Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PAULO DIAS DA SILVA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DANO BIOLÓGICO INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS EQUIDADE | ||
Nº do Documento: | RP202407042564/21.6T8VFR.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/04/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - O AUJ n.º 6/2014 assumiu uma leitura actualista do disposto nos artigos 483.º, n.º 1, e 496.º, n.º 1, do Código Civil, de modo a que a dor e o sofrimento, particularmente graves, das pessoas com uma relação afectiva de grande proximidade com o lesado fosse indemnizável em situações em que este, apesar de sobrevivente, tivesse sofrido lesões, também elas particularmente graves. II - O dano biológico pode assumir-se como patrimonial e/ou não patrimonial, traduz-se, nuclearmente, num handicap físico-emocional que, ainda que não implique perda remuneratória, torna mais penosa a realização das tarefas quotidianas, profissionais e pessoais, e é, decisivamente, calculado via juízo ex quo. III - A compensação a atribuir, pelo dano biológico, quando não interfere com a capacidade de ganho do lesado, não tem de ter uma relação directa com a sua actividade profissional, antes se posicionando como um dano permanente e interferindo em todos os aspectos da vida do lesado e na sua qualidade de vida, pelo que o ponto de partida para o cálculo da indemnização pelo dano biológico deve ser o mesmo para todos, em obediência ao princípio da igualdade. IV - Quando as sequelas decorrentes do evento lesivo são compatíveis com o exercício da profissão do lesado mas implicam esforços suplementares dada a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, deve considerar-se o dano biológico fonte de previsíveis perdas patrimoniais, indemnizáveis, pois, como dano patrimonial, sem prejuízo da compensação dos danos não patrimoniais do mesmo dano biológico derivados. V - Na falta de uma referência médico-legal que, por exemplo, mediante a atribuição de pontos ao “rebate profissional”, permita uma mais adequada quantificação das perdas patrimoniais previsíveis mas não determináveis, na atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, devem ponderar-se os contornos do caso concreto, à luz dos padrões da jurisprudência mais actualista, tendo, nomeadamente, em conta a idade do lesado, a sua expectativa de vida (e não apenas a sua expectativa de vida activa), o seu grau de incapacidade geral permanente e, em particular, a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da respectiva actividade profissional habitual. VI - Tal fixação assume necessariamente alguma dificuldade e subjectividade, sendo por isso importante o recurso a um elemento mais objectivo, para o que, para o dano biológico, podemos partir da Tabela Nacional para a Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil aprovada pelo DL 352/2007, de 23 de Outubro, sem prejuízo de se levarem igualmente em conta outras circunstâncias que se apuram relativas ao caso concreto e que permitem estabelecer o valor indemnizatório mais de acordo com a equidade. VII - Considerando que no âmbito da Tabela referida o legislador faz interferir, a par da idade do lesado e da dimensão da incapacidade, o salário como elemento fundamental no cálculo da indemnização, temos como mais correto que se pondere para o efeito o valor do salário médio nacional e não a remuneração mínima mensal garantida. VIII - Deve ser subtraído, porém, o benefício respeitante ao recebimento antecipado de capital, efectuando a dedução adequada correspondente à entrega imediata e integral do capital e a taxa de juro que o Autor capitalizará sobre os montantes a receber. IX - Como “lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar o havido sofrimento moral”, a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, não se compadecendo com a atribuição de valores meramente simbólicos. X - Sendo a lesão da integridade física e psicológica, máxime se com sequelas futuras, um dano muito grave, ele merece adequada compensação, pelo que a actual doutrina e jurisprudência defendem, justamente, o abandono de compensações, por danos não patrimoniais, minudentes e quase miserabilistas. XI - A indemnização por danos não patrimoniais, a fixar por equidade, visa, além compensar o dano sofrido, reprovar a conduta culposa do autor da lesão. Tal compensação deve traduzir a ponderação da extensão e gravidade dos danos causados, do grau de culpa do lesante, da situação económica deste e a do lesado e das demais circunstâncias relevantes do caso, nomeadamente, a idade do lesado, as desvantagens que este tenha sofrido e os critérios e valores usuais na jurisprudência em casos similares, nos termos do nº 4, do art. 496º e art. 494º, ambos do Código Civil. XII - Numa interpretação actualista da lei, para efeito da fixação da compensação com recurso à equidade, merecem ser destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global, a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente à União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se deve também repercutir no aumento das indemnizações, que, no entanto, deve ser proporcional e adequada. XIII - É hoje pacífico que sendo os valores da indemnização por danos não patrimoniais calculados de forma actualizada, por referência à data da sentença, só serão devidos juros de mora a partir desta data. XIV - Todavia não é aceitável a ideia de que essa actualização de valores se presume efectuada na sentença, a menos que essa presunção se considere ilidida pelos termos da própria sentença. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Recurso de Apelação - 3ª Secção ECLI:PT:TRP:2024:2564/21.6T8VFR.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório AA e marido, BB, residentes na Rua ..., ..., ..., Santa Maria da Feira, instauraram acção declarativa, sob a forma de processo comum contra a Ré “A..., S.A.”, com sede na Avenida ..., Lisboa, onde concluíram pedindo a condenação da Ré a pagar: a. à Autora AA a quantia total de € 176.891,18, assim descriminada: € 95.000,00 a título de dano biológico, € 15.000,00 a título de Assistência futura; € 10.000,00 a título de despesas médicas; € 1.074,90 a título de bens próprios perdidos e, € 50.000,00 a título de danos não patrimoniais. b. ao autor BB a quantia total de € 17.500,00, assim descriminada: € 2.500,00 a título de ajuda extraordinária e € 15.000,00 a título de danos morais. c. acrescendo juros contados à taxa legal, desde a data da citação da ré até efectivo e integral pagamento; liquidações, alterações e/ou ampliações do pedido; juros contados à taxa legal desde as datas das liquidações e/ou alterações/ampliações do pedido que, justificadamente venham a ser formulados até efectivo e integral pagamento; despesas, custos, encargos ou danos causados pelo acidente e, dos quais, os AA. venham a ter conhecimento após a entrada da acção em juízo. Alegam, em síntese, que no dia 27 de Fevereiro de 2020, cerca das 17:45 horas, na EN ..., ao Km 283,200, a A. foi interveniente num acidente de viação, sendo vítima de atropelamento, pelo veículo BMW de matrícula ..-QD-.., a quem imputa a responsabilidade pela colisão porquanto, por distracção, perdeu o controlo do veículo, na sequência do qual, inesperada e repentinamente flectiu à direita, saiu da faixa de rodagem, invadiu a berma embatendo noutra viatura marca Opel, na A. e em dois outros veículos. Acrescentam que, em resultado da colisão, a A. sofreu lesões, necessitou de realizar tratamentos, tendo sofrido uma incapacidade permanente parcial e danos patrimoniais e não patrimoniais, cujo ressarcimento reclama, respectivamente, em € 121.074.90 e € 50.000.00. Mais alegam, que o A. BB também sofreu danos patrimoniais, bem como não patrimoniais, em virtude de ter auxiliado a A., desempenhando o papel de terceira pessoa, bem como pelos padecimentos que padeceu, que contabiliza em € 2.500,00 e € 15.000,00, respetivamente. * Citada, a Ré apresentou contestação, de onde resulta que concorda com a dinâmica do acidente descrita pela A. e pela sua responsabilidade, concluindo, porém, que os valores peticionados são exagerados, invocando, ainda, a ilegitimidade do A. BB.* Antecedendo o despacho saneador, foi determinada a realização de exame pericial à Autora pelo INML.* Realizou-se a audiência prévia, foi fixado o valor da causa, elaborou-se o despacho saneador, onde as partes foram consideradas legítimas e foi proferido despacho a identificar o objecto do processo e a enunciar os temas de prova.* Por requerimento com a referência citius 15210903, de 23.10.2023, os AA. deduziram incidente de liquidação e consequente ampliação do pedido formulado na petição inicial, tendo tal requerimento sido deferido e fixado o valor da acção em € 202.891,18.Assim, a Autora veio a requerer a ampliação do pedido, pedindo o montante total de € 57.000,00 a título de danos não patrimoniais e € 16.000,00 a título de danos não patrimoniais. * Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais.* Após a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente e decidiu-se:“I - Condenar a Ré a pagar: a) à Autora AA as seguintes quantias, nos moldes apurados e definidos: - € 40.000,00 a título de dano biológico, na sua vertente patrimonial; - € 1.074,90 decorrente das despesas com os bens pessoais perdidos; Àquelas quantias foi deduzido o montante de € 4.590,41, já pago pela R. Seguradora à A. Àquelas quantias acrescem juros de mora à taxa legal, desde a citação da R. até efectivo e integral pagamento - € 45.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento. - O valor que a A. venha a despender no futuro com despesas médico medicamentosas, relegando-se o seu cômputo para liquidação em sede de execução de sentença. * b) ao A. BB a quantia de € 4.600,00 (quatro mil e seiscentos euros), quantia a que acrescerão juros contados desde a citação da R. até efectivo e integral pagamento.* II - Absolvo a Ré do demais peticionado.”* Não se conformando com a decisão proferida, a recorrente B... - Companhia de Seguros, S.A., veio interpor recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:A) Da impugnação parcial da matéria de facto e reapreciação da prova gravada. I. A decisão sobre a matéria de facto relativamente ao ponto 65º dos factos provados não foi a mais correcta, uma vez que a prova produzida (ou melhor, não) não consente, no entendimento da R., que aquela seja a boa decisão a esse propósito; II. Na verdade, e como se pode ver designadamente do depoimento de CC transcrito na sua totalidade nestas linhas, não parece que os autos contenham mais que a mera alegação constante de 112º do petitório, para além de que é óbvio que aqueles AA. não juntaram, em nenhum momento, nenhum documento (e ainda que – diga-se - apenas orçamentos, nada mais que isso) que servisse para o demonstrar; III. Mais: em bom rigor, não foi feita sequer a prova da propriedade de tais objectos/bens e/ou que estes «estavam» no local do sinistro e tenham ficado imprestáveis ou sequer danificados, ademais de também não ter sido feita qualquer prova do alegado valor desses objectos/bens (seja na data da sua eventual aquisição, seja à data do sinistro); IV. Pelo que entende a R., ora recorrente, que os AA. não lograram cumprir o ónus da prova que, nos termos do previsto no artigo 342º, nº 1 do Cód. Civil e em relação a tais objectos/bens e particularmente quanto desde logo à respectiva propriedade e, evidentemente, ao seu valor, lhes estava incontornavelmente cometida; V. Contudo, mesmo admitindo-se apenas para efeitos deste raciocínio, que outro possa ser o entendimento, e de harmonia com o que se prevê no artigo 609º, nº 2 do CPC, não haveria margem para mais que relegar para liquidação aquele valor, dado ser manifesto que os AA. não lograram provar o quantum de tais objectos/bens; VI. Ainda assim, entende igualmente a R. que não seria caso para isso, posto que tal configuraria uma espécie de «segunda oportunidade» de prova para os AA. (e concretamente para a A. mulher), tendo presente que os AA. não conseguiram provar a «premissa» inicial (a propriedade desses objectos/bens, nomeadamente); VII. De sorte que, sob pena de violação do disposto naquele artigo 342º, nº 1 do Cód. Civil, é a recorrente de opinião que tal matéria deve «transitar» para o rol dos factos não provados e consequentemente a R. ser absolvida dessa parte do pedido dos AA.. Posto isto, B) Da discordância com a decisão de mérito. B.1) Da indemnização concedida ao A. marido. VIII. A recorrente discorda e entende que a sentença não andou bem no tocante às indemnizações que concedeu ao A. marido, ou seja, aquela no montante de 2.500,00€ respeitante à alegada ajuda extraordinária e aqueloutra de 2.100,00€ pelo sofrimento; IX. Relativamente à dita ajuda extraordinária, aquilo «valorizado» e que conduziu a tal conclusão foi a circunstância daquele A. marido ter despendido várias horas (760, de acordo com o alegado) para esse fim, sendo certo que não parece que se possa desde logo esquecer que está consagrado legalmente (e nos «usos») o dever de assistência e de cooperação mútua entre os membros de um casal; X. Ora, e em primeiro lugar, sendo muito provavelmente antecipável (até pela idade da A., nascida em 1968) que o regime vigente no casamento dos AA. é o supletivo, da comunhão de adquiridos, parece que se interpõe uma grande dificuldade decorrente da (i)legitimidade deste A. marido para sozinho reclamar da R. esse montante; XI. É que, pelo menos aparentemente (mas em todo o caso - e sempre por apelo ao citado artigo 342º, nº 1 do Cód. Civil - teriam de ser os AA. ou, talvez melhor, visto o «desenho» da p. i., o A. marido a demonstrá-lo), tudo aponta para que esse suposto «prejuízo» só pudesse ser do casal AA. e não apenas do A. marido; XII. Por outro lado, também não parece que o dano se presuma e é mister, portanto, que deve ser alegado e provado, sendo que aquilo que desde logo o petitório revela (e a prova então, menos ainda, ou seja, nada) é que não se consegue vislumbrar nenhuma diminuição (que seria em dinheiro) do património comum do casal (e do A. marido, muito menos) visível p. ex. entre a situação anterior e aquela, mais recente, que pudesse/devesse ser atendida (gastos acrescidos ou então que o A. marido «perdeu de ganhar» o que quer que fosse, p. ex. no seu salário, etc.); XIII. Por isso, e porque, por um lado, o peticionado nesta parte não é mais que uma mera «expectativa» (para lá - insista-se da «primeira questão» da ilegitimidade) que nem sequer se consegue apurar se se concretizou ou não (e, muito provavelmente, talvez se deva mesmo concluir que não) e, por outro, que também não foi feita a prova do «enquadramento» legal de tal parte do pedido, entende a R. que a sentença, nessa parte, salvo sempre o devido respeito, violou o disposto nos artigos 562º, nº 1 e 566º, nºs. 1 e 2, ambos do Cód. Civil, motivo pelo qual pugna a R. pela sua absolvição também nessa parte. Segue-se que XIV. No que respeita ao dano não patrimonial atribuído ao A. marido na quantia de 2.100,00€, entende a R. que a douta sentença incorreu em violação do estatuído no artigo 496º, nºs. 1 e 2 do Cód. Civil; XV. Com efeito, como até se poderá ver do expendido pelos AA. na p. i. (artigos 206º a 213º daquela peça processual e concretamente da alusão que é feita em 211º a um ac. do STJ, de 16.01.2014, na altura – que não agora – com a «força» de uniformizador de jurisprudência), parece que se pode concluir facilmente que, fora os casos de morte (que não foi - felizmente - aqui o caso), é mandatória a verificação cumulativa de dois «pressupostos», i.e., que os danos não patrimoniais sejam particularmente graves e que a vítima sobrevivente fosse atingida de forma particularmente grave, sendo, pois, traço comum e bem nítido (e cumulativo, como dito) aquele advérbio (particularmente); XVI. De resto, analisada a matéria de facto que sobressai daquele aresto e comparando-a necessariamente com a destes autos, temos que a vítima do sinistro ali analisado e decidido ficou a padecer de uma (como então se designava) IPP de 80% (ou 80 pontos, se assim se quiser), ficou confinada a uma cadeira de rodas, precisa de ajuda permanente de terceira pessoa e tem de fazer fisioterapia de manutenção durante toda a vida, etc., enquanto que p. ex. a A. destes autos (felizmente) padece de um DFPIF-P de 15 pontos; XVII. Trata-se, portanto, de situações absolutamente incomparáveis, sendo que, e como é óbvio, aquela é muito, mas muito grave (ou particularmente grave, se assim se quiser) que estoutra da A. e, naturalmente, as consequências de uma e outra são, elas também, incomparáveis; XVIII. Assim, e na medida em que não nos parece que se mostre minimamente «cumprido», e em nenhuma das suas cumulativas vertentes (tanto em relação à A. mulher, como no que se refere, logicamente, ao A. marido, dada a sua «interdependência»), a(s) «exigências» daquele advérbio (particularmente), entende a R./recorrente que inexiste in casu direito do A. marido a qualquer indemnização/compensação por supostos danos reflexos e que, aliás, a lei (artigo 496º, nºs. e 1 e 2 do Cód. Civil) não contempla; XIX. Donde, na opinião da R., dever a sentença ser também revogada nessa parte e, nem sua decorrência, dever esta R. ser absolvida também deste pedido do A. marido. XX. Apenas por mera cautela, nomeadamente de patrocínio, e para o caso de se entender diversamente (o que se admite, sem conceder, e tão-só para efeitos deste raciocínio), é a R. de opinião, com base no disposto nos artigos 566º, nº 2, 805º e 806º, nº 1, todos do Cód. Civil e ainda com base no decidido no ac. STJ nº 4/2002, de 09.05.2002, que os juros sobre a quantia atribuída a título de dano não patrimonial só podem ser contados desde a data de prolação da decisão (por se deve entender que foi feita a actualização a essa data) e não já, como decidido, a partir da citação da R.. B.2) Da indemnização arbitrada à A. pelo DFPIF-P de que aquela ficou a padecer em resultado do sinistro dos autos. XXI. Atendendo ao raciocínio seguido pela sentença do Tribunal a quo no que respeita ao chamado dano biológico, e sendo evidente que um dos factores/pressupostos ponderado (para além da idade, da esperança média de vida e, naturalmente, do DFPIF-P) é, salvo o devido respeito, um rendimento irreal, porque claramente «inflaccionado» relativamente aos factos provados do nº 33 e não contemplando, diversamente, do que é jurisprudência maioritária (quando não mesmo unânime - cfr., por todos, o ac. STJ, de 21.01.2021, proc. nº 6705/14.1T8LRS.L1.S1, www.dgsi.pt ), o rendimento líquido à data do sinistro e, logo, errado, então a conclusão não poderá ser outra que não seja a de que a indemnização de € 40.000,00 fixada a tal título está muito longe de ser a correcta e a justa; XXII. Na verdade, e como resulta de 33º dos factos provados, à data do sinistro a A. mulher auferia o salário base de 637,00€, 14 vezes por ano, bem como um prémio de produção de 40,00€, um subsídio de transporte de 10,00€ mensais e o subsídio de refeição, pelo que é evidente que a remuneração mensal líquida da A. não era os 750,00€ (ou os 715,00€) considerados no cálculo e decisão; XXIII. Acresce dizer que o subsídio de refeição, de transporte (também eventualmente um de assiduidade, já agora) e até o mencionado prémio de produção não integram(vam) o conceito de retribuição previsto no artigo 260º, nºs 1, al. a) e c) e nº 2 do Cód. do Trabalho), pelo que o valor de remuneração a considerar é, na opinião da R., aquele líquido de 566,93€ (= 637,00€ x 11%); XXIV. Portanto, não é, salvo o devido respeito, minimamente exacto que o rendimento anual da A. fosse o de 10.395,00€ e nem que o montante da perda patrimonial (também anual) desta fosse o de 1.350,00€, mas antes respectivamente os de 7.937,02€ (= 566,93€ x 14 meses) e de 1.190,55€ (= 7.937,02€ x 15%); XXV. Por outro lado, e sem prescindir do que antecede, percebe-se muito mal (para não dizer que não logra perceber de todo) a «lógica» de se ter chegado a um montante de 32.400,00€ (após feito o «desconto» de ¼ , ou seja, 25%) e depois, incrementar com 19% aquele montante para se chegar ao já referido valor final de 40.000,00€; XXVI. Ora, ainda que apenas para efeitos deste raciocínio se mantenham todos os pressupostos seguidos pela douta sentença naquele cálculo (com excepção, naturalmente, daquele respeitante ao valor do rendimento líquido da A. mulher que não é decididamente aquele considerado na sentença), não parece que aquele cálculo permita que se vá além de cerca de 28.500,00€, da seguinte forma: - 7.937,02€ (= 566,93 x 14 meses) x 15% = 1.190,55€ x 32 (anos de esperança média de vida da A.) = 38.097,60 x ¼ = 9.524,40; 38.097,60€ - 9.524,40€ = 28.573,20€); XXVII. Todavia, a R. discorda que nesse cálculo deva ser contemplada a esperança média de vida e desde logo porque, para os indivíduos do sexo feminino nascidos, como a A., em 1968 (cfr. https://www.pordata.pt/portugal/esperanca+de+vida+a+nascenca+total+e+por+sexo+(base+trienio+a+partir+de+2001)-418), mesmo que tendo em conta o ano de 1970, a esperança média de vida era antes de 70,3 anos (coincidente, aliás, com a idade comummente aceite para o limite da vida activa laboral) e vê-se com muita dificuldade que se lhe aplique, como foi o caso, uma «tabela» para os nascidos após 2001; XXVIII. Acresce que é muito provável (para não dizer mesmo certo) que por essa idade (antes até, provavelmente) a A. mulher já esteja na situação de aposentada e, portanto, os esforços acrescidos no exercício da profissão deixam de existir e tudo indica que o rendimento (equivalente ao salário mais alto que certamente então auferirá) se mantenha; XXIX. Por isso, seguindo a mesma fórmula de cálculo da sentença, obter-se-ia um valor bastante diferente e inferior nos seguintes termos: - 7.937,02€ (= 566,93€ x 14 meses) x 15% = 1.190,55€ x 19 anos (= 70 - 51) =22.640,45 x ¼ = 5.655,11€ : 22.640,45€ - 5.655,11€ = 16.985,34€); XXX. E se utilizarmos a fórmula de cálculo, porventura mais simples do Sr. Conselheiro Sousa Dinis e mais usada (cremos), chegaríamos (sem o «desconto», note-se) à seguinte conclusão: - 566,93€ x 14 meses = 7.937,02€ x 19 anos x 15 pontos (%) DFPIF-P = 22.620,51€; XXXI. Ou então, e utilizando o mesmo número de anos, considerado pela douta sentença: - 566,93€ x 14 meses = 7.937,02€ x 32 anos x 15 pontos (%) DFPIF-P = 38.097,70€ x¼ = 9.524,43; 38.097,70€ - 9.524,43€ = 28.673,27€; XXXII. Ora, vistos todos estes factores e ponderados (ainda que de forma meramente indicativa) vários «tipos» de cálculo, chega-se a um valor que se admite, temperado com o recurso à equidade, possa chegar a um máximo de € 30.000,00 (até porque convém não esquecer que a sentença também condenou a R., autonomamente, numa quantia muito significativa e, salvo o devido respeito, exagerada - 45.000,00€ - respeitante a danos não patrimoniais) -, sendo que a esse valor, evidentemente, deverá ainda ser descontado o montante de € 4.590,41 que a R. já pagou à A.; XXXIII. Várias são, aliás, as decisões jurisprudenciais (de que são exemplo o Acórdão do STJ de 29/10/2019 com o n° de processo 7614/15.2T8GMR.G1.S1, o Acórdão do STJ de 21/01/2016, proferido no processo 1021/11.3TBABT.E1.S1 e o Acórdão da Relação de Lisboa 11/11/2014, proferido no processo 987/11.9TBPDL.L) de que se extrai, com muita facilidade, terem sido arbitradas indemnizações inferiores àquelas aqui arbitradas à A. a este título para DFPIF-P superiores àquele da A. (mas havendo a ponderar nesses casos outros factores como p. ex. muito superiores esperanças médias de vida dos lesados) ou até bem mais elevados que o daquela. Finalmente, B.3) Da indemnização arbitrada à A. a título de danos não patrimoniais. XXXIV. Também no que concerne aos danos não patrimoniais, parece à R., vista designadamente e por comparação com decisões jurisprudenciais dos Tribunais Superiores (de que constituem exemplo os Acórdãos do S.T.J., datado de 23.02.2012 e proferido no âmbito do processo n. 31/05.4TAALQ.L2.S1 e da Relação de Lisboa de 11/11/2014, proferido no processo 2987/11.9TBPDL.L-71, particularmente no que toca à gravidade das lesões/sequelas, em especial intervenções cirúrgicas, e à idade dos lesados, o que significa que ficaram/ficarão a padecer durante mais tempo dessas sequelas), que o montante arbitrado peca por excessivo; XXXV. Assim, é a R. de opinião que os danos não patrimoniais da A. devem ser fixados em não mais de € 20.000,00; XXXVI. A sentença recorrida violou, salvo o devido respeito, o disposto nos artigos 342º, nº 1, 496.º, 562.º, 564.º e 566.º do Código Civil, devendo ser revogada e alterada nos moldes defendidos nestas linhas. Sem prescindir, e por mera cautela de patrocínio, XXXVII. Ademais, não parece que se possa/deva esquecer e deixar de fazer uma espécie de «análise de «conjunto», o mesmo é dizer que não pode deixar de se fazer a soma entre a verba respeitante ao dano patrimonial e aqueloutra referente ao dano não patrimonial para avaliar da justeza da decisão e do próprio uso da equidade da sentença (que se traduziu num total - que se entende ser exagerado - de 85.000,00€ a esses títulos); XXXVIII. De resto, e como sabido, os Tribunais superiores têm vindo a entender e decidir que o chamado dano biológico inclui, para além de uma vertente patrimonial, também uma perspectiva não patrimonial, o que vale por dizer que se corre o sério risco de se verificar, pelo menos numa parte, uma duplicação; XXXIX. De sorte que, feita essa aproximação e também por aí, entende a R. que uma verba total correspondente à soma das parcelas antes avançadas de uma forma isolada, por assim dizer, ou seja, a quantia total de 50.000,00€ corresponde a uma indemnização/compensação à A. mulher mais justa e adequada no caso concreto. * Não se conformando com a decisão proferida, os recorrentes AA e marido, BB, vieram interpor recurso subordinado, em cujas alegações concluem da seguinte forma:I.Deverá o recurso da Ré ser rejeitado na parte das alegações que ao facto 33º respeitam, designadamente, as considerações tecidas nas páginas 13, 14, 15, 16, 18, 19, porque os cálculos constantes daquelas páginas, respeitam à impugnação do facto dado como provado sob o ponto 33º da sentença recorrida. II. Uma vez que não o impugna especificamente na alínea “a) da impugnação da matéria de facto (…)” das suas alegações, especificando-se nos termos do art. 640.º, n.º 1, do CPC, devendo então o seu recurso ser REJEITADO, na parte infirmada; III. Deverão ser julgadas IMPROCEDENTES as conclusões oferecidas pela Recorrente/Ré Seguradora. IV. Referente aos “DANOS PATRIMONIAIS SOFRIDOS PELA AUTORA AA”, considerando a alegação da A. e considerando a factualidade provada e o decidido na sentença a quo, entende-se justo que seja a Ré condenada a pagar à A. a esse título o montante de € 95.000,00, cujo pedido se reitera por se não ter sido abalada, nem a sua fundamentação, nem a sua justeza. V. Referente aos “DANOS NÃO PATRIMONIAIS SOFRIDOS PELA AUTORA AA”, considerando a alegação da A. e considerando a factualidade provada e o decidido na sentença a quo, teria sido justo ter condenado a Ré a pagar €57.500,00, cujo pedido se reitera por se não ter sido abalada, nem a sua fundamentação, nem a sua justeza. VI. Quanto aos DANOS NÃO PATRIMONIAIS SOFRIDOS PELO AUTOR BB, considerando a fundamentação tanto de facto como de direito aduzida pelo Autor na sua PI e a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo, entendemos que teria sido justo ter condenado a Ré a pagar €16.000,00, cujo pedido se reitera por se não ter sido abalada, nem a sua fundamentação, nem a sua justeza. VII. Mais se entende que deverá ser revogada a sentença proferida pelo tribunal a quo, na parte final, não devendo ser deduzido da indemnização arbitrada por danos patrimoniais qualquer montante pago pela Ré seguradora a título de Perdas Salariais/ITA’s, nomeadamente, o montante de €4.590,41. VIII. Em síntese: a) Deve ser julgado improcedente o recurso da Ré Seguradora e desatendidas as suas conclusões; b) Deve ser julgado procedente o recurso da autora quanto à matéria de facto, alterando-se a redação dos factos provados n.º 63º e 89º; c) Deve ser revogada a decisão no tocante ao montante atribuído à Autora título de dano patrimonial da Autora, substituindo tal montante por € 95.000,00; d) Deve ser revogada a decisão no tocante ao montante atribuído à Autora título de dano não patrimonial da Autora, substituindo tal montante por € 57.500,00; e) Deve ser revogada a decisão no tocante ao dano patrimonial do Autor BB, substituindo tal montante por € 16.000,00; f) Deve ser revogada a sentença no tocante à dedução do montante já pago pela seguradora a título de Perdas Salariais, no item de arbitramento de Danos Patrimoniais; g) No mais, finaliza-se como na PI, devendo todos os montantes serem acrescidos de juros contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento à taxa legal de 4% ao ano. Pois; IX. A decisão ora posta em crise pelos AA., interpretou erradamente o previsto, designadamente, nos artigos 483º, nº 1; 495º; 496º, nº, 1 e 2 (1.ª parte); 562º; 563º, 564º e 566º CC, devendo, por conseguinte, ser alterada como expressamente a A. pugna nas CONCLUSÕES que se acabam de oferecer. * Foram apresentadas contra-alegações.* Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.* 2. Factos2.1 Factos provados O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos: 1.No dia 27.02.2020, pelas 17:45h, na Estrada Nacional ..., (de ora em diante designada apenas por EN ...), ao KM 283,200, no troço que tinha pelo seu lado direito, conforme ao sentido .../Porto a ... e pelo seu lado esquerdo o prédio urbano com o nº ..., ..., Santa Maria da Feira, Aveiro, ocorreu o atropelamento da autora AA, - cfr. doc. 1 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido. 2. A EN ..., naquele troço: 1 - Desenhava-se em reta; 2 - Tinha piso seco; 3 - Bem conservado; 4 - A faixa de rodagem tinha 7,35m de largura; 5 - Era ladeada por bermas e passeios; Tinha duas vias: 5.a) Uma destinada ao trânsito circulante no sentido .../Porto e 5.b) … outra ao trânsito circulante no sentido PORTO/.... 6 - Na berma contígua à linha delimitadora da via destinada ao trânsito circulante no sentido .../Porto, com 2,65m de largura, na qual se encontravam estacionados, pelo menos, três veículos automóveis. 3. Intervieram no acidente os seguintes veículos: Veículo nº 1 - Ligeiro de passageiros, marca BMW, matrícula ..-QD-.., (de ora em diante identificado por BMW), conduzido pelo seu proprietário DD, cujos riscos de circulação estavam transferidos para a ré através da apólice n.º ...; Veículo nº 2 – Ligeiro de passageiros, marca OPEL, propriedade da Autora, matrícula ..-..-IE, (de ora em diante identificado por OPEL), o qual estava estacionado fora da faixa de rodagem ocupando a berma direita da EN ..., conforme ao sentido SUL/Norte; Veículo nº 3 - Ligeiro de passageiros, marca LANCIA, , matrícula ..-IZ-.. (de ora em diante identificado por LANCIA) o qual estava estacionado fora da faixa de rodagem ocupando a berma direita da EN ..., conforme ao sentido SUL/Norte e Veículo nº 4 - Ligeiro de passageiros, propriedade de EE, matrícula ..-..-SM, marca OPEL, (de ora em diante identificado por SM), o qual estava estacionado fora da faixa de rodagem ocupando a berma direita da EN ..., conforme ao sentido Sul/Norte, cfr. Doc. 2 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido. 4. Interveio também a autora AA que sofreu atropelamento. 5. O Opel, devidamente estacionado, encontrava-se na berma direita, da faixa de rodagem, sentido SUL/Norte. 6. O BMW circulava nesse designado sentido SUL/Norte, pela direita da via que, nesse sentido lhe estava reservada. 7. Imediatamente antes do local do atropelamento o seu condutor, por alegada distração perdeu o seu controlo. 8. (…) na sequência, inesperada e repentinamente, fletiu à direita, saíu da faixa de rodagem, invadiu a berma embatendo no Opel, no corpo da Autora e sequencialmente nos veículos 3 e 4. 9. Em consequência direta, necessária e exclusiva do embate do BMW na Autora, o seu corpo foi violentamente projetado ao solo tendo ficado prostrado na berma direita, sentido SUL/Norte encaixada entre a traseira do SM e o lancil do passeio, - cfr doc. 3 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido. 10. A Ré, remeteu à Autora o doc. 4 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta: ““…estamos a assumir a responsabilidade pela regularização dos danos decorrentes do presente sinistro.” 11. O condutor do BMW permitiu que o seu veículo saísse da faixa de rodagem e passasse a circular pela berma onde se encontrava a Autora, atropelando-a e três veículos devidamente estacionados que abalroou. 12. O BMW embateu na A., projetando–a ao pavimento da berma, imobilizando-se – cfr. doc. 3 acima mencionado. 13. Chegaram os socorristas que procederam às manobras de estabilização; 14. Seguiu-se o banco de urgência; 15. Seguiram-se os indispensáveis atos médicos que decorreram até ao internamento, pelas 03:36h, no serviço de ortopedia. 16. Como causa direta, necessária e exclusiva do embate, a autora sofreu várias lesões, das quais se destacam: - politrauma com TCE e ferida occipital. - fractura cominutiva dos ossos da perna e colo do peróneo. - fractura do ramo ílio - público à direita. - fractura do 4º arco costal à direita. - fractura da transição da coluna anterior do acetábulo à direita para o ramo superior do osso púbico e do ramo inferior do mesmo osso, com discreto desalinhamento dos topos ósseos. - fractura cominutiva do 1/3 distal do peróneo. - fractura impactada cominutiva da diáfise distal da tíbia. - fractura do 4º arco costal à direita. - fractura da transição da coluna anterior do acetábulo à direita para o ramo superior do osso público e ramo inferior do mesmo osso, com discreto desalinhamento dos topos ósseos. Lesão de Morel - Lavallée. 17. A A., na sequência do sinistro, necessitou e, foi-lhe prestado, socorro urgente. 18. A 27.02.2020, após lhe terem sido prestados os primeiros socorros a A. foi transportada para o serviço de urgência do Centro Hospitalar ..., E.P.E, (de ora em diante designado por Hospital ....), cfr. doc. 5 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido. 19. A 28.02.2020 foi internada no serviço de Ortopedia onde foi tratada, vindo a ter alta em 16.03.2020, com recomendação de penso no Hospital .... e referenciada para a consulta de Ortopedia em ambulatório, - cfr. doc. 6 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido. 20. A 02/06/2020 foi emitido relatório de TAC DA BACIA E SACROCOCCÍGEA, que tem anexo foto, da qual se alcança o material de OTS, - cfr. doc. 7 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido 21. A 19/09/2020 foi emitida declaração, - cfr. doc. 8 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta em síntese: “(…) a D. AA (…) foi vítima de atropelamento (…) Resultando: - contusão de ambas as pernas/joelhos, - fractura cominutiva dos ossos da perna direita, operada, - fractura dos ramos isquio-ileopúbicos bilateral, - fractura das asas do sacro - esquerdo e direito, - fractura do 4º arco costal à direita, - polegar em mola bilateral, por uso prolongado de canadianas. (inexistente antes do acidente). Portanto por sobrecarga mecânica, apresenta (…) marcha com claudicação à direita, e, dificuldades em permanecer por períodos prolongados na posição de sentada, ou de pé, que a sua profissão exige. No momento, não apresenta condições para retomar a sua profissão. 22. A 24.10.2020 foi-lhe emitido relatório pelo Osteopata FF, tendo sido também documentados vários tratamentos, e do qual consta ainda relatório de TAC DA BACIA E SACROCOCCÍGEA, com data de 02-06-2020, - cfr. doc. 9 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido. 23. A 26/10/2020 foi emitida comunicação da qual constam registos clínicos da urgência, do internamento, relato operatório e “CD” emitidos pelo Hospital ..... - cfr. doc. 10 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido. 24. A 27/10/2020 foi emitida comunicação da C... da qual constam tratamentos de fisioterapia incidentes especificamente nas mãos, - cfr. doc. 11 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido. 25. A 30/10/2020 foi emitida comunicação da Clínica ... da qual consta nota de 80 sessões de Fisioterapia, - cfr. doc. 12 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido. 26. A 30/10/2020, foi também recebida comunicação da Casa de Saúde ..., da qual consta ter sido a Autora consultada pelo Sr. Dr. GG, o qual, quanto à incapacidade, reiteradamente escreveu: Incapacidade atual TA 28, 21, 28, 28, 25 dias Situação final prevista 047%, - cfr. doc. 13 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido. 27. A 15/12/2020 foi emitido relatório espelhando a avaliação do dano corporal da Autora subscrito pelo Sr. Dr. HH e do qual consta, para além do mais: 1- A Data da cura/consolidação médico-legal das lesões é fixável em 15/12/2020 2- O Período de Incap. T. Profissional Total é de 27/02/2020 a 15/12/2020 4- O Quantum Doloris é fixável no grau 5/7 (0 a 7) 5- O Dano Estético é fixável no grau 3/7 (0 a 7) 6- A Incapacidade Permanente Geral é fixável em 11 pontos., - cfr. doc. 14 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido. 28. A 23/05/2021 a Autora foi internada no serviço de Ortopedia, conforme doc. 15 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual se alcança: Dedo Polegar em Mola, Polegar Esq. Submetida a tenólise D1 mão esquerda em 24/05/2021. INCAPACIDADE TEMPORÁRIA ABSOLUTA provável de 45 a 60 dias. 29. A 29/05/2021 o Sr. Dr. II emitiu relatório de avaliação do dano corporal na pessoa da Autora, - cfr. doc. 16 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, designadamente: IPG ---39 pontos • Quantum doloris ---5 Dano futuro sim - a fractura cominutiva dos ossos da perna esquerda com atingimento do pilão tibial favorecerá, inevitavelmente, o aparecimento de alterações degenerativas mais precoces. Mesma situação para anca direita, com fractura da transição da coluna anterior do acetábulo (a vigiar). • Necessidade de medicação ---sim • Necessidade de consultas médicas de Ortopedia ----sim, eventualmente de 6/6 meses, ou quando necessário. Vigilância com exames complementares de diagnóstico, que se entendam necessários –TC –RM – cintigrafia óssea. • Repercussão permanente nas actividade desportivas/lazer ---4 (em 7) • Dano estético ---3 (em 7) • Prejuízo de afirmação pessoal ---4 • Rebate profissional ---esforços acrescidos. 30. A autora nasceu a 06.10.1968, tinha 51 anos à data do acidente. 31. Era trabalhadora, alegre, bem-disposta, com entusiasmo de viver e dispunha de competências para levar por diante todos os normais atos e gestos da vida diária. 32. Era Trabalhadora Qualificada da D..., Lda. 33. Tinha a categoria de Controladora de Qualidade chefe, (Revistadeira), tendo passado a auferir em 2020 €637,00 de ordenado base catorze vezes por ano, acrescido de prémio de produção no montante de €40 mensais, do subsídio de transporte, no montante de €10 mensais e de subsídio de refeição €2,60 por dia. 34. A sua principal função era controlar a qualidade das peças confeccionadas. 35. Para tanto colocava-as sobre uma mesa fazendo minucioso controlo. 36. Para que tal controlo fosse tão eficaz quanto possível pegava-lhes pelas pontas, levantava–as, para melhor as examinar. 37. Na execução de todas estas operações a Autora tinha que estar ininterruptamente de pé; 38. Tinha que dispensar grande atenção ao controle, atenta a responsabilidade que sobre si recaía se alguma peça saísse da fábrica para a exportação com defeito. 39. Era, por conseguinte, este trabalho da Autora exigente sob o ponto de vista físico, já que pernas, braços e olhos estavam constantemente em carga. 40. Mentalmente era de grande exigência e responsabilidade. 41. A A. era uma esposa carinhoso, uma mãe terna. 42. A autora coabitava com o marido e uma filha que, embora maior de idade, vivia ainda na sua dependência. 43. Era a Autora que executava a generalidade das tarefas domésticas inerentes ao agregado familiar. 44. A limpeza da casa, o tratamento das roupas, a confeção das refeições, e tudo o que às lides domésticas respeitavam estavam a cargo da Autora, até porque seu marido trabalhando por conta de outrem tinha horários muito díspares. 45. A filha, maior de idade, era estudante, tudo fazendo a Autora para que não perdesse o foco nos estudos. 46. Os AA. cônjuges, enquanto tal, sempre viveram debaixo do mesmo teto, sempre tomaram as refeições conjuntamente, sempre dormiram na mesma cama e, com regularidade, se relacionavam sexualmente, pondo em prática o débito conjugal, fruto do qual nasceu a JJ em ../../1997. 47. No que se refere ao relacionamento entre mãe e filha, o mesmo, sempre foi excelente, pautando-se pela ternura mútua. 48. Mas, para além desta boa relação afetiva, a autora sempre acompanhou a filha, tanto nos trabalhos escolares, como nas atividades desportivas e de lazer. 49. Em criança levava-a à praia, a parques, a espetáculos, ao cinema e às várias realizações adequadas à respetiva idade. 50. Este acompanhamento prolongou-se pela adolescência e, ainda hoje, mãe e filha saem juntas com frequência. 51. Aliás, o facto de residirem na proximidade da zona costeira, a Autora, o marido e a filha deslocavam–se com regularidade às praias vizinhas de ..., mesmo fora da época balnear, aí correndo e caminhando. 52. Habitando na casa de seus pais, embora de forma autónoma, foi sempre muito grande a proximidade entre a Autora e os pais. 53. A A. sempre se relacionou bem com familiares, vizinhos e conhecidos. 54. Para além disso frequentava os meios de tertúlia e convívio da freguesia participando ativamente nas celebrações eucarísticas, nas festas profanas; nas religiosas construindo um bom e confortável viver com todos aqueles que a rodeavam. 55. A A. sempre gostou de caminhar e de dançar. 56. Familiarmente tornou-se uma pessoa queixosa, inconformada, conflituosa, distante e muito pouco disponível. 57. No que ao marido diz respeito, a autora desde o acidente passou a necessitar da sua permanente ajuda. 58. Teve que suportar a animosidade, o inconformismo e a impaciência da Autora. 59. A Autora deixou de frequentar a igreja. 60. A Autora, em tom de lamento, está sempre a repetir: - “Este acidente acabou comigo!(...)”. 61. Com o acidente, a Autora transformou-se numa revoltada, sofredora, intolerante, cujos pensamentos e conversas vão ter inexoravelmente a factos e episódios negativos, como doenças, acidentes e tragédias similares. 62. Quanto ao exercício da sua atividade laboral iniciou a 26/07/2021 tendo interrompido para gozo de férias a 30/07/2021. 63. A Ré, (cfr. doc. 28 a 32) e o ISS, (doc. 33 a 40) pagaram à Autora, respetivamente €4.590,41 e €3.918,93, num total de €8.509,34 - cfr. docs. juntos com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido. 64. A assistência à autora tem sido levada a cabo pelo autor marido. 65. Com a ocorrência do EMBATE / PROJECÇÃO ficaram irremediavelmente perdidas todas as roupas pertença da autora e, por si usadas no momento do acidente, bem como os bens pessoais que consigo trazia, a saber: - Um par de calças...€25,00 - Um par de botas...€40,00 - Um casaco...€60,00 - Um telemóvel...€349,90 - Óculos...€600,00 Totalizando...€1.074,90 66. O Autor acompanhou sempre a esposa, visitando-a, enquanto internada, diariamente, depois da alta hospitalar assumiu-se como cuidador, acumulando esse trabalho com os seus afazeres profissionais, pois é operário numa fábrica de cortiça. 67. O A., depois de regressar do trabalho passava a cuidar diretamente da Autora, limpava a casa, tratava das roupas, confecionava as refeições e ocupava-se da execução de toda a lida doméstica. 68. Entre meados de março e fins de Abril de 2020, gastando, em média diária, 03:00h. 69. O tempo gasto com tal assistência foi decrescendo ligeiramente, levando o Autor a gastar, em média, 02:00h diárias, pelo menos até ao fim de junho. 70. A partir do mês de Julho de 2020 até por volta de 15/12/2020, o Autor, disporia de pelo menos 01:30h/diárias com a confeção das refeições, a higienização, os cuidados com as roupas e a limpeza da casa, tarefas que, antes do acidente eram quase exclusivamente executados pela Autora, passaram a sê-lo apenas pelo Autor. 71. Entre 15/12/2020, até 25/07/2021 o Autor gastou nessa assistência, em média, 01:00h diária. 72. Ocorrido o acidente, o Autor foi confrontado com a possibilidade de sua esposa vir a morrer em consequência do acidente. 73. Tendo acompanhado o internamento hospitalar e, em especial, as intervenções cirúrgicas e consequentes intercorrências. 74. Bem como os inúmeros tratamentos, designadamente, os de MFR. 75. Neste contexto, o Autor tinha que executar a lida doméstica, cuidar de sua esposa, desvalorizar a dimensão das lesões perante a filha do casal e ainda trabalhar como operário fabril, dado que as despesas e encargos tinham aumentado e os créditos familiares decrescido, tendo em vista a situação de baixa por parte da esposa. 76. Acrescendo a todo esse cenário ainda teve o Autor que sofrer as falhas de compreensão, os azedumes, as más disposições veiculados pela esposa. 77. O Autor, dentro da sua disponibilidade laboral, acompanhou a Autora nas idas aos tratamentos médicos ocorridos nas supra citadas instituições de saúde, designadamente, hospitais, clínicas de MFR, médicos diverso. 78. A Autora viu o ligeiro a dirigir-se inesperadamente para si, sentiu o impacto da colisão e projeção ao solo, vivenciou dores e pânico, perspetivando a sua morte, sucedeu-se a consciência das lesões. 79. Foi submetida a vários procedimentos médicos, cirurgias, tratamentos e consultas. 80. Deixou de praticar atividades lúdicas a que se dedicava. 81. (…) o que faz de si hoje uma pessoa triste, magoada, pessimista e desanimada. 82. Na sequência do acidente em discussão nos autos, a autora manifestou à ré a intenção de ser observada e seguida na Casa de Saúde ..., no Porto e na E..., Lda., entidades que acabaram por lhe prestar assistência médica e por acompanhar a evolução das suas lesões, no período compreendido entre os dias 08.05.2020 e 19.10.2020 - vide documentos que se mostram juntos com a p.i. bem como o documento junto sob o número 1, com a contestação, para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 83. Nessa data - 19.10.2020 - os médicos que vinham seguindo a autora na E..., Lda. consideraram que as lesões sofridas pela mesma na sequência do acidente dos autos se encontravam consolidadas e estabilizadas – vide documento n.º 1 junto com a contestação, já referido. 84. Uma vez concluídos os tratamentos, a ré solicitou um parecer de avaliação de dano corporal a um clínico da sua confiança, o qual lhe transmitiu que, na sua opinião e face aos elementos de que dispunha, era de admitir que, em consequência do presente sinistro, a autora se encontrasse portadora de uma incapacidade permanente geral de 11 pontos, sem rebate profissional – cf. documento número 2 com a contestação, para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 86. A autora, após ter tido alta, continuou a exercer a mesma actividade profissional que exercia antes do acidente, o que vem sucedendo desde a data em que obteve a consolidação médico-legal das lesões resultantes desse sinistro. 87. E a autora aufere hoje a mesma retribuição que auferia antes do acidente em contrapartida desse trabalho, o que também vem sucedendo desde a data em que obteve a consolidação médico-legal das lesões resultantes desse sinistro. 88. De acordo com os elementos que a própria autora fez chegar à ré, no ano de 2018, o seu rendimento líquido global foi de apenas 7.458,07€ - vide documento n.º 3 junto com a contestação, para o qual se remete e aqui se dá por reproduzido na íntegra. 89. A R. liquidou à A. a quantia global de 4.590,00€ a título de adiantamento por conta das perdas salariais sofridas, no período em que se encontrou totalmente incapacitada, na sequência do acidente dos autos. - Outros factos provados com interesse para a boa decisão da causa: 90. Conforme doc. de fls. - Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, realizado pelo INML, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido e integrado, a A. apresenta: - Conforme avaliação baseada na Tabela Nacional de Incapacidades, considerando o valor global da perda funcional decorrente das sequelas e o facto destas, são causa de limitações funcionais importantes, com repercussões na independência da examinada, tornando-a dependente de ajudas medicamentosas, com um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 15 pontos. - A data de consolidação/estabilização médico-legal das lesões é fixável em 15/12/2020. - Período de Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 19 dias. - Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 274 dias. - Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total sendo fixável num período total de 293 dias. - Quantum Doloris fixável no grau 5/7. - O A. apresenta como Dano Estético Permanente de Grau 3/7. - Repercussão Permanente nas Actividades desportivas e de Lazer fixável no grau 1/7. - Repercussão permanente na Atividade Sexual fixável no grau 1/7. - O quadro sequelar justifica ajudas medicamentosas permanentes (correspondem à necessidade permanente de recurso a medicação regular, sem a qual a vítima não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações da vida diária). Neste caso medicação analgésica e anti-inflamatória, adaptada às necessidade da examinada e por prescrição médica. - A situação da A. não perspectiva a existência de Dano futuro. - Decorre ainda daquele relatório que “ Os elementos disponíveis permitem admitir a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que se confirmam os critérios necessários para o seu estabelecimento: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões, se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo e se exclui a pré-existência do dano corporal ...”. 91. Conforme decorre das Folhas de Extracto de Remunerações emitidas pela Segurança Social, entre Dezembro de 2020 e Julho de 2021, a A. recebeu diversas quantias prestacionais a título de equivalência por doença, não apresentando neste período qualquer quantia a título de remuneração base (cfr. Doc junto aos autos a Fls. …para o qual se remete e aqui se dá por reproduzido). 92. Entre Janeiro de 2019 a Fevereiro de 2020 e após Julho de 2021 até Junho de 2003 (data abrangida pelo referido extracto de remunerações) a A. recebeu quantias variáveis, mensais, a título de “prémios, bónus e outras prestações de carácter não mensal”. * 3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar:Das conclusões formuladas pelos recorrentes as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver prendem-se com saber: - Do recurso interposto pela ré: - da impugnação da matéria de facto; - da existência e valorização dos danos sofridos pelo A. e do início de contagem dos juros de mora; - da quantificação do dano biológico da A.; - da quantificação dos danos não patrimoniais da A. - Do recurso subordinado interposto pelos autores: - da impugnação da matéria de facto; - da quantificação do dano biológico da A.; - da quantificação dos danos não patrimoniais da A.; - da quantificação dos danos patrimoniais e não patrimoniais do A.; - da dedução do montante pago pela Ré a titulo de perdas salariais/ITA´s. * 4. Conhecendo do mérito dos recursos interpostos pela ré e pelos autores.4.1. Da impugnação da matéria de facto pela Ré e AA. A Ré/apelante, em sede recursiva, manifesta-se discordante da decisão que apreciou a matéria de facto relativamente ao ponto 65º dos factos provados, sendo que, ao invés do que refere a aqui apelante, não pretende impugnar o ponto 33º como, aliás, refere. Consta do ponto 65º que: “65. Com a ocorrência do Embate/Projecção ficaram irremediavelmente perdidas todas as roupas pertença da autora e, por si usadas no momento do acidente, bem como os bens pessoais que consigo trazia, a saber: - um par de calças ... € 25,00; - um par de botas ... € 40,00; - um casaco ... € 60,00; - um telemóvel ... € 349,90; - óculos ... € 600,00; Totalizando ... € 1.074,90.” Por sua vez, os AA./apelantes, em sede de recurso subordinado, manifestam-se, igualmente, discordantes da decisão que apreciou a matéria de facto quanto aos pontos 63º e 89º dos factos provados. Constam dos referidos pontos que: “63º. A Ré, (cfr. doc. 28 a 32) e o ISS, (doc. 33 a 40) pagaram à Autora, respetivamente € 4.590,41 e € 3.918,93, num total de € 8.509,34 - cfr. docs. juntos com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido. 89º. A Ré liquidou à A. a quantia global de € 4.590,0 a título de adiantamento por conta das perdas salariais sofridas, no período em que se encontrou totalmente incapacitada, na sequência do acidente dos autos”. Pugnam os AA. que os pontos 63º e 89º da matéria de facto provada passem a ter a seguinte redacção: “- 63º - A Ré, (cfr. doc. 17 e 28 a 32) e o ISS, (doc. 33 a 40) pagaram à Autora, respetivamente € 4.590,41 e € 3.918,93, num total de € 8.509,34 – cfr. docs. juntos com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido. - 89º - A R. liquidou à A. a quantia global de € 4.590,00 a título de adiantamento por conta das perdas salariais sofridas, no período entre 28/02/2020 e 19/10/2020, na sequência do acidente dos autos.” Vejamos, então. No caso vertente, mostram-se minimamente cumpridos os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, nada obstando a que se conheça da mesma. Entende-se actualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no artigo 662.º do Código de Processo Civil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (artigo 655.º do anterior Código de Processo Civil e artigo 607.º, n.º 5, do actual Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efectivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efectiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece. Como refere A. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 224 e 225, “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”. Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pelos Recorrentes e, se necessário, outras provas, máxime as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efectivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, a decisão em matéria de facto. Tendo presentes os elementos probatórios, vejamos então se, na parte colocada em crise, a análise crítica referida corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pelos apelantes. Como é sabido, a actividade dos Juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o Juiz necessariamente aceite esse sentido ou essa versão. Os Juízes têm necessariamente de fazer uma análise crítica e integrada dos depoimentos com os documentos e outros meios de prova que lhes sejam oferecidos. Conforme atrás referimos, a Ré impugnou o ponto 65º da matéria de facto provada, procurando, para o efeito, descredibilizar o depoimento da depoente CC, profissional de seguros, além de sobrinha dos AA. e mediadora dos seguros destes. Declarou, no seu depoimento, CC que fez a gestão do processo e asseverou que solicitou à Ré, mediante a apresentação de orçamento, o valor dos óculos, bem como o valor da roupa que a A. vestia no momento do acidente, só que a Ré não pagou. Afigura-se-nos, à luz da prova produzida, que bem andou bem a Srª Juiz a quo, ao dar como provado o facto 65º, apoiando-se, designadamente, no depoimento prestado pela testemunha CC que, na sua qualidade de mediadora de seguros e, por isso, com um conhecimento mais abrangente dos procedimentos respeitantes aos reembolsos dos bens próprios dos sinistrados, junto das seguradoras, encetou as primeiras negociações/procedimentos respeitantes ao reembolso dos bens próprios perdidos pela Autora AA, aquando do acidente. Ademais, os valores apurados encontram-se em sintonia com os valores de mercado, sendo ainda certo que os bens em causa fazem parte da indumentária quotidiana das pessoas, pelo que é de concluir seriam usados pela mesma no dia e hora do trágico evento. Além disso, é normal que a A. não tivesse na sua posse facturas ou recibos de aquisição das roupas, dado que usualmente as pessoas não guardam (nem são obrigadas a guardar) facturas ou recibos de aquisição de roupa, por mais de um mês, que constitui o prazo normal de troca ou devolução de um produto em loja. De resto, a solução alternativa proposta pela Ré, que seria a de remeter a fixação do valor para posterior incidente de liquidação nos termos dos artigos 609.º, n.º 2 e 358.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, com a inerente continuação da lide, não se nos afigura justificável, tendo em consideração as importâncias que estão envolvidas neste segmento indemnizatório. Assim sendo, improcede a impugnação da matéria de facto apresentada pela Ré relativamente ao referido ponto da matéria de facto. * Os Autores, por sua vez, também impugnam, ou melhor, pedem, na essência, a rectificação da matéria de facto dada como provada quanto aos pontos 63º e 89º dos factos provados.Constam dos referidos pontos que: “63º - A Ré, (cfr. doc. 28 a 32) e o ISS, (doc. 33 a 40) pagaram à Autora, respetivamente €4.590,41 e €3.918,93, num total de €8.509,34 – cfr. docs. juntos com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido. 89º - A Ré liquidou à A. a quantia global de 4.590,00€ a título de adiantamento por conta das perdas salariais sofridas, no período em que se encontrou totalmente incapacitada, na sequência do acidente dos autos”. Pugnam, porém, os AA. que deverá passar a ler-se nos referidos pontos que: - 63º “A Ré, (cfr. doc. 17 e 28 a 32) e o ISS, (doc. 33 a 40) pagaram à Autora, respetivamente €4.590,41 e €3.918,93, num total de €8.509,34 – cfr. docs. juntos com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido. - 89º “A R. liquidou à A. a quantia global de 4.590,00€ a título de adiantamento por conta das perdas salariais sofridas, no período entre 28/02/2020 e 19/10/2020, na sequência do acidente dos autos.”. Vejamos então. Compulsados os autos, resulta, designadamente, do doc. 17 junto com a petição inicial e elaborado pela ré seguradora: “(...) declaramos que a sinistrada AA foi acompanhada nos nossos serviços clínicos e esteve de Incapacidade Temporária Absoluta entre 28/02/2020 e 19/10/2020. Declaramos, ainda, que, durante o referido período, este segurador liquidou o valor total de € 4.590,41, referente a indemnização a título de salários. Após a data de 19/10/2020 não foi liquidado qualquer montante à Exma. Senhora AA relativamente a perdas salariais.” Concatenados o teor dos atrás referidos doc. 28 a 32 da petição inicial, com o do doc. 17, alcança-se que a ré seguradora pagou € 4.590,41 à A. para a indemnizar por perdas salariais no período de 28.02.2020 a 19.10.2020. Assim, conforme sustentam os AA., no ponto 63º deve também constar a referência ao doc. 17. Por sua vez, por lapso, o ponto 89º refere que tais perdas se reportam ao “período em que se encontrou totalmente incapacitada”, sendo certo que na realidade reportam-se apenas ao período que medeia entre a data do acidente e 19.10.2020. Na realidade, como consta dos factos provados, ponto 90º, a autora apenas atingiu a consolidação médico-legal a 15.12.2020, tendo tido uma repercussão temporária na atividade profissional total de 293 dias, ou seja, entre 28.02.2020 e 15.12.2020. Destarte, deve figurar nos factos assentes que os € 4.590,41 pagos pela ré à autora foram a título de indemnização por perdas salariais, relativamente ao período que medeia entre a data do acidente e 19.10.2020. Assim, deverá passar a constar nos pontos 63º e 89º dos factos provados, que: “63. A Ré, (cfr. doc. 17 e 28 a 32) e o ISS, (doc. 33 a 40) pagaram à Autora, respetivamente €4.590,41 e €3.918,93, num total de €8.509,34 – cfr. docs. juntos com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido.” “89. A R. liquidou à A. a quantia global de 4.590,00€ a título de adiantamento por conta das perdas salariais sofridas, no período entre 28/02/2020 e 19/10/2020, na sequência do acidente dos autos.” Assim sendo e face ao exposto, julga-se improcedente a impugnação da decisão da matéria de facto apresentada pela Ré, e procedente a impugnação/rectificação apresentada pelos AA., rectificando-se a redacção dos pontos 63º a 89º nos termos atrás referidos. * 4.2 Da existência e valorização dos danos sofridos pelo A. BB e do início de contagem dos juros de mora. Em sede recursiva, entende a Ré/Recorrente que não deve ser condenada pelos danos patrimoniais e não patrimoniais alegadamente sofridos pelo A. marido, BB. Entende, ainda, que a ter-se outro entendimento os juros deverão ser contabilizados desde a data da sentença. Por sua vez, o A./Apelante, em sede de recurso subordinado, pugna que deverá ser compensado com, pelo menos € 17.500,00, sendo € 2.500,00 a título de ajuda extraordinária e € 16.000,00 a título de danos morais. Vejamos então. Nos termos do n.º 1, do artigo 1671.º do Código Civil “O casamento baseia-se na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”, sendo que entre esses deveres que reciprocamente os vinculam, estão o dever de cooperação e o dever de assistência. Ora, o dever de cooperação significa que os cônjuges se devem socorrer e auxiliar mutuamente e assumir juntos as responsabilidades da vida familiar. E o dever de assistência significa que os cônjuges devem contribuir para os encargos da vida familiar. Como se disse, estes deveres são mútuos e vigoram dentro da vida dita “normal” do casal, no seu dia-a-dia. No caso vertente, resultou provado que a A. AA necessitou da ajuda de terceira pessoa e que foi o marido desta, durante cerca de, pelo menos, dez meses (desde a data do acidente até à data da consolidação das lesões) que a prestou, sendo que nessa ajuda despendia várias horas diárias. De resto, não estamos perante uma simples assistência prestada ao cônjuge por doença, mas antes, diante de uma ajuda prestada por um cônjuge ao outro, decorrente de uma situação criada por terceiro, em virtude do atropelamento sofrido pela vítima inocente do atropelamento, a A. AA. Ora, como resulta dos autos a A. AA necessitou de ajuda de terceira pessoa, prestada pelo marido, BB, durante, pelo menos, 10 (dez) meses, contados desde a data do acidente (27.02.2020). E durante, pelo menos, esses dez meses, o A. BB, de modo ininterrupto, devotou e dispensou várias horas diárias na prestação de auxílio de terceira pessoa, à sua esposa, aqui Autora AA, ajuda que se iniciou, ainda, no internamento hospitalar daquela. De resto, foi o Autor quem auxiliou a A. AA a deambular pela casa, nas deslocações às consultas e demais tratamentos, bem como quem lhe tratou da sua higiene pessoal, bem como da alimentação (tomas e confecção) e das tarefas domésticas. Além disso, em consequência do acidente, a A. AA, padeceu, padece e continuará a padecer de lesões que lhe determinaram um défice funcional permanente de 15 pontos, com limitações significativas para o desempenho de várias atividades diárias, entre elas as lides domésticas que a mesma executava anteriormente. De resto, provou-se que entre meados de março e fins de Abril de 2020, gastou, em média diária, 03h00. A partir dessa data, o tempo despendido com a assistência foi decrescendo ligeiramente, levando o Autor a gastar, em média, 02h00 diárias, pelo menos até ao fim de junho, sendo que a partir do mês de Julho de 2020 até por volta de 15/12/2020, o Autor, disporia de, pelo menos, 01h30/diárias. Assim, tendo por base o valor do salário mínimo nacional à data (ano de 2020), montante que a A. teria que pagar a outrem (não olvidando ainda que o ordenado mínimo em 2020 era de € 635,00 - DL 167/19 de 21/11), bem como ponderando o número de horas que em média, por dia, o A. marido despendeu, entendemos justa e adequada a compensação de € 2.500,00 atribuído pelo Tribunal a quo ao A. BB a título de ajuda extraordinária, valor que não merece deste Tribunal da Relação o reparo efectuado pelos recorrentes. De resto, esta «ajuda extraordinária», é assim designada, conforme bem salienta o Tribunal a quo, precisamente, porque sai fora do âmbito daquilo que é normal na vida de um casal e, por isso, não se compadece com os deveres maritais de assistência e cooperação mútuos, até porque vai muito mais além desses deveres. Acresce que, os danos sofridos pelo A. não são apenas devidos pela ajuda de terceira pessoa prestada à Autora, mas também pelo próprio sofrimento de que aquele padeceu, atenta a relação de amor que intercedia entre os membros do casal. Sofrimento esse que o Autor teve, ao ver a sua esposa sofrer com intensas dores no internamento e depois no seu domicilio; o sofrimento e o sentimento de impotência, por não conseguir aliviar essas dores; o sofrimento de quem vê uma pessoa “transformada do dia para noite”, e que depois do acidente se tornou uma pessoa mais amarga, menos carinhosa, menos positiva e mais conflituosa, causando, consequentemente, mais discussões entre o casal. E, por isso, bem andou o tribunal a quo ao condenar a Ré no pagamento de uma compensação no montante de € 2.100,00 por danos não patrimoniais sofridos pelo A. marido BB, o qual se nos afigura judicioso e equitativo. De resto, ao invés daquilo que alega a Recorrente, os danos sofridos pelo cônjuge do sinistrado, e que são aqui reclamados pelo A. BB, merecem a tutela do direito e têm merecido reconhecimento pela jurisprudência. A este respeito, chamamos à colação o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.2022 (Relator João Cura Mariano), proferido no processo n.º 550/14.1T8PVZ.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, reproduzindo-se, pela sua especial relevância, o seguinte extracto: “Nos trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966, em matéria de indemnização dos danos morais, Vaz Serra, após explicar a razoabilidade do reconhecimento do direito a uma satisfação pela dor sofrida a certas pessoas ligadas à vítima mortal por vínculos de afeição, retoricamente, interrogava-se: Reconhecido este direito a certos familiares, não deveria igualmente reconhecer-se, no caso de lesão de outra natureza, um direito de satisfação a favor de determinados familiares (v.g. ao pai no caso da mutilação do filho)? (...) Mas, não será razoável que o pai tenha, naquele exemplo, um direito de satisfação? Este direito poderia prejudicar o do filho, pois, o responsável pode não estar em situação económica que lhe permita pagar a ambos. Se, porém, não o prejudicar, talvez devesse admitir-se, visto que o pai pode ter danos morais consideráveis. Além do pai, os outros familiares, que, segundo o critério proposto para o caso de morte, teriam direito pessoal de satisfação, parece deverem tê-lo aqui também, in “Reparação do dano não patrimonial, B.M.J. n.º 83, pág. 96, nota 54-a.” A resposta implícita a estas perguntas teve tradução no n.º 5, do artigo 759.º do Anteprojeto sobre Direito das Obrigações apresentado por Vaz Serra (in Publicado no B.M.J. n.º 101, pág. 137.), onde, após regular o direito de indemnização por danos não patrimoniais aos parentes próximos da vítima, em caso de morte, nos parágrafos 2.º, 3.º e 4.º, se lê: No caso de dano que atinja uma pessoa de modo diferente do previsto no § 2.º, têm os familiares dela direito de satisfação pelo dano a eles pessoalmente causado. No entanto, a 1.ª Revisão Ministerial excluiu logo esta disposição do artigo 476.º do Anteprojeto dela saído, tendo a versão final do Código Civil se limitado a prever expressamente a indemnização dos danos morais dos familiares próximos da vítima mortal. Isso não impediu que Vaz Serra, em anotação crítica ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.01.1970, que refletia a posição então consolidada da jurisprudência, a qual se havia de manter inalterável durante muitos mais anos, viesse a sustentar a possibilidade de, em casos em que a vítima sobrevivesse, pudesse ser arbitrada uma indemnização por danos morais reflexos. Embora reconhecendo a regra de que, em caso de responsabilidade extracontratual, o direito de indemnização apenas cabe àqueles cujos interesses juridicamente protegidos tenham sido imediatamente lesados e de que a norma do artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, tem natureza excecional, Vaz Serra defendeu que esta norma é suscetível de interpretação extensiva a outros casos compreendidos no espírito dessa proteção excecional, como sejam algumas situações em que as lesões sofridas, apesar de não terem causado a morte do lesado, são de tal modo graves que são suscetíveis de provocar um sofrimento aos parentes próximos do lesado equivalente ao que causaria a sua morte. (…) Perante o imobilismo jurisprudencial e um quase silêncio doutrinal, seria no entanto, Abrantes Geraldes (Com o artigo “Ressarcibilidade dos Danos Não Patrimoniais de Terceiros em Caso de Lesão Corporal”, publicado nos “Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles”, vol. IV, Almedina, 2003, pág. 263-289, e na monografia Temas da Responsabilidade Civil, II vol., Indemnização dos Danos Reflexos, Almedina, 2005), quem provocaria uma inflexão nesta matéria, aduzindo convincentes argumentos no sentido de que eram ressarcíveis os danos não patrimoniais suportados por pessoas diversas daquela que é diretamente atingida por lesões de natureza física ou psíquica graves, nos termos gerais do artigo 496.º, n.º 1, do Código civil, designadamente quando fique gravemente prejudicada a sua relação com o lesado ou quando as lesões causem neste grave dependência ou perda de autonomia, devendo esse direito ser circunscrito às pessoas indicadas no n.º 2, do artigo 496.º, do Código Civil. O acolhimento desta posição favorável à indemnização de danos morais de terceiros, em caso de lesões corporais graves de familiares próximos, por algumas decisões dos tribunais superiores, conduziu naturalmente à necessidade de se fixar jurisprudência, através da prolação de um acórdão uniformizador (o Acórdão n.º 6/2014, de 16.01.2014, que decidiu que os artigos 483.º, n.º 1, e 496.º do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave). Apesar da redação do segmento uniformizador se encontrar dirigida ao caso concreto em discussão na decisão aí recorrida, não deixa de consolidar uma inversão da orientação inicialmente seguida pela jurisprudência, tendo sido acolhida uma leitura conjugada dos artigos 483.º e 496.º do Código Civil, no sentido de serem indemnizáveis os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos pelos familiares próximos da vítima de ato gerador de responsabilidade civil extracontratual de onde resultaram lesões particularmente graves. (…) O AUJ n.º 6/2014, proclamando a sua neutralidade face a estas duas teses, assumiu uma leitura atualista do disposto nos artigos 483.º, n.º 1, e 496.º, n.º 1, do Código Civil, de modo a que a dor e o sofrimento, particularmente graves, das pessoas com uma relação afetiva de grande proximidade com o lesado fosse indemnizável em situações em que este, apesar de sobrevivente, tivesse sofrido lesões, também elas particularmente graves. É esta a orientação que deve ser seguida, procurando verificar-se, no caso concreto, se estas exigências se encontram preenchidas, justificando-se ou não reconhecer a esses terceiros um direito de indemnização. Nesta operação a realizar num campo em que o traçado das margens é ténue e irregular na determinação do que é “particularmente grave” há que valorar, por um lado, as caraterísticas das lesões sofridas e das suas sequelas, e por outro lado, o grau de sofrimento das pessoas mais próximas do lesado assistirem ao padecimento de um ente querido, além da privação da qualidade do relacionamento com este e ainda o custo existencial do acréscimo das necessidades de acompanhamento. Na revista que deu origem ao AUJ estava em causa um sinistrado em acidente de viação que, devido às lesões sofridas, ficou a precisar de ajuda permanente de uma terceira pessoa que o ajudasse a vestir, a tomar banho, a barbear, a acompanhá-lo para ir tomar um café, tendo-se considerado adequada a atribuição à mulher que passou a cuidar dele, uma indemnização de 15.000,00 pelo seu sofrimento.” De resto, é hoje praticamente pacífico, e aceite, o entendimento que vai no sentido de que o artigo 496.° do Código Civil, bem como os preceitos com ele relacionados, devem ser interpretados em ordem a encerrarem, pelo menos nos casos mais graves, a compensabilidade dos danos não patrimoniais sofridos por pessoa diferente da vítima, quando esta se mantém viva. Os familiares de pessoas vítimas de lesões corporais graves que as afectam de forma permanente, de forma irreversível, acham-se numa situação em tudo equiparável do ponto de vista dos interesses em jogo à situação dos familiares de uma vítima que morre em consequência das lesões. Ora, no caso em apreço, alcança-se que a Autora AA foi atingida de forma particularmente grave como ficou à saciedade demonstrado, bem como o Autor BB sofreu danos não patrimoniais com gravidade jurídica relevante, que foram devidamente valorados pelo Tribunal a quo, danos que são danos próprios dele, Autor BB, cônjuge da sinistrada, e que não se confundem com os danos da Autora, sua cônjuge AA. De resto, além da quantia arbitrada, foi, ainda, a Apelante condenada no pagamento de juros “contados desde a citação da R. até efectivo e integral pagamento.”. Porém, a Ré/Apelante discorda e pugna que os juros de mora apenas se contarão desde a data da prolação da sentença. Afigura-se-nos, no entanto, que a decisão neste segmento também não merece reparo. É certo que o acórdão uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2002, de 09.05.2002, prescreve que: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.” Ou seja, estamos diante de um critério actualista que dá como assente que sendo os valores da indemnização por danos não patrimoniais calculados de forma actualizada, tendo por referência a data da sentença, então os juros contar-se-ão a partir dessa data. Porém, no caso vertente, a sentença em crise especifica que vence juros desde a data da citação, ao contrário dos danos arbitradas à autora, que expressamente se diz que foram actualizados. Assim, impõe-se concluir que tal não se deveu a qualquer lapso da Sr.ª Juiz a quo, mas antes ao facto do cálculo não ter sido actualizado, pelo que os juros deverão manter-se desde a data da citação da ré. Nesse sentido, de resto, chamamos à colação o acórdão do TRP de 27.09.2018 (Relator Deolinda Varão), proferido no âmbito do processo n.º 75/10.4TBAMT.P1, também disponível em www.dgsi.pt de onde consta do sumário, designadamente, o seguinte e relativamente ao Acórdão U.J. n.º 4/02: “II - O que se conclui daquele Ac. UJ é que não há que distinguir se os danos são de natureza patrimonial ou não patrimonial, de acordo com a actual redacção do nº 3 do artº 805º, incidindo os juros sobre todos eles, na mesma medida. III - Porém, os juros são devidos desde a data da decisão que os atribui, se o valor do capital tiver sido arbitrado nessa data de forma actualizada; e são devidos desde a data da citação se o valor do capital arbitrado não se reportar à data da decisão. IV - Ou seja, se a indemnização já foi fixada em valor actualizado à data da sentença, não podem ser arbitrados juros desde a data da citação que é anterior, porque tal se traduziria num enriquecimento ilícito do lesado. V - Se o juiz arbitra juros apenas a partir da data da decisão em relação à indemnização por danos não patrimoniais, tem não só de dizer expressamente como de demonstrar, na sentença, que fixou a indemnização de forma actualizada. Só assim pode aplicar a doutrina do Ac. UJ acima citado. Não se pode presumir que os danos não patrimoniais fixados na sentença são actualizados - neste sentido, ver os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09.01.03, 13.11.03 e 04.05.10 e desta Relação de 14.03.02, 10.02.03, 12.02.04 e 03.03.05, todos em www.dgsi.pt. VI - Assim, se o juiz não explica, nem demonstra, que tenha fixado a indemnização por danos não patrimoniais de forma actualizada, são devidos juros desde a citação, por aplicação das disposições conjugadas dos citados artºs 566º, nº 2 e 805º, nº 3 do CC.” No mesmo sentido, chamamos à colação o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27.09.2022, (Relator Anabela Dias da Silva), proferido no âmbito do processo n.º 3958/15.1T8VNG.P2 também disponível em www.dgsi.pt e de cujo sumário se retira o seguinte: “I - É hoje pacífico que sendo os valores da indemnização por danos não patrimoniais calculados de forma actualizada, por referência à data da sentença, só serão devidos juros de mora a partir desta data. II - Todavia não é aceitável a ideia de que essa actualização de valores se presume efectuada na sentença, a menos que essa presunção se considere ilidida pelos termos da própria sentença. III - Assim sendo a sentença “in casu” totalmente omissa quanto à efectivação de qualquer actualização, inexiste fundamento legal para se presumir judicialmente que tenha havido actualização, e devem os juros moratórios serem fixados de harmonia com o peticionado - desde a data da citação.”. Afigura-se-nos, assim, que não assiste, razão à Ré/Recorrente quando alega que os juros moratórios a incidir sobre o capital fixado a título de indemnização pelos danos não patrimoniais deverão ser contabilizados a partir da data da prolação da sentença, Improcede, por isso, também nos pontos em análise o recurso de apelação da Ré, bem como o recurso subordinado do A. 4.3. Da Valorização do Dano Biológico A título indemnizatório pelo dano biológico, entende a ré Apelante, em sede de recurso de apelação, que o referido montante deve ser fixado em € 30.000,00. Por sua vez, em sede de recurso subordinado entende a autora Apelante que tal montante deve ser fixado em € 95.000,00. Impõe-se, assim, apurar e valorizar o referido dano. Conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de 4.10.2005, proferido no Processo nº 05A2167 e publicado in www.dgsi.pt.: Tem vindo a integrar o conceito de dano biológico a existência de lesões geradoras de incapacidades permanentes, com ou sem repercussão na esfera patrimonial do lesado, também denominado défice funcional. Este conceito aparece legalmente consagrado no sentido de ofensa à integridade física e psíquica, independentemente de dela resultar perda de capacidade de ganho, no artigo 3.º, alínea b) da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, sendo a mesma realidade designada também por dano corporal, por contraposição a dano material, como acontece no artigo 51.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto. O chamado dano biológico ou corporal, adquiriu autonomia, estando na sua origem o direito à saúde, concretizado numa situação de bem-estar físico e psíquico, enquanto direito fundamental de cada indivíduo, constitucionalmente consagrado nos artigos 24.º, n.º 1 e 25.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa que estabelecem o carácter inviolável da vida e integridade física e moral da pessoa humana e no artigo 70.º do Código Civil que protege a ofensa ilícita à personalidade física ou moral de cada um. Este “direito à saúde” quando afectado, enquanto direito fundamental de cada um, dá lugar à obrigação de indemnizar que não pode ser limitada aos casos em que as lesões se repercutem sobre a capacidade de ganho do lesado, no que tem sido a posição unânime defendida pela nossa jurisprudência. Verifica-se que a incapacidade que integra o chamado dano biológico, umas vezes interfere com a actividade profissional do lesado, com incidência na sua remuneração ou capacidade de ganho e outras vezes não. Nesta medida, o dano biológico pode vir a determinar a indemnização por danos de natureza patrimonial e/ou não patrimonial, conforme os casos. Isto significa, apenas, que da mesma lesão que constitui um défice funcional, podem resultar em simultâneo danos patrimoniais e não patrimoniais ou morais. O dano patrimonial é aquele que se repercute no património do lesado, seja a título de danos emergentes, seja de lucros cessantes. O dano não patrimonial reporta-se à ofensa de bens que não se integram no património da vítima, como é o caso da vida, saúde, liberdade ou beleza, com uma impossibilidade de reposição do lesado na situação anterior, sendo, por isso, apenas susceptível de uma compensação. Diverge a jurisprudência quanto à classificação, ou melhor, à natureza do chamado dano biológico (o decorrente da incapacidade permanente sem reflexo profissional): se um dano meramente patrimonial, se um dano moral, se um tertium genus. E procuram os vários arestos, cada um à sua maneira, justificar o quantum indemnizatório arbitrado para estes danos geradores de incapacidade permanente que se não repercutam directamente na capacidade de ganho do lesado (na medida em que não implicam uma diminuição da retribuição, embora implicando esforços acrescidos, ou, então, porque o lesado está fora do mercado de trabalho, como ocorre com desempregados, crianças, reformados). Assim, o dano biológico tem suscitado especiais perplexidades na relação com a dicotomia tradicional da avaliação de danos patrimoniais versus danos não patrimoniais, por poder incidir numa, noutra ou em ambas as vertentes. Este dano vem sendo entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.05.2010, Processo n.º 103/2002.L1.S1; e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.01.2012, Processo n.º 220/2001-7.S1, in www.dgsi.pt.. É um prejuízo que se repercute nas potencialidades e qualidade de vida do lesado, susceptível de afectar o seu dia-a-dia nas vertentes laborais, sociais, sentimentais, sexuais, recreativas. Determina perda das faculdades físicas e/ou intelectuais em termos de futuro, perda essa eventualmente agravável em função da idade do lesado. Poderá exigir do lesado, esforços acrescidos, conduzindo-o a uma posição de inferioridade no mercado de trabalho - cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02.12.2013, in http://www.dgsi.pt.. Ou, por outras palavras, é um dano que se traduz na diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre. Ora, o dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como pode ser compensado a título de dano moral; tanto pode ter consequências patrimoniais como não patrimoniais. Ou seja, depende da situação concreta sob análise, a qual terá de ser apreciada casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida, e por si só, uma perda da capacidade de ganho ou se se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, sem prejuízo do natural agravamento inerente ao decorrer da idade. Tem a natureza de perda ‘in natura’ que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar - cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/10/2009, in http://www.dgsi.pt. Como quer que seja visto ou classificado este dano, o certo é que o mesmo é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial. É indemnizável em si mesmo, independentemente de se verificarem consequências para o lesado em termos de diminuição de proventos. No caso vertente, com interesse para a apreciação desta questão ficou provado que: - a autora nasceu a 06.10.1968, e tinha 51 anos à data do acidente, - era alegre, bem-disposta, com entusiasmo de viver e dispunha de competências para levar por diante todos os normais actos e gestos da vida diária, - era trabalhadora qualificada da D..., Lda. e na execução de todas as operações a Autora tinha que estar ininterruptamente de pé e de dispensar grande atenção ao controle, atenta a responsabilidade que sobre si recaía se alguma peça saísse da fábrica para a exportação com defeito, - era uma esposa carinhosa e uma mãe terna, - coabitava com o marido e uma filha que, embora maior de idade, vivia ainda na sua dependência, - a autora executava a generalidade das tarefas domésticas inerentes ao agregado familiar, - os AA. cônjuges, enquanto tal, sempre viveram debaixo do mesmo tecto, sempre tomaram as refeições conjuntamente, sempre dormiram na mesma cama e, com regularidade, se relacionavam sexualmente, pondo em prática o débito conjugal, - a autora sempre acompanhou a filha, tanto nos trabalhos escolares, como nas atividades desportivas e de lazer, - a autora, o marido e a filha deslocavam–se com regularidade às praias vizinhas de ..., mesmo fora da época balnear, aí correndo e caminhando. - frequentava os meios de tertúlia e convívio da freguesia, participando activamente nas celebrações eucarísticas, nas festas profanas e nas religiosas, construindo um bom e confortável viver com todos aqueles que a rodeavam, - a autora sempre gostou de caminhar e de dançar, - após a data do acidente a autora tornou-se, em termos familiares, uma pessoa queixosa, inconformada, conflituosa, distante e muito pouco disponível e passou a necessitar da permanente ajuda do marido, - a autora deixou de frequentar a igreja, - a autora, em tom de lamento, está sempre a repetir: - “Este acidente acabou comigo!...”. - após o acidente, a autora transformou-se numa pessoa revoltada, sofredora, intolerante, cujos pensamentos e conversas vão ter inexoravelmente a factos e episódios negativos, como doenças, acidentes e tragédias similares, - a autora sofreu um quantum doloris fixável no grau 5/7, - apresenta como dano estético permanente de Grau 3/7, - sofreu repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer no grau 1/7, - sofreu repercussão permanente na actividade sexual no grau 1/7, - apresenta um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 15 pontos; Assim, no caso vertente, o dano biológico sofrido pela autora, corporizado num défice funcional permanente de 15,00 pontos, com implicação ao nível físico e psíquico, determinará sempre um esforço acrescido por parte do mesmo, não só para o exercício da sua actividade profissional, bem como para qualquer outra actividade doméstica ou de lazer, implicando, diríamos nós, um enorme esforço pessoal suplementar para “viver”. Assim, há que ter em conta o anexo IV da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, alterada pela Portaria n.º 679/2008, de 25 de Junho, que dispõe sobre a compensação devida pela violação do direito à integridade física e psíquica, designado por dano biológico, com base em pontos e na idade do lesado à data do acidente. Tem sido jurisprudência uniforme, quer nos Tribunais da Relação, quer no Supremo Tribunal de Justiça, como já se referiu, o entendimento de que a diminuição da capacidade de ganho não é requisito necessário da verificação do dano biológico susceptível de ser indemnizado. A mera afectação da pessoa do ponto de vista funcional, isto é, sem traduzir perda de rendimento de trabalho releva para efeitos indemnizatórios, como dano biológico, porque determinante de consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado. Assim sendo, nesta perspectiva, entende-se que a compensação a atribuir, pelo dano biológico, quando não interfere com a capacidade de ganho do lesado, não tem de ter uma relação directa com os seus rendimentos ou com a sua actividade profissional, antes se posicionando como um dano permanente e interferindo em todos os aspectos da vida do lesado, seja no lazer, nas actividades domésticas diárias e também podendo ser o caso, no exercício da actividade profissional. Nesta medida, tendo um âmbito alargado, consideramos que a sua referência para efeitos de cálculo da indemnização não tem de ser o salário auferido pelo lesado, nem tão pouco o salário mínimo nacional. Tem sido jurisprudência uniforme, quer nos Tribunais da Relação, quer no Supremo Tribunal de Justiça, como já se referiu, o entendimento de que a diminuição da capacidade de ganho não é requisito necessário da verificação do dano biológico susceptível de ser indemnizado. A mera afectação da pessoa do ponto de vista funcional, isto é, sem traduzir perda de rendimento de trabalho releva para efeitos indemnizatórios, como dano biológico, porque determinante de consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado. Isto porque a desvalorização funcional sofrida, em última análise, sempre comportará para o lesado um esforço suplementar para o exercício de qualquer actividade humana e uma diminuição da sua qualidade de vida futura. Assim sendo, nesta perspectiva considera-se que a compensação a atribuir, pelo dano biológico, quando não interfere com a capacidade de ganho do lesado, não tem de ter uma relação directa com a sua actividade profissional, antes se posicionando como um dano permamente e interferindo em todos os aspectos da vida do lesado, seja no lazer, nas actividades domésticas diárias e também podendo ser o caso, no exercício da actividade profissional. Nesta medida, tendo um âmbito alargado, consideramos que a sua referência para efeitos de cálculo da indemnização não tem de ser o salário auferido pelo lesado, sendo, por isso, irrelevante a alegação da Ré/Apelante, quando se debruça sobre o ponto 33 dos factos provados, nem tão pouco o salário mínimo nacional, conforme tem vindo a ser entendido, quando o lesado não exerce actividade profissional. O dano biológico expresso no grau de incapacidade de que o lesado fica a padecer, e quando não interfere na capacidade de ganho (se for o caso pode ter lugar a indemnização pelo dano patrimonial reflexo que dele decorre), antes determinando a necessidade de um esforço acrescido para viver e para todas as actividades diárias, levando a uma diminuição da qualidade de vida em geral, é igualmente grave para quem exerce um profissão remunerada com € 5.000,00 ou com € 500,00 sendo a dimensão do direito à saúde que está em causa e que é, tal como o direito à vida, igual para qualquer ser humano. Assim, fazer interferir o valor do salário de cada um ou o do salário mínimo nacional quando o lesado não exerce ou não tem profissão, pode até, a nosso ver gerar situações injustas. Considera-se por isso que, estando em causa o mesmo tipo de dano, o ponto de partida para o cálculo da indemnização pelo dano biológico deve ser o mesmo para todos, em obediência ao princípio da igualdade. Põe-se então a questão de saber qual é o valor que deve ser ponderado como ponto de partida para se fazer o cálculo da indemnização. A Portaria 377/2008, de 26 de Maio faz consignar a remuneração mínima mensal garantida como valor para efectuar o cálculo do dano biológico. Ora, considerando que o legislador faz interferir o salário como elemento fundamental para o cálculo da indemnização, temos como mais correcto que se pondere, para o efeito, o valor do salário médio nacional e não a remuneração mínima mensal garantida, o que coloca em crise a alegação da Ré/Apelante. A retribuição mínima mensal garantida é apenas um ponto de partida, pelo que o salário médio do país será o mais adequado para encontrar o valor do dano biológico, devido ao facto deste valor médio reflectir de forma mais coincidente com a realidade a situação económica global do país onde as indemnizações aqui em causa também de inserem. Assim, conforme atrás referimos, considera-se, por isso, que estando em causa o mesmo tipo de dano, o ponto de partida para o cálculo da indemnização pelo dano biológico deve ser o mesmo para todos, em obediência ao princípio da igualdade. A jurisprudência autonomizou, antes da Portaria n.º 377/2008, de 26/05, o dano biológico e maioritariamente qualificou-o como de cariz patrimonial - cfr. Acórdãos da Relação do Porto de 04.03.08, proc. 0724890 e de 04.04.06, proc.062059 e os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, neste citados, designadamente, de 27.04.2004, no proc. 04A1182 e de 06.07 2004, no proc. n.º 04B2084. Esta Portaria adoptou, como salienta o seu preâmbulo, o “princípio de que só há lugar à indemnização por dano patrimonial futuro quando a situação incapacitante do lesado o impede de prosseguir a sua actividade profissional habitual ou qualquer outra.”. Porém, por outro lado, refere-se na Portaria que “ainda que não tenha direito à indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica.”. Nessa orientação, o artigo 4º, da referida Portaria integra entre os denominados danos morais complementares o dano biológico. No entanto, é entendimento pacífico que as normas da referida Portaria n.º 377/2008, de 26/05, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, não são vinculativas para a fixação, pelos Tribunais, de indemnizações por danos decorrentes de responsabilidade civil em acidentes de viação, devendo «os valores propostos ( ... ) ser entendidos como o são os resultantes das tabelas financeiras disponíveis para a quantificação da indemnização por danos futuros, ou seja, como meios auxiliares de determinação do valor mais adequado, como padrões, referências, factores pré-ordenados, fórmulas em forma abstracta e mecânica, meros instrumentos de trabalho, critérios de orientação, mas não decisivos, supondo sempre o confronto com as circunstâncias do caso concreto e, tal como acontece com qualquer outro método que seja a expressão de um critério abstracto, supondo igualmente a intervenção temperadora da equidade, conducente à razoabilidade já não da proposta, mas da solução, como forma de superar a relatividade dos demais critérios. Os valores indicados, sendo necessariamente objecto de discussão acerca da sua razoabilidade entre o lesado e a entidade que deverá pagar, servirão apenas como uma referência, um valor tendencial a ter em conta, mas não decisivo», assumindo um carácter instrumental - cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.02.2009, Raul Borges, Processo n.º 3459/08, in www.dgsi.pt. Portanto, na determinação dos montantes indemnizatórios aos lesados em acidentes de viação - como ocorre no presente caso -, os tribunais não estão obrigados a aplicar as tabelas contidas na citada Portaria, antes ali se estabelecem padrões mínimos, a cumprir pelas seguradoras, na apresentação aos lesados de propostas sérias e razoáveis de regularização dos sinistros, indemnizando o dano corporal - cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.01.2014, proc. 1269/06.2TBBCL.G1.SI. No presente caso, seguindo a posição maioritária da jurisprudência, dado que o dano biológico é distinto do dano não patrimonial (artigo 496.º do Código Civil) que se reconduz à dor, ao desgosto, ao sofrimento de uma pessoa que se sente diminuída fisicamente para toda a vida, entendemos ser de autonomizar, igualmente, como dano patrimonial futuro esse maior esforço que a Autora terá de efectuar ao longo da sua vida activa. Por sua vez, não sendo possível determinar o valor exacto do dano ora em causa, tal avaliação terá de ser efectuada recorrendo à equidade, nos termos do artigo 566º, n.º 3 do Código Civil. Isto é, a equidade terá de ser sempre um elemento essencial no cálculo do dano aqui sob apreciação, independentemente de se considerar o dano biológico numa vertente meramente patrimonial, mais ou menos patrimonial ou como um tertium genus. É certo que o nosso legislador não definiu o conceito de equidade, deixando a sua densificação para os aplicadores do Direito. Nas palavras sábias de Pires de Lima e Antunes Varela, in Noções Fundamentais de Direito Civil, 6.ª edição, 104, nota 2, a equidade é a justiça do caso concreto. Julgar pela equidade é procurar a justiça do caso concreto "limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal" - cf. Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 1980, págs.103/104. Ou, como diz Ana Prata, in Dicionário Jurídico, 4ª Edição, 2005-499 "julgar segundo a equidade significa dar a um conflito a solução que parece mais justa, atendendo apenas às características da situação e sem recurso à lei eventualmente aplicável. A equidade tem, consequentemente, conteúdo indeterminado, variável de acordo com as concepções da justiça dominantes em cada sociedade e em cada momento histórico". Do que se trata, portanto, é de encontrar a solução mais equilibrada no contexto da prova disponível. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem defendido que o recurso à equidade “não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso. O não afastamento, pela sindicância do juízo equitativo, da necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade, ilustra a tendencial uniformização de critérios na fixação judicial dos montantes indemnizatórios, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto - cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Maio de 2019 (Maria dos Prazeres Beleza), proc. n.º 2476/16.5T8BRG.G1.S2; de 8 de Junho de 2017 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), Proc. n.º 2104/05.4TBPVZ.P1.S2 e ainda acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 2017, proc. n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1; de 28 de Janeiro de 2016, proc. n º 7793/09.8T2SNT.L1.S1; de 6 de Abril de 2015, proc. n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para os acórdãos de 28 de Outubro de 2010, proc. n.º 272/06.7TBMTR.P1.S1, e de 5 de Novembro de 2009, proc. n.º 381-2002.S1, estes in www.dgsi.pt. Porém, como já acima ficou dito, o dano biológico não pode ser indemnizado por obediência a tabelas rígidas, de forma que a uma mesma pontuação em pessoas de idade aproximada tenha de corresponder necessariamente a fixação do mesmo valor ressarcitório. É que, se assim fosse, então, em vez de se dar abrigo ao princípio constitucional da igualdade que a adopção dos referidos critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados consubstancia, estaríamos precisamente a violar esse mesmo princípio, dado que o mesmo impõe que a situações desiguais se dê tratamento desigual. Ou seja, tudo depende da situação concreta sob análise, a qual terá de ser apreciada casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida, e por si só, uma perda da capacidade de ganho ou se se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, sem prejuízo do natural agravamento inerente ao decorrer da idade. Assim, seguindo um critério de equidade e de ponderação das regras de experiência, devem ser atendidas, globalmente, mas de forma casuística, todas as circunstâncias envolventes, designadamente as actividades exercidas pelo lesado, os rendimentos patrimoniais que lhe proporcionam, assim como a idade e tempo de vida activa. Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6-12-2017, Proc. 1509/13, em www.dgsi.pt (Tomé Gomes) “o dano biológico abrange um espetro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, incluindo a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer atividades ou tarefas de cariz económico, mesmo fora da atividade profissional habitual, bem como os custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expetáveis”. Escreveu-se na motivação deste aresto, designadamente, que “a jurisprudência, com particular destaque para a do STJ, tem vindo a reconhecer o chamado dano biológico como dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido. E que, em sede de rendimentos frustrados, a indemnização deverá ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir, que se extinga no fim da sua vida provável e que é suscetível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado”. Esta orientação colhe-se, designadamente, do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-10-2020, relatado pela Juiz Conselheira Maria da Graça Trigo, em cujo sumário se refere, nomeadamente, que “de acordo com a jurisprudência do STJ, a atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho - antes da lesão -, tanto na profissão habitual, como em profissão ou atividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências. A que acresce um outro factor: a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da atividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (tendo em conta as qualificações e competências do lesado)”. Para além disso, neste e noutros casos, como é jurisprudencialmente pacífico, não poderão deixar de ser considerados as sequelas das lesões sofridas na realização de todas as tarefas, pois também aí se revela uma maior dificuldade na sua execução que encontra a sua causa principal no acidente de viação. A que acresce um outro factor, igualmente a ponderar, como se observa no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.11.2021 (Abrantes Geraldes): o grau de culpa do condutor do veículo a que as normas que regulam a responsabilidade civil e a fixação de indemnizações atribuem relevo. Em sintonia com o referido supra, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.01.2022: «Na linha do tratamento da questão da indemnização por perda de capacidade geral de trabalho realizado pelos acórdãos do Supremo Tribunal de 20/10/2011 (proc. n.º 428/07.5TBFAF.G1.S1), de 10/10/2012 (proc. n.º 632/2001.G1.S1), de 07/05/2014 (proc. n.º 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 19/02/2015 (proc. n.º 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 04/06/2015 (proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 07/04/2016 (proc. n.º 237/13.2TCGMR.G1.S1), de 14/12/2016 (proc. n.º 37/13.0TBMTR.G1.S1), de 16/03/2017 (proc. n.º 294/07.0TBPCV.C1.S1), 25/05/2017 (proc. n.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1), de 09/11/2017 (proc. n.º 2035/11.9TJVNF.G1.S1), de 01/03/2018 (proc. n.º 773/07.0TBALR.E1.S1) e de 29/10.2020 (proc. n.º 111/17.3T8MAC.G1.S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt, entende-se que: - De acordo com o regime do n.º 3 do art.º. 566.º do Código Civil, não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, a indemnização deve ser fixada equitativamente dentro dos limites que o tribunal tiver como provados (art.º. 566.º, n.º 3, do Código Civil); - Não existindo, como sucede no caso dos autos, limites de danos que o tribunal tenha dado como provados, a equidade constitui o único critério legalmente previsto para a fixação da indemnização devida; - A atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de trabalho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: (i) A idade do lesado (a partir da qual se pode determinar a respectiva esperança média de vida à data do acidente); (ii) O seu grau de incapacidade geral permanente; (iii) As suas potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências; (iv) A conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui tendo em conta as suas qualificações e competências). - Esclarece-se que se deve atender à esperança média de vida do lesado (à data do acidente) e não à sua previsível idade de reforma, na medida em que a afectação da capacidade geral tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado, tanto directas como indirectas (…)». E, se é certo que a sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade (ut art.º. 13º da Constituição e art.º. 8º, nº 3, do Código Civil), é claro que um juízo comparativo incidente sobre montantes indemnizatório apenas poderá ser realizado em relação a decisões não apenas temporalmente próximas, mas também em que estejam em causa situações fácticas essencialmente similares. Como tal, «Pretender indemnizar a perda da capacidade geral mediante recurso a comparações com outros casos decididos pelos tribunais, tendo designadamente em conta a idade do lesado à data do sinistro, o índice de incapacidade funcional e o valor indemnizatório fixado, mas esquecendo a referida exigência de ponderação das potencialidades de ganho e de aumento de ganho do lesado, anteriores à lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências, assim como de avaliação da conexão entre as lesões psicofísicas sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais ou económicas do lesado, compatíveis com as suas habilitações ou preparação técnica, constitui, a nosso ver, uma grave falha nos pressupostos do juízo equitativo porque leva a comparar entre si situações factuais não comparáveis (...)». – Juiz Conselheira Maria da Graça Trigo, in «O conceito de dano biológico como concretização jurisprudencial do princípio da reparação integral dos danos - Breve contributo», Revista Julgar, n.º 46, em curso de publicação, pág. 268. Ademais, a jurisprudência tende a ser mais actualista e evolutiva. Assim, numa interpretação actualista da lei, para efeito da fixação da compensação com recurso à equidade, merecem ser destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global, a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente à União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se deve também repercutir no aumento das indemnizações. Chegados aqui coloca-se a questão de saber qual é o valor que deve ser ponderado como ponto de partida para se fazer o cálculo da indemnização, sendo certo que a Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio faz consignar o montante da remuneração mínima mensal garantida como valor para efectuar o cálculo do dano biológico. Ora, considerando que o legislador faz interferir o salário como elemento fundamental para o cálculo da indemnização, temos como mais correcto que se pondere, para o efeito, o valor do salário médio nacional e não a remuneração mínima mensal garantida, em conformidade com o já defendido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de Outubro de 2016, proferido no processo n.º 628/14.1TBOAZ.P1, desta Secção, onde o aqui relator foi 1º adjunto. Com efeito, a retribuição mínima mensal garantida é apenas um ponto de partida, pelo que o salário médio do país será o mais adequado para encontrar o valor do dano biológico, devido ao facto deste valor médio reflectir de forma mais coincidente com a realidade a situação económica global do país onde as indemnizações aqui em causa também de inserem. Ora, a informação estatística da base de dados Pordata, indica que o ordenado médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem no ano de 2022 (não há valores para os anos posteriores) foi de € 1.143,40. Este valor é, então, um dos elementos a ponderar para o cálculo da indemnização do dano biológico, havendo também que considerar a idade da lesada que era de 51 anos à data do acidente e o grau de desvalorização ou incapacidade de que ficou a padecer que é de 15,00 pontos. Ora, a Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, foi actualizada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho que, no seu anexo IV, dispõe sobre os valores de compensação do dano biológico - compensação devida pela violação do direito à integridade física e psíquica. Na mesma é estabelecido um valor por cada ponto de desvalorização, ponderando a idade do lesado. À luz da situação factual vertida nos autos, a tabela do anexo IV dá-nos, para uma desvalorização entre 11 a 15 pontos, os valores de € 774,63 a € 882,36 por ponto, quando a vítima tenha entre 51 a 55 anos de idade, pelo que havendo uma desvalorização equivalente a 15 pontos, a indemnização pelo dano biológico deverá situar-se entre os € 11.619,45 e os € 13.235,40. Contudo, tais valores da portaria são encontrados com referência à remuneração mínima mensal garantida em 2007 que, na altura, era de € 403,00 (nota 1 ao anexo IV), que é quase um terço da remuneração média nacional. Assim, se considerarmos a remuneração base média nacional de € 1.143,40 (ano de 2022) e observando uma regra matemática de três simples, chegamos a um valor compensatório entre € 32.966,95 e € 37.551,75 de acordo com a tabela em questão, para um dano biológico traduzido num défice funcional de 15,00 pontos, sendo certo que deverá ter-se em consideração o valor máximo dado que a tabela varia entre uma desvalorização de 11 a 15 pontos. Todavia, como se referiu, tal valor constitui apenas mais um elemento a considerar pelo tribunal na determinação da indemnização equitativa a fixar, pelo que impõe-se ponderar, ainda, as circunstâncias concretas do caso já evidenciadas e atrás exaustivamente enunciadas, nomeadamente a circunstância da remuneração tida em consideração se reportar ao ano de 2022, a subida acentuada da taxa de inflação, a actualização constante dos salários em função da referida taxa de inflação, a idade da lesada, o deficit funcional apurado e as repercussões graves das lesões no dia a dia da autora durante toda a vida e até ao ultimo dos seus dias, o que apontaria para que a indemnização a título de compensação pelo dano biológico se fixasse em € 43.000,00. No entanto, deve-se, ainda, subtrair o benefício respeitante ao recebimento antecipado de capital, de efectuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital e a taxa de juro que o Autor capitalizará sobre os montantes a receber, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia (cf. acórdão desta Relação do Porto de 15.06.2023, proferido no processo 13390/18.0T8PRT.P1, em que é Relator Paulo Teixeira Duarte), sendo certo que vivemos um período de taxas de juros relativamente baixas, com previsibilidade de descida atento o anunciado pelo banco central europeu. Assim, sendo o referido montante recebido de uma só vez deverá ser ajustado para o montante de € 40.000,00, acrescido dos juros para compensação da mora, desde a data da citação da Ré até efectivo e integral pagamento ( cfr. artigos 559º, 804º e 805º do Código Civil). Afigura-se-nos, por isso, que a indemnização fixada à autora pelo Tribunal a quo, a título de compensação pelo dano biológico, deverá ser mantida no montante de € 40.000,00. Improcede, por isso, neste segmento, o recurso da ré, bem como o recurso subordinado dos autores. 4.4 Danos não patrimoniais A título indemnizatório pelos danos não patrimoniais, entende a ré Apelante que tal montante deve ser fixado em € 25.000,00, ao contrário do valor de € 35.000,00 fixado pelo Tribunal a quo. Por sua vez, entende o autor Apelante que tal montante deve ser fixado em € 50.000,00, ao contrário do valor de € 35.000,00 fixado pelo Tribunal a quo. Vejamos então. Conforme já referimos a indemnização por danos não patrimoniais cuja gravidade merece a tutela do direito (artigo 496.º do Código Civil) deve, nos termos do n.º 4, primeira parte deste preceito, ser fixada segundo juízos de equidade, tendo em conta as demais circunstâncias do caso (artigo 494.º do Código Civil). A indemnização destes danos não tem por objecto a reposição da situação em que o lesado estaria se não tivesse sofrido o dano (artigo 566º, nº 2, do Código Civil) mas apenas dar-lhe algo que possa constituir uma compensação do dano sofrido, contribuindo para aliviar ou reduzir o seu sofrimento e a sua perda. Por isso mesmo, a indemnização tem de ser fixada com base na mera equidade (artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil), levando em linha de conta as circunstâncias do caso. Com a cláusula de equidade, prevista em geral no artigo 4.º e permitida, no que ora interessa, nos artigos 496.º, n.º 3 e 566.º, n.º 3, do Código Civil, o tribunal resolverá o litígio ex aequo et bono e não ex jure stricto. Ora, o juízo ou critério equitativo corresponde ao “prudente arbítrio do julgador”. José Tavares, in Princípios Fundamentais do Direito Civil, vol. I, pág. 50, ensinava que a função característica da equidade era “tomar na devida consideração as circunstâncias especiais do caso concreto, e não aplicar a norma geral na sua rigidez”. “A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto”. Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, volume I, pág. 54, ao decidir segundo a equidade, o julgador não está subordinado aos critérios normativos fixados na lei. E a fls. 501, referem: “Quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se encontrar aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa: a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias) em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. A equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo. E funciona em casos muito restritos, algumas vezes para colmatar as incertezas do material probatório; noutras, para corrigir as arestas de uma pura subsunção legal, quando encarada em abstracto. (…) A equidade é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio”. Concluem: “Em síntese, a proporção, a adaptação às circunstâncias, a objectividade, a razoabilidade e a certeza são as linhas de força da equidade quando opera, com os ditames da lei, na análise e compreensão e solução do caso concreto”. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.10.1980, in BMJ n.º 300, pág. 386, referia-se que ao exercício da aequitas associa-se sempre a prática dum “prudente arbítrio” atentas as circunstâncias do caso. Ou seja, equidade é a expressão da justiça no caso concreto, consistindo em atender ao condicionalismo de cada caso concreto, com vista a alcançar a solução equilibrada e justa, havendo que ter presentes as regras da boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, bem como os padrões de indemnização adoptados pela jurisprudência. Assim se compreende que a actividade do juiz no domínio do julgamento à luz da equidade, não obstante se veja enformada por uma importante componente subjectiva, não se reconduza ao puro arbítrio. Sendo que para o cálculo do respectivo montante, ponderará, entre outros factores, o grau de culpa do autor da lesão, as condições económicas deste e do lesado, as flutuações da moeda - cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., 1987, p. 501. Não deve ser descurada a Doutrina e a Jurisprudência de onde vêm soprando sempre novos ventos de justiça sobre este campo indemnizatório, nomeadamente, o anunciado sentimento de que “a indemnização ou compensação deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista” – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.07.2002, in CJ cit., pág. 134. Neste particular, tem sido salientado que o dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo: (i) o chamado quantum (pretium) doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos, a analisar através da extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico; (ii) o “dano estético” (pretium pulchritudinis), que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; (iii) o “prejuízo de distracção ou passatempo”, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, vg., com renúncia a actividades extra-profissionais, desportivas ou artísticas; (iv) o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra na “alegria de viver”; (v) o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; (vi) os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; (vii) o prejuízo juvenil “pretium juventutis”, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida, privando a criança das alegrias próprias da sua idade; (viii) o “prejuízo sexual”, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais; (ix) o “prejuízo da auto-suficiência”, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária, decorrente da impossibilidade, de se vestir, de se alimentar - cf., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.11.2009, proferido no processo 397/03.0GEBNV.S1, www.dgsi.pt. Presente neste domínio deverá estar a consideração do melindre que a “quantificação”/valoração de tais danos sempre acarreta, procurando traduzir-se em quantia certa de coisa fungível (a mais fungível das coisas), o que por natureza é insusceptível de mensuração e de redução a uma expressão numérica, não tendo cabimento uma reparação por equivalente, encerrando óbvias dificuldades a tradução em números do que por definição não tem tradução matemática, procurando ter-se em conta todo o cortejo de dores e sofrimentos padecidos, por vezes, o corte abrupto dos sonhos e das ambições, dos projectos de vida, bem como o reflexo, o rebate da perda de autonomia de vida em diversos aspectos, com todas as consequentes limitações, sob múltiplas formas, da vivência do demandante e os efeitos imediatos e mediatos de todas as sequelas das lesões sofridas. Neste campo, em que não entram considerações do “ter” ou “possuir”, “perder”, ou “ganhar”, mas do “ser”, “sentir”, ou “sonhar”, não rege a teoria da diferença, nem faz sentido o apelo ao conceito de dano de cálculo, pois que a indemnização/compensação do dano não patrimonial não se propõe remover o dano real, nem há lugar a reposição por equivalente. Efectivamente, em bom rigor, a única condição de compensabilidade dos danos não patrimoniais é a sua gravidade, o que lhes confere um carácter algo indeterminado e de difícil quantificação. Seria, por isso, em vão que se tentaria apurar o respectivo quantum compensatório com base em factores aparentemente objectivos, devendo reconhecer-se ao julgador margem para valorar segundo critérios subjectivos (na perspectiva do lesado), isto é, “à luz de factores atinentes à especial sensibilidade do lesado como a doença, a idade, a maior vulnerabilidade ou fragilidade emocionais” - cfr. Maria Manuel Veloso, “Danos não patrimoniais”, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, volume III - Direito das Obrigações, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pág. 506. A equidade é aqui, em rigor, o único recurso do julgador, ainda que não descurando as circunstâncias que a lei manda considerar (cfr. artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil). Dito isto e voltando ao caso concreto sub judice, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, não deixando de trazer à colação e analisar várias decisões, mais ou menos semelhantes, quer das Relações, quer do Supremo Tribunal de Justiça, no fito de procurar que a indemnização atribuída estivesse em sintonia com o cumprimento de um regime jurisprudencial de segurança e igualdade na realização da justiça equitativa (artigo 496º, nºs 1 e 4 do Código Civil). No caso e com interesse para a apreciação deste dano, provou-se que a Autora foi projectada ao pavimento da berma, imobilizando-se (12º) e depois de efectuadas as manobras de estabilização foi transportada para o hospital (13º e 14º). Mais se provou, que sofreu várias lesões (16º) como politrauma com TCE e ferida occipital; fractura cominutiva dos ossos da perna e colo do perónio; fractura do ramo ílio - púbico à direita; fractura do 4º arco costal à direita; fractura da transição da coluna anterior do acetábulo à direita para o ramo superior do osso púbico e do ramo inferior do mesmo osso, com discreto desalinhamento dos topos ósseos; fractura cominutiva do 1/3 distal do perónio; fractura impactada cominutiva da diáfise distal da tíbia; fractura do 4º arco costal à direita; fractura da transição da coluna anterior do acetábulo à direita para o ramo superior do osso público e ramo inferior do mesmo osso, com discreto desalinhamento dos topos ósseos; lesão de Morel - Lavallée. Provou-se, ainda, que durante o internamento hospitalar foi submetida a intervenções cirúrgicas e depois de ter alta foi novamente submetida a intervenção cirúrgica ao dedo polegar esquerdo em 24.05.2021. Mais se provou, que se sujeitou a longas e penosas sessões de fisioterapia e esteve incapacitada durante 293 dias, necessitando da ajuda de terceira pessoa para as necessidades básicas do seu dia-a-dia. Provou-se, ainda, que sofreu imobilização, incómodos e continuará a sofrer de limitação de mobilidade e deixou de ter disposição e de poder dançar e fazer caminhadas nos termos que antes fazia, com frequência, o que lhe acarreta desgosto dada a relevância que essa actividade tinha no seu dia-a-dia. Mais se provou, que após a data do acidente a autora tornou-se, em termos familiares, uma pessoa queixosa, inconformada, conflituosa, distante e muito pouco disponível e passou a necessitar da permanente ajuda do marido e que, em tom de lamento, está sempre a repetir: - “Este acidente acabou comigo!...”. Provou-se, ainda, que após o acidente, a autora transformou-se numa pessoa revoltada, sofredora, intolerante, cujos pensamentos e conversas vão ter inexoravelmente a factos e episódios negativos, como doenças, acidentes e tragédias similares, Mais se provou, que a autora sofreu um quantum doloris fixável no grau 5/7, apresenta dano estético permanente de Grau 3/7, sofreu repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer no grau 1/7, sofreu repercussão permanente na actividade sexual no grau 1/7 e apresenta um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 15 pontos. Por outro lado, antes da ocorrência do sinistro a autora era saudável, alegre, não tinha quaisquer deficiências físicas, trabalhava num sector de actividade fisicamente exigente. Em termos sociais e familiares era um sólido pilar da sua família, sendo extrovertida, alegre e presente, mas por causa do acidente e, em consequência das lesões sofridas, ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 15 pontos. A A. sofreu afectação permanente e as dores serão persistentes, afectando a sua energia anímica, não se esgotando o dano moral no sofrimento que a A. já teve, mas traduzindo-se num sofrimento por toda a sua vida futura. Ora, considerando a matéria de facto dada como provada é manifesto que o valor defendido pela Ré para compensar a Autora pelo dano não patrimonial sofrido é manifestamente exíguo. Afigura-se-nos, porém, que o montante pugnado pelos Autores, em sede de recurso subordinado, é excessivo, parecendo-nos adequado o valor de € 45.000,00 fixado pelo Tribunal a quo. Com efeito, conforme já referimos, a indemnização, a título de danos não patrimoniais, deverá, como sabemos, compensar o lesado pelos danos físicos e morais sofridos e a sofrer. Também aqui inexistem critérios “exactos”, fixados por lei, determinando esta que, à míngua desses critérios, a indemnização seja arbitrada com base na equidade. Assim, aplicando as regras da equidade, deve in casu, atender-se às consequências físicas e morais que para a recorrente resultaram do acidente, acima reproduzidas. Ora, da factualidade dada como provada vê-se que foram muito graves as consequências do acidente no estado físico e moral da autora/recorrente. As incapacidades, as dores e as consequências que ficam dos acidentes de viação constituem, em geral, para os lesados o fim de uma vida saudável e são ofensas ilícitas à personalidade física e moral das pessoas, direito fundamental consagrado constitucionalmente, pelo que o quantum indemnizatório deve constituir uma contrapartida digna e justa. Todavia, uma vez definida autonomamente a compensação devida pelo dano biológico causado ao lesado, o montante indemnizatório devido pelos danos não patrimoniais ou morais complementares não pode ter em conta os factores que estiveram na origem da definição da compensação decorrente daquele dano biológico. Como “lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar o havido sofrimento moral”, a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, não se compadecendo com a atribuição de valores meramente simbólicos, sendo que numa interpretação actualista da lei, para efeito da fixação da compensação com recurso à equidade, merecem ser destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global, a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente à União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se deve também repercutir no aumento das indemnizações. Assim, no caso dos autos, pensamos que a contrapartida justa e equitativa para compensar o autor pelos danos não patrimoniais, passados, presentes e futuros corresponderá, atenta a sua gravidade, se deverá manter no valor de € 45.000,00, actualizada a esta data. Impõe-se, assim, neste segmento o não provimento do recurso interposto pela ré, bem como o não provimento do recurso subordinado interposto pelas autoras. * 4.5 Da dedução do montante pago pela Ré a titulo de perdas salariais/ITA´s.Pugna a Autora Apelante que não deve ser deduzido o montante de € 4.590,00 pago à A. a título de adiantamento por conta das perdas salariais sofridas, no período entre 28/02/2020 e 19/10/2020, na sequência do acidente dos autos. Vejamos então. Conforme atrás demos como provado a Ré liquidou à A. a quantia global de € 4.590,00 a título de adiantamento por conta das perdas salariais sofridas, no período entre 28/02/2020 e 19/10/2020, na sequência do acidente dos autos. As referidas perdas salariais, foram pagas pela Ré/Recorrente, entre 28.02.2020 (data do acidente foi em 27.02.2020) até 19.10.2020, como se alcança do teor dos docs. 17 e 28 a 32 juntos com a petição. Ou seja, as perdas salariais, reportam-se assim às retribuições que a Autora iria auferir durante aqueles meses, e não recebeu por conta do acidente que a deixou incapacitada. De resto, foi a própria autora quem trouxe aos autos a alegação e prova documental desses pagamentos e já os deduziu ao seu pedido primitivo, não estando, por isso, peticionados, pelo que, a sua dedução pelo Tribunal a quo carece de fundamento. Com efeito, constituem perdas reais e efectivas de rendimento, que a Autora sofreu durante os períodos de incapacidade temporária, integrando o dano emergente. Afigura-se-nos, ainda, que não deverão englobar as perdas salariais (passadas) no dano biológico, por este ser um dano futuro que vai projectar-se ao longo de toda uma vida activa de produtividade limitada. A esse propósito chamamos à colação o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.05.2011 (Relator Gregório Silva Jesus), proferido no processo n.º 7449/05.0TBVFR.P1.S1 de onde se extrai o seguinte: “Por conseguinte, o dano biológico tem valoração autónoma em relação aos restantes danos, e casuisticamente o seu cariz poderá oscilar entre dano patrimonial ou dano moral. Sofrendo o lesado, em simultâneo, perdas salariais efectivas as mesmas integrarão o dano emergente, como perda patrimonial directa e imediata consequente da perda de capacidade de ganho, calculada em função das remunerações percebidas à data do acidente, e nunca deverão influir no juízo de equidade.” Merece, assim, provimento este segmento do recurso subordinado da Autora, não devendo, por isso, ser deduzido qualquer montante pago pela Ré seguradora a título de perdas Salariais/ITA’s, nomeadamente, o montante de € 4.590,41, às quantias a arbitrar à autora. * Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:……………………………… ……………………………… ……………………………… * 5. DecisãoNos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em: - julgar não provido o recurso de Apelação interposto pela Ré; - julgar parcialmente provido o recurso subordinado interposto pelos autores, revogando a dedução do montante de € 4.590,41 a título de perdas Salariais/ITA’s, sendo julgado não provido no demais; - mantém-se o demais decidido em primeira instância. * Custas do recurso interposto pela ré a cargo da ré/apelante e custas do recurso subordinado interposto pelos autores a cargo dos autores/apelantes (9/10) e da ré/apelada (1/10), na proporção do decaimento.* Notifique.Porto, 04 de Julho de 2024 Os Juízes Desembargadores Paulo Dias da Silva João Venade Manuela Machado (a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinatura electrónica e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem) |