinha sido dado na obra anterior (obra de 2013), também da J…, mas cuja formação apenas consistiu na entrega de documentação sobre segurança no trabalho, nunca tendo tido qualquer formação presencial dada por técnico de segurança (cf. pág.s 1710 a 1712).
À data do acidente, a Eng.ª M… ainda não tinha recebido qualquer documentação relativa ao trabalhador I…, considerando ela que ainda não estava integrado, como trabalhador da 1ª R., no Plano de Saúde e Segurança, desconhecendo que estava a trabalhar na obra e se lhe foi dada formação.
Nesta matéria, a testemunha O… entrou em profunda contradição em audiência, primeiro, afirmando que todos tiveram formação antes do início da obra, incluindo a vítima que, segundo ele, esta trabalhava na 1ª R. há 3 ou 4 meses, depois afirmando que o I… trabalhava na obra há apenas 2 ou 3 dias na data do acidente e que não teve formação por ter sido dada antes da sua admissão na 1ª R.
A testemunha Q… deu conta de que o I… trabalhava para a 1ª R há apenas um ou dois meses e que nunca fez formação apesar da ficha que terá assinado. Ao depoente apenas foi pedido que desse uma vista de olhos num panfleto que lhe foi exibido e só depois do acidente foi diferente.
Não foi ouvida a Eng.ª L… nem qualquer outra pessoa que pudesse ter dado formação, e a afirmação feita por parte das testemunhas Eng.º S… e Eng.º P…, de que a formação foi dada, não convence, por não a terem dado nem a ela nunca terem assistido. A Eng.ª M… apenas com base documental afirmou ter havido formação, mas acabou por aceitar desconhecer se a vítima teve alguma formação.
Da prova realizada, fica a convicção de que no ano de 2013, ainda a vítima não trabalhava por conta e no interesse da 1ª R., mas já esta executava trabalhos em obra de saneamento e os seus trabalhadores tiveram então alguma informação, em moldes que não podemos precisar. Depois de o I… ter sido admitido pela 1ª R., não terá havido qualquer formação, não podendo ter-se como minimamente seguro afirmar que o I… a teve.
Não pode, pois, ser dado com o provado que a 3ª R. ministrou formação (adequada ou não), nomeadamente sobre os riscos e medidas de segurança a tomar nos trabalhos com abertura e escavação de valas e colocação de tubagens, ao trabalhador sinistrado ou mesmo aos demais trabalhadores da D…, Lda. que se encontravam a laborar na frente de obra onde ocorreu o acidente.
Mantém-se o ponto P como matéria não provada.

Passemos aos pontos J), K), L) e M) da matéria dada como não provada:
Tem a ver com a conduta da 5ª R. em obra e foi essencialmente alegada nos artigos 32º, 36º e 37º da contestação da H…, Lda.
Resulta do despacho de arquivamento do processo-crime relativamente à ali arguida Eng.ª M… que, com base em documentação junta àqueles autos de Inquérito, a mesma efetuou visitas à frente de obra onde o acidente ocorreu nos dias 24 de fevereiro e 5 de março de 2014 e que apenas na primeira visita detetou uma falha de segurança, relativa à existência de materiais soltos nas laterais da vala. Visitava todas as outras frentes de obra, num total de 11 e chamava a atenção para as incorreções que constatava.
Os trabalhadores O… e Q… afirmam ter havido algumas visitas da Eng.ª M… e outros engenheiros à frente de obra em causa, sendo que os trabalhos terão começado cerca de três semanas antes do acidente (cf. entre outros, o depoimento do Eng.º P…). A Dr.ª V… manifestou que não é obrigatório nem habitual o fiscal permanecer sempre no local da obra, nem todos os dias, devendo apenas verificar, sobretudo no início, se estão garantidas as condições de segurança da obra. Recebeu registos de visitas emitidos pela M…, cuja comparência em obra foi também referida pela testemunha Eng.º S… por ouvir dizer, e pelo Eng.º P…, o diretor técnico da empreitada geral.
Nesta matéria, o depoimento da Eng.ª M… foi muito consistente na explicação da grandeza da obra que tinha a seu cargo, nas visitas que tinha que realizar e que realizava às várias frentes que a compunham, com trabalhos de diferentes subempreiteiros e da própria 3ª R., não podendo estar permanentemente em todas a as frentes nem visitá-las diariamente, mas visitando-as regularmente, dizendo que era a pessoa que mais tempo passava na obra e que numa das suas frentes chamou a atenção de um subempreiteiro para a correção da entivação, tenho avisado também o responsável da 1ª R. da importância da entivação, nas várias visitas que fez. Explicou que havia reuniões semanais entre ela e Eng.ª L..., onde eram abordados assuntos das frentes de obra, onde se evidenciava que uma e outra frequentavam aquelas frentes, com um total de cerca de 30 Kms de uma ponta à outra. Considerou que o subempreiteiro só tinha que a avisar do local onde andava, podendo o mesmo começar a sua obra ou cada trabalho quando entendesse, sem necessidade da presença da depoente.
Tudo indica que a 5ª R. foi informada do momento em que se iniciou a frente de obra, pois visitou-a pela primeira vez no próprio dia em que o subcontrato foi assinado. Não há qualquer prova em sentido contrário, pelo que se deve manter a al. M) como matéria não provada.
Atendendo a estas referências probatórias, à sua congruência com as demais provas e às regras da experiência, os referidos pontos são alterados para factos provados, na seguinte medida:
45. A R. H…, Lda., contratada pela J…, efetuou, através da sua funcionária, Eng.ª M…, acompanhamento regular de toda obra, ao longo de vários meses, nos anos de 2013 e 2014;
46. Sendo que, relativamente à frente de obra onde ocorreu o sinistro, aquela funcionária da 5ª R. efetuou pelo menos duas visitas, em 24 de fevereiro e 5 de março de 2014;
47. Numa das visitas efetuadas à frente de obra aqui em causa, detetou uma falha de segurança, mais concretamente a existência de materiais soltos nas laterais da vala, e noutra frente de obra detetou falta de entivação.
Termos em que se altera parcialmente a decisão proferida em matéria de facto.
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2.Os factos e os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual relativamente à 3ª e à 5ª RR. recorrentes

Trata-se no caso, de um acidente pessoal, mais concretamente de um acidente de trabalho e de responsabilidade civil dele emergente, portanto, de responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, devendo averiguar-se a verificação dos respetivos pressupostos, nos termos do art.º 483º, nº 1, do Código Civil.
Dispõe aquele normativo que «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação». Trata-se da regra geral de responsabilidade civil por atos ilícitos e culposos. Assim, a responsabilização de alguém depende da verificação dos seguintes pressupostos:
a) A existência de um facto voluntário do agente;
b) Que o facto seja ilícito, contrário à lei;
c) A existência de um nexo de imputação do facto ao lesante;
d) Que à violação do direito subjetivo ou da lei sobrevenha um dano; e, por último,
e) Que exista um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder afirmar-se, à luz do Direito, que o dano é resultante da violação.
Só a verificação simultânea de todos estes elementos poderá constituir o lesante na obrigação de indemnizar o lesado, apenas desta forma surgindo o correspondente direito de crédito deste último, ou seja, o direito a ser reparado pelo dano sofrido.
Compete ao lesado provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa (art.º 487º, nº 1, do Código Civil).
Explicando um pouco mais…
O facto voluntário é o facto dominável ou controlável pela vontade. Pode ser um facto positivo que importa a violação de um dever geral de abstenção, do dever de não ingerência na esfera de ação do titular do direito absoluto, ou um facto negativo, uma abstenção ou omissão (art.º 486° do Código Civil).
Para a doutrina mais tradicional, este último preceito consagra uma disciplina que comporta, para além dos demais requisitos da responsabilidade civil, dois requisitos específicos:
a) Que existisse o dever jurídico da prática do ato omitido;
b) Que o ato omitido tivesse, seguramente ou com a maior probabilidade, obstado ao dano.[9]
A omissão, como pura atitude negativa, não pode gerar física ou materialmente o dano sofrido pelo lesado; mas entende-se que a omissão é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico de praticar um ato que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano.[10]
Já Menezes Cordeiro argumenta que não há propriamente especificidades na responsabilidade por omissão. Nesta, tal como na responsabilidade por ação, existe uma violação de deveres, não se concebendo esta fora da hipótese da existência de norma que mande praticar a atividade omitida. Algum problema poderá surgir na avaliação da obrigação de evitar o dano ou, pelo menos, de desenvolver, nesse sentido, um esforço razoável face a determinado dano iminente. Quanto a este aspeto, defende aquele Professor que a resposta não pode ser dada em geral, por não existir qualquer norma explícita nesse sentido ou outro: “Cada situação deve ser ponderada, concretamente, à luz das normas aplicáveis e no espírito dado, pela boa fé, à colaboração inter subjectiva que deve reinar no espaço jurídico da nossa disciplina. Nos casos limites — em que, por exemplo, um dano máximo pode ser evitado com esforço mínimo — … a simples boa fé manda agir, sob pena de surgir um delito omissivo”.[11]
A ilicitude representa a violação de valores da ordem jurídica, um agir objetivamente mal, e não depende necessariamente da direta violação de leis ou regulamentos.[12] Resulta sempre da violação de um dever jurídico, a omissão de um comportamento devido consubstanciado na prática de atos diferentes daqueles a que se estava obrigado.[13]
Tem-se entendido que “o facto é ilícito quando viola um direito subjectivo de outrem, de natureza absoluta, ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, como acontece, nesta última situação, quando a norma violada protege interesses particulares, mas sem conceder ao respectivo titular um direito subjectivo, dependendo, então, a indemnização a arbitrar que a tutela dos interesses particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada e que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a lei visa tutelar”[14].
A violação do direito de outrem traduz-se na infração de um direito subjetivo de outra pessoa. Aqui se abrangem as ofensas aos direitos absolutos, nomeadamente os direitos reais (direitos sobre as coisas), os direitos de personalidade, a propriedade intelectual (direitos de autor e propriedade industrial) e os direitos familiares de eficácia absoluta.
A culpa, considerando todos os aspetos circunstanciais que interessam à maior ou menor censurabilidade da conduta do agente, olha ao lado individual, subjetivo, do facto ilícito, embora na apreciação da negligência a lei inclua, nos termos expostos, elementos de carácter objetivo.
O Prof. Galvão Telles[15], numa posição tradicional, define a culpa como sendo «a imputação psicológica de um resultado ilícito a uma pessoa. Se a culpa produz um evento contrário à lei e esse evento é psíquica ou moralmente imputável a certo indivíduo, diz-se que agiu com culpa».
Esta conceção tem vindo a ser substituída por uma definição da culpa em sentido normativo como um juízo de censura ao comportamento do agente. A culpa pode ser assim definida como o juízo de censura ao agente por ter adotado a conduta que adotou, quando de acordo com o comando legal estaria obrigado a adotar conduta diferente. Deve, por isso, ser entendida em sentido normativo, como a omissão da diligência que seria exigível ao agente de acordo com o padrão de conduta que a lei impõe[16].
Se a culpa produz um evento contrário à lei e esse evento é psíquica ou moralmente imputável a certo indivíduo, diz-se que agiu com culpa. Esta não deixa de existir pelo facto de o agente se ter convencido de que o resultado não se produziria, não sendo no entanto razoável essa sua confiança, fruto de inconsideração ou ligeireza (negligência consciente); ou nem sequer pensou na possibilidade do evento ilícito, que não previu, porquanto deveria ter também procedido por forma a evitá-lo, usando da diligência adequada (negligência inconsciente). Em qualquer caso, faltando embora previsão ou aceitação do resultado anti jurídico, existe omissão da diligência exigível. Nessa omissão consiste a mera culpa, enquanto juízo de reprovação pessoal. É o nexo de imputação do facto ao agente.
Ainda quanto a este pressuposto de responsabilidade, o art.º 493º, nº 1, determina que “quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.
Trata-se de danos provocados pelas coisas ou pelos animais e não dos danos causados pelo agente com o emprego das coisas ou dos animais, visto nenhuma razão haver para excluir estes do regime geral da responsabilidade civil.[17]
Este preceito, abrindo uma exceção à regra do ónus da prova prevista no art.º 487º, nº 1, do Código Civil, consagra uma das situações em que se inverte tal ónus (art.º 344º, nº 1, do Código Civil), ao estabelecer uma presunção de culpa por parte de quem tem a seu cargo a vigilância de coisas ou de animais. Tal não significa que prescinda da culpa enquanto requisito de responsabilidade. Mas, com base nesta norma, o lesante só se eximirá da responsabilidade se demonstrar que não houve culpa da sua parte (art.º 350º, nº 2, do Código Civil) ou mostrando que os danos se teriam igualmente verificado, mesmo sem culpa sua.
O preceito desloca o eixo da responsabilidade do simples domínio para a detenção da coisa com o dever de a vigiar[18]. A responsabilidade assenta, neste caso, sobre a ideia de que não foram tomadas as medidas de precaução necessárias para evitar o dano, por parte de quem estava em condições de o fazer. A presunção recai em absoluto sobre a pessoa que detém a coisa (pode ser uma obra) com dever de a vigiar.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.12.2013[19], defende-se estarmos, não apenas perante uma presunção de culpa, mas também face a uma presunção de ilicitude, de tal modo que, ante a ocorrência de danos, se presume ter existido, por parte da pessoa que detém a coisa, incumprimento do dever de vigiar.
Referiu Vaz Serra[20] que “quem tem a coisa à sua guarda deve tomar as medidas necessárias a evitar o dano” e que “as coisas abandonadas a si mesmas podem constituir um perigo para terceiros” de modo que “o guarda delas deve, por isso, adoptar aquelas medidas; por outro lado, está em melhor situação do que o prejudicado para fazer a prova relativa à culpa, visto que tinha a coisa à sua disposição e deve saber, como ninguém, se realmente foi cauteloso na guarda”.
Como vimos, admite-se a exclusão da responsabilidade, mediante a prova de factos que traduzam ou a ausência de culpa, na modalidade de imprevidência, inconsideração ou negligência, ou uma situação de inevitabilidade em que os danos se produziriam mesmo sem qualquer culpa do proprietário da coisa de que naturalisticamente decorrem os danos para terceiros.
Prosseguindo…
O dano corresponde ao prejuízo causado à vítima, podendo ser patrimonial ou não patrimonial (dano moral).
Estabelece-se no art.º 563º que “a obrigação só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” (doutrina da causalidade adequada).
Há de ocorrer um nexo de causalidade entre o facto praticado ou omitido pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder afirmar-se, à luz do Direito, que o dano é resultante da violação. Isto é, para que um facto seja causa de um dano é necessário, por um lado, que no plano naturalístico, ele seja condição (direta ou indireta), sem a qual o dano não se teria verificado e, por outro, que, em abstrato ou em geral, seja causa adequada do mesmo. Numa formulação negativa, que o referido preceito acolhe, “o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis”[21]. A inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a sua produção, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excecionais ou extraordinárias. Assim sendo, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, excecionais, extraordinárias ou anómalas, que intervieram no caso concreto.
Aqui chegados, que dizer quanto à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual no caso em análise?
A sentença recorrida já discutiu a responsabilidades dos RR. Considerou solidariamente responsáveis pelos danos a primeira R. subempreiteira D…, Unipessoal Lda. (1ª R.), o seu gerente, E… (2º R.), a empreiteira geral, F…, S.A. (3ª R.) e a responsável pela fiscalização e coordenação de segurança, H…, Lda. (5ª R.). Absolveu do pedido o 4º R., G….
Da sentença, apenas recorreram as 3ª e 5ª RR., tendo ficado definitivamente julgada, no sentido da sua existência, a responsabilidade civil da 1ª e do 2º RR. (art.º 635º, nº 5, do Código de Processo Civil).
A questão é saber se o empreiteiro geral e a sociedade responsável pela fiscalização e coordenação de segurança devem ser responsabilizados pelos danos emergentes do acidente e provados pelos AA., ou seja, se quanto a cada um deles se verificam os referidos pressupostos de responsabilidade civil extracontratual, designadamente por omissão de atos que deveriam ter praticado para evitar o acidente e a produção dos danos dele emergentes.
É importante revisitar, ainda que sumariamente, a responsabilização da subempreiteira 1ª R. Resultou da violação de regras de segurança no trabalho, previstas na lei.
Desde logo a Constituição da República, prevê no seu art.º 59º, nº 1, al. c), que todos os trabalhadores têm direito à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança saúde.
O Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro, consagra no artigo 127º, nº 1, al h), que o empregador deve adotar as medidas de segurança e saúde no trabalho que decorram da lei ou da regulamentação coletiva aplicável, estabelecendo também o subsequente art.º 281º que o trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de segurança e saúde, devendo o empregador assegurar-lhe tais condições em todos os aspetos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção, regulando a lei os modos de organização e funcionamento dos serviços de segurança e saúde no trabalho que o empregador deve assegurar. Este desígnio resulta também dos art.ºs 5º e 15º Lei nº 102/2009, de 10 de setembro que prevê o regime jurídico da promoção e prevenção da segurança e da saúde no trabalho.
O Decreto-lei nº 273/2003 de 29 de outubro, diploma que veio estabelecer regras gerais de planeamento, organização e coordenação para promover a segurança, higiene e saúde no trabalho em estaleiros da construção, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 92/57/CEE, do Conselho, de 24 de junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho a aplicar em estaleiros temporários ou móveis (artº 1º), prevê no seu art.º 29º que, até à entrada em vigor do novo Regulamento de Segurança para os Estaleiros da Construção, mantêm-se em vigor o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41821, de 11 de agosto de 1958, e a Portaria nº 101/96, de 3 de abril, sobre as prescrições mínimas de segurança e de saúde nos locais e postos de trabalho em estaleiros temporários ou móveis.
O art.º 13º daquela portaria determina que as situações de trabalho ali previstas, entre elas, as escavações, devem obedecer às prescrições da legislação aplicável. Deve, por isso, ser aplicado o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil (RSTCC), aprovado pelo Decreto nº 41.821, de 11 de agosto, aqui relevando os respetivos art.ºs66º a 85º, abrangendo a abertura de valas e trincheiras.
Segundo aquele art.º 66º os trabalhos de escavação serão conduzidos de forma a garantir as indispensáveis condições de segurança dos trabalhadores e do público e a evitar desmoronamentos, devendo haver um técnico, legalmente idóneo, que seja responsável pela organização dos trabalhos e pelo estudo e exame periódico das escavações (§ único).
Nos termos do art.º 67º, é indispensável a entivação do solo nas frentes de escavação, que será do tipo mais adequado à natureza e constituição do solo, profundidade da escavação, grau de humidade e sobrecargas acidentais, estáticas e dinâmicas, a suportar pelas superfícies dos terrenos adjacentes, excetuando-se desta obrigação as escavações de rochas e argilas duras (§ único). O art.º 72º prevê as características técnicas das entivações a utilizar na abertura de trincheiras com profundidades compreendidas entre 1,20 m e 3m, considerando o legislador que com a sua observância ficarão asseguradas as condições de segurança contra desmoronamentos perigosos.
Do plano de obra (fichas de procedimentos de segurança que o integram) que a 1ª R. estava obrigada a cumprir, consta também, no ponto 3.2 (pág.s 871 e 1858), que, por sistema, toda a escavação com mais de 1,20 m de profundidade e uma largura igual ou inferior a 2/3 da sua profundidade deve ser entivada.
Com se refere na sentença recorrida, “era a entidade patronal do falecido I…, pelo que era ela quem, em primeira linha, deveria ter assegurado que o trabalho desenvolvido ocorresse de forma segura e com respeito de todas as normas vigentes. É o que decorre da Constituição da República Portuguesa, do Código de Trabalho e da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro”. Não o tendo feito, a responsabilidade da D…, Lda. é óbvia.
Serão a 3ª R, empreiteira geral, e a 5ª R., fiscal e coordenadora de segurança, corresponsáveis pelos efeitos danosos do acidente?
O Decreto-lei nº 273/2003, de 29 de Outubro[22], como resulta do seu art.º 1º e do seu preâmbulo, procedeu à revisão da regulamentação das condições de segurança e de saúde no trabalho em estaleiros temporários ou móveis, constante do Decreto-Lei n.º 155/95, de 1 de julho, mantendo as prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho estabelecidas pela Diretiva n.º 92/57/CEE, do Conselho, de 24 de junho. É aplicável à situação em causa por força do art.º 2º, nº 1 e nº 2, al.s a) e g), sendo dono da obra a J…, entidade executante a 3ª R. empreiteira geral, fiscal da obra e coordenador de segurança em obra a 5ª R. H…, Lda., subempreiteiro a 1ª R. (cf. art.º 3º, nº 1, al.s c), f), h) e n)).
O plano de segurança e saúde é obrigatório em obras sujeitas a projeto e que envolvam trabalhos que impliquem riscos especiais previstos no artigo 7º ou a comunicação prévia da abertura do estaleiro (art.º 5º, nº 4) e deve ser reformulado em função da evolução do projeto (nº 2). Nos termos do art.º 7º, al. a), o plano de segurança e saúde deve ainda prever medidas adequadas a prevenir os riscos especiais para a segurança e saúde dos trabalhadores decorrentes de trabalhos “que exponham os trabalhadores a risco de soterramento, de afundamento ou de queda em altura, particularmente agravados pela natureza da actividade ou dos meios utilizados, ou do meio envolvente do posto, ou da situação de trabalho, ou do estaleiro”. Daqui se estrai tratar-se de uma atividade perigosa.
A dona da obra nomeou o coordenador de segurança (5ª R.), em cumprimento do art.º 9º, nº 2.
O art.º 10º prevê que a nomeação dos coordenadores de segurança em projeto e em obra não exonera o dono da obra, o autor do projeto, a entidade executante e o empregador das responsabilidades que a cada um deles cabe, nos termos da legislação aplicável em matéria de segurança e saúde no trabalho.
A entidade executante (3ª R.) desenvolveu o plano de segurança durante a execução da obra, designadamente através das fichas de procedimentos de segurança juntas aos autos (art.ºs 11º e 14º).
Entre as obrigações dos vários intervenientes em obra, realçam-se aqui as que, estando previstas naquele diploma legal, mais podem relevar na matéria dos autos para efeito da responsabilidade civil em discussão.
Relativamente ao coordenador de segurança em execução de obra, dispõe o art.º 19º:
«(…)
2 - O coordenador de segurança em obra deve no que respeita à execução desta:
(…)
d) Verificar a coordenação das actividades das empresas e dos trabalhadores independentes que intervêm no estaleiro, tendo em vista a prevenção dos riscos profissionais;
e) Promover e verificar o cumprimento do plano de segurança e saúde, bem como das outras obrigações da entidade executante, dos subempreiteiros e dos trabalhadores independentes, nomeadamente no que se refere à organização do estaleiro, ao sistema de emergência, às condicionantes existentes no estaleiro e na área envolvente, aos trabalhos que envolvam riscos especiais, aos processos construtivos especiais, às actividades que possam ser incompatíveis no tempo ou no espaço e ao sistema de comunicação entre os intervenientes na obra;
f) Coordenar o controlo da correcta aplicação dos métodos de trabalho, na medida em que tenham influência na segurança e saúde no trabalho;
(…)
h) Registar as actividades de coordenação em matéria de segurança e saúde no livro de obra, nos termos do regime jurídico aplicável ou, na sua falta, de acordo com um sistema de registos apropriado que deve ser estabelecido para a obra;
(…)».

Para a entidade executante, aqui a 3ª R. F…, S.A., o art.º 20º, estabelece, entre outras, as seguintes obrigações:
«a) Avaliar os riscos associados à execução da obra e definir as medidas de prevenção adequadas e, se o plano de segurança e saúde for obrigatório nos termos do n.º 4 do artigo 5.º, propor ao dono da obra o desenvolvimento e as adaptações do mesmo;
b) Dar a conhecer o plano de segurança e saúde para a execução da obra e as suas alterações aos subempreiteiros e trabalhadores independentes, ou pelo menos a parte que os mesmos necessitam de conhecer por razões de prevenção;
c) Elaborar fichas de procedimentos de segurança para os trabalhos que impliquem riscos especiais e assegurar que os subempreiteiros e trabalhadores independentes e os representantes dos trabalhadores para a segurança, higiene e saúde no trabalho que trabalhem no estaleiro tenham conhecimento das mesmas;
d) Assegurar a aplicação do plano de segurança e saúde e das fichas de procedimentos de segurança por parte dos seus trabalhadores, de subempreiteiros e trabalhadores independentes;
e) Assegurar que os subempreiteiros cumpram, na qualidade de empregadores, as obrigações previstas no artigo 22.º;
(…)».
O referido art.º 22º determina, como obrigações dos empregadores observarem as respetivas obrigações gerais previstas no regime aplicável em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho e em especial:
«a) Comunicar, pela forma mais adequada, aos respectivos trabalhadores e aos trabalhadores independentes por si contratados o plano de segurança e saúde ou as fichas de procedimento de segurança, no que diz respeito aos trabalhos por si executados, e fazer cumprir as suas especificações;
(…)
l) Cumprir as indicações do coordenador de segurança em obra e da entidade executante;
m) Adoptar as prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho revistas em regulamentação específica;
n) Informar e consultar os trabalhadores e os seus representantes para a segurança, higiene e saúde no trabalho sobre a aplicação das disposições do presente diploma.».
A propósito do plano de segurança e das obrigações da entidade executante do coordenador de segurança, a nota preambular do diploma em citação refere:
«(…)
O desenvolvimento do plano da fase do projecto para a da execução da obra decorre sob o impulso da entidade executante, que será frequentemente o empreiteiro que se obriga a executar a obra, ou o dono da obra se a realizar por administração directa. A entidade executante fornece os equipamentos de trabalho, recruta e dirige os trabalhadores e decide sobre o recurso a subempreiteiros e a trabalhadores independentes. Ela tem o domínio da organização e da direcção globais do estaleiro e está, por isso, em posição adequada para promover o desenvolvimento do plano de segurança e saúde para a fase da execução da obra. Caberá, em seguida, ao coordenador de segurança em obra validar tecnicamente o desenvolvimento e as eventuais alterações do plano, cuja aprovação competirá ao dono da obra para que se possa iniciar a execução da obra. O regime assenta numa separação de responsabilidades, em que a entidade executante é responsável pela execução da obra e o planeamento da segurança no trabalho e a verificação do seu cumprimento são atribuídos ao coordenador de segurança, de modo a assegurar que as circunstâncias da execução não se sobreponham à segurança no trabalho.
(…)
Todos os intervenientes no estaleiro, nomeadamente os subempreiteiros e os trabalhadores independentes, devem cumprir o plano de segurança e saúde para a execução da obra. A entidade executante e o coordenador de segurança em obra devem acompanhar a actividade dos subempreiteiros e dos trabalhadores independentes de modo a assegurar o cumprimento do plano.
A entidade executante deve não apenas aplicar o plano de segurança e saúde nas actividades que desenvolve durante a execução da obra mas também assegurar que os subempreiteiros e os trabalhadores independentes o cumprem, além de outras obrigações respeitantes ao funcionamento do estaleiro. Esta obrigação da entidade executante articula-se com a responsabilidade solidária que sobre ela impende pelo pagamento de coimas aplicadas a um subcontratado que infrinja as regras relativas à segurança, higiene e saúde no trabalho, se a entidade executante não for diligente no controlo da actividade do subcontratado.
(…)
A coordenação e o acompanhamento das actividades da entidade executante, dos subempreiteiros e dos trabalhadores independentes são determinantes para a prevenção dos riscos profissionais na construção. O coordenador de segurança em obra tem especiais responsabilidades na coordenação e no acompanhamento do conjunto das actividades de segurança, higiene e saúde desenvolvidas no estaleiro. A função da coordenação de segurança passará por isso a ser reconhecida através de uma declaração escrita do dono da obra que identifica os coordenadores, as funções que devem exercer e indica a todos os intervenientes que devem cooperar com os coordenadores.
(…)
No quadro das garantias da aplicação da legislação de segurança e saúde no trabalho na construção, são reforçados os meios e os poderes de intervenção da inspecção do trabalho. Nesse sentido, prevê-se um sistema de registos por parte da entidade executante e dos subempreiteiros, que incluirão, entre outros elementos, a identificação de todos os trabalhadores dos subempreiteiros e os trabalhadores independentes que trabalhem no estaleiro.
Estes registos serão determinantes para que seja mais eficaz o controlo e o acompanhamento da acção dos empregadores e dos trabalhadores independentes com actividade no estaleiro.
(…) dá-se mais saliência ao princípio de que a nomeação dos coordenadores de segurança em projecto e em obra não exonera o dono da obra, o autor do projecto, a entidade executante e o empregador das responsabilidades que lhes cabem em matéria de segurança e saúde no trabalho;
(…).»
Em situações análogas à que nos ocupa, na responsabilização do empreiteiro, em caso de subempreitada, a jurisprudência tem vindo a defender maioritariamente a aplicação do art.º 493º do Código Civil quanto a atividades construtivas de grande dimensão, considerando que “mesmo no caso de subempreitada, o empreiteiro mantém sobre o imóvel onde decorrem as obras poderes de direcção e controle que caracterizam um dever de guarda e vigilância, fundamentador da presunção de culpa aí consagrada”[23]. Este acórdão, citando outro aresto daquele Alto Tribunal[24], refere que “(…) o empreiteiro, mesmo naqueles casos em que deu a obra de subempreitada, continua obrigado à vigilância, da dita obra, porque continua a impender sobre ele o dever de supervisão técnica da sua feitura, sendo, por isso, de considerar que, em alguma medida mantém, mesmo na hipótese de subcontratação, os referidos poderes de controle e direcção. O que leva a considerar que o dever de vigilância não transita para o subempreiteiro, sem prejuízo de sobre este impender idêntico dever.
Por outras palavras, havendo subempreitada, o empreiteiro não tem apenas o direito de fiscalização, tal como, nos termos do artº 1209º do C. Civil, tem o dono da obra, ou seja, o direito de verificar se ela corresponde ao acordado com este último.
Para além disso e ao contrário do dono da obra, a quem a autonomia do empreiteiro não permite uma fiscalização técnica, incumbe-lhe fazer, face ao trabalho do seu subempreiteiro, este tipo de fiscalização.
A autonomia do subempreiteiro não pode prevalecer sobre o cumprimento do dever do empreiteiro de realizar a obra segundos os seus critérios técnicos e funcionais.
Aliás, isto é mais nítido num caso frequente, que é o de existirem diversos subempreiteiros, ou da subempreitada ser parcial. Aqui a necessária coordenação técnica das obras parciais, tem de forçosamente pertencer ao contratador principal.
Deduz-se daquele acórdão que numa interpretação funcionalmente adequada da norma constante do nº1 do art.º 493º do Código Civil, numa obra de grande dimensão, com intervenção de vários subempreiteiros, o empreiteiro geral, seu detentor, terá necessariamente de reforçar o dever de vigilância da coisa, e nunca afrouxar ou isentar-se de tal obrigação, por dever supervisionar tecnicamente a profunda transformação em curso. Acrescenta-se ali: “Saliente-se que estas considerações se situam no plano normativo – e não no da matéria de facto apurada no caso concreto: no entendimento que se deixou expresso, recai sobre o empreiteiro que passou a deter determinado imóvel, para o fim de nele levar a efeito obra construtiva de grande amplitude, envolvendo a adopção de planos de segurança e supervisão técnica, um dever de vigilância, quer da obra, quer do próprio prédio onde a mesma decorre, inferível do nº1 do citado art. 493º (independentemente de tal dever ter sido consagrado nos contratos celebrados e de ter ou não sido efectiva e realmente assumido pelo obrigado).Ou seja: no nosso entendimento, e perante obras da natureza e dimensão das que subjazem ao presente litígio, a «autonomia técnica» dos subempreiteiros nunca poderá ser, no plano normativo, total, sendo necessariamente mitigada pelo dever de supervisão e vigilância que o empreiteiro - que assumiu a detenção do imóvel para o transformar de modo absoluto e radical - necessariamente terá de exercer sobre as obras em curso, coordenando-as e assegurando o cumprimento dos critérios técnicos e funcionais adequados”.
Os acórdãos dos tribunais superiores têm seguido, quase invariavelmente esta jurisprudência, sendo disso exemplo os do Supremo Tribunal de Justiça de 25.3.2010, proc. 428/1999.P1.S1, de 28.6.2012, proc. 1894/06.1TBOVR.C1.S1, o acórdão da Relação de Lisboa de 21.9.2010, proc. 2726/03.8TBMTJ.L1-7e o acórdão da Relação do Porto de 29.3.2011, proc. 9360/07.1TBMAI.P1[25].
As (…) preocupações de realização do Direito e da Justiça conduzem a que – (…) – não seja tolerável que a desmesurada complexidade técnica e jurídica, subjacente à realização de tais empreendimentos construtivos de grande dimensão, possa fragilizar desproporcionalmente a posição dos eventuais lesados, ao confrontá-los com uma teia inextrincável de relações contratuais e de subcontratos, de problemático acesso e aleatória interpretação, como condição “sine qua non” para cabal identificação da concreta e real pessoa ou entidade responsável pelo evento danoso efectivamente verificado no seu património.”[26]

Feitas estas considerações, retomamos a qualificação dos nossos factos, começando pela questão da responsabilidade da 3ª R. executante da obra (empreiteira geral).
Aceitamos, sem rebuço nem hesitação, que o empreiteiro não tem que exercer uma vigilância permanente sobre as ações e omissões dos subempreiteiros em obra. Tem cada subempreiteiro o seu contrato (subcontrato) para cumprir e responde, perante o empreiteiro, pelo seu integral cumprimento, como se do dono da obra se tratasse. Mas, como observámos, nem por isso, nem por ter dado conhecimento do PSS ao subempreiteiro (ponto 36), como é sua obrigação, o empreiteiro pode demitir-se de vigiar e controlar a execução geral da obra e os aspetos da segurança e higiene no trabalho, seja dos seus trabalhadores, seja dos trabalhadores do subempreiteiro, exigindo deste o cumprimento escrupuloso das regras legais e das regras de bem proceder contidas no plano de obra e nas fichas de procedimentos de segurança, de modo a atenuar o risco próprio das várias situações, especialmente as perigosas e a previr danos pessoais e materiais graves.
As valas eram abertas e entivadas dia-a-dia, à medida que iam sendo executadas, assim acontecendo com a vala onde se deu o acidente, então parcialmente entivada, o que naturalmente só poderia ser constatado por quem estivesse presente. Sendo as valas abertas por uma máquina própria e adequada --- obviamente, só depois entivada para permitir o acesso dos trabalhadores em segurança para a preparação e colocação dos tubos --- há um período de tempo e um comprimento de vala, mais ou menos alargados, em que esta está aberta sem entivação. Esse período de tempo e esse comprimento de vala devem ser tão curtos quanto possível (sem prejuízo do necessário e razoável ao regular andamento da obra), para assim concederem a maior garantia de segurança no trabalho. Mas, no caso, mesmo admitindo que fosse excessiva a existência de seis metros de vala não entivada num comprimento de doze metros de vala aberta, o facto de aquele trabalho ter ocorrido num único dia e dever ser concluído nesse mesmo dia, não permite, só por si, sustentar a existência de negligência da 3ª R. na vigilância da atividade da 1ª R. e na exigência de cumprimento dos padrões de segurança, designadamente os previstos no PSS. Não é exigível ao empreiteiro geral que vigie permanentemente todos os trabalhos dos subempreiteiros e a obra na sua totalidade, dia-a-dia, em todas as suas frentes. Para além de uma vigilância razoável e do dever de se assegurar, através de visitas regulares que as normas estão a ser cumpridas, só antecedentes especiais de incumprimento fazem, objetivamente, suspeitar que determinado subempreiteiro ou trabalhador independente poderá continuar a não cumprir (de novo, por exemplo) em matéria relevante de segurança, justificando a sua presença até que obtenha garantia de segurança.
Havemos de admitir que um trabalhador, por simples descuido pessoal, pode entrar numa vala não entivada e ficar soterrado por desabamento. É aos próprios trabalhadores e ao seu empregador que se impõem, em primeira linha e em cada obra especiais cuidados de prevenção, conhecedores que devem ser do PSS e da legislação aplicável nesta matéria. O empreiteiro geral, mesmo que tenha ao seu serviços vários funcionários com o encargo de fiscalizarem e vigiarem frentes de obra e o cumprimento das normas de segurança por parte dos subempreiteiros, com poderes de direção e controlo, nada pode fazer contra uma ordem ocasional de um subempreiteiro a um seu trabalhador para a execução de um serviço perigoso ou uma atitude imprevisível e arriscada de um trabalhador, se no momento não estiver presente no local.
Mas uma coisa nos parece inquestionável: não podem estar em obra empreiteiros, subempreiteiros, trabalhadores independentes ou trabalhadores subordinados sem a devida preparação em matéria de segurança para o trabalho em execução. Era esse o motivo que obrigava a 3ª R. a dar formação aos trabalhadores da 1ª R. (assim como aos demais). Um trabalhador bem formado é um trabalhador mais seguro.
Poderá argumentar-se que um trabalhador experiente na abertura de valas, tivesse tido ou não, anteriormente, formação específica para a prevenção do perigo de desabamento das terras, não tem que ter nova formação em cada obra em que entra.
Não sendo totalmente descabida esta argumentação, a formação em cada obra, ainda que possa parecer uma repetição da anterior, funciona sempre como uma vantagem na prevenção do risco genérico agravado, ou seja, como uma advertência para um risco que não deixa de existir pelo facto de nunca ter ocorrido anteriormente o dano, prevenindo o excesso de confiança do trabalhador em que tudo continuará a correr bem, facilitador do sinistro.
Como dissemos já, o art.º 493º, nº 1, do Código Civil, prevê uma presunção de culpa, no caso, do empreiteiro geral, fundamentada naqueles deveres de direção, guarda, coordenação, controlo, vigilância da obra e de supervisão técnica, em ordem ao cumprimento dos critérios técnicos e funcionais adequados. A sua culpa no incumprimento, enquanto detentor da obra, presume-se enquanto não comprovar que não houve nenhuma culpa da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido mesmo que não houvesse culpa sua, ou ainda que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos.[27]
Acresce que a abertura de valas com as conhecidas caraterísticas não pode deixar de ser considerada uma atividade perigosa e, como tal, o agente só pode afastar a responsabilidade pelos danos “se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir” (nº 2 do art.º 493º). Afasta-se aqui, indireta mas concludentemente, a possibilidade de o responsável se eximir à obrigação de indemnizar, com a alegação de que os danos se teriam verificado por uma outra causa, mesmo que ele tivesse adotado todas aquelas providências.[28]
A 3ª R. não logrou provar que tivesse promovido, fiscalizado assegurado e verificado o cumprimento do plano referido no ponto 36 e que tudo fez para serem tomadas as medidas destinadas a evitar os riscos em tais tipos de trabalho, no que se refere à organização do estaleiro, às condicionantes existentes no mesmo e aos trabalhos que envolviam riscos especiais, nomeadamente, e em concreto, o risco de soterramento (al. H) da matéria não provada). Mas, mais do que isso e no que agora mais releva, a 3ª R. não demonstrou que tivesse dado formação à vítima antes ou mesmo no decurso da obra, não tendo provado também se o I… era um operário experiente na abertura de valas e conhecedor da entivação e da sua finalidade. É matéria não provada que algum dos RR. tivesse ministrado formação adequada aos trabalhadores da D… que se encontravam a laborar na frente de obra onde ocorreu o acidente dos autos, e concretamente, ao trabalhador sinistrado, pai dos AA.
Nem sequer se provou há quanto tempo aquele operário trabalhava naquela obra, não faltando quem tivesse referido que iniciou a sua prestação de trabalho na obra no dia anterior (10.3.2014)[29] e que a crise económica levara a 1ª R., com a atividade normal de construção civil, a concorrer e a aceitar trabalhos de diferente natureza, como é a abertura de valas[30].
Ao não ter ilidido a presunção e culpa --- que encerra também uma presunção de ilicitude[31] --- resultante da não demonstração de ter dado formação adequada à vítima em matéria de segurança, presumindo-se a omissão do ato devido, a 3ª R. incorreu na prática, por omissão, de um facto ilícito e culposo.
A falta de formação da vítima em matéria de segurança não pode deixar de relevar como nexo de causalidade adequada para o acidente, pois que não se mostra inidóneo para a sua ocorrência, atentas as suas condições, sem a intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis. Atento o conjunto dos factos, a falta de formação da vítima está longe de poder ser considerada totalmente indiferente para a produção do acidente. Um trabalhador formado, informado e avisado não se expõe com a mesma facilidade a um perigo de perda da vida, numa estreita vala aberta com cerca de 3,40 m de profundidade.
Estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil aquiliana da 3ª R., respondendo também, com a 1ª R., pela reparação dos danos provados resultantes do acidente.

Passemos agora à matéria da responsabilidade da 5ª R. H…, Lda., enquanto responsável pela coordenação de segurança na execução da obra.
Já vimos quais são as suas obrigações que aqui podem importar. Deve verificar a coordenação das atividades das empresas e dos trabalhadores independentes que intervêm no estaleiro, tendo em vista a prevenção dos riscos profissionais. Deve verificar o cumprimento do PSS, bem como das outras obrigações da entidade executante, dos subempreiteiros e dos trabalhadores independentes, nomeadamente no que se refere à organização do estaleiro, às condicionantes existentes no estaleiro e na área envolvente, aos trabalhos que envolvam riscos especiais, aos processos construtivos especiais, às atividades que possam ser incompatíveis no tempo ou no espaço e ao sistema de comunicação entre os intervenientes na obra. Coordena o controlo da correta aplicação dos métodos de trabalho, na medida em que tenham influência na segurança e saúde no trabalho e regista as atividades de coordenação em matéria de segurança e saúde no livro de obra, nos termos do regime jurídico aplicável ou, na sua falta, de acordo com um sistema de registos apropriado que deve ser estabelecido para a obra.
O contrato de subempreitada foi celebrado entre a 1ª R. e a 3ª R. no dia 24.2.2014 e o acidente ocorreu no dia 11 de março seguinte. Portanto, os trabalhos na frente de obra em referência tinham tido início há cerca de 15 dias, tendo a Eng.ª Marlene Ribeiro efetuado uma visita à obra logo no dia em que o contrato foi assinado e, pelo menos, uma segunda visita cerca de uma semana depois.
Como já referimos relativamente à 3ª R. empreiteira, também a ausência da Eng.ª M… da frente de obra no dia do acidente, só por si, não traduz culpa dela, por não ser exigível que permaneça todo o tempo nessa mesma frente. O que se lhe impõe também não é que por ali passe quando puder, mas tantas quantas as vezes necessárias ao adequado cumprimento das suas obrigações funcionais.
Aquela funcionária da 5ª R. não podia saber em que condições estava a ser aberta a vala no dia da ocorrência do sinistro, nem prever que o I…, naquele dia, naquele momento, acedesse à parte da vala não entivada, com ou sem ordem da entidade patronal.
Note-se que não havia uma total falta de entivação. O que poderia haver era uma entivação incompleta e uma indevida ocupação, por um trabalhador, da parte da vala não entivada, muitas vezes imprevisível e momentânea.
A Eng.ª M… visitava aquela frente de obra, como visitava as outras frentes da empreitada ao serviço da 5ª R., contratada pela dona da obra. Essas visitas funcionais ocorriam regularmente e ao longo de vários meses, nos anos de 2013 e 2014. Numa das visitas efetuadas à frente de obra aqui em causa, detetou uma falha de segurança, mais concretamente a existência de materiais soltos nas laterais da vala, e noutra frente de obra detetou falta de entivação, que denunciou e foram corrigidas (pontos 43 e 47).
Sempre que detetou falhas de segurança, nas várias frentes registou esse facto, e obrigou à sua correção (ponto 42).
Estes factos revelam ação funcional.
A 5ª R. não era responsável pela formação dos trabalhadores para prevenção do risco.
Não resulta provado que tivesse deixado de cumprir os seus deveres, com exceção da obrigação que sobre ela impendia de efetuar registos das suas atividades relativamente à frente de obra onde se deu o acidente. Todavia, a falta de registos não constitui causa adequada do desmoronamento de terras e soterramento da vítima. Esta teria ocorrido independentemente do registo de atividade que vale sobretudo para conferir transparência e controlo à ação de fiscalização e coordenação.
Com efeito, não se verificam, quanto à 5ª R. os pressupostos da responsabilidade civil indispensáveis à obrigação de indemnizar, devendo ser absolvida.
*
3. A quantificação da indemnização da responsabilidade da 3ª R.
Finalmente, a apelante F…, S.A., para hipótese de condenação, defendeu que as indemnizações pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima, pelo dano morte e pelos danos não patrimoniais sofridos pelos AA. Devem ser reduzidas para montantes não superiores a € 5.000,00, € 40.000,00 e 5.000,00 respetivamente.
Argumentou assim no corpo das alegações:
«(…)
Sem conceder relativamente ao alegado, considera que os montantes fixados pela douta sentença recorrida, no que respeita aos danos não patrimoniais, devem ser reduzidos, de forma equitativa, atendendo, desde logo, no que respeita à apelante, que mesmo que lhe fosse imputável a responsabilidade, o seu grau de culpabilidade seria sempre menor relativamente aos demais co-réus.»

Relativamente a estes danos e indemnizações, pronunciou-se assim o tribunal da 1ª instância:
«(…)
No que se refere ao primeiro é manifestamente um dano não patrimonial, pelo que o valor a atribuir à indemnização terá de ter em conta os factores elencados no art. 494º n.º 3.
Há que atender que a forma como ocorreu a morte é de uma extrema violência, sendo que, pela natureza das coisas, a vítima teve tempo de se aperceber do que estava a acontecer. É assim, do senso comum, que terá sofrido momentos de terrível pânico e angústia, seguido da situação de asfixia que a iria acabar por matar.
No entanto, há que atender que esse sofrimento, embora intenso, terá demorado, apenas, alguns minutos.
Atendendo a este circunstancialismo, entende-se adequado a fixação do montante de 10.000 €.
Quanto ao dano de privação da vida, dano que é também de natureza não patrimonial.
No caso, há que atender que a vítima tinha 50 anos de idade, era uma pessoa robusta, saudável trabalhadora que, por isso, poderia previsivelmente, viver mais 30 anos.
Tinha uma vida activa e feliz.
Atendendo a estes factores, e atendendo também aos montantes fixados pela jurisprudência dos tribunais superiores (cf. a título de exemplo Acórdão do STJ de 22/02/2018, (processo 33/12.4GTSTB.E1.S1) e Ac. da Relação de Guimarães de 28/09/2017 (processo 7328/15.3T8GMR), entende-se razoável a fixação do montante peticionado de 70.000 €.
No que se refere aos danos morais sofridos pelos Autores resulta da matéria provada que entre Autores e falecido existia uma relação cordial, existindo entre eles laços de amor, amizade e ternura.
Mais se provou que a morte de I… lhes provocou dor e angústia de que ainda não se recompuseram, para além do sofrimento que sentem só de pensar na forma aterradora como perdeu a vida.
No entanto, não resultou provada toda a matéria alegada, nomeadamente que existisse uma extrema proximidade e um elevado espírito de entreajuda entre eles, que o I… fosse o amparo dos AA e que a sua morte os deixasse privados da força e confiança que este lhes incutia, do apoio que este representava para os mesmos.
Atendendo ao tipo de relação existente, entende-se que é justa a fixação de uma indeminização de 10.000 € para cada autor.»

Vejamos.
O valor da indemnização por danos não patrimoniais é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494º (art.º 496º, nº 4, do Código Civil).
Esta indemnização deve ser fixada de forma equilibrada e ponderada, atendendo, em qualquer caso, ao grau de culpabilidade do ofensor, à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso. Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela[32] “o montante de indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas de criteriosa ponderação da realidade da vida”, sem esquecer a natureza mista da reparação, pois visa-se reparar o dano e também punir a conduta. Esta indemnização tem uma função compensadora (gravidade dos danos), e uma função sancionadora (grau de culpabilidade do agente).
Os referidos critérios de indemnização dos danos não patrimoniais não devem ser confundidos com os critérios de indemnização dos danos patrimoniais, que têm na sua base a teoria da diferença. Não obstante a equidade esteja consagrada para ambas as indemnizações, a sua função é distinta conforme os danos sejam imateriais ou materiais. No dano não patrimonial tem uma função primacial, sendo simultaneamente compensadora e sancionadora (art.ºs 494º e 496º, n.º 1 e 3 Código Civil), enquanto a equidade nos danos patrimoniais tem uma função auxiliar e corretora (artigo 566º, nº 3, Código Civil).
Trata-se de prejuízos de natureza infungível, em que, por isso, não é possível uma reintegração por equivalente, mas tão-só um almejo de compensação que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro.
Dispõe o art.º 494º do Código Civil que “quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
Trata-se de uma possibilidade de limitação equitativa da indemnização e, como ensina Almeida Costa[33], “claramente se reflecte nesta faculdade reconhecida ao tribunal uma concessão à aludida directriz de que a responsabilidade civil pode, num plano acessório, desempenhar funções preventivas e sancionatórias”.
Para Galvão Telles[34], “só excepcionalmente a indemnização será fixada em montante inferior ao dos danos. A lei dá ao tribunal, a faculdade de, em certos casos, estabelecer uma indemnização mais baixa que o valor dos prejuízos. É um poder discricionário, a usar segundo critérios de equidade. Tal faculdade apenas tem cabimento se a responsabilidade se fundar na culpa e desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias o justifiquem (art.494º)”.
A hipótese circunscreve-se ao âmbito da responsabilidade extraobrigacional decorrente de atos ilícitos.
O facto de não se tratar de dolo, mas de mera culpa, não deixa dúvidas sobre a aplicabilidade da referida limitação equitativa que, no caso dos danos morais, deve ser sempre ponderada (art.º 496º, nº 4, do Código Civil).
Os valores encontrados pelo tribunal recorrido situam-se dentro daqueles que são normalmente fixados em situações semelhantes, mas podem sofrer alguma variação em função das circunstâncias previstas no art.º 494º, designadamente o grau de culpabilidade de cada um dos agentes.
É esta a questão suscitada pela 3ª R. recorrente.
Esta demandada estava obrigada a dar formação aos trabalhadores da 1ª R. subempreiteira, é certo, e não provou que a tivesse ministrado, o que, presume-se, contribuiu para que a vítima se tivesse colocado na situação de perigo que deu origem à derrocada de terras e à sua morte. Porém, não tirou vantagem económica significativa da situação; quanto muito, terá poupado alguma despesa, de reduzida expressão, relacionada com a formação.
Mais grave do que a da F…, Lda. é, sem dúvida, a culpa da 1ª R. Era a empregadora do I…, sendo sob as suas ordens e direção que o mesmo trabalhava dia-a-dia. Nas circunstâncias do acidente, não estando presente qualquer funcionário da empreiteira geral, estava presente o próprio representante legal da 1ª R., E…, junto à vala onde o acidente ocorreu. A ele cabia, em primeira linha, zelar pela segurança dos seus trabalhadores naquelas circunstâncias, não dando ordens que os colocasse em perigo ou impedindo-os de tomar comportamentos de risco, em especial os que pusessem em causa a sua própria vida. Não o fez. Quando ordenou à vítima que fugisse --- e, para o fazer, estava a observar a vala e derrocada --- já era tarde. O gau de culpa dele é francamente superior ao grau de culpa da 3ª R., devendo aquela, e não esta, assegurar a total reparação.
Tudo ponderado com recurso à equidade, entendemos que a indemnização pelo dano morte e pelos danos não patrimoniais a cargo da 3ª R. deve ser reduzida para 65% do seu valor total, ou seja, para a quantia de € 58.500,00.
O regime de solidariedade na responsabilidade dos vários agentes não obsta a que a responsabilidade de algum deles deva ser mais limitada em função de um menor grau de culpa na contribuição para o facto ilícito.
É verdade que a solidariedade passiva se carateriza pela possibilidade que o credor tem de exigir a prestação integral de qualquer dos devedores e que a obrigação não deixa de ser solidária pelo facto de os devedores estarem obrigados em termos diversos ou com diversas garantias, ou de ser diferente o conteúdo das prestações de cada um deles (art.ºs 497º, nº 1 e 512º, nºs 1 e 2, do Código Civil). Vigora o regime da solidariedade nas relações externas a fim e melhor acautelar os interesses da vítima, credora da indemnização.
Na sua lição, A. Varela[35] explica o sentido da expressão “diferente conteúdo” da prestação de cada um dos obrigados: “Com isto, quer o texto[36] significar (dando como assente que a diversidade de conteúdo da prestação se não refere apenas às relações internas) que a obrigação não deixa de ser solidária pelo facto de um dos obrigados responder apenas pelo capital, enquanto o outro responde pelo capital e pelos juros, ou até de ser diferente a soma por que um e outro são responsáveis (dever um 100 e o outro 80 apenas).
No entanto, em qualquer destes casos, só há verdadeira solidariedade em relação à parte comum da responsabilidade (quanto ao capital, no primeiro exemplo; quanto à soma menor, no segundo). Só essa parte comum corresponde à prestação integral por que responde cada um dos devedores, nos termos do nº 1 do artigo 512º.
Acrescenta ali aquele distinto Professor que “neste sentido, pode realmente considerar-se requisito essencial da solidariedade a identidade da prestação, visto só haver obrigação solidária relativamente à prestação (ou parte da prestação) por que responde qualquer dos devedores (…)”.
Esta posição também é defendida pelo Professor Menezes Cordeiro[37], quando, referindo-se à existência de uma aparente contradição entre o nº 1 e o nº 2 do citado art.º 512º, explica assim a existência de unicidade da prestação: “(…) a diversidade em sede de termos e garantias não prejudica a unicidade da prestação; quanto a esta, as variantes referentes ao conteúdo apenas redundam em que a solidariedade só se estende até ode houver prestação comum”.
Na jurisprudência, seguiu esta via, por exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.1.2015, tratando um caso de contornos semelhantes.[38]
De resto, concluímos nós que não faria sentido que um dos demandados respondesse por uma prestação a que não está obrigado, nem sequer parcialmente (com ou sem determinação de parte). Excluída que foi a responsabilidade da 3ª R. relativamente a uma parte da prestação indemnizatória --- uma parte que, por isso, não constitui prestação comum --- não pode nela ser condenada.[39]
Pelo montante indemnizatório (agora reduzido) e pelo montante da indemnização por danos patrimoniais fixada na 1ª instância (excluído da impugnação recursiva) se mantém o regime da solidariedade da 3ª R. recorrente).
Decorre de tudo quanto se deixou escrito que seja julgada procedente a apelação da 5ª R. H…, Lda. e parcialmente procedente a apelação da 3ª R. F…, S.A., com a consequente alteração da sentença recorrida.
A 5ª R. será absolvida do pedido da ação e a 3ª R. será solidariamente condenada na indemnização total de € 59.540,00.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
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V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação da 3ª R. parcialmente procedente e a apelação da 5ª R. procedente, alterando-se a sentença recorrida, sendo ação parcialmente procedente e, em consequência,
A- Condenam-se:
1- Os RR. D…, Unipessoal Lda. e E…, a pagarem, solidariamente, a cada um dos AA., a quantia de € 5.000,00, por danos morais da vítima, € 35.000,00 pelo dano de privação do direito à vida da vítima e€ 10.000,00 por danos morais próprios dos AA.;
2- A R. F…, S.A. a pagar, solidariamente com aqueles dois RR., a cada um dos AA., a quantia de € 3.250,00, por danos morais da vítima, € 22.750,00 pelo dano de privação do direito à vida da vítima e € 6.500,00 por danos morais próprios dos AA.;
3- Todos os referidos RR., solidariamente, no pagamento aos AA. da quantia de € 1.040,00, correspondente às despesas de funeral.
B- Absolve-se a 5ª R. H…, Lda. do pedido da ação.
Todas as quantias são acrescidas dos juros legais contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
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As custas da apelação da 3ª R. serão suportadas por ela e pelos AA. na proporção do respetivo decaimento no recurso.
As custas da apelação da 5ª R. serão suportadas pelos AA., dado o seu total decaimento no recurso.
As custas da ação são da responsabilidade dos AA. e dos RR. condenados, na proporção do decaimento de cada um deles, tudo de acordo com o disposto nos art.ºs 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
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Porto, 11 de fevereiro de 2021
Filipe Caroço
Judite Pires
Francisca Mota Vieira [Voto de vencida:
Voto vencida a decisão na parte do nº 2 do dispositivo e fundamentação respetiva, porque, sendo solidária a responsabilidade dos 1ª, 2º e 3ª Réus, a distinta contribuição destes na dinâmica causal que produziu o dano não pode desvirtuar a natureza solidária da obrigação em que aqueles réus estão constituídos perante os Autores, terceiros lesados, nos termos dos artigos 512º, nºs 1 e 2 e 497º, nº1 do Código Civil, sendo que no regime de solidariedade há sempre que considerar o plano das relações externas (as estabelecidas entre credores solidários e o devedor ou entre devedores solidários e o credor) e o plano das relações internas (as estabelecidas entre os devedores solidários entre si ou entre os credores solidários entre si) e que apenas naquele plano das relações externas é que é retratado o regime fundamental da solidariedade, relevando a distinta contribuição dos devedores para a produção do dano apenas no plano das relações internas, conforme art. 512º nº2 e 516º do CC.]
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[1] Por substituição do 2º Adjunto impedido, Dsemb. Aristides Rodrigues de Almeida.
[2] Por transcrição.
[3] Por transcrição.
[4] Proc. 1006/12.2TBPRD.P1.S1, inwww.dgsi.pt.
[5] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 224 e 225.
[6] “Provas – Direito Probatório Material”, BMJ 110/82 e 171.
[7] Os documentos serão citados por referência às respetivas páginas do histórico processual extraído da plataforma Citius (não do processo físico).
[8] Autoridade para as Condições de Trabalho.
[9] Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 1979, pág. 369.
[10] A. Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 5ª edição, vol. I, pág. 480.
[11] Direito das Obrigações, 2º volume, AAFDL, 1980, pág.s 347 e 348.
[12] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.2.2006, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. I, pág. 85.
[13] Pessoa Jorge, “Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, pág. 69.
[14] A. Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 1970, 362 a 369, citado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.6.2010, e acórdão do mesmo Tribunal de 25.6.2009, ambos publicados na Colectânea de Jurisprudência do Supremo, o primeiro no T. II, pág. 116 e o segundo no T. II, pág. 131.
[15] “Obrigações”, 3ª Edição, pág. 176.
[16] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Almedina, 2ª edição, pág. 295.
[17] A. Varela, Das Obrigações em geral, 5ª edição, vol. I, pág. 554 e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª edição, pág. 389.
[18] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 5ª edição, Almedina, pág. 554.
[19] Proc. 68/10.1TBFAG.C1.S1, in www.dgsi.pt.
[20] Trabalhos Preparatórios, BMJ 85º, pág. 365, citado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.3.2016, proc. 7838/10.9TBCSC.S1, in www.dgsi.pt.
[21] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.3.2008, in www.dgsi.pt, citado no acórdão do mesmo Tribunal 25.6.2009, Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, T. II, pág, 131.
[22] Diploma a que pertencem as disposições legais que se vão citar.
[23] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.3.2010, proc. 428/1999.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[24] De 14.4.2005, proc. 04B3741.
[25] In www.dgsi.pt, citados nos autos, nomeadamente na sentença recorrida.
[26] Citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.3.2010.
[27] Cf. Citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.6.2012, proc. 1894/06.1TBOVR, e ainda o acórdão do mesmo Tribunal de 14.4.2005, ali referido.
[28] A. Varela, Das Obrigações em geral, vol. I, pág. 555 e Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 3ª Edição, pág. 389.
[29] Declarações do gerente da 1ª R. no processo de Inquérito.
[30] Depoimento de um dos trabalhadores da 1ª R. tomado em audiência.
[31] Cf. Citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.12.2013.
[32] Código Civil anotado, volume 1º,4ª edição, pág. 501.
[33] Ob. cit., pág. 531.
[34] Obrigações, 4ª edição, pág.144.
[35] Das Obrigações em geral, Almedina, 5ª edição, vol. I, pág.s 714 e 715.
[36] Refere-se ao texto legal do art.º 512º, nº 2, do Código Civil.
[37] Direito das Obrigações, AEFDL, Maio 1980, 1º Vol., pág.s 384 e 385.
[38] Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, T. I, pág. 59.
[39] Considere-se, por exemplo, por similitude, a responsabilidade limitada de uma empresa seguradora, havendo prejuízos que ultrapassam esse limite, sendo corresponsável solidária outra pessoa.